INTRODUÇÃO
A elevada competitividade no esporte profissional e Olímpico tem levado os países a investirem cada vez mais recursos em modelos de identificação e desenvolvimento de talentos esportivos (Rees et al., 2016; Till & Baker, 2020). O talento esportivo pode ser definido como o jovem atleta com elevado potencial para se tornar um atleta de elite, possuindo características que o permite obter desempenho superior comparado aos seus pares da mesma idade e que desenvolve ainda mais estas características quando submetido a um ambiente favorável (Werneck & Coelho, 2020). Identificar um talento é um processo complexo e frequentemente impreciso (Till & Baker, 2020), especialmente nos esportes coletivos (Fransen & Güllich, 2019).
A identificação de talentos esportivos se faz a partir da avaliação do potencial de jovens atletas. O potencial esportivo é sinônimo de aptidão para o esporte, possuindo uma estrutura multidimensional e dinâmica, formado por indicadores observáveis e mensuráveis relacionados ao indivíduo, à tarefa e ao ambiente, que interagem entre si e sofrem mudanças ao longo do tempo, determinando o desenvolvimento do desempenho a longo prazo (Fransen & Güllich, 2019). A premissa é de que jovens que apresentam o maior número de requisitos necessários para o bom desempenho numa modalidade provavelmente terão maior chance de sucesso futuro (Papić, Rogulj, & Pleština, 2009; Pion et al., 2015).
A identificação e a seleção de talentos no basquetebol são realizadas frequentemente de forma subjetiva pelos treinadores e scouts, tomando como base a observação do atleta em treinos e competições (Silva Filho, Luguetti, Paes, & Böhme, 2011; Štrumbelj & Erčulj, 2014). O conhecimento dos treinadores agrega valor aos modelos de identificação de talentos, especialmente na definição de quais indicadores devem ser avaliados e qual a importância relativa de cada um deles para o desempenho esportivo (Ramos & Tavares, 2000; Sáenz-López, Ibáñez, Giménez, Sierra, & Sánchez, 2005; Loghman, Aboalfazi, & Ali, 2019). Os scouts avaliam o nível de performance atual bem como fatores relacionados ao potencial de desenvolvimento do atleta, na tentativa de prever o sucesso futuro (Moxley & Towne, 2015). Porém, em jovens atletas, esta forma de avaliação está sujeita a vieses relacionados ao nível competitivo, à idade relativa e à maturação biológica dos atletas (Cripps, Hopper, & Joyce, 2019; Till & Baker, 2020).
Já os cientistas do esporte utilizam baterias de teste e procedimentos analíticos para medir um conjunto de indicadores antropométricos, físico-motores, psicológicos, habilidades, apoio familiar, quantidade e qualidade do treinamento, dentre outros, visando estimar objetivamente o potencial esportivo de jovens atletas (Fransen & Güllich, 2019). Existem evidências científicas sobre a importância relativa de cada um destes indicadores para o desenvolvimento de atletas de alto nível (Rees et al., 2016). O método científico tem contribuído para o entendimento das variáveis que discriminam o nível de habilidade de jovens atletas e aquelas que levam o jovem atleta talentoso a se tornar um atleta de elite.
No basquetebol, este conhecimento tem sido obtido por meio de pesquisas transversais e longitudinais sobre o perfil multidimensional dos atletas (Carvalho, Gonçalves, Collins, & Paes, 2018; Matulaitis, Skarbalius, Abrantes, Gonçalves, & Sampaio, 2019), a influência da maturação biológica (Arede, Esteves, Ferreira, Sampaio, & Leite, 2019), os determinantes de desempenho em diferentes níveis competitivos (Torres-Unda et al., 2013), bem como as variáveis que predizem o desempenho individual (Hoare, 2000; Ramos, Volossovitch, Ferreira, Fragoso, & Massuça, 2019), a seleção de talentos (Arede et al., 2019; Guimarães et al., 2019; Ramos et al., 2019) e a progressão na carreira (Bonal, Lorenzo-Calvo, & Jiménez-Saiz, 2019; Oliveira, Ribeiro Junior, Vianna, Figueiredo, & Werneck, 2019; Ribeiro Junior et al., 2021b).
Na prática, os profissionais do esporte necessitam de métodos válidos, fidedignos e acessíveis que os auxiliem nas tomadas de decisão para otimizar o processo de identificação, seleção e desenvolvimento de talentos, reduzindo os erros e, principalmente, o desperdício de jovens talentosos (Johnston & Baker, 2020). Não se sabe ainda qual é o melhor método, mas a evidência científica tem mostrado que, para avaliar o potencial esportivo e selecionar atletas para níveis mais elevados de rendimento, deve-se utilizar o conhecimento científico (baterias de testes) e o conhecimento dos treinadores (olho do treinador) de forma interdisciplinar, dinâmica e longitudinal (Rees et al., 2016; Fransen & Güllich, 2019; Sieghartsleitner, Zuber, Zibung, & Conzelmann, 2019).
O avanço na Ciência de Dados permitiu o desenvolvimento de sistemas especialistas (expert systems) para detecção de talentos esportivos, que conjugam dados dos atletas e a opinião dos treinadores por meio de modelagem estatística (Papić et al., 2009; Louzada, Maiorano, & Ara, 2016). Segundo Johnston e Baker (2020), uma equação linear simples que combine diferentes variáveis e seus respectivos pesos pode ser eficaz para modelar o potencial esportivo de um jovem atleta. O modelo matemático proposto por Simonton (1999) conseguiu operacionalizar a estimativa do potencial esportivo em uma perspectiva dinâmica, mas carece de validação empírica.
No basquetebol, tem crescido o número de estudos que utilizam técnicas de aprendizagem de máquinas para identificação de padrões e classificação (Pion et al., 2018; Ribeiro Junior, Vianna, Lauria, Coelho, & Werneck, 2019). Ao nível do atleta, já existem evidências de sistemas especialistas para seleção de basquetebolistas (Balli & Korukoğlu, 2014) e orientação de jogadores para as posições de jogo (Dežman, Trninić, & Dizdar, 2001). Exceto o estudo preliminar de Ribeiro Junior et al. (2019), que propôs uma modelagem multidimensional do potencial esportivo de jovens basquetebolistas, os demais modelos propositivos basearam-se predominantemente em indicadores relacionados ao indivíduo, desconsiderando a maturação biológica, os aspectos relacionados à tarefa e ao ambiente e o conhecimento dos treinadores.
Diante deste contexto, considerando a necessidade de sistematizar e otimizar o processo de identificação e seleção de talentos esportivos e diante da carência de um modelo científico de identificação de talentos no basquetebol brasileiro, o objetivo deste estudo foi criar um modelo matemático de avaliação do potencial esportivo de jovens basquetebolistas e testar suas propriedades psicométricas. A hipótese é de que o modelo matemático resultante da modelagem estatística dos indicadores obtidos por meio da aplicação de baterias de teste e da avaliação subjetiva feita pelos treinadores será válido e fidedigno para estimar o potencial esportivo de jovens basquetebolistas.
MÉTODO
Este estudo é parte integrante da pesquisa longitudinal denominada “Projeto Atletas de Ouro®: Avaliação Multidimensional e Longitudinal do Potencial Esportivo de Jovens Atletas”, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto (CAAE: 32959814.4.1001.5150). Nesta etapa, foi desenvolvido o modelo matemático de avaliação do potencial esportivo de jovens basquetebolistas, em parceria com o Projeto de extensão “Formação em Basquetebol: Da base para a ponta” da Faculdade de Educação Física e Desportos da Universidade Federal de Juiz de Fora.
Amostra
Participaram do estudo 178 jovens basquetebolistas brasileiros do sexo masculino com idade entre 12,4 e 17,9 anos de idade (15,4± 1,5 anos), sendo 35 armadores, 56 ala-armadores, 34 alas, 37 ala-pivôs e 16 pivôs, inseridos em competições de nível regional e estadual. O tempo médio de prática esportiva sistematizada foi de 2,7± 1,5 anos, em clubes da cidade de Juiz de Fora, Minas Gerais - Brasil. O critério de inclusão foi: ter participado do “Camping Day” promovido pelo Projeto de Basquetebol da UFJF entre 2018 e 2019. Foram excluídos os atletas que apresentaram qualquer condição que impedisse a realização da bateria de testes. O consentimento dos responsáveis legais e o assentimento dos atletas foram obtidos antes da participação no estudo.
Instrumentos e procedimentos
A bateria de testes foi aplicada no ginásio de basquetebol da Universidade Federal de Juiz de Fora, durante o horário habitual de treinamento dos atletas, com duração aproximada de 150 minutos, em dois dias distintos. A avaliação foi feita por profissionais devidamente treinados, sendo selecionados avaliadores fixos para cada teste. O protocolo de testes foi devidamente explicado aos treinadores e aos atletas previamente a coleta dos dados.
Os jovens basquetebolistas foram submetidos a uma bateria multidimensional de testes para avaliação de indicadores do potencial esportivo e a percepção subjetiva dos treinadores (Quadro 1). Os instrumentos e procedimentos para a realização dos testes estão descritos em Ribeiro Junior et al. (2019) e Werneck, Coelho, e Ferreira (2020). No primeiro dia, os atletas responderam aos questionários e realizaram os testes antropométricos e físico-motores. No segundo dia, foram realizados o questionário de habilidades táticas, os testes de habilidade técnica e o teste de resistência aeróbica YOYO-R1. Antes da realização dos testes físico-motores, foi realizado um aquecimento geral. Nos testes de habilidade técnica, o aquecimento foi específico. Os treinadores avaliaram os seus atletas em relação aos aspectos intangíveis do potencial esportivo e quanto a expectativa de sucesso futuro. 38 atletas (21,3%) da amostra participaram da análise de estabilidade do diagnóstico com intervalo de 12 meses entre a primeira e a segunda avaliação.
Fatores | Indicadores | Unidade/Classificação |
---|---|---|
Bateria de Testes | ||
Antropométrico | Massa corporal | kg |
Estatura | cm | |
Estatura adulta prevista (EAP) | cm | |
Altura sentado | cm | |
Comprimento mmii | cm | |
Envergadura | cm | |
Gordura corporal | % | |
Físico-motor | Teste de força de preensão manual | kgf |
Teste de arremesso de medicineball (2 kg) | m | |
Salto vertical contramovimento | cm | |
Corrida de velocidade de 10 e 20 m | s | |
Teste de flexibilidade sentar e alcançar | cm | |
YOYO-R1 | m / VO2máx | |
Teste Line Drill | s | |
Psicológico | SOQ – Orientação Motivacional | pts |
ACSI-28 – Habilidades de Coping | pts | |
Competência Atlética Percebida | pts | |
Ambiental | Tempo de prática esportiva | anos |
Nível competitivo | Municipal/regional, estadual, nacional, internacional | |
Vitória em competição | ||
Participação da família | pts | |
Atleta na família | sim / não | |
Maturacional | Porcentagem EAP atingida | % |
Escore Z da EAP atingida | atrasados, normomaturos, avançados | |
Maturity offset | anos | |
Idade do PVC | anos | |
Técnico | Habilidade de drible | s |
Habilidade de arremesso | pts | |
Tático | Posicionamento e decisão | pts |
Conhecimento sobre as ações da bola | pts | |
Conhecimento sobre os outros | pts | |
Ação em Mudanças de Situação | pts | |
Avaliação Subjetiva do Treinador | ||
Aspectos Intangíveis | Potencial esportivo | Escala Likert de 1 a 5 |
Intangíveis | pts |
*A descrição dos procedimentos dos testes e medidas pode ser obtida em Ribeiro Junior et al. (2019) e Werneck, Coelho e Ferreira (2020).
Os dados coletados foram armazenados em uma planilha eletrônica, utilizando o software Excel®, versão Windows 10.0. Foram realizados procedimentos de organização, validação e depuração dos dados, criação de novas variáveis, padronização e criação de gráficos para apresentação dos resultados individuais dos atletas. Um sistema informatizado foi então criado, possibilitando o input de novos testes e o cálculo automático dos resultados, gerando um laudo individualizado com os principais resultados obtidos pelo atleta na bateria de testes e o seu potencial esportivo.
Modelagem do potencial esportivo
A modelagem do potencial esportivo compreende um conjunto de procedimentos que visa obter uma estimativa válida e fidedigna do potencial esportivo de jovens atletas para determinada modalidade, a partir do processamento analítico e heurístico de múltiplos indicadores do talento esportivo, sendo representada por uma equação matemática (Werneck et al., 2020). O pressuposto básico da modelagem do potencial esportivo é de que é possível identificar talentos esportivos e predizer o desempenho futuro com alguma probabilidade de acerto, visando auxiliar os treinadores nas tomadas de decisão relacionadas ao processo de treinamento a longo prazo.
Na prática, estimamos o potencial esportivo por meio do diagnóstico de um conjunto de características pessoais e ambientais herdadas e/ou adquiridas, medidas e/ou observadas, que uma vez analisadas nos permitem obter uma estimativa do potencial do jovem atleta para determinada modalidade. A modelagem estatística, portanto, tem por finalidade modelar fenômenos que possuem incertezas e extrair conhecimento para tomadas de decisão (Breiman, 2003), sendo a forma operacional com que os modelos científicos de identificação de talentos esportivos quantificam o potencial dos jovens.
Neste estudo, a construção do modelo operacional de avaliação do potencial esportivo para o basquetebol foi dividida em etapas. Na primeira etapa, realizou-se uma análise descritiva univariada, para o cálculo de medidas de tendência central, dispersão, posição e distribuição dos dados. As variáveis quantitativas foram normalizadas, de acordo com os procedimentos adotados pela Estratégia Z-Celafiscs (Matsudo, 1996). O escore Z dos testes em que o desempenho era contra o tempo foi invertido (corrida de velocidade de 10 m, por exemplo), para que maiores valores representassem sempre maior desempenho. Para o cálculo do escore Z em cada teste, utilizou-se como valor de referência, a média e o desvio-padrão da própria amostra, por faixa etária (Tabela 1).
Fator / Indicadores | Faixa Etária | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
12 anos | 13 anos | 14 anos | 15 anos | 16 anos | 17 anos | ||
Antropométrico | |||||||
Massa corporal (Kg) | 57,6± 15,4 | 60,2± 8,4 | 61,4± 11,3 | 69,3± 12,6 | 69,8± 10,1 | 72,7± 10,3 | |
Estatura (cm) | 163,9± 7,6 | 169,9± 8,9 | 173,7± 8,8 | 176,7± 7,4 | 178,6± 8,6 | 181,6± 8,3 | |
EAP (cm) | 184,6± 5,1 | 183± 7,4 | 182,9± 6,1 | 181.5± 5,9 | 180,0± 8,2 | 181,9± 7,9 | |
Envergadura (cm) | 168,4± 11,2 | 171,9± 9,7 | 176,4± 10,4 | 181,8± 9,7 | 183,7± 10,0 | 185,5± 10,6 | |
Gordura corporal (%) | 18,1± 6,9 | 18,7± 5,6 | 15,3± 5,4 | 16,4± 5,9 | 12,9± 4,1 | 13,1± 4,0 | |
Físico-motor | |||||||
Preensão manual (kgf) | 28,3± 6,5 | 30,7± 6,7 | 33,5± 8,3 | 37,1± 9,4 | 39,4± 7,7 | 40,6± 9,1 | |
CMJ (cm) | 30,3± 5,8 | 29,1± 6,9 | 32,0± 6,1 | 33,5± 7,1 | 38,6± 7,8 | 37,3± 6,8 | |
Arrem. medicineball (m) | 3,9± 0,5 | 4,6± 0,7 | 4,7± 0,8 | 5,2± 0,8 | 5,7± 0,9 | 5,8± 1,0 | |
Flexibilidade (cm) | 25,3± 6,4 | 24,3± 9,8 | 26,4± 7,5 | 26,1± 7,8 | 27,4± 8,1 | 28,1± 8,2 | |
Velocidade 10m (s) | 2,0± 0,1 | 1,9± 0,1 | 1,9± 0,1 | 1,9± 1,1 | 1,8± 0,1 | 1,8± 0,1 | |
Velocidade 20m (s) | 3,5± 0,2 | 3,4± 0,2 | 3,36± 0,2 | 3,3± 0,2 | 3,1± 0,1 | 3,1± 0,5 | |
VO2máx (ml/kg/min) | 41,0± 0,9 | 41,4± 2,2 | 42,3± 1,5 | 42,4± 1,6 | 43,2± 2,0 | 43,4± 2,0 | |
YOYO-R1 (m) | 545,6± 113,6 | 598,1± 267,6 | 703,4± 181,1 | 719,0± 190,6 | 812,1± 232,7 | 840,0± 241,9 | |
Line Drill (s) | 33,2± 1,4 | 33,9± 2,4 | 33,1± 2,2 | 32,7± 2,9 | 30,8± 1,6 | 30,8± 2,4 | |
Psicológico | |||||||
Competitivo | 3,9± 0,8 | 4,0± 1,1 | 3,8± 1,0 | 4,1± 0,8 | 4,1± 0,9 | 3,9± 1,1 | |
Vencedor | 3,4± 0,8 | 3,3± 0,8 | 3,6± 0,9 | 4,0± 1,1 | 3,8± 0,8 | 3,6± 1,0 | |
Determinado | 4,2± 0,5 | 3,9± 1,2 | 3,9± 1,2 | 4,3± 1,3 | 4,1± 1,1 | 4,0± 1,2 | |
Concentração | 1,9± 0,6 | 1,8± 0,5 | 1,7± 0,7 | 1,9± 0,5 | 1,9± 0,6 | 1,9± 0,7 | |
Confiança/Motivação | 2,0± 0,4 | 2,3± 0,5 | 1,8± 0,6 | 1,8± 0,5 | 2,1± 0,6 | 1,9± 0,7 | |
Coping | 12,9± 2,3 | 13,0± 1,8 | 11,8± 2,7 | 12,7± 2,7 | 13,1± 2,9 | 12,4± 3,3 | |
Competência Percebida | 6,8± 0,8 | 6,6± 1,3 | 6,5± 1,4 | 6,2± 1,3 | 6,3± 1,7 | 6,3± 1,7 | |
Ambiental | |||||||
Idade de início (anos) | 11,1± 1,1 | 11,5± 1,2 | 12,2± 1,4 | 12,8± 1,3 | 13,1± 1,5 | 14,3± 1,5 | |
Tempo de prática (anos) | 1,6± 1,0 | 1,9± 1,2 | 2,3± 1,3 | 2,6± 1,3 | 3,4± 1,6 | 3,1± 1,5 | |
Apoio Familiar | 27,6± 9,9 | 29,9± 6,7 | 26,0± 6,7 | 23,9± 7,0 | 25,6± 7,4 | 21,9± 7,3 | |
Maturacional | |||||||
% EAP | 88,7± 2,4 | 93,1± 2,3 | 94,9± 2,6 | 97,6± 1,6 | 99,1± 1,1 | 100,1± 0,4 | |
Escore Z_EAP | 1,4± 0,9 | 1,4± 0,7 | 0,8± 0,6 | 0,7± 0,4 | 0,6± 0 ,4 | 0,9± 0,3 | |
Idade PVC (anos) | 13,2± 0,5 | 13,4± 0,7 | 13,6± 0 ,6 | 13,7± 0,5 | 14,2± 0,6 | 14,3± 0,6 | |
Maturity offset (anos) | -0,5± 0,6 | 0,1± 0,6 | 0,8± 0,7 | 1,7± 0,6 | 2,3± 0,7 | 3,1± 0,6 | |
Técnico | |||||||
Drible (s) | 10,1± 1,1 | 9,9± 0,9 | 9,5± 0,9 | 9,3± 0,9 | 8,6± 0,7 | 8,6± 0,6 | |
Arremesso (pts) | 13,1± 3,3 | 14,0± 3,8 | 16,5± 3,2 | 16,8± 2,9 | 18,7± 3,5 | 19,6± 3,0 | |
Tático | |||||||
TACSIS_PD | 3,9± 0,5 | 3,7± 0,7 | 3,9± 0,7 | 3,7± 0,6 | 3,8± 0,8 | 3,9± 0,8 | |
TACSIS_CSAB | 4,0± 0,8 | 3,9± 0,8 | 3,9± 0,8 | 3,8± 0,9 | 3,9± 0,9 | 4,2± 0,9 | |
TACSIS_CSO | 3,6± 0,9 | 3,5± 0,9 | 3,4± 0,8 | 3,6± 0,8 | 3,8± 0,9 | 3,6± 0,9 | |
TACSIS_ASM | 4,0± 0,4 | 4,1± 0,7 | 4,2± 0,7 | 4,2± 0,9 | 4,1± 1,1 | 4,1± 0,7 | |
TACSIS | 3,9± 0,5 | 3,8± 0,6 | 3,8± 0,6 | 3,8± 0,7 | 3,9± 0,8 | 4,0± 0,7 | |
Intangível | |||||||
Aspectos Intangíveis | 35,1± 5,7 | 31,0± 9,2 | 32,1± 7,2 | 33,3± 5,7 | 34,2± 7,7 | 35,2± 6,7 |
EAP: estatura adulta prevista; CMJ: salto contramovimento; YOYO-R1: YoYo Intermitent Recovery Test 1; TACSIS: habilidades táticas; PD: posicionamento e decisão; CSAB: Conhecimento sobre as ações da bola; CSO: conhecimento sobre os outros; ASM: ação em situações de mudança.
Com base na distribuição normal padronizada, o escore Z de cada indicador foi convertido para o valor percentil correspondente, de modo que a pontuação obtida no modelo variasse de 0 a 100%. Considerando 37 indicadores do potencial esportivo, criou-se uma variável denominada somatório do número de indicadores em que o atleta foi classificado acima do percentil 90 (∑P90). Esta variável foi inserida no modelo matemático como fator de ajuste, para valorizar os atletas com desempenhos excepcionais em determinados indicadores.
Na segunda etapa, adotou-se uma abordagem “top-down” de predição de performance (Régnier, Salmela, & Russell, 1993) com o objetivo de se investigar diferenças e similaridades entre os atletas, relações entre as variáveis e os possíveis determinantes do desempenho e/ou do potencial esportivo. Para isso, foram realizadas análises estatísticas bivariadas (teste t, ANOVA, correlação, Qui-Quadrado) e análises multivariadas (regressão linear múltipla, regressão logística, análise de cluster e análise fatorial exploratória). Neste caso, a avaliação feita pelo treinador, o nível competitivo dos atletas e a obtenção de vitórias em competição foram consideradas as variáveis dependentes (critérios de desempenho).
Na terceira etapa, adotou-se uma abordagem “bottom-up” para aquisição de conhecimento dos fatores necessários para o desenvolvimento de jovens atletas de elite (Régnier et al., 1993). Para isso, utilizamos duas fontes de informação: o conhecimento dos treinadores (experts) e a literatura científica disponível. Com base no modelo de desempenho do basquetebol e estudos anteriores, um questionário foi aplicado a 94 treinadores de basquetebol brasileiros com o objetivo de investigar o grau de importância atribuído aos fatores e indicadores determinantes para o desenvolvimento de jovens basquetebolistas (Ribeiro Junior et al., 2021a). Além disso, estudos longitudinais retrospectivos realizados com atletas de elite e olímpicos foram revisados no intuito de obter evidências e buscar padrões em relação às características que explicam o sucesso esportivo no basquetebol.
Na quarta etapa, a partir dos procedimentos analíticos e heurísticos utilizados nas etapas anteriores, operacionalizamos a estimativa do potencial esportivo por meio de um índice denominado Gold Score Basketball. O Gold Score Basketball é um índice padronizado que varia de 0 a 100%, obtido por uma equação linear, composta pelo somatório de 7 fatores com 26 indicadores objetivos (modelo bateria de testes) e 1 fator com 2 indicadores subjetivos (modelo olho do treinador) (Quadro 2). A importância relativa dos fatores e indicadores do potencial esportivo foi definida a partir da análise exploratória dos dados, revisão de literatura e conhecimento de experts. Portanto, o Gold Score Basketball é um modelo híbrido multidimensional e multidisciplinar que combina o desempenho observado em testes e o potencial de desenvolvimento avaliado pelos treinadores, gerando uma estimativa quantitativa do potencial esportivo de jovens basquetebolistas. O critério adotado para determinação de talentos esportivos foi o Gold Score> 90% no modelo matemático.
Fatores | Indicadores |
---|---|
F1-Antropométrico | Estatura, Envergadura, Estatura Adulta Prevista |
F2-Físico-Motor | Preensão manual, Arremesso Medicineball, Salto vertical contramovimento, Velocidade 10m, Line-Drilltempo1, Line-Drilltotal |
F3-Psicológico | Competência Percebida, Determinado, Confiança/Motivação, Concentração, Coping |
F4-Técnico | Drible, Arremesso |
F5-Tático | Posicionamento e decisão, Conhecimento sobre as ações da bola, Conhecimento sobre os outros, Ação em Mudanças de Situação |
F6-Ambiental | Nível competitivo, Tempo de Prática, Apoio Familiar, Vitória em Competição |
F7-Maturacional | Idade PVC, %Estatura Adulta Prevista |
F8-Intangíveis | Aspectos Intangíveis, Potencial Esportivo |
Cálculo do Gold Score Basketball
Inicialmente, calculou-se o Gold Score do Modelo Bateria de Testes (GS1). Para cada fator, somam-se os valores percentis de cada indicador multiplicados pelos seus respectivos pesos. Então, divide-se o resultado pelo somatório dos pesos dos indicadores (∑βFi). Em seguida, somam-se os resultados obtidos em cada fator multiplicados pelos seus respectivos pesos e divide-se pelo somatório dos pesos dos fatores (∑FαF). Como fator de ajuste a este resultado, soma-se ao final o valor percentil correspondente a variável ∑P90. A Equação 1 define o Gold Score do Modelo Bateria de Testes.
Onde:
GS1 = o Gold Score da Bateria de Testes de um indivíduo;
F = os fatores do potencial esportivo;
IFi = o i-ésimo indicador avaliado pela bateria de testes correspondente ao fator F;
βFi = o peso do i-ésimo indicador do fator F;
αF = o peso do fator. βi ϵ {1,2,3} e αF ϵ {1,2,3,4,5}.
∑P90 é o valor percentil correspondente ao somatório do número de indicadores em que o atleta obteve resultado acima do percentil 90, para sua faixa etária.
Em seguida, calcula-se o Gold Score do Modelo Treinador (GS2), que é a soma ponderada dos indicadores IT avaliados pelo treinador, resultando um valor que varia entre 0 e 100%. A Equação 2 define formalmente o Gold Score do Modelo Treinador.
Onde:
GS2 = o Gold Score do Modelo Treinador de um indivíduo;
βTi = o peso do i-ésimo indicador;
βi ϵ {1,2,3} IT1 e IT2 = os indicadores avaliados pelo treinador.
Por fim, a Equação 3 define o Gold Score Basketball calculando-se a média ponderada entre o GS1 e GS2. Neste trabalho, w1= 0.5 e w2= 0.5.
A classificação dos atletas no GS1 e no GS2 foi definida utilizando os seguintes critérios: < 40% Potencial Esportivo em Desenvolvimento; 40-70% Potencial Esportivo Mediano; 70-90% Alto Potencial Esportivo; > 90% Potencial Esportivo de Excelência. Para a classificação final do potencial esportivo do atleta – GSB utilizou-se uma matriz de decisão que combina a classificação obtida no GS1 e no GS2 (Quadro 3).
Modelo Bateria de Testes | Modelo Treinador | Classificação Final |
---|---|---|
Em Desenvolvimento | Em Desenvolvimento | Em Desenvolvimento |
Mediano | Em Desenvolvimento | Em Desenvolvimento |
Alto Potencial | Em Desenvolvimento | Mediano |
Potencial de Excelência | Em Desenvolvimento | Alto Potencial |
Em Desenvolvimento | Mediano | Em Desenvolvimento |
Mediano | Mediano | Mediano |
Alto Potencial | Mediano | Mediano |
Potencial de Excelência | Mediano | Alto Potencial |
Em Desenvolvimento | Alto Potencial | Mediano |
Mediano | Alto Potencial | Mediano |
Alto Potencial | Alto Potencial | Alto Potencial |
Potencial de Excelência | Alto Potencial | Potencial de Excelência |
Em Desenvolvimento | Potencial de Excelência | Alto Potencial |
Mediano | Potencial de Excelência | Alto Potencial |
Alto Potencial | Potencial de Excelência | Potencial de Excelência |
Potencial de Excelência | Potencial de Excelência | Potencial de Excelência |
Análise estatística
Os dados foram descritos por meio da média± desvio-padrão (variáveis quantitativas) e porcentagens (variáveis qualitativas). A consistência interna do modelo foi medida pelo coeficiente de correlação Alpha de Cronbach. Para análise da estabilidade teste-reteste, utilizou-se o coeficiente de correlação intraclasse (CCI). O teste t de Student foi utilizado na validade de construto e validade de critério. O tamanho do efeito foi calculado pelo d de Cohen. Todas as análises foram feitas no software IBM SPSS versão 24.0 (IBM Corp., Armonk, NY). O valor de p≤ 0,05 foi adotado para significância estatística.
RESULTADOS
Na Tabela 1 estão apresentados os resultados descritivos dos indicadores do potencial esportivo avaliados por faixa etária, os quais foram utilizados para o cálculo dos escores Z.
O Gold Score na amostra apresentou uma distribuição normal com variação entre 16,9% (mínimo) a 96,4% (máximo). O modelo classificou 5,1% dos jovens atletas como potencial esportivo de excelência (Gold Score> 90) (Figura 1).
A consistência interna dos fatores do potencial esportivo variou de 0,28 (fator Ambiental) a 0,91 (fator Maturacional) e a consistência interna do modelo foi moderada (r= 0,59). A estabilidade dos fatores do potencial esportivo variou de 0,52 (fator Psicológico) a 0,97 (fator Antropométrico) e a estabilidade do modelo foi elevada (r= 0,82) (Tabela 2).
Fatores / Modelos | Consistência Interna (n= 178) | Estabilidade (n= 38) | |||
---|---|---|---|---|---|
Média± DP | Alpha | Baseline | Pós 12 meses | CCI (IC95%) | |
Antropométrico | 49,8± 27,5 | 0,83 | 52,1± 27,4 | 53,1± 25,4 | 0,97 (0,94–0,98) |
Fisicomotor | 49,9± 21,3 | 0,80 | 47,3± 23,6 | 57,2± 21,3 | 0,67 (0,35–0,83) |
Psicológico | 50,7± 19,7 | 0,73 | 52,1± 19,4 | 50,9± 19,5 | 0,52 (0,07–0,75) |
Ambiental | 55,5± 16,5 | 0,28 | 55,9± 16,7 | 61,5± 17,7 | 0,87 (0,70–0,94) |
Técnico | 49,6± 22,8 | 0,54 | 54,8± 24,6 | 55,2± 23,7 | 0,63 (0,28–0,81) |
Tático | 50,5± 24,4 | 0,86 | 49,1± 24,7 | 55,1± 22,6 | 0,70 (0,43–0,84) |
Maturacional | 51,7± 16,7 | 0,91 | 49,4± 17,1 | 52,7± 19,4 | 0,75 (0,52–0,87) |
Modelo Bateria de Testes | 56,1± 17,1 | 0,51 | 58,0± 20,3 | 61,8± 16,1 | 0,82 (0,66–0,91) |
Modelo Treinador | 52,3± 21,5 | – | 57,6± 19,2 | 56,0± 20,9 | 0,72 (0,46–0,85) |
Gold Score Basketball | 54,2± 16,2 | 0,59 | 57,8± 17,2 | 58,9± 17,0 | 0,82 (0,65–0,91) |
A validade de construto e a validade de critério foram satisfatórias, sendo observado que os atletas com maior nível competitivo (Tabela 3) e aqueles que venceram campeonatos estaduais/nacionais apresentaram maior Gold Score (Tabela 4). Sob o ponto de vista prático, o tamanho da diferença observado foi de elevada magnitude (d≥ 0,80).
Fatores / Modelos | Nível Competitivo | p-valor | d | |
---|---|---|---|---|
Municipal/Regional (n= 126) | Estadual/Nacional (n= 51) | |||
Antropométrico | 47,6± 27,9 | 55,3± 26,1 | 0,09 | 0,28 |
Fisicomotor | 48,1± 21,7 | 54,5± 19,6 | 0,07 | 0,31 |
Psicológico | 48,7± 19,6 | 55,7± 19,1 | 0,03* | 0,36 |
Ambiental | 48,7± 12,1 | 72,4± 13,5 | < 0,001* | 1,85 |
Técnico | 45,2± 22,3 | 60,5± 20,5 | < 0,001* | 0,71 |
Tático | 46,5± 23,6 | 60,4± 23,7 | 0,001* | 0,59 |
Maturacional | 50,9± 15,8 | 54,0± 18,7 | 0,26 | 0,18 |
Modelo Bateria de Testes | 52,0± 15,7 | 66,2± 16,3 | < 0,001* | 0,90 |
Modelo Treinador | 49,4± 21,2 | 59,5± 20,6 | 0,004* | 0,48 |
Gold Score Basketball | 50,7± 15,6 | 62,9± 14,3 | < 0,001* | 0,81 |
*Diferença estatisticamente significante, p< 0,05; d: tamanho do efeito.
Fatores / Modelos | Nível de Vitória | p-valor | d | |
---|---|---|---|---|
Municipal/Regional (n= 146) | Estadual/Nacional (n= 31) | |||
Antropométrico | 48,5± 27,8 | 55,3± 25,8 | 0,18 | 0,25 |
Fisicomotor | 48,1± 20,9 | 58,5± 21,6 | 0,01* | 0,49 |
Psicológico | 48,4± 19,3 | 61,5± 18,4 | 0,001* | 0,69 |
Ambiental | 51,9± 14,2 | 72,8± 15,8 | < 0,001* | 1,39 |
Técnico | 47,6± 23,4 | 58,9± 17,4 | 0,01* | 0,55 |
Tático | 47,2± 23,4 | 65,8± 23,4 | < 0,001* | 0,79 |
Maturacional | 51,0± 15,7 | 55,2± 20,7 | 0,20 | 0,23 |
Modelo Bateria de Testes | 53,1± 15,5 | 70,2± 17,3 | < 0,001* | 1,04 |
Modelo Treinador | 51,0± 21,2 | 58,5± 22,2 | 0,08 | 0,34 |
Gold Score Basketball | 52,0± 15,6 | 64,4± 15,4 | < 0,001* | 0,80 |
*Diferença estatisticamente significante, p< 0,05; d: tamanho do efeito.
Após a realização dos testes, o avaliado recebe um laudo individualizado contendo todos os seus resultados. Na Figura 2 consta um exemplo do Gold Score Basketball.
DISCUSSÃO
No presente estudo, foi criado um modelo matemático linear, multidimensional, híbrido e informatizado que fornece uma estimativa válida e fidedigna do potencial esportivo de jovens basquetebolistas, denominado Gold Score Basketball. O modelo apresentou propriedades psicométricas satisfatórias, em relação à consistência interna e a estabilidade do diagnóstico após 12 meses, sendo válido para discriminar atletas de diferentes níveis competitivos e o maior nível de vitória em competição. O Gold Score Basketball é uma inovação tecnológica, que conjuga bateria de testes, o olhar do treinador e a modelagem estatística, formando um sistema inteligente de suporte às tomadas de decisão dos treinadores e gestores no processo de identificação, seleção e desenvolvimento de talentos esportivos com forte impacto social e relevância para o basquetebol brasileiro.
O desenvolvimento do Gold Score Basketball corrobora com outros estudos que criaram sistemas inteligentes para identificação de talentos na escola, tais como Sport Interactive (Abbott & Collins, 2002), Sport Talent (Papić et al., 2009) e Flemish Sports Compass (Pion et al., 2015) e em jovens atletas de futebol (iSports) (Louzada et al., 2016).
No basquetebol, pesquisadores croatas, desenvolveram um modelo para orientar os jogadores para posições de jogo com maior probabilidade de sucesso (Dežman et al., 2001) e usando os conceitos da teoria dos sistemas dinâmicos, propõem um modelo conceitual de gestão para o desenvolvimento de atletas de elite. Já na Turquia, Balli e Korukoğlu (2014) desenvolveram um sistema de seleção de atletas baseado na lógica fuzzy, onde os resultados de testes de aptidão e de habilidades são comparados com a opinião de experts. Até onde vai o nosso conhecimento, o Gold Score Basketball é o primeiro modelo de avaliação do potencial esportivo de jovens basquetebolistas que integra múltiplos indicadores do potencial esportivo com a avaliação subjetiva feita pelos treinadores.
Sabe-se que para avaliar o potencial esportivo e selecionar atletas é preciso utilizar uma abordagem multidimensional e dinâmica. Para aumentar a acurácia da predição de talentos, deve-se avaliar não apenas a performance ou condição atual do jovem atleta através de testes, mas sobretudo aquilo que se espera em relação ao seu desenvolvimento e perspectiva de futuro. A modelagem preliminar realizada pelo nosso grupo de pesquisa havia demonstrado que bateria de testes mensura o desempenho atual enquanto que a opinião dos treinadores estima o potencial de desenvolvimento, de modo que deveriam ser analisadas conjuntamente para uma melhor compreensão do potencial esportivo dos atletas (Ribeiro Junior et al., 2019). O modelo matemático proposto no presente estudo confirma a hipótese de que o talento esportivo é identificável e mensurável, que pode ser estimado por meio de uma equação linear simples que contemple os principais fatores e indicadores do potencial esportivo adequadamente ponderados em relação ao seu grau de importância. Nosso modelo corrobora em certa medida com o modelo proposto por Simonton (1999), apresentando dados que contribuem para a validação empírica do modelo teórico e operacional proposto.
Em relação à consistência interna, no presente estudo observou-se um baixo coeficiente Alpha de Cronbach, principalmente para os fatores ambiental (r= 0,28) e técnico (r= 0,54), os quais influenciaram o resultado de consistência interna do modelo bateria de testes (r= 0,51) e do Gold Score Basketball (r= 0,59). Uma possível explicação para a baixa consistência observada no fator ambiental se deve ao fato de que este fator é composto por variáveis ordinais como o nível competitivo e o nível de vitória em competição, onde cada uma das categorias foram multiplicadas por uma constante de modo que fossem transformadas para variáveis em uma escala de 0 a 100 pontos. A utilização de apenas dois indicadores também pode ser uma das possíveis explicações para a baixa consistência deste fator.
Apesar da baixa consistência interna do modelo, é preciso considerar que jovens atletas apresentam diferentes combinações de resultados obtidos em cada um dos indicadores do potencial esportivo, de modo que podem apresentar escores muito acima da média em alguns deles e resultados não tão bons em outros. Dessa maneira, podem-se observar jovens com características bem distintas, mas que apresentam a mesma estimativa de potencial esportivo. Isto foi descrito por Régnier et al. (1993) como fenômeno da compensação. O fenômeno da compensação também pode ser uma das possíveis explicações para a baixa consistência interna observada no presente estudo.
Por outro lado, a estabilidade do diagnóstico do potencial esportivo foi elevada no período de 12 meses, principalmente no modelo bateria de testes e no Gold Score Basketball, sugerindo que o jovem atleta tende a manter a sua classificação relativa dentro do seu grupo de comparação após uma temporada de treinamento. Existem evidências de que a estabilidade dos indicadores antropométricos, físico-motores e maturacionais é elevada, no período de nove meses (Miranda et al., 2019) e de que capacidades físicas com elevada estabilidade, tais como velocidade, agilidade, resistência e capacidade de sprints repetidos são bons preditores de performance futura, principalmente nos estágios iniciais da formação esportiva, dentro de um período de um a três anos (Murr, Raabe, & Höner, 2018). Além disso, jovens com desempenho acima da média nos testes geralmente são os mais bem-sucedidos no futuro (Zibung, Zuber, & Conzelmann, 2016).
Apesar da complexidade e das incertezas relacionadas ao prognóstico do desempenho em jovens atletas, existem evidências científicas de que os resultados obtidos em baterias de teste multidimensionais são capazes de predizer o sucesso esportivo em períodos curtos de follow-up (Pion et al., 2015; Schorer, Rienhoff, Fischer, & Baker, 2017; Murr et al., 2018), particularmente quando se utilizam modelos holísticos que conjugam os resultados das baterias de testes com a opinião dos treinadores (Zibung et al., 2016; Sieghartsleitner et al., 2019). A maioria dos atletas não apresenta uma trajetória linear de desenvolvimento do menor para o maior nível competitivo (Fransen & Gullich, 2019). Sendo assim, não se deve substituir a subjetividade do treinador nas tomadas de decisão para identificação e desenvolvimento de jovens promissores, justificando a necessidade de abordagens multidimensionais e longitudinais para esta finalidade.
Quanto à validade de construto e a validade de critério, observou-se que jovens basquetebolistas que disputaram competições de maior nível competitivo e que conquistaram medalhas apresentaram maior escore no Gold Score Basketball e que sob o ponto de vista prático a diferença observada foi de grande relevância, com destaque para maiores diferenças observadas no modelo bateria de testes quando comparado ao modelo olho do treinador. Este resultado corrobora alguns estudos que mostram a superioridade da bateria de testes em relação ao prognóstico feito pelos treinadores sobre o desempenho futuro de jovens atletas (Schorer et al., 2017). Nossos resultados também corroboram diversos estudos no basquetebol que constataram diferenças significativas entre atletas de diferentes níveis competitivos (Torres-Unda et al., 2013; Arede et al., 2019; Ramos et al., 2019) e que investigaram variáveis preditoras de performance (Hoare, 2000; Arede et al., 2019; Bonal et al., 2019; Moxley & Towne, 2015).
Na prática, o Gold Score Basketball vai em direção da abordagem holística, tão necessária atualmente a partir do contexto de inovação tecnológica, que se utiliza do conhecimento científico juntamente com a experiência dos treinadores. Trata-se de uma ferramenta aplicada ao processo de identificação e desenvolvimento do talento esportivo, na medida em que analisa uma grande quantidade e qualidade de informações de características multidimensionais do potencial esportivo do jovem basquetebolista, sendo capaz de monitorar a evolução do potencial do atleta, para que baseado em evidências possa validar longitudinalmente os resultados encontrados. O modelo avalia pelo menos três dimensões: o atleta (o que ele pensa que é), o treinador (quem ele pensa que o atleta é) e a bateria de testes (quem o atleta é).
O modelo proposto neste estudo torna-se de suma importância a partir de sua aplicação em instituições que selecionam, identificam, promovem e desenvolvem jovens atletas de basquetebol, tais como clubes, federações, e/ou programas de desenvolvimento de talentos. Com a utilização do sistema informatizado, tomando como base o Gold Score Basketball, é possível reconhecer jovens basquetebolistas com maior potencial de excelência, potencializar o investimento em recursos financeiros e humanos no processo de formação dos atletas, otimizar os treinamentos de forma a aprimorar as potencialidades e minimizar fraquezas do atleta, apoiando possíveis decisões de treinadores, selecionadores e gestores na inclusão ou exclusão de jovens do processo de desenvolvimento da modalidade.
Porém, cabe destacar a necessária aplicação de avaliações sistemáticas, evitando julgamentos precipitados com base apenas em diagnósticos transversais, e garantir oportunidades de desenvolvimento a todos os jovens atletas. O modelo não deve apenas destacar os atletas com melhores desempenhos no momento da avaliação, e sim, conduzir os resultados para que seja oferecido aos atletas as melhores condições para se desenvolverem no limite dos seus potenciais, considerando que ele possa apresentar um desempenho superior mais a frente com a avançar do estado maturacional (Abbott & Collins, 2002). Sendo assim, independente do Gold Score obtido no momento da avaliação, o mais importante é que esta avaliação seja útil para motivar os atletas a permanecerem no processo de formação esportiva, independentemente do jovem ter ou não o potencial para se tornar um atleta.
Isto porque todos os modelos de diagnóstico do potencial esportivo apresentam riscos de identificar algum atleta como potencial de excelência que não é de fato (falso positivo) e de não identificar quem de fato é um talento esportivo (falso negativo). Neste caso, o falso negativo seria o erro mais grave, já que, mais importante que predizer o talento é evitar a perda de jovens talentosos. Sendo assim, todo modelo de identificação de talentos se baseia em uma estratégia probabilística, que poderá incutir em julgamentos equivocados sobre o verdadeiro potencial esportivo dos atletas. Como limitações do presente estudo, destaca-se a utilização de valores normativos baseados na própria amostra, o que implica na capacidade de generalização dos resultados apenas ao nível competitivo regional/estadual. Além disso, a equação matemática desenvolvida aplica-se apenas a atletas do sexo masculino. A validade preditiva do modelo proposto deve ser investigada em novos estudos com delineamento longitudinal.
A dificuldade para o prognóstico do talento esportivo é inerente ao próprio tema e novos estudos longitudinais irão contribuir para um melhor entendimento deste fenômeno, permitindo revisões do modelo proposto no presente estudo. É preciso monitorar de forma contínua o processo de desenvolvimento do potencial esportivo, a partir de modelos válidos e fidedignos que permita estimar os múltiplos indicadores do jovem atleta em potencial, de forma a proporcionar condições adequadas de exposição aos treinamentos, e um ambiente favorável para que seu potencial se manifeste. O Gold Score Basketball possui um caráter formativo, de desenvolvimento, e os resultado da avaliação não é garantia de sucesso esportivo futuro, nem tão pouco de fracasso. Dados de performance em competição e o quanto o atleta está progredindo em cada temporada de treinamento são indicadores relevantes e que podem ser incluídos em futuras análises.
CONCLUSÕES
Gold Score Basketball é um modelo científico válido e fidedigno para estimativa e avaliação do potencial esportivo de jovens basquetebolistas. Diante das evidências de validade e estabilidade do diagnóstico realizado, pode-se afirmar que a modelagem do potencial esportivo proposta no presente estudo para jovens basquetebolistas é uma ferramenta inovadora que contribui para a sistematização do processo de identificação de talentos esportivos no basquetebol brasileiro.