Tomando como princípios orientadores que os atos comunicativos e as expressões/práticas culturais têm uma dimensão operatória na vida do indivíduo enquanto ferramentas de intervenção social, considerando que a cultura é sempre uma herança transmitida e que os meios utilizados para o fazer integram essa mesma cultura e que, finalmente, cultura e comunicação desempenham um papel essencial na realidade social pois se instituem como fundamentais na difusão do saber, entretenimentos e modelos comportamentais, nomeadamente no que concerne a(s) prática(s) desportiva(s), este suplemento pretende refletir sobre a relação entre cultura, comunicação e desporto no mundo de língua portuguesa. Esta tríade, considerada essencial à sociedade nas suas atividades intelectuais e físicas, é posta à prova quando confrontada com casos como os de desportistas de diferentes modalidades vítimas de racismo que, não raras vezes, abandonam as competições em que estão envolvidos. Aspetos socioculturais e históricos emaranham-se entre regras e ética desportivas, entrelaçando-se num processo comunicativo acelerado (e descontrolado), como é hoje o das redes sociais e dos influencers ou “autorizados fazedores” de opinião nos mais variados meios de comunicação, originando conflitos e uma discussão pública que ultrapassa fronteiras e que põe em causa o caráter educativo e cultural do desporto, reclamado pela Unesco na sua Carta Internacional da Educação Física e do Desporto (1991), no artigo 2: “A educação física e o desporto, elementos essenciais da educação e da cultura, devem desenvolver as aptidões, a vontade e o autocontrolo das pessoas humanas e contribuir para a sua inserção social”. Como este, muitos outros exemplos poderiam ser apontados com o objetivo de estudar a diversidade cultural, as relações sociais e culturais no campo desportivo, de forma a reeducar e sensibilizar os públicos ou adeptos para uma cultura sempre dinâmica e, sobretudo, uma cultura de paz (Unesco, 2015).
Tendo em conta as palavras de Jean Caune (2014), segundo o qual “A cultura e a comunicação aparecem como um dos terrenos privilegiados para a promoção de mudança social” (Caune, 2014, p. 3), e considerando a importância do desporto nas sociedades, pretende-se que a análise da comunicação desportiva identifique problemas e aponte possíveis respostas às dinâmicas sociais e culturais ao longo dos tempos, para além do estabelecimento de casos exemplares que traduzem a evolução e consolidação do desporto no quadro histórico das sociedades contemporâneas, em particular de Portugal.
Também a comunicação, a cultura visual e artes, aliadas ao desporto, estão convocadas para um olhar crítico, pois “Se a cultura é um acontecimento social, não existe cultura a não ser quando manifestada, transmitida e vivenciada pelo indivíduo. A cultura existe, antes de mais nada, como herança e para compreendê-la devemos analisar os modos de transmissão desta, que é elemento constituinte da cultura” (Caune, 2014, p. 2). A cultura, enquanto expressão da totalidade da vida social do ser humano (Cuche, 2004, p. 16), assume-se “como uma mediação entre o indivíduo, as manifestações por meio das quais se expressa e o mundo onde ele estabelece relações com os outros” (Caune, 2014, p. 5) e exprime-se, entre outros aspetos, através das práticas sociais, como a prática de desportos ou atividade física, as quais, beneficiando dos atos comunicativos, se instituem e materializam numa história do desporto. As indústrias culturais e criativas têm hoje um papel preponderante como ponte de transformação e dinamização social e cultural, desde o “culto do corpo” à promoção das capitais europeias do desporto, mas importa lembrar que o desporto como lazer ou como competição ou a prática desportiva ligada à educação e ao bem-estar do indivíduo têm um histórico que remonta à Antiguidade e conheceram um desenvolvimento renovado, intenso e diversificado enquanto fenómeno cultural e social, que muito aproveitou do papel da imprensa, com a institucionalização à escala mundial dos Jogos Olímpicos da Era Moderna no ano de 1896.
Hoje, mais do que nunca, é possível dizer-se que os conceitos de cultura e comunicação não existem nem se explicam isoladamente e ninguém duvida do papel estrutural e crucial que desempenham nas sociedades modernas e desenvolvidas; credores desta matriz, a que se junta o desporto enquanto manifestação e prática cultural, os trabalhos apresentados deverão posicionar-se, à semelhança da figura geométrica de Moebius, na mesma face, na senda do pensamento de Jean Caune (2014, p. 8): “Não cabe a figura da dualidade, da complementaridade, da oposição ou da diferença; trata-se de uma relação de inclusão recíproca que faz que um fenómeno de cultura funcione também como processo de comunicação; ou que um modo de comunicação seja igualmente uma manifestação da cultura”.