INTRODUÇÃO
A restrição de fluxo sanguíneo (RFS) é um método de treinamento físico utilizado em ambientes de prática clínica e social, a exemplo de hospitais, academias, box, clubes e praças. Esse método tem como característica própria à utilização de torniquetes pneumáticos ou faixas elásticas, necessários para realizar durante sua aplicação uma compressão externa na região proximal do esqueleto apendicular. Ela pode ser realizada de forma isolada ou associada aos exercícios de força e aeróbico, com cargas inferiores a 50% de uma repetição máxima 1RM ou do volume máximo de oxigênio (VO2max) respectivamente (Abe, Kearns & Sato, 2006).
Vários estudos evidenciaram sua eficácia para induzir o aumento dos níveis de força e hipertrofia muscular, recrutamento precoce das fibras do tipo II, das respostas adaptativas na resistência muscular localizada (Kacin & Strazar, 2011; Gil et al., 2017; Sousa et al., 2017); força isométrica (Chaves et al., 2016) e a capacidade funcional (Silva et al., 2019).
Esse método inicialmente foi chamado de Kaatsu Training, ficando conhecido também ao longo dos anos como treinamento com isquemia; treinamento com oclusão vascular; treinamento com oclusão terapêutica e treinamento com RFS, entretanto as pesquisas observaram que não existe uma oclusão, mas sim, uma restrição parcial do fluxo sanguíneo arterial e apenas a obstrução do fluxo sanguíneo venoso superficial (Takano et al., 2005; Iida et al., 2011).
Nesta perspectiva, Cirilo-Sousa e Rodrigues Neto (2018) apresentaram diretrizes para a prescrição do treinamento com RFS a partir de padronizações na aplicação, a exemplo da quantidade de compressão, tamanho do manguito, frequência e percentual de carga, público alvo (adolescentes, adultos jovens e idosos), volume e intensidade, promovendo assim, a sua utilização por grupos distintos, não apenas em ambientes laboratoriais, mas também em ambientes sociais de prática física.
Contudo, ainda é necessária uma ampla discussão entre os pesquisadores a respeito das nuances metodológicas direcionadas ao treinamento com esta técnica, que possibilite ampliar os saberes técnicos e populares, fazendo com que os profissionais da saúde, comunidade e pesquisadores entendam que a RFS é o mesmo que uma compressão externa segmentar. Desta forma, o presente trabalho teve como objetivo verificar a percepção e análise crítica do processo metodológico e de utilização do método de treinamento com restrição de fluxo sanguíneo por pesquisadores nacionais e internacionais de excelência.
MÉTODO
Tratou-se de um estudo transversal descritivo, de abordagem qualitativa, realizado a partir da análise do discurso (Thomas, Nelson & Silverman, 2012).
Amostra
Pesquisadores, mestres e doutores, que debateram a seguinte temática — A Restrição Do Fluxo Sanguíneo no Contexto da Reabilitação, Durante O III Congresso Internacional de Saúde, Desporto e Pedagogia do Movimento (SINERGIA BRAZIL) — Edição Especial — On-line. Dentre os pesquisadores renomados especialistas no assunto estavam presentes: o Dr. Michael Bemben (University Oklahoma); o Dr. Eduardo Freitas (University Oklahoma); o Dr. Gilberto Laurentino (Universidade São Judas Tadeu); o Ms. Elisio Pereira Neto (University Of Soul Austrália) e o Ms. Samuel Amorim (Hospital Israelita Albert Einstein); a Dra. Maria do Socorro Cirilo-Sousa (Universidade Federal da Paraíba e Universidade Regional da Paraíba).
Instrumentos
O debate foi mediado pelo Ms. Gabriel Barreto (Universidade Federal da Paraíba) e para o momento dos questionamentos contou com a presença do Ms. Carlos Renato (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Paraíba); a Dra. Joamira Pereira (Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará) e da Ms. Natalia Herculano (Centro Universitário de João Pessoa).
Procedimentos
A sistemática do debate transcorreu da seguinte forma: fala inicial dos convidados debatedores, com tempo determinado e ampla discussão entre os mesmos; dois blocos de perguntas e respostas, sendo o primeiro realizado pelos discentes do Curso de Doutorado do Programa Associado de Pós-graduação em Educação Física UPE/UFPB e o segundo destinado ao público espectador. O debate foi norteado a partir do método de RFS, sendo destacados e discutidos durante o primeiro bloco os seguintes pontos centrais: ajuste de compressão durante o programa de treinamento; uso da RFS em pacientes pós-COVID-19; efeitos adversos da RSF: riscos e benefícios na reabilitação. Durante o segundo bloco discutiu-se sobre: a terminologia; objetivo da aplicação e o público alvo; e os equipamentos e técnicas de compressão.
Análise estatística
Realizou-se uma análise descritiva e qualitativa da fala dos pesquisadores convidados, que debateram o seguinte tema: A Restrição do Fluxo Sanguíneo no Contexto da Reabilitação. A análise foi realizada pelos membros do grupo de pesquisa do Laboratório de Cineantropometria e Desempenho Humano (LABOCINE), por meio de anotações durante as discussões, e após, a partir da gravação e transcrição da fala de cada pesquisador.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os pesquisadores unanimemente concordaram que o ajuste da pressão de restrição durante o treinamento com RFS deve ser feito baseado na pressão absoluta, ou seja, no decorrer do treinamento após a hipertrofia, o volume e a circunferência do membro irão aumentar e consequentemente a pressão absoluta, no entanto, o percentual relativo adotado inicial permanece, porém a pressão aplicada relativamente, poderá aumentar em função do aumento da absoluta.
O Dr. Laurentino destacou que o ajuste inicial da pressão vai depender do objetivo que se quer alcançar, e pensando na prática clínica o fator carga é determinante para se modular a pressão, pois, havendo limitação da carga, deve-se utilizar cargas menores e fazer uma progressão da pressão para compensar. Portanto, se faz necessário que haja uma dose equilibrada entre carga e pressão, uma vez que, são inversamente proporcionais. Por exemplo: cargas em torno de 30% de 1 RM devem ser equalizadas com pressões relativas por volta de 40% da absoluta; na hipótese de a pressão relativa ser ajustada em um range entre 60 a 80% da pressão absoluta, devem-se utilizar cargas mais baixas, em torno de 20% de 1 RM.
Também foi consenso entre os pesquisadores que a RFS é um método viável para o tratamento de pacientes pós-COVID-19, no entanto é preciso ficar atento e levar em consideração o histórico de saúde desses indivíduos, as sequelas deixadas pela doença e a presença dos mesmos em grupos de risco, como cardiopatas, hipertensos, diabéticos, entre outros. O Ms. Elísio complementou a informação, relatando evidências científicas da perda elevada de massa muscular e capacidade cardiorrespiratória desses pacientes, e considerou adequado o uso da RFS devido ao uso de baixas cargas; no entanto, as poucas evidências científicas relacionadas aos efeitos adversos do método no sistema vascular, expira cuidados durante sua utilização em pacientes que apresentaram sequelas nesse sistema.
Tendo em vista os poucos estudos reportados sobre os efeitos adversos provenientes da RFS, os pesquisadores convergiram suas falas chamando a atenção para a segurança na aplicação do método no contexto da reabilitação, sendo necessário iniciar sempre com pressões e cargas mais baixas e em seguida progredir. Frisou-se que é extremamente importante antes de iniciar qualquer procedimento, avaliar os riscos e benefícios que o método de RFS possa apresentar.
O Ms. Elísio deixou claro que uma das principais barreiras no uso da RFS em ambientes de reabilitação é a falta de conhecimento sobre os efeitos adversos, portanto, seria imprescindível que os pesquisadores registrassem em seus estudos informações a esse respeito, e caso não haja, deixar claro que foi um método seguro pelo menos para aquelas circunstâncias. O Dr. Laurentino disse acreditar que a ausência dos relatos de efeitos adversos nos estudos, se deve ao fato de que eles são muito pequenos comparado aos benefícios, e que a técnica da RFS seja mais benéfica do que maléfica.
O Prof.° Samuel relatou que normalmente os efeitos adversos não são controlados em populações clínicas e que é fundamental realizar uma anamnese profunda com avaliação de um médico, além de exames específicos para cada caso. O mesmo ajuizou que o precondicionamento isquêmico (PCI) que consiste em ciclos de isquemia e reperfusão antes da sessão de exercício ou de força ou aeróbico, seria a variação da RFS mais adequado para essa população.
A Dra. Maria do Socorro Cirilo-Sousa (Universidade Federal da Paraíba e Universidade Regional do Cariri) encarregou-se de transmitir aos pesquisadores, os questionamentos do público espectador. A mesma contextualizou em sua fala o impacto negativo que a terminologia do método de RFS causa nas pessoas que pretendem utilizá-la pela primeira vez, mas que não dispõe de conhecimento científico e metodológico, tendo em vista que as terminologias — “RFS”, “isquemia”, “hipóxia” ou mesmo “treinamento com oclusão sanguínea” amedronta e afasta a população, pois remete à interrupção do fluxo sanguíneo no corpo humano.
Ela realizou alguns questionamentos sobre a metodologia que vem sendo aplicada no uso da RFS: será que essa técnica só pode ser utilizada no meio clínico como forma de reabilitação, mesmo existindo evidencias científicas de que é possível utilizá-la como recurso ergogênico? O que distancia a técnica de RFS da população que busca a melhoria do condicionamento físico?
A mesma ponderou que a utilização da RFS apenas para reabilitação, incide na redução de seus benefícios tão-somente para um público específico, desprezando assim, seus benefícios relacionados ao ganho e manutenção da força e da hipertrofia muscular. Ela ainda divergiu da premissa de que a RFS deva ser subutilizada apenas para reabilitação, o que a tornaria excludente para a população em geral, e acrescentou que o método pode ser disseminado como “treinamento físico com restrição”, para abranger um público mais amplo.
Em suma, a Dra. Maria do Socorro Cirilo-Sousa, evocou a atenção dos debatedores para a discussão de três tópicos principais a respeito da RFS, dentre os quais, estavam: a terminologia; o objetivo da aplicação e o público alvo; e os equipamentos e técnicas de compressão.
Durante a análise crítica relacionada à terminologia houve um consenso entre os pesquisadores de que o termo “RFS” assusta as pessoas que não tem familiaridade com o método, pois remete à interrupção total do fluxo sanguíneo. O Dr. Laurentino corroborou a opinião da dra. Maria do Socorro Cirilo-Sousa, a qual não acredita que o termo RFS seja o mais adequado e sugeriu uma ampla reflexão. O Ms. Elísio comentou, que em casos de mudança de terminologia, que seja realizada através de métodos científicos apropriados, e não apenas por mera especulação.
O Ms. Samuel Amorim explanou que a RFS em sua origem foi chamada de “KAATSU”, que em japonês significa adicionar pressão, sendo transcrita para língua inglesa como, “blood flow moderation”, que em português quer dizer “moderação do fluxo sanguíneo”, portanto, trata-se de uma metodologia já consolidada, que ainda não se popularizou em todo o mundo, mas que está em ascensão.
Em sua grande maioria, os pesquisadores não viram a necessidade de mudança da terminologia, mas sim de esclarecer e orientar a população sobre o método, de imediato. Embora a professora Dra. Maria do Socorro Cirilo-Sousa tenha deixado uma perspectiva de estudar um termo, posteriormente. Em relação ao objetivo da aplicação e ao público alvo, os pesquisadores destacaram que à RFS é um método eficiente que possibilita a redução da carga, o recrutamento precoce das fibras musculares do tipo II e o aumento da força e hipertrofia muscular.
O Dr. Bemben disse que a RFS também é eficiente para pessoas jovens e saudáveis que já treinam com altas cargas e pretendem utiliza-la no momento de baixar a intensidade do treinamento por uma ou duas semanas. O Dr. Laurentino acrescentou que o método surgiu como um recurso ergogênico, onde o objetivo era aumentar o ganho de massa magra, e só depois começou a ter seus efeitos estudados em pessoas com alguma limitação física.
A maioria dos pesquisadores considera que o método de RFS utilizado durante o exercício ou o PCI são recursos terapêuticos eficientes para promover uma reabilitação mais rápida e eficiente no tratamento clínico em unidades de terapia intensiva e enfermarias, visando o aumento dos níveis de hipertrofia e força muscular. O Ms. Samuel Amorim evidenciou que a RFS apresenta um bom funcionamento para diversas populações clínicas (Alzheimer, demência, fragilidade e problemas osteoarticular) e que o PCI tem se mostrado efetivo na melhoria da função vascular em populações com rigidez arterial.
Em meio as considerações dos pesquisadores, ficou claro que a aplicabilidade da RFS deve ser exacerbada para ambientes sociais de exercícios, a exemplo de academias, box, clubes e praças, considerando que quanto mais se utiliza, mais se conhece e divulga. Também ficou evidente que a população em geral tende a utilizar o Practical Blood Flow Restriction, no qual se utiliza como instrumento compressivo bandagens elásticas e a percepção subjetiva de aperto para definir a compressão de treinamento, uma vez que, é possível estimar subjetivamente dentro de um range entre 40 e 80%, a pressão de restrição suficiente para induzir os estímulos necessários para o aumento da hipertrofia e da força muscular, além de ser um método acessível e de baixo custo financeiro.
Ao se tratar dos equipamentos e técnicas para compressão, houve uma convergência entre os pesquisadores da necessidade de desenvolver e validar métodos e equipamentos do tipo manguitos e bandas elásticas que sejam mais práticos, com baixo custo financeiro e de fácil aquisição, para que as pessoas comuns possam fazer uso no seu dia-a-dia. Aliado a isso, os Doutores Bemben e Laurentino enfatizaram a necessidade de sistematização no manuseio, que possibilite o controle preciso da pressão de restrição pelos usuários.
O Dr. Eduardo chamou a atenção para os equipamentos mais sofisticados a exemplo Kaatsu Training, que são capazes de controlar precisamente a pressão de restrição, tornando-se mais apropriados em ambientes laboratoriais para fins de pesquisas. O mesmo acrescentou que esses equipamentos apresentam um alto custo financeiro, tornando-se inacessíveis para a população em geral. Em seguida, o Ms. Samuel justificou o alto custo financeiro dos equipamentos Kaatsu devido a tecnologia e funcionalidade mais avançada, aliado a métodos e protocolos próprios, já determinados para diferentes tipos de condições clínicas, hipertrofia muscular ou melhora da performance, tais quais, até o momento, indisponíveis nas marcas: Delphi, Vasper, AirBands.
A maior parte dos pesquisadores concordaram que tanto o PCI quanto a RFS durante o exercício são variações eficazes do método, fazendo-se necessário condições sistematizadas, a exemplo do número de ciclos de compressão e reperfusão, bem como os percentuais de carga e de compressão respectivamente, exigindo para isso, grande controle e experiência do profissional.
A mudança da data inicial do III SINERGIA BRAZIL, devido à COVID-19 foi uma limitação para o estudo, pois impossibilitou a participação de alguns pesquisadores especialistas no assunto, que também haviam sido convidados para debater sobre os temas propostos. Sugere-se para os próximos estudos, a ampliação das temáticas discutidas, no intuito de divulgar, esclarecer e tornar mais acessível o método de RFS.
CONCLUSÕES
Ficou claro na análise do discurso dos debatedores que a moderação inicial da pressão de restrição arterial vai depender do objetivo que se quer alcançar, havendo a necessidade de equilibrar a carga e a pressão. No decorrer do treinamento, apontou-se a importância de ajustar apenas a pressão de restrição relativa conforme o aumento da pressão absoluta, em decorrência da hipertrofia, durante o treinamento.
Houve um consenso sobre à eficiência do método no tratamento de pacientes pós-COVID-19, contanto que se leve em consideração o histórico de saúde, as sequelas deixadas pela doença e se esses indivíduos fazem parte de algum grupo de risco, como cardiopatas, hipertensos, diabéticos, entre outros, sendo portanto, o PCI em repouso a opção mais adequada para esse público; primando-se também pela avaliação dos riscos e benefícios antes de sua utilização.
Houve concordância de que à escassez de informações sobre os efeitos adversos provenientes do método de RFS, torna primordial à avaliação dos riscos e benefícios antes de dar início a aplicação da técnica, sendo necessário começar sempre com pressões e cargas mais baixas e em seguida progredir.
Os aspectos analisados durante o debate sobre a terminologia “RFS” indicaram que a mesma amedronta o público que não tem familiaridade com o método e que é necessária uma reflexão ampla sobre o termo; não sendo necessária a mudança da terminologia, mas sim esclarecimentos e orientações sobre o mesmo.
Foi unânime que o método é essencial para reabilitação na prática clínica, entretanto a sua aplicabilidade deve ser exacerbada para a população em geral, em ambientes sociais de prática de exercícios.
No que se refere aos instrumentos e técnicas para compressão, existe a necessidade de se validar métodos e equipamentos seguros, precisos e com menor custo financeiro, a exemplo de manguitos e bandas elásticas que sejam mais práticos e de fácil aquisição. Designando-se à utilização em ambientes laboratoriais e hospitalares, os aparelhos com maiores tecnologias e alto custo financeiro.