INTRODUÇÃO
O uso de tecnologias móveis sem fio na saúde tem crescido nos últimos anos, apresentando um potencial de transformar o perfil dos serviços em saúde em todo o mundo (Piette et al., 2015). O rápido avanço de aplicativos (apps) para aparelhos móveis, a maior integração da saúde móvel dentro dos serviços de saúde e o continuado crescimento da cobertura da rede de telefonia celular são os motores dessa mudança (International Telecommunication Union, 2016), hoje consideradas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), tecnologias indispensáveis para o alcance da cobertura universal de saúde, especialmente em populações mais vulneráveis (WHO, 2011, Bertoncello et al., 2020).
Segundo dados do Global Mobile Market Report de 2019, a prevalência no uso de smartphones no Brasil é de 45,6%, com aproximadamente 97 milhões de pessoas, sendo, portanto, o quarto país do mundo com o maior número de usuários (Newzoo, 2019). Concomitantemente ao aumento das iniciativas em mobile Health (mHealth), observa-se o crescimento de apps relacionados à saúde. Atualmente, mais de 200 mil apps de saúde estão disponíveis nas diversas plataformas e, desde 2013, um avanço sobre a compreensão das barreiras que impedem sua maior perfusão tem sido observado (IMS Institute for Healthcare Informatics, 2015).
De um modo geral, apps de saúde são definidos como os que facilitam o gerenciamento de doenças e os que auxiliam a prática e exercícios físicos e de controle alimentar. No estudo em tela, adotamos esta definição. Aqueles relacionados à exercícios físicos e controle alimentar ou de peso, compreendem dois terços desse universo, podendo ainda incluir nesse grupo, apps sobre estilo de vida e gerenciamento do stress (IMS Institute for Healthcare Informatics, 2015).
Inúmeras intervenções baseadas em teorias comportamentais são descritas na literatura como eficazes na mudança de hábitos associados à prática de atividade física. No entanto, o auto-monitoramento, feedbacks e recompensas e estabelecimento e revisão de metas aparecem na literatura como a algumas das mais importantes estratégias (Michie, Abraham, Whittington, McAteer, & Gupta, 2009; Michie et al., 2011). Diante desse conhecimento, muitos desenvolvedores buscam adaptar aos seus apps estratégias em busca de fidelização de seus clientes e aumento da adesão as intervenções propostas.
Apesar da grande disponibilidade de apps no mercado, estudos clínicos que avaliam o impacto de suas utilizações sobre desfechos em saúde ainda são escassos e muitas vezes metodologicamente limitados (Schrack, Zipunnikov, & Crainiceanu, 2015). Por outro lado, pesquisadores da Universidade de Stanford, na Califórnia conduziram o primeiro ensaio clínico controlado e randomizado totalmente digital, por meio de um app desenvolvido especificamente para o estudo, no qual após 18 meses de intervenção, aproximadamente 500 voluntários aumentaram em média 10% seus níveis de atividade física, mensurada por meio do número de passos diários (Shcherbina et al., 2019).
Até o momento, no entanto, são desconhecidos estudos nacionais sobre o uso de apps de saúde e sua relação com hábitos de atividade física, abrindo assim uma importante lacuna de investigação sobre o uso dessas novas tecnologias móveis e seus possíveis impactos nos níveis de atividade física e saúde. Deste modo, considerando o avanço dessas tecnologias, a elevada prevalência de seu uso no Brasil, somada a escassez de dados nacionais sobre o tema e, não menos importante, a elevada prevalência de inatividade física, o objetivo do presente estudo foi avaliar os hábitos relacionados ao uso de smartphones e apps de saúde entre jovens universitários e comparar os níveis de atividade física e sedentarismo, entre os que utilizam ou não tais tecnologias.
MÉTODOS
Amostra
O presente estudo caracteriza-se como observacional transversal, foi composto por uma amostra de conveniência, formada por estudantes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Considerando o delineamento observacional transversal do estudo, foi utilizado, para a determinação do tamanho amostral, um nível de alfa de 5% de potência amostral de 80%, chegando a um valor mínimo de 433 sujeitos. Após a exclusão dos outliers (resultados acima de três desvios padrões da média para as variáveis dependentes) e dos dados omissos, foram avaliados 591 indivíduos (269 homens), de 21 (60%) dos 35 cursos de graduação oferecidos pela instituição, com idade média de 21± 4 anos. O peso e a altura foram auto relatados, permitindo o cálculo do índice de massa corporal de forma também auto relatada (Araujo & Araujo, 2003). Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o estudo seguiu as orientações da Declaração de Helsinki e Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde.
Avaliação do hábitos de uso de smartphones
Para a avaliação dos hábitos de uso de smartphones e aplicativos ligados à saúde, foi utilizado um questionário semi-estruturado, desenvolvido pelo Pew Research Center (disponível em: https://www.pewresearch.org). O Pew Research Center é um think tank1 especializado em pesquisas de opinião pública, pesquisa demográfica, análise de conteúdo e outras pesquisas em ciências sociais baseadas (Pew Research Center, 2020). Dez questões estruturadas e semi-estruturadas foram adaptadas, com o objetivo de avaliar o uso de smartphones, aplicativos e tempo gasto no uso de tais tecnologias. Foram considerados aplicativos de saúde todos os que facilitavam o gerenciamento de doenças e os que auxiliam a prática e exercícios físicos, controle alimentar, controle do sono ou gerenciamento do estresse.
Avaliação de hábitos de atividade física
Para a avaliação dos hábitos de atividade física e comportamento sedentário, foi utilizado o Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) (Matsudo et al., 2001) em sua versão curta. Para efeitos de análise, a amostra foi dividida em 3 grupos em função do tempo estimado de atividade física semanal. Foram considerados inativos aqueles que realizavam menos que 150 minutos de atividade física semanal; ativos os que realizavam entre 150 e 299 minutos semanais e muito ativos os que realizavam tempos igual ou superior a 300 minutos semanais de atividade física. O comportamento sedentário foi avaliado em função do tempo sentado dispendido ao longo dos dias de semana e aos finais de semana. Para fins de análises, a amostra foi dividida em tercis em função do tempo sentado semanal.
Aplicação dos questionários
Todos os questionários foram aplicados presencialmente sob a supervisão de pesquisadores de campo treinados. Em linhas gerais, os estudantes foram abordados durante o período de suas aulas, após consentimento do professor responsável. O tempo médio de resposta aos questionários foi de 17± 4 minutos.
Estatística
A normalidade dos dados foi testava através do teste de Kolmogorov Smirnov. Os dados foram apresentados como média± desvio padrão ou em valores percentuais, quando apropriado. Para a comparação de variáveis contínuas entre grupos divididos tanto por nível de atividade física, como em tercis do tempo sentado, foi realizada uma ANOVA simples, seguido pelo teste de post-hoc de Bonferroni, quando apropriado, enquanto que para variáveis categóricas, foi adotado o teste do qui-quadrado. Para as comparações entre os grupos em função do uso de smartphones e aplicativos de saúde, foi utilizado um test-t de Student para amostras independentes. A reprodutibilidade do questionário foi testada em uma sub-amostra (n= 95) para obter um índice Kappa igual ou superior a 0,25, com erro do tipo I de 5% e do tipo II de 20%. Foram adotados os seguintes critérios na interpretação dos valores de Kappa: pobre (k< 0,20); fraco (0,21< k ≤ 0,40); moderado (0,41< k < 0,6) e substancial (k≥ 0,60) para cada uma das dez de questões do questionário. Adicionalmente, foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman (Rs) assumindo intervalos de confiança de 95%. Realizou-se o procedimento de teste-reteste por um único avaliador, com intervalo de duas semanas entre as aplicações. Os valores de Kappa para cada questão variou entre 0,48 e 0,84. Os valores de Rs dos questionários variaram de 0,55 a 0,97. Todas as análises foram realizadas pelo pacote estatístico NCSS (NCSS Inc., Kayesville, Utah, USA).
RESULTADOS
Uso de smartphones e aplicativos de saúde
Dos 591 estudantes universitários avaliados, 88,7% eram usuários de smartphones (Figura 1a). A interação social pelo uso de mídias sociais, especialmente pelo Facebook e do Instagram, foi a principal razão que motivou os jovens a utilizar seus smartphones, sendo 96% destes jovens usuários de alguma rede social. A Figura 1b demonstra as principais razões pelas quais 89 estudantes não possuíam smartphones (Figura 1b). Exceto pela idade, que foi significativamente maior entre os não usuários de smartphones (23± 7 vs. 21± 4, p< 0,05), todas as demais características demográficas, como o peso, o índice de massa corporal e a altura não apresentaram diferenças significativas (p> 0,05 para todas comparações).
A Figura 1c demonstra que entre os estudantes usuários de smartphones, 30% já havia utilizado ou ainda costuma utilizar aplicativos ligados à saúde. Em adendo, cabe destacar que dentre os usuários de aplicativos ligados à saúde, 70% eram estudantes de cursos não ligados ao campo da saúde. Dentre os apps de saúde mais utilizados, destacaram-se os relacionados a exercícios físicos (37,8%) e ao controle alimentar (36%). Aplicativos relacionados ao controle do sono, controle da ingestão hídrica e do ciclo menstrual também foram relatados, representando 26% de aplicativos utilizados (Figura 1d). Na Figura 1e são apresentadas as principais razões pelas quais os estudantes utilizavam aplicativos relacionados à saúde (Figura 1e). Dentre os 591 estudantes, 56% relataram que não pagariam por aplicativos de celular, enquanto apenas 10% relataram que pagariam 5 reais ou mais por aplicativos. Não foram observadas diferenças significativas nas variáveis demográficas entre usuários e não usuários de aplicativos ligados a saúde (p> 0,05 para todas as comparações).
Hábitos de atividade física e comportamento sedentário
Na Tabela 1 podemos observar a comparação das características demográficas e outras variáveis de interesse, entre os grupos divididos em função dos níveis de atividade física determinados pelo IPAQ. Dentre as características demográficas, apenas a altura apresentou diferenças significativas entre os grupos. Enquanto 24,5% das estudantes do sexo feminino eram inativas, 19,7% dos estudantes do sexo masculino realizavam menos que 150 minutos de atividade física semanal (Tabela 1). Quando observada toda a amostra, nossos resultados revelam que 22,4% dos estudantes realizavam menos de 150 minutos de atividades físicas semanais.
Variáveis | Todos os sujeitos n= 591 | Inativos (<150 min/sem) n= 132 | Ativos (150-299 min/sem) n= 163 | Muito ativos (≥300 min/sem) n= 296 | Valor p |
---|---|---|---|---|---|
Idade (anos) | 21± 4 | 22± 5 | 21± 4 | 21± 4 | 0,51 |
Peso (kg) | 66,8± 14,3 | 65,0± 16,5 | 66,5± 12,9 | 67,7± 13,7 | 0,18 |
Altura (cm) | 168,8± 9,6 | 166,1± 10,7 | 168,7± 8,3 | 170,1± 9,3* | < 0,001 |
IMC (kg/m2) | 23,1± 4,5 | 23,2± 5,0 | 23,1± 4,2 | 23,1± 4,4 | 0,95 |
Homens (%) | 46 | 19,7 | 18,2 | 62,1** | 0,02 |
Mulheres (%) | 54 | 24,5 | 24,2 | 51,2** | 0,02 |
Cursos de Saúde (%) | 33 | 20,3 | 15 | 64,7** | 0,05 |
Outros Cursos (%) | 77 | 23 | 23,4 | 53,6** | 0,05 |
Atividade Física (min/sem) | 572± 652 | 64± 47 | 214± 43 | 912± 698 | < 0,001 |
Tempo Sentado (horas/dia) | 8,2± 3,6 | 8,9± 3,5 | 8,7± 3,5 | 7,7± 3,6** | 0,002 |
IMC: índice de massa corporal.
*diferenças significativas em comparação ao grupo Inativo.
**Diferença significativa entre os demais grupos.
Dos 21 cursos analisados, 33% pertenciam a áreas de saúde (educação física, nutrição, psicologia, medicina e odontologia). Destes, 20,3% praticavam atividades físicas com nível inferior 150 minutos por semana. Dentre os universitários de cursos não ligados a saúde, este percentual foi discretamente superior (p> 0,05), sendo 23% dos jovens com níveis inferiores a 150 minutos por semana (Tabela 1).
Além de possuírem um tempo médio de atividade física semanal aproximadamente 15 vezes inferior, o grupo inativo também apresentou um tempo médio sentado diário ao longo da semana, significativamente maior quando comparado ao grupo muito ativo (8,9± 3,5 vs. 7,7± 3,6 horas, p= 0,002) (Tabela 1).
Na Tabela 2 podemos observar a comparação entre algumas variáveis de interesse, entre os grupos divididos em tercis em função do tempo total sentado diário. O tempo médio em que os 591 estudantes dispenderam sentados foi de 8,2± 3,4 horas por dia. O peso corporal e o índice de massa corporal não apresentaram diferenças significativas entre os tercis (p= 0,06 e p= 0,81, respectivamente). Enquanto 28% dos homens faziam parte do tercil que permanecia maior tempo médio sentado diariamente (11,9± 2,6 horas), 39% das mulheres faziam parte deste grupo. A proporção entre os estudantes de cursos ligados a saúde e outros cursos entre os tercis foi similar, não apresentando diferenças significativas (p= 0,86). O tempo médio de atividade física semanal foi significativamente superior no grupo em que permanecia menos sentado, quando comparado aos demais grupos (p= 0,009) (Tabela 2).
Variáveis | Pouco Sentado (Tercil 1) | Moderadamente Sentado (Tercil 2) | Muito Sentado (Tercil 3) | Valor p |
---|---|---|---|---|
Peso (kg) | 68,2± 14,7 | 67,4± 14,3 | 64,8± 13,7 | 0,06 |
IMC (kg/m2) | 23,3± 4,5 | 23,1± 4,6 | 22,9± 4,4 | 0,81 |
Homens (%) | 37 | 35 | 28* | 0,007 |
Mulheres (%) | 30 | 31 | 39* | 0,007 |
Cursos de Saúde (%) | 31 | 35 | 34 | 0,86 |
Outros Cursos (%) | 34 | 33 | 33 | 0,86 |
Atividade Física (min/sem) | 769± 1072 | 516± 540* | 511± 690* | 0,009 |
Tempo Sentado (horas/dia) | 4,8± 1,4** | 7,9± 0,7** | 11,9± 2,6** | < 0,001 |
IMC: índice de massa corporal.
*diferenças significativas em comparação ao grupo pouco sentado.
†diferenças significativas entre os outros grupos
Smartphones, apps, atividade física e comportamento sedentário
Na Figura 2, observamos as comparações entre o tempo semanal médio de atividade física e o tempo médio sentado diário entre usuários e não usuários de smartphones, de apps de saúde, de exercícios físicos e de controle alimentar. Usuários de smartphones (587± 642 vs. 426± 624 min/sem, p= 0,03 — Figura 2a) e aqueles que relataram utilizar apps relacionados ao controle alimentar (751± 734 vs. 556± 640, p= 0,04 — Figura 2g) apresentaram maiores níveis de atividade física quando comparadores aos não usuários. Não foram observadas diferenças significativas para todas as demais comparações relacionadas ao tempo de atividade física e sentado (p> 0,05 para todas as demais comparações). Foi observado um maior percentual de estudantes ativos (≥ 150 min/sem) dentre os usuários de smartphones, quando comparados aos não usuários (79% vs. 66%, p= 0,02). O mesmo resultado foi observado para os usuários de apps relacionados ao controle alimentar. Dentre os que relatavam utilizar apps relacionados ao controle alimentar, 62% realizavam ao menos 150 minutos de atividade física por semana. Dentre os não usuários de aplicativos de controle alimentar, 51% realizavam atividade física semanal com tempo igual ou superior a 150 minutos por semana (p= 0,04). Todas as demais comparações entre o percentual de usuários ativos ou não ativos não apresentaram nível de significância.
DISCUSSÃO
O uso de tecnologia móveis e sem fio é crescente na prevenção e gerenciamento de doenças crônicas não transmissíveis, com o potencial de oferecer intervenções baseadas em teorias comportamentais em saúde (Free et al., 2013; Kumar et al., 2013; Steinhubl, Muse, & Topol, 2013).
Por sua vez, o número de usuários de smartphones vem crescendo significativamente nos últimos anos, principalmente entre jovens adultos. Segundo dados do Pew Research Center, cerca de 79% dos jovens norte-americanos entre 18 e 24 anos, independentemente da renda, possuem smartphones (Smith, 2013). Em adendo, adultos jovens pertencem ao grupo etário que mais usa smartphones em busca de informações de saúde, sendo 24% usuários de aplicativos para rastreamento ou gerenciamento da sua saúde (Smith, 2013).
No Brasil, em 2019, a penetração de smartphones foi de 45,6%, com aproximadamente 97 milhões de usuários. Segundo dados de pesquisa realizada pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresa, 8 em cada 10 brasileiros entre 18 e 24 anos possuem smartphones (Lojistas, 2019).
Nossos resultados confirmam o alcance dessas novas tecnologias na medida em que, mesmo considerando a diversidade sociocultural da universidade pública, 88,7% (Figura 1a) dos universitários relataram possuir smartphones, sendo o uso de redes sociais o principal motivo para a utilização desses dispositivos. Dentre os 11,3% que relataram não possuir smartphones, 29,2% apresentaram motivos financeiros como a principal razão por não disporem de tais tecnologias (Figura 1b), o que coloca em questionamento o uso universal em todos os grupos sociais, especialmente aqueles de maior vulnerabilidade.
Além de seu alcance, os atuais smartphones apresentam a união de diversas tecnologias integradas (GPS, acelerômetria, bluetooth, entre outros) que permitem aos desenvolvedores e aos pesquisadores a criação de diversas aplicabilidades no campo da saúde, gerando um ambiente de constante inovação (Newzoo, 2019).
Dentre os usuários de smartphones, nossos resultados demonstraram que 30,2% (Figura 1c) utilizava ou já havia utilizado apps voltados à saúde, dentre os quais, 73,8% (Figura 1d) eram relacionados à exercícios físicos ou controle alimentar. Corroborando nossos achados, pesquisa realizada pelo IMS Institute for Healthcare Informatics, após avaliar 165 mil aplicativos de saúde disponíveis nas plataformas Apple iOS e Google App, constatou que apps relacionados à exercícios físicos e dieta compreenderam cerca de 66% dos aplicativos com o maior número de downloads, seguidos por aplicativos de controle e tratamento de doenças ou gravidez, que obtiveram um terço dos downloads (Newzoo, 2019).
Ao serem questionados sobre as razões pelas quais utilizavam apps de saúde, 36,1% relataram busca por maior qualidade de vida, 20,1% por controle de peso corporal e 18,1% para melhor desempenho físico. Nossos dados reforçam a compreensão de que jovens buscam utilizar apps como uma forma de auxiliá-los a alcançar alguma meta específica, facilitando a manutenção de comportamentos pré-existentes ou como uma tentativa de estabelecer novos comportamentos ou hábitos de saúde. Essa premissa foi confirmada por Gowin e colaboradores em estudo qualitativo que avaliou jovens entre 18 e 24 anos (Gowin, Cheney, Gwin, & Wann, 2015). Segundo os autores, a maioria dos participantes utilizavam mais de um app de saúde e de exercícios e relataram utilizá-los com metas já previamente estabelecidas. As principais metas relatadas foram relacionadas ao aumento da distância percorrida ao correr, ao aprendizado de novos exercícios, ao aumento nos níveis de aptidão física, ao melhor controle alimentar e a perda de peso corporal (Gowin et al., 2015). A maioria dos avaliados acreditavam que suas metas eram alcançadas e facilitadas pelo uso dos apps.
Neste estudo, 56% dos universitários relataram não estarem dispostos a pagar pelo uso de apps, enquanto apenas 10% pagariam por apps com valores superiores a 5 reais. Este é um dado relevante, na perspectiva em que muitos apps comerciais disponíveis nas principais plataformas possuem versões gratuitas, mas também versões pagas para um mesmo aplicativo, as chamadas versões “premium”, essas últimas, com mais funções disponíveis. Fato que, em certa medida, poderia ter relação com o alcance de metas pré-estabelecidas por seus usuários. Reforçando essa premissa, Direito e colaboradores (Direito et al., 2014), após investigar os 40 apps relacionados a exercícios e dietas com o maior número de downloads da Apple Store, comparou de forma qualitativa, a incorporação e utilização de teorias de mudança comportamental entre apps gratuitos e pagos. Segundo os autores, a utilização de teorias comportamentais foi mais prevalente em apps em suas versões premium (Direito et al., 2014). Assim como em nosso estudo, Gowin e colaboradores também afirmam que aproximadamente metade dos avaliados não considerariam utilizar apps que fossem pagos. O restante dos avaliados, no entanto, considerariam a possibilidade de pagar por um app desde que suas funções de fato os auxiliassem a conquistar suas metas, mas que ainda assim prefeririam não pagar. Muitos afirmaram, ainda, que não viam razões para pagar por um app, na medida em que a maioria possuía versões gratuitas (Gowin et al., 2015).
Quando avaliado o percentual dos jovens que realizavam ao menos 150 minutos de atividade física por semana, observamos que a maioria (77%) foram classificados como ativos ou muito ativos. Por outro lado, observamos um maior percentual de estudantes do sexo feminino inativos (24,5%), quando comparado aos do sexo masculino (19,7%) dentre os inativos. O nível de atividade física não foi determinante nas variações do peso corporal e índice de massa corporal, na medida em que não foram observadas diferença significativas entre os grupos ativos e inativos (p> 0,05 para todas as comparações). Considerando os resultados do estudo Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) (Ministério da Saúde, 2019), observamos que a prevalência de jovens ativos foi superior àquela apresentada para a população brasileira, que é de aproximadamente 40%. Dados sobre a prevalência de atividade física entre adolescentes e jovens é bastante variado na literatura (Filho et al., 2018). Em adendo, espera-se uma queda nos níveis de atividade física em grupos etários mais velhos. Neste sentido, Nasser e colaboradores demonstraram que jovens brasileiros, com idades entre 18 e 23 anos de idade apresentavam 57% mais chances de realizar atividades física semanais por 150 minutos quando comparados a adultos com idades entre 29 e 35 anos (Nasser et al., 2016). Por outro lado, nossos dados confirmam achados da literatura ao revelar uma desigualdade nos níveis de inatividade física entre os sexos. De um modo geral, mulheres tendem a ser mais inativas quando comparados aos homens em diferentes países do mundo, incluindo o Brasil (Guthold, Stevens, Riley, & Bull, 2018; Ministério da Saúde, 2019). Sob a ótica do presente estudo, nossos dados alertam para a importância de se pensar o uso de tecnologias móveis, através de soluções inovadoras, para a promoção da atividade física voltada às mulheres.
Outro dado relevante revelado por nosso estudo diz respeito ao elevado tempo diário sentado apresentado pelos jovens universitários. Mesmo entre os estudantes mais ativos (≥ 300 minutos/semana), o tempo médio sentado foi de 7,7± 3,6 horas por dia (Tabela 1). Apesar de significativamente menor quando comparado ao tempo sentado daqueles que eram inativos (8,9± 3,5), nossos dados demonstram que, apesar da alta prevalência de atividade física na amostra estudada, jovens universitários permanecem muitas horas de seus dias sentados (8,2± 3,4). Este é um dado alarmante, uma vez que evidências relevantes demonstram uma relação curvilínea de dose-resposta entre comportamentos sedentários e mortalidade por todas as causas (Xu et al., 2019), mortalidade cardiovascular (Ekelund, Brown, et al., 2019; Patterson et al., 2018) e incidência de doenças cardiovasculares (Ahmad, Shanmugasegaram, Walker, & Prince, 2017; Bailey, Hewson, Champion, & Sayegh, 2019; Del Pozo-Cruz et al., 2018), com um aumento da inclinação da curva nos grupos com maior tempo de comportamentos sedentários (Ekelund, Tarp, et al., 2019). Dados da literatura demonstram, no entanto, que maiores níveis de atividade física podem atenuar, mas não anular os riscos associados ao comportamento sedentário (Ekelund, Brown, et al., 2019).
Desigualdades entre homens e mulheres também foram observadas no que tange ao tempo médio sentado diário. Dentre aqueles que permaneciam maior tempo diário sentados, observamos um percentual superior entre as mulheres (39%) quando comparado aos homens (28%) (Tabela 2). A influência do gênero sobre hábitos de comportamento sedentário ainda não é clara na literatura e novos estudos são necessários.
Considerando que adultos devem limitar a quantidade de tempo em comportamentos sedentários, substituindo esses momentos por qualquer atividade física, mesmo as de baixa intensidade, nossos resultados apontam para a importância de soluções digitais que possam favorecer a redução do comportamento sedentário entre jovens universitários, especialmente para as estudantes do sexo feminino. Dando suporte a esta afirmativa, Bond e colaboradores desenvolveram um estudo com o objetivo de testar os efeitos de uma intervenção baseada no uso de um app para smartphone sobre o tempo sedentário de adultos (Bond et al., 2014). Em linhas gerais, os voluntários foram divididos em três grupos experimentais que passaram a utilizar aplicativos que os alertavam a cada, 30, 60 e 120 minutos a realizarem pausas ou intervalos em seus comportamentos sedentários em 3, 6 e 12, minutos, respectivamente. Após sete dias, todos os grupos haviam reduzido significativamente o tempo diário em comportamento sedentário, aumentando seus níveis de atividades físicas leves e moderadas. Os voluntários que haviam sido alocados no grupo de pausas mais frequentes, no qual o app sinalizava a cada 30 minutos intervalos de três minutos foram os que apresentaram melhores resultados (Bond et al., 2014).
Nossos resultados demonstraram diferenças significativas nos níveis de atividade física semanal entre os usuários de não usuários de smartphones, muito embora o tempo médio entre os que não utilizavam esses dispositivos, também tenha sido bastante elevado. Neste sentido, em 2015, uma revisão sistemática e meta-análise analisou 12 estudos que utilizaram apps de smartphones para a promoção da perda de peso e aumentos nos níveis de atividade física, demonstrando diferenças não significativas nos níveis de atividade física entre o grupo controle e de intervenção com uso de apps (Flores Mateo, Granado-Font, Ferre-Grau, & Montana-Carreras, 2015). Por outro lado, Coughlin e colaboradores, em 2016, ao realizar nova revisão sistemática incluindo tanto estudos qualitativos, como quantitativos, demonstraram que o uso de apps em smartphones podem ser eficazes na promoção da atividade física, muito embora seus efeitos sejam modestos (Coughlin, Whitehead, Sheats, Mastromonico, & Smith, 2016). Em adendo, os autores sugerem que estes resultados parecem ser favoráveis à vários grupos etários, tanto para homens e mulheres, especialmente quando utilizados apps que realizam o rastreamento dos níveis de atividade física, como por exemplo, o número de passos diários ou monitoramento dos progressos e metas pré-estabelecidas por seus usuários (Coughlin et al., 2016). Por fim, resultados de recente revisão sistemática e meta-análise, publicada em 2019, ampliam o olhar sobre os possíveis efeitos do uso de apps para smartphones no aumento dos níveis de atividade física, ao demonstrar resultados eficazes apenas em intervenções com durações inferiores a 3 meses, especialmente quando utilizados apps com foco específico para a promoção de atividade física (Romeo et al., 2019). Esses resultados podem, em parte, explicar as razões pelas quais em nosso estudo não observamos diferenças significativas para os níveis de atividade física quando comparados de forma mais ampla e não específica, o uso de apps de saúde (Figura 2c).
Nossos resultados não apresentaram diferenças significativas nos níveis de atividade física, quando comparados usuários e não usuários de apps especificamente voltados à prática de atividade física, contrariando de certa forma, os achados de Romeo e colaboradores mencionados acima. Acreditamos que nossos resultados podem ser explicados pela alta prevalência de atividade física na amostra avaliada. Muita embora existisse o interesse pelo uso de apps de saúde por parte de 30,2% dos estudantes universitários, é possível que seus efeitos não sejam observados em grupos populacionais que já apresentem altos níveis de atividade física, como no nosso caso. Devido ao desenho observacional do presente estudo, não podemos estabelecer relações de causa e efeito entre o uso de apps de exercícios e a alta prevalência de atividade física observada. Contudo, considerando que apenas 30% da amostra investigada relatou utilizar apps de saúde e que 77% dos estudantes foram classificados como ativos ou muito ativos, podemos supor que os apps de exercício utilizados de fato tenham tido efeito modesto sobre a mudança deste comportamento na amostra investigada. Neste sentido, Romeo e colaboradores, ratificam essa premissa ao demonstrar que app de exercício parecem ser mais eficazes na mudança de comportamento de grupos menos ativos. Em adendo, uma importante questão diz respeito a adesão ao uso de apps. Como demonstrado por Romeo e colaboradores, os resultados das intervenções com apps de exercício parecem ser mais eficazes no curto prazo (Romeo et al., 2019). Isso pode ser explicado pela baixa adesão de longo prazo no uso dos mais diversos apps. Na realidade, este parece ser um dos mais importantes desafios a serem superados pelos desenvolvedores (Dennison, Morrison, Conway, & Yardley, 2013). Infelizmente não avaliamos aspectos relacionados a adesão ao uso de apps em nosso estudo que permitam comparações entre grupos de maior ou menos adesão em curto, médio e longo prazos.
Ao contrário do que foi observado para apps de exercício, nossos resultados demonstraram diferenças significativas nos níveis de atividade física entre usuários e não usuários de apps voltados ao controle alimentar (Figura 2g). Usuários de apps de controle alimentar apresentaram um tempo de atividade física semanal 25% superior, equivalente, em média, a 195 minutos a mais por semana, quando comparados aos não usuários. Nossos dados são limitados para explicar as possíveis razões pelas quais o uso de apps de controle alimentar demonstram-se mais eficazes que os apps de exercício para o aumento dos níveis de atividade física entre jovens universitários. No entanto, segundo Wei e colaboradores (Wei, Vinnikova, Lu, & Xu, 2020), ao avaliar teorias comportamentais e razões para o uso de apps de saúde, o controle de peso corporal parece figurar dentre uns dos principais motivos. Em adendo, os autores sugerem que a percepção dos benefícios, percepção dos riscos à saúde e a auto eficácia associada ao uso de apps sobre os efeitos na saúde apresentam uma influência positiva sobre o engajamento de seus usuários (Wei et al., 2020). Neste sentido, poderíamos supor que, sendo a perda de peso mais facilmente percebida do que aumentos nos níveis de atividade física e de aptidão física, usuários de apps de controle alimentar teriam maior probabilidade de se engajar e de aderir a novos comportamentos em saúde, incluindo não apenas mudanças alimentares, mas também de hábitos de atividade física. Quando observados nossos dados, percebemos que dentre os usuários de app de controle alimentar, 33% tinham como principal objetivo a perda de peso corporal, enquanto este objetivo foi relatado por apenas 22% dos universitários usuários de apps relacionados a exercícios físico. Como dito anteriormente, nossos dados são limitados para explicar com maior clareza a razão pela qual apps de controle alimentar diferiram estudantes mais e menos ativos. Futuros estudos são necessários neste sentido.
Nossos resultados revelaram que o uso de smartphones, de apps de saúde, seja de exercício ou de controle alimentar não diferenciou hábitos relacionados a comportamentos sedentários, neste caso, o tempo sentado diário (Figura 2 b, d, f, h). Tal fato explica-se, possivelmente pela falta de especificidade dos apps utilizados pelos estudantes no presente estudo. Não houve relatos por parte dos estudantes sobre uso de apps voltados ao controle de comportamentos sedentários. Em adendo, apesar do elevado tempo diário sentado revelados pelos nossos resultados, essa parece não ser ainda uma preocupação dos estudantes universitários e, assim, segundo teorias comportamentais, uma vez que não existe a clara compreensão sobre os riscos à saúde de um determinado comportamento, dificilmente ele será afetado por alguma intervenção, seja ela tracional ou inovadora (Prochaska & Velicer, 1997; Wei et al., 2020). Por outro lado, podemos também interpretar esses resultados de forma positiva, uma vez que o uso de smartphones tem sido associado ao aumento do tempo de tela e comportamentos sedentários, o que não foi o caso no presente estudo entre jovens universitários (Lepp, Barkley, Sanders, Rebold, & Gates, 2013).
Algumas limitações precisam ser consideradas. Primeiramente, por possuir um desenho observacional de caráter transversal, nosso estudo não foi capaz de estabelecer relações de causa e efeito entre o uso de smartphones, apps e níveis de atividade física e demais variáveis analisadas. Ainda assim, considerando sua originalidade, acreditamos que os presentes resultados contribuem para a compreensão sobre o uso de app e hábitos de atividade física e comportamento sedentário, apontando para a necessidade de novos estudos experimentais que possam aprofundar as questões aqui discutidas. Outro aspecto que merece atenção diz respeito a falta de dados sobre a adesão ao uso dos apps. Nosso questionário não avaliou o tempo de uso de tais tecnologias. Essa parece ser uma questão fundamental, uma vez que parece existir uma perda muito grande de engajamento no uso de apps em curto prazo, o que limita seus efeitos a médio e longo prazos. Por fim, não avaliamos as características dos apps utilizados pelos estudantes no presente estudo e, consequentemente, se estes utilizavam teorias comportamentais que pudessem influenciar os resultados observados. Muito embora este fato não tenha necessariamente afetado nossos resultados, teria seria oportuno estratificar nossos resultados entre usuários de apps que se apropriam ou não de teorias comportamentais.
CONCLUSÕES
Nossos resultados demonstram a alta prevalência de uso de smartphones entre jovens universitários brasileiros relevando a acessibilidade e escalabilidade de tais tecnologias e o interesse pelo uso de apps de saúde, em particular aos relacionados a prática de exercícios físicos e controle alimentar. Usuários de smartphones demonstram-se mais ativos fisicamente quando comparados àqueles que não utilizam tais dispositivos. Resultados semelhantes foram observados quando comparados usuários e não usuários de apps de controle alimentar. Apontamos para a necessidade do desenvolvimento de soluções inovadores voltadas ao combate de comportamentos sedentários entre jovens universitários, especialmente à estudantes do sexo feminino que, além de mais fisicamente inativas, relevaram também adotar comportamentos mais sedentários quando comparadas aos homens na presente amostra. Futuros estudos deverão compreender quais características podem impactar a preferência e a adesão a apps relacionados aos hábitos de atividade física e comportamento sedentário de jovens.