INTRODUÇÃO
A Organização Mundial de Saúde (The WHOQOL Group, 1995) define a qualidade de vida (QV) como sendo a perceção que um indivíduo tem sobre o seu posicionamento na vida, dependendo do contexto dos sistemas de cultura e dos valores nos quais este está inserido, em relação aos objetivos pessoais, expectativas, padrões e inquietações. Para Schalock et al. (2002), a QV pressupõe um conjunto de fatores que englobam o bem-estar do sujeito, ou a sua perceção acerca do seu posicionamento na sociedade, no contexto e cultura no qual está inserido, contemplando valores socioculturais, expectativas, necessidades e preferências individuais. Por conseguinte, é “um fenómeno multidimensional composto por domínios centrais influenciados por características pessoais e fatores ambientais. Estes domínios nucleares são os mesmos para todas as pessoas, embora possam variar de indivíduo para indivíduo relativamente ao valor e à importância” (Schalock et al., 2011, p. 21).
A população com Dificuldade Intelectual e Desenvolvimental (DID) é caracterizada pela existência de um défice de funcionamento intelectual e adaptativo no domínio conceptual, social e prático, identificada com os graus profundo, grave, moderado e leve, que se desenvolve antes dos 18 anos de idade (American Psychiatric Association, 2014). Nesse sentido, a avaliação da QV possibilita direcionar o sujeito para a vida que valoriza e que aprova, assim como: i) compreender o seu grau de satisfação; ii) entender as suas perceções; iii) fundamentar a sua tomada de decisão; iv) avaliar a intervenção; e v) avaliar os modelos teóricos (Schalock & Verdugo, 2002).
O modelo multidimensional da QV, concetualizado por Schalock e Verdugo (2002) e validado para a população portuguesa com DID (Simões et al., 2016), é constituído por um conjunto de domínios transversais a qualquer indivíduo e que objetiva a satisfação das suas necessidades básicas de vida, através de indicadores objetivos e subjetivos, apresentados na Tabela 1. O modelo visa descrever a perceção que o sujeito tem sobre os resultados pessoais, bem como a eficácia das estratégias utilizadas e das intervenções realizadas (Schalock et al., 2002) despertando um novo paradigma assente na inclusão, participação social e equidade de todos enquanto cidadãos de plenos direitos (Verdugo et al., 2012).
Fator | Domínio | Indicadores |
---|---|---|
Independência | Desenvolvimento Pessoal | Atividades da vida diária, Comportamento adaptativo |
Autodeterminação | Escolhas, decisões e objetivos pessoais | |
Participação Social | Relações interpessoais | Atividades sociais e amizades |
Inclusão Social | Inclusão social/envolvimento na comunidade | |
Direitos | Humanos e legais | |
Bem-estar | Emocional | Proteção e segurança e ausência de stress |
Físico | Saúde, nutrição, desporto, recreação e lazer | |
Material | Emprego e estatuto económico |
Fonte: adaptado de Schalock e Verdugo (2002).
Neste modelo multidimensional, o domínio do “Bem-Estar Físico” relaciona-se com a saúde no geral, nomeadamente os cuidados para com esta, a capacidade de cuidar de si próprio, a mobilidade e recreação/lazer, a nutrição e a prática de exercício físico. Enquanto a “Qualidade de Vida QV Total” diz respeito à soma de todos os valores dos oito domínios que constituem o modelo.
Para além de estilos de vida sedentários, os indivíduos com DID demonstram ter baixos níveis de aptidão física, nomeadamente baixos níveis de força, capacidade aeróbia, flexibilidade e equilíbrio (Chow et al., 2018; Wouters et al., 2020).
Em estudos com a população em geral, concluiu-se que quanto mais ativo é o indivíduo, ou quanto mais atividade física (AF)/exercício físico (EF) pratica, maiores são os valores de perceção da QV. As diferenças entre a população sedentária e ativa, observaram-se não só nos aspetos físicos, mas também em aspetos psicológicos, cognitivos e sociais (Eime et al., 2013; Svantesson et al., 2015). Estes resultados foram corroborados por Gerald e Hahn (2014), na população com DID.
As pessoas com DID manifestam estilos de vida sedentários, tendo como consequente fraca aptidão física, o que aumenta o risco de doenças cardiovasculares e metabólicas (O’Leary et al., 2018; Wyszyńska et al., 2017). Estes estilos de vida sedentários promovem ainda uma composição corporal desfavorável (Golubović et al., 2012; Hilgenkamp et al., 2012), evidente pelos níveis elevados de excesso de peso e obesidade (Winter et al., 2012). A referida população apresenta ainda valores de Ângulo de Fase (AFase) relativamente inferiores, comparativamente aos dados reportados para população em geral (Jacinto et al., 2020; NHANES-III, 2002; Yoshida et al., 2017). O AFase é um parâmetro associado à composição corporal pelo método bioimpedância, considerado um indicador de integridade da membrana e da distribuição de água extracelular e intracelular, que revela ser um indicador do estado de hidratação, nutrição, capacitância e integridade das células (Gunn et al., 2008; Kohli et al., 2018; Sardinha, 2018; Selberg & Selberg, 2002). Por sua vez, valores reduzidos de AFase estão associados a uma deterioração da função celular e a alto risco de apoptose celular (Axelsson et al., 2018; Selberg & Selberg, 2002).
Existindo uma associação entre o EF, a aptidão física e a QV, o objetivo do estudo foi analisar a influência da aptidão física na perceção de “Bem-Estar Físico” e a QV em indivíduos com DID.
MÉTODOS
Participantes
A amostra de conveniência, foi recrutada numa Instituição Particular de Solidariedade Social (IPSS). Foi constituída por 16 sujeitos com DID (masculinos n= 7, idade 39.7± 9.25 anos; massa corporal 71.94± 13.15 kg; altura 164.98± 8.76 cm; femininos n= 9, idades 30± 10.77 anos; massa corporal 72.80± 23.94 kg; altura 155,05± 7,88 cm), dos quais 5 estão institucionalizados, 5 DID de grau grave, 5 DID de grau moderado e 6 com DID de grau leve.
Instrumentos
A bateria de testes funcionais de Fullerton (Rikli & Jones, 1999) foi utilizada com o objetivo de avaliar a aptidão física, nomeadamente através dos testes: “6 minutos a andar”, para avaliar a resistência aeróbia; “agilidade”, para avaliar a mobilidade física; e “levantar/sentar da cadeira” durante 30 segundos, avaliando a força e resistência dos membros inferiores. Igualmente, também se aplicou o teste de “arremesso de bola medicinal de 3 kg” (Harris et al., 2011), com intuito de avaliar a potência muscular dos membros superiores. Os testes utilizados são adequados e confiáveis para a população com DID (Cabeza-Ruiz et al., 2019; Lencse-Mucha et al., 2015).
A força dos membros inferiores foi estimada através de testes de extensão e flexão do joelho, com ação concêntrica/excêntrica e velocidade angulares de 60º, 120º e 180º através do dinamómetro isocinético Computer Sports Medicine, Inc., (CSMi) HUMAC2015®/NORM™ (HUMACNORM, 101 Tosca Drive, Stoughton, USA), validados para a população com DID (Pitetti, 1990).
Utilizou-se a Escala Pessoal de Resultados (EPR) — versão em português, da Personal Outcomes Scale (Claes et al., 2010), validada por Simões et al. (2016). Este instrumento baseia-se no modelo de Schalock e Verdugo (2002), para avaliar a QV. A EPR está dividida em duas partes: a parte de autorrelato, composta por um conjunto de itens a serem respondidos pelos próprios indivíduos com DID, e uma parte a ser respondida por um técnico de referência para o indivíduo, que o conheça e que trabalhe diariamente com ele. No presente estudo, a EPR foi aplicada aos indivíduos com DID e aos seus técnicos de referência, por um técnico certificado. Para este estudo, foram tidos em consideração especificamente os resultados do domínio do “Bem-Estar Físico” (5-15 valores) e os valores da “QV Total” (25-105 valores).
Procedimentos
A investigação foi aprovada pela Comissão de Ética da Unidade de Investigação do Instituto Politécnico de Santarém, emitindo o parecer 172019Desporto. Foi dado início ao estudo após a autorização, através do termo de consentimento informado dos tutores e/ou encarregados de educação, bem como da instituição.
Foi utilizado o equipamento bioimpedância (tetrapolar multifrequência InBody S10 BIOSPACE Co, Ltd, Seul, Corea), para avaliar a composição corporal, sendo um procedimento fiável e não invasivo (Havinga-Top et al., 2015). Recolheram-se os seguintes parâmetros: água intracelular (AIC); água extracelular (AEC); água corporal total (ACT); AFase; gordura visceral (GV); massa celular corporal (MCC); massa corporal (MC); massa isenta de gordura (MIG); e massa gorda (MG).
A massa corporal e altura foram medidas através de uma balança com estadiómetro portátil (Seca 220, Hamburg, Germany). Após a medição, determinou-se o Índice Massa Corporal (IMC) pela fórmula, peso/altura2 (kg/m2), sendo um procedimento fiável para estimar a gordura corporal da população com DID (Temple et al., 2010).
Análise estatística
Foram utilizados parâmetros descritivos (média± desvio padrão ou percentagem) e verificada a normalidade e homogeneidade através dos testes Shapiro-Wilk e Levene, respetivamente. Foram observadas as associações através da análise de correlações de Pearson e Spearman. O nível de significância adotado foi de p< 0.05. Para tratamento dos dados foi utilizado o programa informático “Statistical Package for Social Sciences” (SPSS Science, Armonk, NY: IBM Corp, versão 22.0).
RESULTADOS
Na Tabela 2 apresentam-se os dados descritivos das variáveis de composição corporal avaliadas no presente estudo. Destacam-se os valores reduzidos do ângulo de fase e os valores elevados de IMC.
Média± Desvio Padrão | |
---|---|
Água intracelular (L) | 21.99± 5.15 |
Água extracelular (L) | 13.19± 2.89 |
Água corporal total (L) | 35.18± 8.03 |
Ângulo de faseº | 6.05± 0.8 |
Gordura visceral (cm2) | 114.77± 63.82 |
Massa corporal | 72.8± 18.64 |
Massa celular corporal (kg) | 31.51± 7.38 |
Massa Gorda (kg) | 24.77± 14.43 |
Massa isenta de gordura (kg) | 48.03± 11.01 |
Massa Muscular (kg) | 26.7± 6.43 |
Índice de massa corporal (IMC) | 28.6± 7.17 |
Na Tabela 3 apresentam-se os resultados da avaliação da EPR. O autorrelato e relato dos técnicos revela resultados semelhantes para as respostas do domínio “Bem-Estar Físico”. Todavia, verifica-se que os técnicos de referência percecionam um índice de QV inferior do que os próprios indivíduos com DID.
N | Respostas autorrelatadas | Respostas técnicos de referência | ||
---|---|---|---|---|
Bem-Estar Físico | QV Total | Bem-Estar Físico | QV Total | |
1 | 14 | 101 | 10 | 76 |
2 | 13 | 101 | 13 | 106 |
3 | 13 | 83 | 13 | 80 |
4 | Sem capacidade de responder | 13 | 87 | |
5 | 12 | 72 | ||
6 | 13 | 99 | 15 | 109 |
7 | 13 | 98 | 13 | 101 |
8 | 13 | 108 | 14 | 106 |
9 | 14 | 107 | 13 | 83 |
10 | 13 | 107 | 12 | 96 |
11 | 13 | 106 | 14 | 102 |
12 | 13 | 93 | 14 | 92 |
13 | 13 | 103 | 13 | 94 |
14 | 13 | 99 | 15 | 102 |
15 | 13 | 89 | 15 | 93 |
16 | 14 | 103 | 12 | 99 |
Média | 13.21 | 99.78 | 13.18 | 93.62 |
Desvio Padrão | 0.42 | 7.24 | 1.32 | 11.24 |
N: Código do participante; QV: Qualidade de vida.
Existe uma correlação significativa forte entre os valores do “Bem-Estar Físico” e a “QV Total”, para as respostas dadas pelos técnicos de referência (r= 0.590, p= 0.016), o mesmo já não foi demonstrado para as respostas autorrelatadas (r= 0.337, p= 0.238).
A Tabela 4 apresenta as correlações entre a EPR e as variáveis sociodemográficas. Ao analisar os resultados da EPR, não se encontram diferenças significativas entre a idade, o género, o grau de deficiência e o facto de ser institucionalizado e os valores do domínio do “Bem-Estar Físico” e “QV Total”. Apesar da inexistência de diferenças significativas, parece haver uma tendência para valores mais baixos em indivíduos com graus de deficiência maior, nomeadamente: indivíduos com DID de grau mais grave têm valores mais baixos (Bem-Estar Físico), nas respostas dos técnicos de referência e dos próprios (QV Total), nos autorrelatos.
Respostas autorrelatadas | Respostas técnicos de referência | |||
---|---|---|---|---|
Bem-Estar Físico | QV Total | Bem-Estar Físico | QV Total | |
Idade |
r= –0.152 p= 0.604 |
r= 0.012 p= 0.967 |
r= –0.074 p= 0.784 |
r= –0.008 p= 0.976 |
Género |
r= 0.174 p= 0.552 |
r= –0.107 p= 0.716 |
r= -0.057 p= 0.835 |
r= –0.246 p= 0.358 |
Grau de Deficiência |
r= 0.092 p= 0.754 |
r= –0.325 p= 0.257 |
r= –0.192 p= 0.476 |
r= 0.150 p= 0.580 |
Institucionalização |
r= –0.337 p= 0.238 |
r= –0.019 p= 0.950 |
r= 0.076 p= 0.780 |
r= 0.381 p= 0.146 |
QV: Qualidade de vida; p: Significância; r: Correlação.
De seguida, apresentam-se as associações entre a EPR e as variáveis de composição corporal na Tabela 5. A “QV Total” percecionada pelos técnicos de referência associou-se às variáveis da composição corporal, nomeadamente AIC (r= 0.528; p= 0.035) e AEC (r= 0.532; p= 0.034), ACT (r= 0.531; p= 0.035), MCC (r= 0.526; p= 0.044), MIG (r= 0.541; p= 0.031) e à MC (r= 0.530; p= 0.035). Apesar da amostra demonstrar valores baixos de AFase, estes não foram associados ao domínio do “Bem-Estar Físico” e aos valores da “QV Total”.
Respostas autorrelatadas | Respostas técnicos de referência | |||
---|---|---|---|---|
Bem-Estar Físico | QV Total | Bem-Estar Físico | QV Total | |
Água intracelular |
r= –0.238 p= 0.413 |
r= 0.006 p= 0.983 |
r= 0.423 p= 0.102 |
r= 0.528 p= 0.035 |
Água extracelular |
r= –0.238 p= 0.413 |
r= –0.016 p= 0.957 |
r= 0.468 p= 0.067 |
r= 0.532 p= 0.034 |
Água corporal total |
r= –0.238 p= 0.414 |
r= –0.002 p= 0.995 |
r= 0.440 p= 0.088 |
r= 0.531 p= 0.035 |
Ângulo de fase |
r= 0.151 p= 0.605 |
r= 0.114 p= 0.697 |
r= 0.053 p= 0.845 |
r= 0.318 p= 0.231 |
Gordura visceral |
r= 0.065 p= 0.826 |
r= –0.106 p= 0.719 |
r= –0.205 p= 0.446 |
r= –0.046 p= 0.864 |
Massa corporal |
r= –0.399 p= 0.176 |
r= –0.387 p= 0.171 |
r= 0.500 p= 0.049 |
r= 0.270 p= 0.312 |
Massa celular corporal |
r= –0.065 p= 0.826 |
r= 0.004 p= 0.989 |
r= 0.452 p= 0.091 |
r= 0.526 p= 0.044 |
Massa Gorda |
r= 0.065 p= 0.826 |
r= –0.298 p= 0.301 |
r= 0.157 p= 0.561 |
r= –0.172 p= 0.523 |
Massa isenta de gordura |
r= 0.065 p= 0.826 |
r= 0.011 p= 0.969 |
r= 0.432 p= 0.095 |
r= 0.541 p= 0.031 |
Massa Muscular |
r= –0.238 p= 0.413 |
r= 0.007 p= 0.982 |
r= 0.425 p= 0.101 |
r= 0.530 p= 0.035 |
IMC |
r= 0.194 p= 0.506 |
r= -0.155 p= 0.598 |
r= 0.227 p= 0.398 |
r= 0.063 p= 0.816 |
IMC: Índice de Massa Corporal; QV: Qualidade de vida; p: Significância; r: Correlação.
A Tabela 6 apresenta os resultados da avaliação da aptidão física, com recurso aos testes funcionais. Os resultados dos testes físicos não se correlacionaram com nenhuma das variáveis da escala de QV.
N | L/S (reps) | TUG (s) | 6MIN (min) | Bola Medicinal (metros) |
---|---|---|---|---|
1 | 11 | 7.63 | 354 | 2.40 |
2 | 14 | 7.96 | 559 | 2.30 |
3 | 15 | 7.39 | 521 | 3.07 |
4 | 10 | 9.55 | 402 | 2.60 |
5 | 12 | 7.13 | 526 | 1.94 |
6 | 14 | 6.95 | 475 | 2.50 |
7 | 13 | 9.1 | 397 | 2.30 |
8 | 16 | 5.25 | 617 | 2.80 |
9 | 15 | 6.52 | 587 | 2.90 |
10 | 16 | 7.41 | 538.5 | 2.46 |
11 | 10 | 10.7 | 536 | 2.30 |
12 | 9 | 12.65 | 607 | 2.01 |
13 | 9 | 8.75 | 521 | 2.20 |
14 | 10 | 8.22 | 483 | 2.57 |
15 | 12 | 6.32 | 516 | 2.74 |
16 | 14 | 7.63 | 571.5 | 2.61 |
N: Código do participante; L/S: Levantar/sentar; Reps: Repetições; TUG: Timed Up And Go; S: Segundos; 6MIN: Teste de caminhada durante 6 minutos; Min: Minutos.
Na Tabela 7 apresentam-se os resultados do Pico de Torque, avaliado com recurso ao dinamómetro isocinético. O domínio “Bem-Estar Físico” autorrelatado correlacionou de forma negativa com o teste flexão de MI esquerdo, a uma velocidade angular de 60º (r= –0.555, p= 0.039). Não existiram associações entre o género masculino e as restantes variáveis em estudo. O género feminino apresentou uma correlação forte e negativa entre as respostas da “QV Total” autorrelatada e o teste flexão do membro inferior direito, a uma velocidade angular de 60º (r= –0.780, p= 0.039). Adicionalmente, apresentou uma correlação forte entre as respostas do “Bem-Estar Físico” dos técnicos de referência, para o teste de extensão e flexão de membro inferior direto, a uma velocidade angular de 60º (respetivamente: r= 0.729, p= 0.026; r= 0.802, p= 0.009). As respostas dos técnicos de referência, analisando a “QV Total”, também se correlacionaram com o teste de extensão e flexão de membro inferior direto, a uma velocidade angular de 60º (respetivamente: r= 0.706, p= 0.033; r= 0.767, p= 0.016).
Pico de torque (velocidade angular) | ||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | Velocidade Angular 60º | Velocidade Angular 180º | Velocidade Angular 240º | |||||||||
Ext. m.inf. direito | Ext. m.inf. esquerdo | Fl. m.inf. direito | Fl. m.inf. esquerdo | Ext. m.inf. direito | Ext. m.inf. esquerdo | Fl. m.inf. direito | Fl. m.inf. esquerdo | Ext. m.inf. direito | Ext. m.inf. esquerdo | Fl. m.inf. direito | Fl. m.inf. esquerdo | |
1 | 85 | 39 | 57 | 18 | 54 | 24 | 53 | 12 | 46 | 38 | 38 | 16 |
2 | 176 | 108 | 103 | 64 | 102 | 61 | 73 | 46 | 79 | 34 | 66 | 37 |
3 | 94 | 142 | 54 | 69 | 58 | 71 | 50 | 58 | 60 | 61 | 43 | 52 |
4 | 77 | 69 | 33 | 26 | 18 | 20 | 12 | 12 | 22 | 28 | 12 | 14 |
5 | 34 | 31 | 26 | 27 | 20 | 19 | 22 | 19 | 20 | 15 | 19 | 16 |
6 | 79 | 73 | 64 | 50 | 39 | 20 | 46 | 30 | 39 | 23 | 37 | 30 |
7 | 75 | 87 | 52 | 57 | 31 | 14 | 24 | 19 | 14 | 12 | 18 | 11 |
8 | 89 | 83 | 79 | 73 | 49 | 47 | 54 | 45 | 45 | 39 | 45 | 38 |
9 | 104 | 72 | 54 | 47 | 57 | 35 | 37 | 30 | 47 | 37 | 34 | 39 |
10 | 45 | 45 | 27 | 42 | 5 | 7 | 4 | 11 | 5 | 9 | 4 | 9 |
11 | 107 | 57 | 85 | 27 | 39 | 18 | 26 | 16 | 38 | 27 | 19 | 16 |
12 | 81 | 87 | 49 | 52 | 38 | 43 | 28 | 37 | 30 | 35 | 19 | 20 |
13 | 85 | 95 | 79 | 75 | 42 | 35 | 35 | 30 | 52 | 34 | 38 | 37 |
14 | 99 | 76 | 68 | 58 | 33 | 41 | 26 | 52 | 42 | 34 | 35 | 41 |
15 | 88 | 75 | 58 | 58 | 41 | 27 | 24 | 18 | 26 | 15 | 18 | 19 |
16 | 72 | 94 | 22 | 41 | 23 | 26 | 12 | 18 | 14 | 38 | 12 | 33 |
Ext: Extensão; Fl: Flexão; M.inf.: Membro inferior.
DISCUSSÃO
Os resultados da presente investigação ilustram que a média do IMC se encontra no patamar de excesso de peso, resultados similares aos encontrados por Boer e Moss (2016) — 30,3 kg/m2 e Cabeza-Ruiz et al. (2019) — média de teste: 30,75 kg/m2; média re-teste: 30,58 kg/m2. À imagem dos resultados evidenciados por Jacinto et al. (2020) e Yoshida et al. (2017), o valor médio do AFase da amostra é inferior aos valores reportados por NHANES-III (2002), para o género e faixa etária na população em geral. Apesar de ser um indicador do estado nutricional do indivíduo e, consequente, QV (Barbosa-Silva et al., 2005; Gunn et al., 2008; Selberg & Selberg, 2002), o AFase não se associou diretamente ao domínio do “Bem-Estar Físico” e ao valor total de QV.
Apesar de não serem estatisticamente significativos, indivíduos com DID de grau grave demonstram ter valores mais baixos de QV e de “Bem-Estar Físico” quando comparados com os outros níveis da DID. Como seria de esperar, aumentando os valores do “Bem-Estar Físico”, a QV no seu total aumenta, quer seja a partir das respostas dos próprios indivíduos avaliados, quer seja através das respostas dos técnicos de referência.
Tendo em consideração que não existem valores de referência que nos permitam enquadrar os valores medidos através dos testes funcionais, conclusões mais específicas não foram possíveis. No entanto o estudo de Boer e Moss (2016) relatam que os valores obtidos no teste de 6 minutos de caminha variam entre 513 a 578 metros. Apesar do intervalo verificado no nosso estudo ser maior, a média encontra-se dentro deste. Os resultados também são semelhantes ao estudo de Guerra-Balic et al. (2015), onde o intervalo de resultados varia entre 449,6 e 531,7 metros. A média dos resultados do teste de 6 minutos de caminhada dos nossos participantes, são ainda superiores aos apresentados no estudo de Cabeza-Ruiz et al. (2019) (média do teste: 463,08 metros; médio do re-teste: 457,44 metros). Estes resultados vão ao encontro do estudo de Cabeza-Ruiz (2020), sendo o primeiro estudo a apresentar valores de aptidão física de adultos com DID categorizados em baixo, médio e grupos de AF superior. É necessário salientar que, neste estudo, não foi feita nenhuma tentativa de relacionar os indivíduos pertencentes a cada uma das categorias a um melhor estado de saúde.
Em relação aos restantes resultados dos testes funcionais, os valores médios parecem desfavoráveis quando comparados com os números do estudo de Cabeza-Ruiz et al. (2019) e de Cabeza-Ruiz (2020).
A aptidão física, avaliada pelos testes funcionais, não apresenta qualquer relação com a resposta no domínio do “Bem-Estar Físico”, da EPR, nem com o seu valor total de QV, quer a amostra apresente melhores ou piores resultados. No estudo de Pérez-Cruzado e Cuesta-Vargas (2016), um programa de intervenção de 8 semanas de atividade física aumentou a aptidão física e a QV de 40 indivíduos com DID. No mesmo sentido, Carbó-Carreté et al. (2016) afirma que a atividade física atua como preditor de uma melhoria de QV.
Sabendo que a população com DID apresenta níveis de aptidão física relativamente baixos (Chow et al., 2018; Wouters et al., 2020), este estudo deixa-nos indicadores que podem não afetar a sua perceção de QV, na medida em que se verifica a ausência de associações entre as variáveis ou que apesar de uma aptidão física fraca, os indivíduos com DID percecionam uma boa QV.
Contudo, apesar de não ter sido associada à perceção de QV e à perceção dos seus técnicos de referência, a atividade física tem surgido relacionada com a promoção de aptidão física, a realização das atividades de vida diária e uma melhoria na saúde e na QV, de indivíduos com DID (Winter et al., 2012). Através de uma revisão sistemática, Pestana et al. (2018) concluíram que os programa de atividade física estão associados a uma melhoria da aptidão física, nomeadamente da força muscular, capacidade aeróbia, equilíbrio, coordenação e agilidade, bem como a melhorias do bem-estar psicológico, ansiedade, saúde, redução da gordura corporal, da pressão arterial, do colesterol e de um aumento da QV.
Os valores do dinamómetro isocinético apresentam algumas associações com as variáveis anteriormente referidas, nomeadamente para o género feminino, ainda assim, não são suficientemente robustas para afirmar que existe uma correlação negativa ou positiva entre a aptidão física, o “Bem-Estar Físico” individual e a sua QV. Não obstante, alguns estudos apontam para que a capacidade neuromuscular esteja associada, de forma positiva, à capacidade funcional e à QV, ou seja, quanto maior é a força, maiores/melhores serão os seus valores (Benton et al., 2014; Marques et al., 2019; Smedema, 2020).
Em termos de limitação do estudo, refere-se o carácter transversal e a utilização de uma amostra reduzida que poderão ter condicionado os resultados encontrados. Uma outra limitação prende-se com o fato de não ter sido quantificado a atividade física (nomeadamente com recurso ao International Physical Activity Questionnaire). Sugerimos ainda que futuros estudos possam avaliar o mesmo tipo de força e que realizem reteste. Serão necessários mais estudos, com maior número de indivíduos com DID, associando as variáveis mencionadas anteriormente.
CONCLUSÕES
Para a amostra deste estudo, a aptidão física, medida com base em testes funcionais não influencia a perceção de “Bem-Estar Físico” e “QV Total”, como também não tem influência nas respostas dadas pelos técnicos de referência.
Utilizando um dinamómetro isocinético, para averiguar a aptidão física (capacidade física da força), existiram algumas associações. No entanto não foram suficientemente robustas para afirmar se existe uma relação entre as variáveis referidas anteriormente.
Nesta reduzida amostra, a aptidão física dos indivíduos com DID parece não estar associada à perceção de QV autorrelatada e à da perceção dos técnicos de referência.
Tendo em conta a que a literatura aponta para que esta população seja maioritariamente sedentária e que a prática da AF deriva uma melhor QV, esta deve ser promovida e disseminada pela população com DID, técnicos, cuidadores, bem como as suas famílias, através de ações de formação, workshops e de políticas educacionais, tendo por base a adoção de estilos de vida ativos e saudáveis, devendo o EF estar incorporado no dia a dia de um indivíduo com DID.