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Motricidade

versão impressa ISSN 1646-107Xversão On-line ISSN 2182-2972

Motri. vol.18 no.2 Ribeira de Pena dez. 2022  Epub 28-Nov-2022

https://doi.org/10.6063/motricidade.27118 

ARTIGO DE REVISÃO

Efeito do alongamento sobre a força muscular de pessoas saudáveis: uma revisão sistemática

Effect of stretching on muscle strength in healthy people: a systematic review

Osvaldo Costa Moreira1  2  * 
http://orcid.org/0000-0002-1386-8883

Pedro Henrique Viana Mendes1 

Lucas Vieira dos Santos2 
http://orcid.org/0000-0001-6630-8890

João Carlos Bouzas Marins2  3 
http://orcid.org/0000-0003-0727-3450

Claudia Eliza Patrocínio de Oliveira2  3 
http://orcid.org/0000-0001-9417-3516

1Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de Viçosa, Campus Florestal – Floresta, (MG), Brasil.

2Programa de Pós-Graduação em Educação Física, Universidade Federal de Viçosa/Universidade Federal de Juiz de Fora – Viçosa (MG), Brasil.

3Departamento de Educação Física, Universidade Federal de Viçosa – Viçosa (MG), Brasil.


RESUMO

O presente trabalho teve por objetivo revisar sistematicamente a literatura, para avaliar o efeito do alongamento sobre a força muscular de pessoas saudáveis. Foram consultadas as fontes de dados: PubMed, Scopus e Scielo, utilizando-se os critérios de elegibilidade: intervenção com alongamento e medida de desempenho da força muscular, em pessoas saudáveis. Foram incluídos 18 estudos, que atenderam os critérios. Os tipos de alongamento utilizados foram o estático contínuo 20%, estático intermitente 60% e o dinâmico 20%. Os tipos de força avaliados foram: força máxima isométrica (12,5%), força máxima dinâmica (66,66%) e potência muscular (20,83%). 5,5% dos estudos demonstraram aumento da força muscular após o alongamento; 38,8% apresentaram redução, após o alongamento estático; 38,8% não observaram alteração; e 16,6% apresentaram aumento ou redução da força muscular dependendo do tipo de alongamento utilizado. Com base nos trabalhos analisados à realização de alongamento estático de forma prévia ao treinamento de diversas manifestações de força tenderam a reduzir ou não alterar o desempenho muscular. Não foi encontrada uma sinalização clara que o alongamento realizado antes do treino de força promova uma melhora de rendimento muscular.

PALAVRAS-CHAVE: saúde; flexibilidade; força muscular

ABSTRACT

This work aimed to systematically review the literature to assess the effect of stretching on muscle strength in healthy people. The PubMed, Scopus and Scielo data sources were consulted, using the eligibility criteria: intervention with stretching and measurement of muscle strength performance in healthy people. Eighteen studies that met the criteria were included. The types of stretching used were continuous static 20%, intermittent static 60% and dynamic 20%. The types of strength evaluated were: maximum isometric strength (12.5%), maximum dynamic strength (66.66%) and muscle power (20.83%). 5.5% of the studies demonstrated increased muscle strength after stretching; 38.8% showed reduction after static stretching; 38.8% did not observe changes; and 16.6% had increased or reduced muscle strength depending on the type of stretching used. Based on the studies analyzed, performing static stretching prior to training, various manifestations of strength tended to reduce or not change muscle performance. It was not found a clear sign that the stretching performed before the strength training promotes an improvement in muscle performance.

KEYWORDS: health; flexibility; muscle strength

INTRODUÇÃO

Programas de treinamento físico comumente incluem exercícios para aumentar a força muscular e a flexibilidade corporal, uma vez que ambas são consideradas variáveis essenciais para a manutenção da aptidão física relacionada á saúde (Fragala et al., 2019). Nesse sentido, o alongamento, entendido como uma forma de se estimular a valência física flexibilidade, pode ser utilizado com objetivo de aquecer a musculatura, antes da prática de exercícios físicos, aumentar a flexibilidade ou a amplitude de movimento e melhorar o desempenho atlético (Chaabene, Behm, Negra & Granache, 2019). Atualmente, quatro técnicas principais de alongamento (estática, dinâmica, balística e facilitação neuromuscular proprioceptiva) são aplicadas em ambientes atléticos, de condicionamento físico e de reabilitação (Chaabene et al., 2019).

O estudo de exercícios de alongamento associados ao desempenho da força muscular tem chamado à atenção de diferentes grupos de pesquisadores (Endlich et al. 2009; Pasqua, Okuno, Damasceno, Lima-Silva & Bertuzzi, 2014; Leite et al., 2015; Marchetti et al., 2015; Barbosa Netto, Veloso, d’acelino-e-Porto, & Almeida, 2018; César, Silva, Rezende & Alvim, 2018; Moreira et al., 2021). No entanto os resultados obtidos por estes estudos têm produzido dados conflitantes, não havendo um nível de evidência científica clara com dados suficientemente para sustentar a premissa de que o alongamento prévio possa causar efeitos positivos ou negativos sobre o desempenho da força muscular.

Os possíveis efeitos do alongamento sobre a força muscular parecem estar relacionados aos fatores mecânicos e/ou neurais (Rubini, Costa & Gomes, 2007), desencadeados pela manipulação de variáveis como intensidade, volume e duração do alongamento (Apostolopoulos et al., 2018). Diante das controvérsias e lacunas presentes na literatura a respeito dos efeitos do alongamento sobre o desempenho da força muscular, a realização de estudos, experimentais ou de revisão, que tentem elucidar algumas questões relacionadas a essa temática torna-se relevante, uma vez que programas que empreguem exercícios de alongamento e força muscular em uma mesma sessão de treinamento podem ser amplamente empregados como estratégia para promoção da saúde, do condicionamento físico, de reabilitação ou melhora do desempenho atlético (Chaabene et al., 2019).

Assim o presente estudo tem por objetivo revisar sistematicamente a literatura para avaliar o efeito do alongamento sobre o desempenho da força muscular de pessoas saudáveis. Como hipótese desse estudo tem-se que, o alongamento produzirá diferentes efeitos sobre a força muscular, de acordo com o tipo de alongamento e com o protocolo utilizado. A tentar comprovar essa hipótese, essa revisão poderá permitir aos leitores compreender melhor a literatura sobre alongamento e força muscular, atualizar os conhecimentos relacionados a controvérsias levantadas anteriormente, além de possivelmente, apontar caminhos para pesquisas futuras.

MÉTODO

Protocolo e registro (PROSPERO)

Esta revisão sistemática foi realizada de acordo com as diretrizes do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analysis (PRISMA), de 2019. O protocolo de realização da mesma foi registrado no PROSPERO - International prospective register of systematic reviews, sob o número CRD42021234239.

Critérios de elegibilidade

Foram estabelecidos como critério de inclusão: ensaios randomizados controlados; publicados em inglês, português ou espanhol; publicados nos últimos 10 anos (Janeiro de 2011 a Dezembro de 2020); amostra composta por humanos; utilização de intervenção com treinamento de flexibilidade; presença de grupo controle sem intervenção; presença de, pelo menos, um método de avaliação da força muscular; e que os termos de busca fossem encontrados no título ou no resumo do trabalho. Como critério de exclusão utilizou-se: estudos de caso; estudos de revisão; estudos com modelo animal; estudos com grupo amostral composto por adolescentes ou crianças; estudos que não avaliaram a força muscular.

Fontes de informação e busca

Dois autores (PHVM e OCM) realizaram uma pesquisa sistemática da literatura informatizada nas bases de dados eletrônicas PubMed, Scopus e Scielo para localizar estudos que relataram explicitamente os efeitos do trabalho de flexibilidade sobre o desempenho de força muscular em pessoas aparentemente saudáveis. Os termos de pesquisa utilizados foram: (Flexibility OR Stretching) AND “Strength” OR “Hypertrophy”. Para dar conta das diferenças na sintaxe de pesquisa, modificamos apropriadamente os termos de pesquisa para outros bancos de dados. O período de pesquisa de literatura abrangeu publicações até dezembro de 2020. Antes de prosseguir com a seleção de estudos elegíveis, todas as duplicatas foram removidas. Após a remoção das duplicatas, os títulos e resumos dos artigos restantes foram selecionados independentemente por critério de relevância. Por fim, os textos completos dos trabalhos pré-selecionados foram examinados pelos dois autores acima mencionados com base nos critérios de inclusão e exclusão descritos. Discrepâncias foram discutidas entre os autores e, em caso de desacordo, um terceiro autor (CEPO) verificou a relevância do artigo e uma decisão de consenso foi tomada. A avaliação de elegibilidade dos estudos está resumida na Figura 1.

Figura 1 Diagrama de fluxo ilustrando as diferentes fases da busca e seleção dos estudos incluídos na revisão (PRISMA). 

Para extração de dados dos artigos incluídos na revisão sistemática, foi utilizada uma folha de dados de Excel com campos relacionados às características do estudo, a amostra, protocolo de intervenção, duração da intervenção e principais resultados.

Avaliação de qualidade

Os artigos que atenderam aos critérios de inclusão predefinidos tiveram sua qualidade metodológica avaliada por meio da Physiotherapy Evidence Database scale (PEDro). Ao avaliar cada estudo, um valor mínimo de 5/11 na escala PEDro foi considerado para inclusão na revisão sistemática, conforme descrito na . A média de pontos atingida foi de 5,72. Dos 11 quesitos avaliados, a maioria dos estudos (9 artigos) atingiu 5 pontos, 6 estudos obtiveram 7 pontos e apenas 1 deles somou 6 pontos. Apesar de média (5,72) estar abaixo da metade dos critérios e a maior pontuação ser 7/11, podemos considerar que os estudos têm boa qualidade e seus resultados não sofrem interferências dos critérios não atendidos.

Risco de viés

O risco de viés foi realizado usando RevMan 5.3 (The Nordic Cochrane Center, The Cochrane Collaboration, Copenhagen 2012. Software gratuito disponível em http://tech.cochrane.org/revman/download). A análise foi baseada em sete domínios: 1. Geração de sequência aleatória; 2. Ocultação de alocação; 3. Cegar os participantes e funcionários; 4. Medidas de resultados cegantes; 5. Dados de resultados incompletos; 6. Relatórios seletivos e 7. Outras tendências. Todos eles avaliam vários tipos de vieses que podem estar presentes em qualquer estudo selecionado. O risco de viés reduzido per-mite maior confiabilidade dos resultados observados em cada um dos testes. Os estudos incluídos nesta revisão sistemática obtiveram a classificação de baixo risco de viés. Nenhum dos estudos apresentou a classificação de alto risco para nenhum dos sete critérios, sendo que apenas a Alocação Sigilosa (critério 2) foi classificada como risco de viés incerto. O resumo dessas análises pode ser encontrado na Tabela 2.

Tabela 1 Avaliação da qualidade metodológica dos estudos analisados, segundo a escala PEDro. 

Estudo Cr.1 Cr.2 Cr.3 Cr.4 Cr.5 Cr.6 Cr.7 Cr.8 Cr.9 Cr.10 Cr.11 Total
Ayala et al. (2015) 1 1 0 1 0 0 0 1 1 1 1 7
Barbosa Netto et al. (2018) 1 0 0 1 0 0 0 1 1 1 1 6
Bastos et al. (2014) 1 1 0 1 0 0 0 1 1 1 1 7
Bogdanis et al. (2019) 1 0 0 0 0 0 0 1 1 1 1 5
César et al. (2015a) 1 0 0 0 0 0 0 1 1 1 1 5
César et al. (2015b) 1 0 0 0 0 0 0 1 1 1 1 5
César et al. (2018) 1 0 0 0 0 0 0 1 1 1 1 5
Endlich et al. (2009) 1 0 0 0 0 0 0 1 1 1 1 5
Leite et al. (2015) 1 1 0 1 0 0 0 1 1 1 1 7
Lopes et al. (2015) 1 0 0 0 0 0 0 1 1 1 1 5
Lustosa et al. (2010) 1 1 0 1 0 0 1 0 1 1 1 7
Marchetti et al. (2015) 1 0 0 0 0 0 0 1 1 1 1 5
Pasqua et al. (2014) 1 0 0 0 0 0 0 1 1 1 1 5
Santos et al. (2014) 1 0 0 0 0 0 0 1 1 1 1 5
Sekir et al. (2010) 1 0 0 0 0 0 0 1 1 1 1 5
Silveira et al. (2011) 1 1 0 1 0 0 0 1 1 1 1 7
Walsh (2017) 1 0 0 0 0 0 0 1 1 1 1 5

Tabela 2 Avaliação do risco de viés dos estudos analisados. 

Estudo Cr.1 Cr.2 Cr.3 Cr.4 Cr.5 Cr.6 Cr.7 Avaliação
Ayala et al. (2015) Baixo Risco
Barbosa Netto et al. (2018) Baixo Risco
Bastos et al. (2014) Baixo Risco
Bogdanis et al. (2019) Baixo Risco
César et al. (2015a) Baixo Risco
César et al. (2015b) Baixo Risco
César et al. (2018) Baixo Risco
Endlich et al. (2009) Baixo Risco
Leite et al. (2015) Baixo Risco
Lopes et al. (2015) Baixo Risco
Lustosa et al. (2010) Baixo Risco
Marchetti et al. (2015) Baixo Risco
Pasqua et al. (2014) Baixo Risco
Santos et al. (2014) Baixo Risco
Sekir et al. (2010) Baixo Risco
Silveira et al. (2011) Baixo Risco
Walsh (2017) Baixo Risco

↓: baixo risco; ↔: risco moderado; ↑: alto risco.

RESULTADOS

Um total de 221 estudos potencialmente relevantes foi identificado nas bases de dados eletrônicas PubMed, Scopus e Scielo. Após a seleção de títulos, resumos e textos completos, somente 18 estudos foram finalmente elegíveis para inclusão nesta revisão sistemática. A Figura 1 ilustra o diagrama de fluxo PRISMA.

A qualidade metodológica média dos estudos na escala PEDro foi de 5,72, com pontuações de 5 a 7. Todos os estudos foram classificados como de alta qualidade (Maroto-Izquierdo et al., 2017).

As principais características dos estudos incluídos nesta revisão com relação aos participantes, intervenções e resultados são apresentadas na Tabela 3. O número total de participantes no incluído estudos foi 396, sendo 50,74% (n= 342) alocados em grupos que sofreram intervenção com alongamento e 49,25% (n= 332) alocados em grupos controle. Do total de avaliados 263 (66,41%) eram do sexo masculino e 133 (33,59%) feminino.

Tabela 3 Características dos estudos selecionados que avaliaram o efeito do trabalho de flexibilidade sobre o desempenho da força muscular de pessoas saudáveis. 

Estudos Amostra Tipo de alongamento Duração do alongamento Intervenção Resultados Possível explicação
Ayala et al. (2015) 25 ♂
24 ♀
Estático Dinâmico 2 × 30″
2 × 15 repet.
Aguda ↔FMD
↔FMD
Intensidade, posição do alongamento, tempo sobre tensão e volume insuficientes.
Barbosa Netto et al. (2018) 44 ♀
36 ♂
Estático 3 × 20″ Aguda ↓ FDM Fatores Mecânicos, Inibição Neural
Bastos et al. (2014) 30 ♂ Estático 1 × 30″ Aguda ↔FMD Tempo insuficiente para alterar a estrutura muscular
Bogdanis et al. (2019) 16 ♂ Estático fracionado
Estático contínuo
3 × 30″
1 × 90″
Aguda ↑ PotM
↓ PotM
Mecanismos neuromusculares
César et al. (2015a) 11 ♂ Estático 2 × 30″ Aguda ↑ ADM, ↔FDM Volume de alongamento
César et al. (2015b) 10 ♂ Estático 3 × 10″
3 × 30″
Aguda ↑ADM, ↔PotM
↔ADM, ↑PotM
Aumento do feedback proprioceptivo
César et al. (2018) 14 ♂ Estático fracionado
Estático contínuo
4 × 30″
1 × 2′
Aguda ↑ ADM, ↔FDM N.R.
Endlich et al. (2009) 14 ♂ Estático 1 × 8′
1 × 16′
Aguda ↓ FMD Mecanismos neurais
Leite et al. (2015) 28 ♀ Dinâmico 3 × 30 repet. Crônica ↓ FMD N.R.
Lopes et al. (2015) 12 ♂ Estático 6 × 45″ Aguda ↔N° Repet. N.R.
Lustosa et al. (2010) 12 ♀ Estático 4 × 20″ Crônica ↔FMD Tempo insuficiente para influenciar modificações teciduais
Marchetti et al. (2015) 14 ♂ Estático fracionado
Estático contínuo
6 × 1′
1 × 6′
Aguda ↑ ADM e FDM ↓ CVIM Alteração na rigidez e alterações estruturais.
Pasqua et al. (2014) 10 ♂ Estático 1 × 30′ Aguda ↑ ADM, ↓ PotM Tempo de alongamento, utilização de energia elástica e encurtamento reflexo.
Santos et al. (2014) 14 ♂ Dinâmico 1 × 2′20”
1 × 3′30”
Aguda ↔FMD
↔FMD
N.R.
Sekir et al. (2010) 10 ♀ Estático
Dinâmico
2 × 20″
2 × 15 Repet.
Aguda ↓ CVIM
↑ CVIM
Mecanismos neuromusculares
Silveira et al. (2011) 20 ♂ Estático 1 × 10″, 20”, 30” ou 40” Aguda ↔FMD Mecanismos neurais
Walsh (2017) 7 ♂
3 ♀
Estático
Dinâmico
1 × 90″
3 × 12 repet.
Aguda ↓FMD
↔FMD
Mecanismos neuromusculares

FDM: força máxima dinâmica; ADM: amplitude de movimento; CVIM: contração voluntária isométrica máxima; PotM: potência muscular; N.R.: não relatado; Repet.: repetições; ↓ = diminuição; ↔ = sem alteração; ↑ = aumento.

Os principais tipos de alongamento utilizados foram o estático contínuo 20% (n= 5), estático intermitente 60% (n= 15) e dinâmico 20% (n= 5). Já o tempo de realização, número de séries e repetições de execução variaram entre 1 a 6 séries de 20 segundos a 16 minutos de duração, ou 2 a 3 séries de 12 a 30 repetições.

Os tipos de força avaliados nos estudos foram: força máxima isométrica (12,5%), a força máxima dinâmica (66,66%) e a potência muscular (20,83%).

Os resultados apontaram que apenas 5,5% (n= 1) dos estudos analisados demonstraram aumento da força muscular após o trabalho de flexibilidade (César, Souza, Santos, & Gomes, 2015b), 38,8% (n= 7) apresentaram redução da força após o trabalho de flexibilidade (Endlich et al., 2009; Bastos et al., 2014; Pasqua et al., 2014; Leite et al., 2015; Marchetti et al., 2015; Barbosa Netto et al., 2018), 38,8% (n= 7) não observaram alteração da força após o trabalho de flexibilidade (Lustosa et al., 2010; Silveira, Farias, Alvarez, Bif & Vieira, 2011; Santos, Moser & Manffra, 2014; Ayala, Ste Croix, Sainz de Baranda, & Santonja, 2015; César, Paula, Paulino, Teixeira & Gomes, 2015a; Lopes, Soares, Santos, Aoki & Marchetti, 2015; César et al., 2018), e 16,6% (n= 3) apresentaram aumento da força muscular e redução da força muscular (Walsh, 2017; Bogdanis, Donti, Tsolakis, Smilios & Bishop, 2019; Sekir, Arabaci, Akova & Kadagan, 2010).

DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo foi realizar uma revisão sistemática sobre o efeito do alongamento no desempenho da força muscular de pessoas saudáveis, visto que, aparentemente existe um baixo nível de evidências científicas que sustenta a premissa de que o alongamento prévio ao treinamento de força pode causar efeitos positivos ou negativos sobre a força muscular.

Com base em uma análise dos resultados obtidos, existiu uma maior tendência para um prejuízo no rendimento da força observado em 38,8% dos estudos, ou mesmo a ausência de resultados, positivos ou negativos, também com 38,8%. Quanto aos estudos que apontaram um resultado negativo, algo importante especialmente para a prescrição de exercícios para o público de atletas, foi evidenciado por Barbosa Netto et al. (2018) que realizaram um estudo com o objetivo de analisar o efeito do alongamento estático passivo sobre a contração voluntária máxima, durante o teste de preensão manual, observaram que uma rotina de alongamento estático passivo foi responsável por reduzir a contração voluntaria máxima.

Da mesma forma, Marchetti et al. (2015) compararam o efeito do alongamento estático de forma contínua e intermitente na força isométrica dos flexores de punho. No protocolo contínuo eram realizados 6 minutos ininterruptos de alongamento estático passivo e no protocolo intermitente eram realizadas seis séries de 1 minuto com 20 segundos de intervalo entre as séries. Como resultados os autores obtiveram a diminuição da força isométrica em ambos os protocolos de alongamento.

Na mesma linha, Endlich et al. (2009) desenvolveram um estudo com o objetivo de analisar o efeito agudo do alongamento estático passivo com diferentes tempos duração (AL8= 8 minutos; e AL16= 16 minutos) no desempenho da força dinâmica, medida pelo teste de 10RM de membros superiores (supino reto) e inferiores (leg-press 45°), observando que alongamento estático prévio ao treinamento de força, causou uma diminuição na força muscular dinâmica, tanto nos membros superiores, quanto nos membros inferiores. Também, Pasqua et al. (2014) que realizaram um estudo para analisar o efeito do alongamento estático sobre o desempenho no salto em profundidade, que avalia potência muscular dos membros inferiores, concluindo que a rotina de alongamento estático causou diminuição da potência muscular, com consequente redução na altura do salto.

Para analisar a influência do treinamento de força e da flexibilidade isolados ou combinados, de forma crônica, após 12 semanas de intervenção com voluntarias divididas em quatro grupos: treinamento de força; treinamento de flexibilidade; treinamento de força combinado com flexibilidade; e flexibilidade combinado com treinamento de força, Leite et al. (2015) encontraram uma redução da força muscular em todos os grupos que realizaram o treinamento de flexibilidade, isolado ou combinado, em comparação ao grupo que realizou o treinamento de força isoladamente.

A redução da força muscular induzida pelo alongamento estático, possivelmente, é explicada por alterações em fatores mecânicos e fatores neurais associados ao controle da função neuromuscular. Entre os fatores mecânicos é aceitável postular:

  1. o aumento da complacência muscular, causada pela diminuição da ativação dos fusos musculares, que está relacionada à diminuição da rigidez muscular, com consequente redução da eficácia na geração de força (Rubini et al., 2007; Di Alencar & Matias, 2010; Marchetti et al., 2015);

  2. na alteração da relação comprimento-tensão, uma vez que quando os sarcômeros da fibra muscular são distanciados pelo alongamento até um maior comprimento, diminui-se a zona de sobreposição dos filamentos de actina sobre os filamentos de miosina, com consequente diminuição da tensão que pode ser gerada pela fibra (Endlich et al., 2009; Di Alencar & Matias, 2010);

  3. alterações nas propriedades viscoelásticas músculo-tendíneas, especialmente relacionadas à estrutura elástica da titina e a complacência tendínea (Rubini et al., 2007);

  4. alteração da histerese da unidade músculo-tendínea, a qual pode ser caracterizada pela perda de energia (conversão em calor) nos tecidos viscoelásticos quando submetidos a cargas e descargas (Marchetti et al., 2015);

  5. tempo do alongamento estático, que diminui a utilização da energia elástica armazenada no ciclo de alongamento-encurtamento e altera a sensibilidade do encurtamento reflexo (Pasqua et al., 2014).

Já entre os fatores neurais, a redução da força muscular induzida pelo alongamento estático poderia ser explicada por:

  1. um aumento do reflexo de relaxamento, que induz a redução no recrutamento de unidades motoras, por induzir a diminuição da sensibilidade dos fusos muscular, com consequente redução da ativação dos motoneurônios fásicos eferentes (Rubini et al., 2007; Barbosa Netto et al., 2018);

  2. ativação dos nociceptores e dos órgãos tendinosos de Golgi, que contribuem para diminuição da excitabilidade dos motoneurônios alfa (Endlich et al., 2009);

  3. aumento do sinal inibitório dos motoneurônios alfa gerado pelos receptores articulares tipo III e IV (Rubini et al., 2007).

Outra informação que talvez possa ser relevante na explicação da redução do desempenho muscular causado pelo alongamento, está relacionada ao tipo de alongamento empregado nesses estudos, que foi o alongamento estático. Talvez esse tipo de alongamento seja aquele que mais induz àquelas alterações nos fatores neurais e/ou mecânicos que culminarão na redução da capacidade do músculo em gerar tensão.

É importante considerar que sendo verdadeira essa situação, torna-se necessário haver uma ampla mudança na abordagem de prescrição de exercícios, tendo em vista que é extremamente habitual, se observar a realização de exercícios de flexibilidade antes da realização de exercícios de força, especialmente entre atletas.

Por outro lado, foram observados estudos em que a realização do alongamento não produziu alterações significativas nos níveis de força. César et al. (2018) realizaram um estudo para verificar o efeito de duas rotinas distintas de alongamento estático com mesmo volume total (AL30: 4 séries de 30 segundos; e AL2: 2 minutos contínuos), sobre a ativação muscular e o desempenho da força. Os autores observaram que nenhuma das duas rotinas prejudicou a força muscular de forma aguda. Em outro estudo realizado por César et al. (2015a), com o objetivo de determinar os efeitos agudos do alongamento (2 séries de 30s de alongamento estático passivo) sobre os níveis de amplitude de movimento (ADM) e sobre a força muscular em dois ângulos articulares, também foi observado que a rotina de alongamento com volumes reduzidos não prejudicou o desempenho de força medido pelo teste de 10 RM.

Nessa mesma linha, Lopes et al. (2015) realizaram um estudo para determinar o efeito do alongamento estático passivo (6 séries de 45 segundos de alongamento por 15 segundos de intervalo para o músculo peitoral maior) no desempenho de séries múltiplas em indivíduos treinados, concluindo que a realização do alongamento estático não alterou a força muscular dos indivíduos. Igualmente, em estudo de Silveira et al. (2011), que avaliou os efeitos do alongamento estático com diferentes durações (10, 20, 30 e 40 segundos) sobre ativação muscular e desempenho da força, avaliado por meio de um teste de repetições até a falha concêntrica, também não foi observado nenhum efeito da realização do alongamento sobre os níveis de força muscular. Além disso, Bastos et al. (2014) compararam a influência aguda do alongamento estático sobre a força muscular máxima nos exercícios supino reto e cadeira extensora. Para a coleta de dados o grupo experimental realizou um alongamento com duração de 10 segundos e imediatamente após foi executado um teste de 1RM. Em seguida o voluntario realizou mais um alongamento estático com duração de 30 segundo e mais um teste de 1RM. Já o grupo controle realizou primeiro o teste de 1RM e, após 30 segundos de descanso, realizou mais um teste de 1RM. Com base nos resultados do estudo, o alongamento estático prévio ao treinamento de força não causou perda de força muscular.

Ainda de forma aguda, mas utilizando estratégias com alongamento dinâmico, Ayala et al. (2015) examinaram os efeitos de duas rotinas de alongamento (estático: 2 séries de 30 segundos; e dinâmico: 2 séries de 15 repetições) de curta duração para os membros inferiores sobre o pico de força em um dinamômetro isocinético, concluindo que rotinas curtas de alongamento dinâmico e estático não afetam o desempenho da força muscular. Da mesma forma, Santos et al. (2014) estudaram os efeitos agudos de dois protocolos de alongamento dinâmico, um com curta duração (2 minutos e 20 segundos) e outro com longa duração (3 minutos e 30 segundos) sobre a força muscular dos membros inferiores (flexão do joelho) em dinamômetro isocinético, observando que o alongamento dinâmico, de curta ou de longa duração, não altera o desempenho da força muscular.

De forma crônica, Lustosa et al. (2010) verificaram o impacto do alongamento estático passivo (4 series de 20 segundos) no ganho de força dos músculos extensores de joelho após um programa de treinamento de força com duração de 10 semanas, em mulheres idosas. As voluntárias foram divididas em dois grupos: grupo de treinamento com alongamento prévio; e grupo de treinamento sem alongamento prévio. A força muscular das voluntárias foi medida utilizando-se um dinamômetro isocinético para os músculos flexores e extensores do joelho. Os resultados encontrados por Lustosa et al. (2010) demonstraram que o alongamento estático prévio ao treinamento de força não afetou o ganho de força muscular.

Numa tentativa de explicar as possíveis causas para a falta de alterações (positivas ou negativas) induzidas pelo alongamento na força muscular, alguns autores postulam que a duração (Lustosa et al., 2010; Bastos et al., 2014; César et al., 2015a) e/ou a intensidade (Moreira et al., 2021) do protocolo de alongamento possa ser um fator chave, uma vez que rotinas de alongamento de curta duração, com intensidades muito baixas parecem não ser suficientes para induzirem alterações nos fatores mecânicos, como a redução na rigidez passiva da unidade músculo-tendínea (Bastos et al., 2014; César et al., 2015a).

Também são encontrados na literatura estudos em que o alongamento causou perda, ganho, ou nenhuma alteração da força muscular de acordo da rotina utilizada, como é o caso do estudo realizado Bogdanis et al. (2019), que examinou a influência do alongamento estático, intermitente (3 series de 30 segundos com 30 segundos de intervalo) ou contínuo (uma serie de 90 segundos), sobre a altura do salto contra movimento, concluindo que o alongamento estático intermitente apresentou melhoras no salto contra movimento, enquanto o alongamento estático contínuo causou efeitos deletérios sobre a saltabilidade. Da mesma forma, César et al. (2015b), que avaliaram o efeito de duas rotinas de alongamento estático com mesmo volume (AL10s: 3 series de 10 segundos; e AL30s: uma série de 30 segundos) para os músculos quadríceps femoral, isquiotibiais e tríceps sural, sobre amplitude de movimento de flexão e de extensão de joelho e sobre a altura do salto contra movimento em homens ativos fisicamente, observaram que a rotina de AL30s aumentou a amplitude de movimento e não afetou a saltabilidade, enquanto a rotina de AL10s aumentou o desempenho no salto contra movimento, sem alterar a amplitude de movimento.

Comparando tipos de alongamento, estático e dinâmico, o estudo de Sekir et al. (2010), que analisou o efeito do alongamento, estático (duas series de 20 segundos com 15 segundos de intervalo entre as series) ou dinâmico (duas séries com 15 repetições e intervalos de 15 segundos entre as series), sobre a força muscular medida por dinamômetro isocinético, apresentou achados que o alongamento estático promoveu redução do pico de torque e da atividade eletromiográfica muscular, enquanto o alongamento dinâmico promoveu melhora no pico de torque e na atividade eletromiográfica muscular. Por outro lado, Walsh (2017), que determinou o efeito do alongamento dinâmico (3 séries de 12 repetições) e do alongamento estático (90 segundos contínuos) sobre a força muscular de membros inferiores, observando que o alongamento dinâmico não alterou a força muscular, porém, o alongamento estático causou efeitos deletérios sobre a mesma.

A melhora dos índices de força com a realização prévia do alongamento foi o resultado menos prevalente do levantamento realizado nesta revisão, sendo visto por três estudos (Sekir et al., 2010; César et al., 2015b; Bogdanis et al., 2019). Diferentemente dos efeitos deletérios, que foram causados exclusivamente por protocolos com alongamento estático, a melhora do desempenho muscular foi causada por alongamento estático intermitente (César et al., 2015b; Bogdanis et al., 2019) e alongamento dinâmico (Sekir et al., 2010). Rotinas de alongamento intermitentes podem reduzir a histerese na estrutura músculo-tendínea, diminuindo a dissipação de energia nos tecidos após alongamento, favorecendo assim o desempenho concêntrico em exercícios que envolvam o ciclo alongamento encurtamento (César et al., 2015b). Já rotinas com alongamento dinâmico podem servir como fonte de potenciação pré-ativação nos grupamentos musculares submetidos às mesmas, com reflexos diretos na maior ativação neural desses músculos (Walsh, 2017).

Como principais limitações observadas no presente estudo, tem-se o emprego de distintas estratégias para realizar o alongamento, número de repetições, séries, tempo de realização, bem como o tipo de método empregado, que trazem uma heterogeneidade aos resultados e dificultam a análise dos dados. Tendo em vista que a manipulação dessas variáveis pode alterar a resposta de ambas variáveis (flexibilidade e força), como apontamentos futuros, sugere-se que os trabalhos busquem uma padronização metodológica, a partir dos trabalhos já publicados, objetivando a produção de resultados que esclareçam de forma mais detalhada os efeitos do alongamento prévio sobre as diferentes manifestações da força muscular.

CONCLUSÕES

A presente revisão sistemática apresenta uma análise qualitativa dos estudos que avaliaram o efeito do alongamento sobre a força muscular em pessoas aparentemente saudáveis. A maioria dos estudos que empregou um protocolo com alongamentos estáticos apresentou uma redução no desempenho muscular, seja ele na força máxima isométrica, força máxima dinâmica ou potencia muscular. Por outro lado, os estudos que apresentaram melhora do desempenho muscular induzida pelo alongamento utilizaram o alongamento estático intermitente ou o alongamento dinâmico, sugerindo esses tipos de alongamento como uma possível estratégia de potenciação pré-ativação.

Como implicação prática, têm-se em princípio a não realização de exercícios de alongamento, especialmente de forma estática, antes da realização de atividades com manifestação de força, pois existe uma clara tendência de prejuízo do rendimento. Em uma periodização seria recomendável separar os horários de treinamento destas duas qualidades físicas.

No entanto, devido às diferenças metodológicas apresentadas pelos estudos analisados e pela divergência dos resultados apresentados pelos mesmos, ainda não é possível estabelecer qual tipo de alongamento seria mais benéfico para a força muscular, nem qual tipo de alongamento seria mais prejudicial, de forma definitiva.

Financiamento: Fundação Arthur Bernardes (Edital Funarpeq 2018) e Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (edital PIBIC-UFV 2020).

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Recebido: 10 de Julho de 2021; Aceito: 15 de Dezembro de 2021

*Autor correspondente: Instituto de Ciências Biológicas e da Saúde, Universidade Federal de Viçosa, Campus Florestal, Rodovia LMG 818, km 6, Campus Universitário – CEP: 35690-000 – Florestal (MG), Brasil. E-mail: osvaldo.moreira@ufv.br

Conflito de interesses: nada a declarar.

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