INTRODUÇÃO
Nas últimas duas décadas os media adquiriram um enorme poder de influência sobre o desporto, interferindo e alterando as suas práticas a tal ponto que ambos se tornaram indissociáveis (Betti, 2010). De facto, a reciprocidade parece ser inequívoca e vantajosa para ambas as partes (Gulam, 2016) — o desporto precisa de publicidade e de uma abordagem massiva para a maioria da população, enquanto a sustentabilidade dos media é suportada nas notícias desportivas fornecidas pelas organizações, agentes e demais atividades do desporto. Além disso, Hughes e Fill (2007) referem que os media desempenham um papel importante para as organizações desportivas como mediadores entre a organização e o público, no sentido de poderem fornecer notícias relevantes, dando credibilidade e garantindo ao público e adeptos, especial atenção.
Ao falar de mediatismo desportivo, surge com especial destaque o futebol profissional, enquanto autêntico espetáculo de media à escala global (Wenner & Billings, 2017). Esse mediatismo parece constituir uma fonte de stress competitivo, afigurando o jogador (e a equipa) como foco central de análise de desempenho em cada momento. Obviamente que essa pressão mediática sobre o jogador é apenas um fator num complexo quadro de influentes que concorrem para o stress competitivo (Salvador & Costa, 2009). Sabemos, por exemplo, que determinadas variáveis situacionais (e.g., local do jogo; importância do jogo; qualidade da equipa adversária) parecem provocar alterações nos níveis de stress dos jogadores com prováveis implicações nos estados fisiológicos e psicológicos (Casanova et al., 2016), e na predisposição para competir ao mais alto nível (Michailidis, 2014). Embora não seja claro se a experiência e o nível desportivo atenuam os efeitos indesejáveis destas variáveis no comportamento e desempenho competitivo dos jogadores e das equipas (Casanova et al., 2016), parece evidente que os media serão agentes cumulativos de stress (Kristiansen, Halvari, & Roberts, 2012), e provavelmente catalisadores dessa pressão competitiva inevitável.
Todavia, os jogadores não são o único foco de atenção pelos media — os treinadores também estão sujeitos a um constante clima de tensão, nomeadamente sobre o seu relacionamento com a organização desportiva (Fletcher & Scott, 2010). Por exemplo, Masturelli e Oliveira (2005) constatou que os treinadores da primeira divisão do campeonato brasileiro de futebol são constantemente confrontados com a influência dos media como mediador da sua credibilidade, prestígio e reconhecimento social, pelo que, uma das suas maiores dificuldades é obter preparação especifica para a própria instabilidade do cargo. Adicionalmente, a comunicação social perscruta todas as suas decisões e opções de carácter técnico, o que resulta numa constante e desgastante afirmação de autoridade e competência, sempre no risco de ser mal interpretado ou julgado erradamente (Machado, 2010). Acrescida a essa fonte de tensão para o treinador, haverá que considerar ainda a responsabilidade em zelar pelo bom relacionamento com os jogadores, sendo este um pressuposto fundamental não só na qualidade da gestão da comunicação interna como, também, na estabilidade emocional e, consequentemente, comportamental dos jogadores quando confrontados com as pressões diárias a que estão sujeitos (Olusoga, Maynard, Hays, & Butt, 2012).
Os contactos semanais dos treinadores e jogadores com a imprensa são cada vez mais frequentes e até obrigatórios, acreditando-se na crescente importância dos clubes de futebol disporem de profissionais no campo da comunicação, a fim de conseguir minimizar a tensão que por vezes surge (Silva, 2011). Isto sugere que as linhas de comunicação dentro das organizações desportivas possam ser repensadas. Por essa razão, na generalidade dos clubes de futebol profissional, o assessor de comunicação é um elemento de gestão absolutamente determinante, possibilitando a estruturação, a divulgação e a materialização eficaz dos objetivos, funções, produtos e serviços da organização (Pederson, Miloch, & Laucella, 2007).
Embora se possa referir algumas pesquisas que abordaram de forma indireta esta temática (e.g., Olmedilla, Ruiz-Barquín, Ponseti, Robles-Palazón, & García-Mas, 2019) desconhece-se a existência de trabalhos que se tenham debruçado especificamente sobre esta relação de influência dos media no contexto desportivo do futebol, considerando particularmente a perspetiva do treinador profissional ou mesmo dos assessores de comunicação dos clubes. A perspetiva de ambos será de inequívoca relevância para se melhor compreender o processo comunicativo que existe no futebol profissional.
Assim, foi o objetivo do presente estudo descrever os efeitos do processo comunicativo dos media no futebol profissional, considerando a perceção de treinadores e de assessores de comunicação de clubes portugueses de primeira e segunda Liga.
METODOLOGIA
Participantes
Uma amostra de conveniência não probabilística foi recrutada com base no contacto prévio com todos os clubes de futebol portugueses da primeira e segunda Liga profissional. Sete (7) clubes portugueses concordaram em participar no estudo, cinco (5) dos quais da primeira liga. Desses clubes participantes, foram entrevistados sete treinadores de futebol (n= 7, masculinos), com idades entre os 42 e 55 anos. A carreira profissional dos treinadores entrevistados variava entre os 10 e os 20 anos de experiência. Adicionalmente, foram entrevistados cinco (5) assessores de comunicação, quatro (4) dos quais da primeira liga, com idades compreendidas entre os 34 e os 44 anos, e uma experiência profissional na área entre os 3 (três) e os 9 (nove) anos.
O estudo foi concretizado no âmbito do programa de trabalhos de doutoramento em ciências do desporto proposto pela primeira autora, realizado na Universidade da Beira Interior, que aprovou o seu projeto. Os treinadores e os assessores de comunicação convidados a participar no estudo foram devidamente informados sobre os objetivos e o protocolo de pesquisa, tendo ambos assinado um termo de consentimento livre e esclarecido, com o pressuposto que os procedimentos experimentais realizados estão de acordo com os princípios éticos definidos na declaração de Helsínquia para estudos científicos. Aos participantes foi também dada garantia de anonimato e confidencialidade no tratamento dos dados recolhidos nas entrevistas realizadas.
Instrumentos
Assumindo uma abordagem de natureza qualitativa para esta investigação, conduziram-se entrevistas semiestruturadas (Culver, Gilbert & Sparkes, 2012), estratégia que permitem compreender a forma como os participantes observam determinado tipo de fenómeno, o que sentem e pensam sobre ele (Hastie & Hay, 2012), permitindo correções, esclarecimentos e adaptações na obtenção da informação pretendida (Nogueira-Martins & Bógus, 2004).
Este tipo de entrevistas são normalmente organizadas segundo um conjunto pré-definido de questões, juntamente com outras que possam surgir decorrentes do diálogo estabelecido entre o entrevistador e o entrevistado. Assim, na elaboração do guião da entrevista a implementar, foram considerados os seguintes pontos indicados por Flick (2005) e Gomes (2007): (1) Perguntas relacionadas com o tema definido para a entrevista; (2) Perguntas variadas e abertas; (3) Perguntas adequadas ao entrevistado e à temática em questão; (4) Utilização de um vocabulário claro, acessível e rigoroso; (5) Perguntas que partem de uma informação mais genérica para uma mais específica.
Após uma definição clara dos objetivos que se pretendiam atingir, elaborou-se um guião de entrevista (Patton, 2002) composto por 10 questões abertas e claras, vocabulário acessível apesar de rigoroso, em que as questões foram apresentadas de forma coerente e de acordo com o objetivo do presente estudo (Tabela 1).
CATEGORIAS (a priori) | CATEGORIA (a posteriori) | CÓDIGO | QUESTÕES PRINCIPAIS |
---|---|---|---|
Ligação com os media | Conhecimento diário do que é noticiado | Q1 | Acompanha o que é noticiado sobre si e a sua equipa nos media? |
Q7 | Considera importante que os jogadores de futebol profissional tenham conhecimento do que é noticiado sobre si nos media? | ||
Relação com os media no presente e futuro | Q9 | Como lida com a presença dos media? | |
Q10 | Como prevê a relação futura entre os media e os jogadores de futebol profissional? | ||
Influência dos media | Performance | Q4 | Considera que os media influenciam a performance desportiva dos jogadores de futebol profissional? |
Q8 | Considera os media um dos factores com maior influência na performance dos jogadores de futebol profissional? Ou quais os fatores que potencialmente mais influenciam a performance desportiva? | ||
Opinião Pública | Q6 | No que respeita à formação da opinião pública, considera fundamental o papel dos media enquanto formadores de opinião? | |
Cognitivo | Q3 | Considera que a informação veiculada pelos media sobre si e a sua equipa exerce alguma influência sobre o seu estado de espírito? | |
Resultados | Q2 | Considera existir alguma influência entre o conteúdo noticiado nos media e os resultados desportivos obtidos pelo clube? | |
Importância da comunicação | Como competência interna existente | Q5 | Considerando que a informação mediática é trabalhada internamente por cada clube, de que forma é trabalhada no seu? |
Como competência interna a desenvolver |
A entrevista foi seguidamente testada e validade por investigadores com conhecimento adequado à temática em análise.
Procedimentos
Elaborado o guião da entrevista, foram contatados por correio eletrónico e telefone os clubes que aceitaram participar no estudo, a fim de os informar sobre os procedimentos metodológicos a adotar e propor o agendamento da entrevista ao treinador e ao assessor de comunicação. As entrevistas foram individuais, pelo que decorreram na presença somente do entrevistador e entrevistado nas instalações dos próprios clubes, e de acordo com as diretrizes e critérios definidos. Recorrendo ao auxílio de um minigravador, utilizado com o consentimento de cada entrevistado, as entrevistas foram realizadas entre Março e Maio de 2017; Agosto e Novembro de 2017; Março e Maio de 2018, no final do treino diário, visto os clubes só se terem mostrado disponíveis em períodos coincidentes com o início ou o final de época, pelo que as entrevistas ocorreram durante um período de aproximadamente um ano. Com o auxílio de um minigravador para registo da informação, utilizado com consentimento dos entrevistados, cada entrevista demorou cerca de 20 minutos (variando entre 15 e 35 minutos) permitindo-se alguma liberdade de resposta ao entrevistado.
Análise de dados
Transcritas todas as entrevistas, procedeu-se à importação de toda a informação recolhida para o software QSR NVivo 11. A principal função do NVivo é codificar texto e armazenar informações em categorias específicas, permitindo identificar a frequência das citações presentes em cada categoria. A utilização deste software permitiu flexibilizar a codificação assim como a articulação dos dados e a sua visualização através de mapas conceptuais, como é o caso da criação de modelos hierárquicos (Davis & Meyer, 2009) ou codificação axial (procurar uma categoria central, a partir da qual se organizam outras categorias em termos de subordinação) (Straus, 2003). A designação de cada categoria teve em conta palavras que estão associadas à própria investigação e que melhor descrevem ou refletem o tema a que se refere (Hastie & Glotova, 2012). A definição das categorias implicou encontrar relações de semelhança entre conceitos, identificando características que lhes são subjacentes e relações entre si. Por via de uma estrutura de árvore de nós, a informação transcrita foi assim classificada em categorias a priori e a posteriori. Assim, criou-se um conjunto de categorias temáticas cujos títulos conceptuais foram agrupados segundo o significado de cada tema e de acordo com as unidades de análise do conteúdo das respostas.
Para assegurar a adequabilidade da categorização, foi realizada uma revisão por pares de validação das categorias definidas.
RESULTADOS
Na Tabela 2 apresenta-se para cada sub-categoria as frequências relativas do conteúdo das respostas registadas a ambos os grupos de entrevistados. Interpreta-se de seguida o significado destes resultados, reforçando a análise com algumas citações representativas.
CATEGORIA (a priori) | CATEGORIA (a posteriori) | SUB-CATEGORIA | TREINADORES (n= 7) (%) | ASSESSORES DE COMUNICAÇÃO (n= ??) (%) |
---|---|---|---|---|
Ligação com os media | Conhecimento diário do que é noticiado | Consulta os media | 7 (100) | (100) |
Não consulta os media | 0 (0) | 0 (0) | ||
Relação com os media no presente e futuro | Próxima | 3 (42,9) | (100) | |
Distante | 2 (28,6) | 0 (0) | ||
Igual | 2 (28,6) | 0 (0) | ||
Influência dos media | Performance | Influência determinante | 3 (42,9) | (33,33) |
Influência mas não de forma determinante | 4 (57,1) | 4 (66,66) | ||
Não influência | 0 (0) | 0 | ||
Opinião Pública | Influencia | 7 (100) | 100 | |
Não influencia | 0 (0) | 0 | ||
Cognitivo | Influência | 5 (71,4) | 66,66 | |
Não influência | 2 (28,6) | 33,33 | ||
Resultados | Influência | 4 (57,1) | 50 | |
Não influência | 3 (42,9) | 50 | ||
Importância da comunicação | Como competência interna existente | Boa | 4 (57,1) | 50 |
Precisa melhorar | 3 (42,9) | 50 | ||
Inexistente | 0 (0) | 0 | ||
Como competência interna a desenvolver | Importante | 6 (85,71) | 100 | |
Não é importante | 1 (14,28) | 0 |
Ligação com os media
Conhecimento diário do que é noticiado
Todos os entrevistados deste estudo consultam os media diariamente e consideram importante ser informado sobre o que é noticiado sobre o seu clube e os clubes adversários: “É uma das minhas grandes preocupações bem como, da minha equipa técnica estar sempre informado sobre tudo o que se passa em relação ao meu clube e aos meus próprios adversários” (T4; Ref.1).
Sim diariamente há uma rotina que é a de consultar os órgãos de comunicação social nomeadamente, os três principais jornais desportivos. Inclusive, fazemos a digitalização de tudo o que sai sobre o clube para que os atletas, treinadores e restante staff tenha conhecimento do que sai na imprensa (RC6; Ref.1).
Relação com os media no presente e futuro
Todos os treinadores entrevistados consideram que atualmente têm um bom relacionamento com os media, e que o mesmo ocorre de forma espontânea e natural. Em relação à perspetiva futura desse relacionamento, 43% mencionaram que, no futuro, o relacionamento com os media deve ser mutuamente respeitoso e de maior proximidade.
Quanto aos assessores de comunicação, todos eles afirmam manter uma relação bastante próxima com os media no presente, e que assim se perspetiva manter no futuro: “ Sendo um fator de grande influência, não tenho dúvidas que cada vez será mais próxima e direta com os clubes, até como forma de proteger os seus ativos mais valiosos, os jogadores” (T1; Ref.1).
Eu lido com os media diariamente e mantemos uma relação bastante aberta. Por um lado é bom, por nos permitir filtrar mais a informação que vão publicar. Clubes de menor dimensão, como é o nosso caso, precisam da imprensa ao contrário dos grandes clubes que conseguem ser eles a impor as regras (RC4; Ref.1).
Influência dos media
Performance
Quando questionados sobre a possível influência que os media exercem sobre o desempenho desportivo, todos os treinadores e responsáveis de comunicação dos clubes entrevistados consideraram que os media exercem influência sobre o desempenho desportivo dos jogadores profissionais de futebol. No entanto, 57% dos treinadores e 67% dos assessores de comunicação mencionaram que existem outros fatores que podem interferir no desempenho dos jogadores de futebol não se posicionando os media, como um fator determinante: “Ligeiramente sim, mas não ao ponto de condicionar totalmente. Depende de como os atletas lidam com as notícias e se são críticas positivas ou negativas” (T2; Ref.1).
Tudo aquilo que é noticiado, tem uma grande influência no rendimento desportivo porque a crítica é constante, a avaliação também e nem todos os jogadores conseguem criar a resistência que é necessária ao longo da carreira para lidar com isso. Também aos clubes cabe no fundo formar e preparar os atletas para tal (RC6; Ref.2).
Do ponto de vista dos entrevistados, as relações familiares, o bem-estar físico e psicológico e o ambiente interno do clube contribuem de forma mais decisiva para o desempenho de um jogador profissional de futebol: “O relacionamento dentro do clube com os diferentes agentes desportivos, o relacionamento com a família e o contexto familiar é crucial, portanto existem um conjunto de fatores que influenciam o desempenho desportivo do jogador” (T5; Ref.1); “Os valores familiares e o equilíbrio emocional são importantes para as suas carreiras, pois se psicologicamente perderem o foco, podem acontecer algumas situações menos agradáveis” (RC1; Ref.1).
Opinião pública
Todos os treinadores e responsáveis de comunicação entrevistados, falam sobre a inevitabilidade dos media serem vistos como fortes influenciadores da opinião pública. Ressalvam ainda que é através dos media que a maioria das pessoas obtém conhecimento sobre várias áreas de interesse do desporto, principalmente devido ao crescente desenvolvimento dos media online: “Acho que sim. Porque existe um constante consenso de informações, colocando os media como propulsores da formação da opinião pública em termos gerais” (T7; Ref.1); “No caso do desporto são pessoas que trabalham numa área muito específica, com alguns anos de experiência e com reconhecimento do grande público. A sua opinião, gera identificação ou não por parte dos leitores mas sempre tida como séria e com conhecimentos de causa” (RC2; Ref.1).
Cognitivo
Em relação a este ponto, 71% dos treinadores e 67% dos assessores de comunicação observaram que o tipo de efeito que os media podem ter sobre o estado mental de cada atleta depende muito do seu perfil individual. No entanto, como ninguém fica indiferente quando o seu nome é referenciado pelos media, é importante a existência de algum trabalho e formação comunicacional enquanto apoio na confiança, estabilidade emocional e psicológica do jogador. Embora o efeito dos media seja um fator a ser levado em consideração, os participantes deste estudo consideram que essa não é uma condição imperativa que determina um bom ou mau desempenho apesar de significativa a sua influência.
Os media colocam o jogador e a equipa sob tensão para que eles possam perder o foco psicologicamente. É aqui que algumas situações menos agradáveis podem acontecer, dependendo também do equilíbrio que cada atleta possui e do apoio que nós treinadores lhe conseguimos dar (T1; Ref.2).
Os media podem fazer divergir a concentração dos jogadores caso, não seja feito, um acompanhamento cuidado da informação e dos elementos alvo. Ao interferir com os níveis de concentração, obrigatoriamente a confiança que têm em si próprios também vai sofrer alterações (RC7; Ref.1).
Resultados do clube
Na opinião de 43% dos treinadores e 50% dos assessores de comunicação entrevistados não há relação direta entre a informação que é noticiada nos media e os resultados desportivos obtidos pela equipa. No entanto, mencionaram que a interferência e a atenção dos media é proporcional aos resultados obtidos; ou seja, bons resultados atraem maior atenção dos media e consequentemente, um aumento da projeção da equipa. Todavia, 57% dos treinadores e 50% dos assessores de comunicação acreditam, que pode haver alguma influência no comportamento da equipa se algum dos atletas estiver sob pressão. Para os entrevistados, o tipo de notícia (positiva ou negativa), determinará a confiança do jogador. Boas notícias geram bom desempenho, más notícias geram desmotivação e falta de confiança: “Acredito que há notícias que podem influenciar o comportamento de uma equipa. Se um atleta se sente pressionado, durante o jogo ou até mesmo no treino, ele pode transmitir essa tensão a outros colegas de equipa, que podem ficar mais vulneráveis” (T1; Ref.3); “Não, porque o nosso foco deve estar claramente apenas no trabalho em campo, limitando-nos a respeitar o trabalho dos profissionais de comunicação. Se assim for, não haverá relação entre o que é noticiado e os resultados que o clube alcança” (T2; Ref.2)
Automaticamente notícias boas geram resultados melhores, notícias más afetam emocionalmente os jogadores retirando-lhes por isso rendimento. Na minha opinião acaba sempre por afetar indiretamente apesar de eles estarem treinados para que isso não aconteça. Acho que se trata de um ato involuntário (RC4; Ref.2).
“Considero que os resultados desportivos não são influenciados pelas notícias veiculadas pelos media pois, existe uma cultura de trabalho no nosso clube que identifica claramente os fatores importantes para o rendimento desportivo” (RC8; Ref.1).
Importância da comunicação
Comunicação como competência interna existente
Relativamente ao tratamento da informação mediática que é feito internamente pelos clubes, 43% dos treinadores e 50% dos assessores de comunicação entrevistados, mencionaram que a comunicação e a relação com os media nos seus clubes é tratada de forma estratégica e cuidadosa. Contudo, dada a rapidez e a fluidez que atualmente se assiste da imprensa desportiva ressalvam, a importância de constantes atualizações e melhorias nesta área.
Temos um elemento da equipa técnica que trabalha com a imprensa todos os dias. É preciso perceber que há coisas que até nos interessam para ‘provocar’ os nossos jogadores e motivá-los para o próximo jogo, pois há situações em que precisamos de nos proteger e proteger os nossos jogadores. Há muitas mentiras que vêm no jornal (T4; Ref.2).
Toda a informação difundida para o exterior é pensada de acordo com a estratégia global do clube e da equipa. Torna-se determinante estabelecer linhas orientadoras internas que sejam seguidas pelos vários agentes desportivos, de forma a potenciar uma mensagem sólida e evitar ao máximo ruído informativo. No nosso clube, todas as atividades são acompanhadas e planeadas no sentido de alimentar os media em todas as plataformas existentes na atualidade (RC8; Ref.2).
Comunicação como competência interna a ser desenvolvida
A importância atribuída pelos entrevistados à necessidade interna de formação, orientação e acompanhamento de jogadores profissionais de futebol como resultado do sucesso foi mencionada pela maioria dos participantes. Para eles, uma maneira de alcançar um possível equilíbrio, semelhante ao que eles consideram já existir em atletas de elite, é preparar e acompanhar internamente os jogadores fornecendo-lhes estratégias de coping eficazes para saber lidar com a imprensa.
Dependendo de como cada clube funciona, a coisa mais importante e uma das minhas preocupações sobre os jogadores é que eles percebam que os media fazem parte do futebol e que temos de estar preparados para todos os tipos de situações que se relacionam com eles (T4; Ref.3).
“Junto dos atletas é trabalhado de modo a que eles saibam o que dizer em cada momento futuro sempre que confrontados com conteúdos publicados pelos media” (RC2; Ref.2).
DISCUSSÃO
A literatura refere que a presença dos jornalistas e a intensa cobertura mediática no futebol profissional é uma fonte cumulativa de tensão, particularmente em situações de grandes eventos competitivos (Silva, 2011). A constante presença dos media na atividade dos clubes, num mundo totalmente mediatizado (Tench, Verčič, Zerfass, Moreno & Verhoeven, 2017) faz com que a perceção de fenómenos ganhe força de realidade, tanto para quem a eles assiste, como para quem neles intervém (Quintela, 2006).
Este estudo procura descrever os efeitos desse processo na perspetiva dos treinadores e dos assessores de comunicação de clubes de futebol profissional Portugueses em que, enquanto objeto de estudo e em termos científicos, o seu conhecimento é praticamente inexistente apesar de toda a centralidade e mediatismo que podem possibilitar. Para Quintela (2020) as pesquisas desenvolvidas não têm acompanhado a dimensão que este fenómeno tem evidenciado, uma lacuna que carece de ser colmatada, para o que pretendemos contribuir.
Assim, os resultados mostram que a constante divulgação de informação mediática sentida pelos treinadores pode dificultar a gestão do seu estado de humor e dos seus atletas, mas também diminui a eficácia da comunicação interna e da concentração no foco definido (o jogo), opinião esta partilhada também pelos assessores de comunicação. Acredita-se, por isso, ser importante a intervenção do assessor de comunicação junto do treinador e dos atletas na prévia preparação de atividades comunicacionais. A implementação de um modelo de formação, que consista na abordagem a múltiplos fatores que permitam, garantir uma estabilidade entre os principais intervenientes da comunicação nos clubes, será também um passo importante, na temática desta relação.
Essa abordagem permitirá alavancar a comunicação organizacional do clube enquanto estratégia de gestão.
Ligação com os media
Os resultados parecem mostrar que existe uma rotina nos clubes de futebol de acompanhamento dos media, com vista a reconhecer os elementos que possam gerar impacto negativo nos atletas e no clube, para assim alavancar eventuais medidas de minimização. Este resultado é congruente com outros estudos anteriores (e.g., Czech, Ploszay & Burke, 2004; Díaz & Rodriguez, 2005) ao referirem que, comportamentos rotineiros como a consulta diária dos media, beneficiam o foco e a atenção, reduzindo a ansiedade, eliminando distrações e aumentando a autoconfiança, a preparação mental e, previsivelmente, a prontidão para competir. No entanto, Kristiansen, Roberts e Sisjord (2011) acrescenta que os jogadores quando confrontados com situações negativas, evitam comprar, ler ou assistir a reportagens sobre os jogos, concentrando-se nas indicações dadas pelo treinador. Além disso, os entrevistados também mencionaram que possuem, e contam manter no futuro, um bom relacionamento com os media, sublinhando a importância do respeito mútuo que sempre deve existir entre as partes, numa tríade de comunicação que se pretende “honesta, verdadeira e responsável” entre treinadores, jogadores e jornalistas. Aliás, é de salientar que ao longo da história, o desporto e os media desenvolveram uma relação simbiótica, um relacionamento de longa data, que se articula entre si para dar origem à atual simbiose entre os media e o futebol, que vários autores caracterizam como “complexa” (e.g., Rowe, 2004; Horne, 2006), estabelecida desde a última década do século XIX.
Influência dos media
O potencial de influência dos media no desempenho desportivo é reconhecido por todos os treinadores e assessores de comunicação entrevistados. Porém, não parece figurar per si como um fator determinante primário, o que mostra ir ao encontro dos resultados já assinalados pela literatura (Kristiansen et al., 2011). De facto, como referem vários estudos sobre a performance no futebol, serão os fatores de ordem biológica e comportamental os influentes primários do desempenho desportivo dos jogadores e das equipas (e.g., Baker, Cobley & Schorer, 2012).
Todavia, o desempenho desportivo depende sempre de uma situação de autoavaliação e avaliação feita por terceiros, influenciada secundariamente por fatores emocionais e cognitivos (Howle & Eklund, 2013). Uma investigação recente (Baardsen, 2017) analisou as perceções de jogadores de futebol de elite quanto à existência de possíveis fatores organizacionais, psicológicos e mediáticos que ocorrem ao longo da época de futebol e que podem ser perturbadores do seu desempenho. Esse estudo concluiu que quatro em dez jogadores admitiram sofrer de problemas psicológicos sendo as causas apontadas a existência de uma forte pressão diária originada por uma combinação de fatores competitivos, organizacionais e pessoais, o que exige uma contínua força mental para se destacar no ambiente competitivo em que se encontra inserido (Gerber et al., 2018).
Quanto à possível influência dos media nos resultados desportivos obtidos pelo clube, os entrevistados não consideraram existir uma relação direta de influência entre o que é noticiado pelos media e os resultados seguidamente obtidos nos jogos disputados. Pelo contrário, argumentam que as atenções dos media estão diretamente relacionadas com os resultados dos jogos. Esta perceção é concordante com o referido por Boyle (2006), quando ressalva que os media divulgam frequentemente e estrategicamente informações falsas, sobre transferências de jogadores entre clubes, lesões, comportamentos, conflitos e relacionamentos da sua vida social e privada que alimentam o público e vão muito além do objetivo e interesse desportivo. Neste sentido, Hutchins e Rowe (2012) referem-se aos desafios enfrentados pelas organizações desportivas na gestão de “acidentes de informação” e como as críticas públicas podem prejudicar o desporto, atletas individuais, equipas, patrocinadores, parceiros de negócios e associados. Perante tal panorama, será válido supor como fundamental o papel do treinador enquanto fonte de equilíbrio, confiança e motivação, e sobretudo de minimização do impacto negativo que eventuais situações mediáticas possam colocar aos jogadores e equipas (Kristiansen et al., 2012). Além disso, a literatura estudada também segue essa linha de pensamento quando Fletcher e Scott (2010) acrescentam que as características pessoais e situacionais, a família e os amigos dos jogadores podem afetar a sua autoconfiança e consequentemente, o seu desempenho desportivo, devendo por isso ser instruídos a não discutir com eles a cobertura mediática, ignorando a opinião jornalística.
Em relação ao potencial dos media como influenciadores e formadores de opinião (segunda categoria definida à priori), estudos anteriores evidenciaram que os media não parecem influenciar significativamente o pensamento e a opinião das pessoas (Lazarsfeld, Berelson, & Gaudet, 1948; Berelson, Lazarsfeld, & McPhee, 1954). No entanto, estudos mais recentes (e.g. Machado, 2010) mostram exatamente o oposto — os media parecem exercer uma influência relevante sobre a opinião pública em geral, conduzindo as pessoas a experienciarem dois mundos em paralelo: o mundo real das suas experiências de vida, e o mundo criado e disseminado pelos media (Zucker, 1978). Todos os entrevistados parecem concordar com Zucker (1978) e Alger (2000) relativamente à imprensa ser um importante agente na formação de subculturas desportivas de massa por meio da sua capacidade de constituir fontes de informação e formação de opinião pública.
Importância da comunicação
Apesar dos entrevistados confirmarem que, nos clubes que representam, existe tratamento e acompanhamento interno das notícias difundidas pelos media, a opinião dos entrevistados também é unânime quanto à necessidade de desenvolver estratégias e programas de intervenção dirigidos para a minimização dos focos de tensão dos jogadores e, ao mesmo tempo, desenvolverem as capacidades de coping (Rosado, Marques dos Santos, & Guillén, 2012). Neste ponto, denota-se a diferença entre clubes da primeira e segunda Liga de futebol, em que treinadores de alguns clubes, sobretudo os pertencentes à primeira Liga, passaram a ser alvo de uma grande atenção por parte dos media, estando perfeitamente conscientes da complexidade do seu papel perante a equipa e o clube bem como, nas relações dinâmicas que envolvem a sua atividade.
Apesar de não existir qualquer referência e distinção quanto aos resultados obtidos dos entrevistados pertencentes à primeira ou segunda Liga de futebol, dado o tamanho reduzido da amostra, é percetível que apenas alguns clubes (os pertencentes à primeira liga) deste estudo, são organizados e têm estratégias de atuação definidas para enfrentar situações de tensão. No entanto, apesar de todos possuírem nos seus quadros profissionais responsáveis por acompanhar e garantir níveis ideais de estabilidade psicológica, nem sempre detêm formação específica para o desempenho dessas funções, particularmente nos clubes de menor dimensão. Ao ser definida uma estratégia de comunicação de um clube de futebol e perante a existência de uma forte tensão mediática sobre os protagonistas do jogo — jogadores, treinadores ou dirigentes — deverá existir uma preocupação interna para que todos possam seguir as mesmas diretrizes e possam comunicar de forma coerente em nome do clube.
Com efeito, afigura-se fundamental promover um maior acompanhamento e formação de âmbito comunicacional aos treinadores e jogadores ao longo da época desportiva, dado que com a profissionalização do futebol, os seus papéis ganharam enorme destaque na sociedade desportiva (Wang & Straub, 2012). Para além do jogador, a figura do treinador tornou-se essencial nas mais diversas relações desportivas (obtenção de bom desempenho e resultados, gestão do processo de treino da equipa, etc.) (Ferreira et al., 2018), o que nos leva a considerar que investir em ferramentas pertinentes à correta comunicação (e consoante as linhas orientadoras de cada clube) poderá ser um ponto importante no futuro das organizações desportivas.
Neste estudo procurou-se contribuir para uma melhor compreensão do processo comunicacional entre os media e os clubes portugueses de futebol profissional, o que poderá ser útil para perspetivar boas práticas de gestão da comunicação. Não obstante a relevância dos resultados obtidos, será importante reter as suas limitações, nomeadamente consequentes da reduzida dimensão da amostra recrutada. Com efeito, a generalização dos resultados fica comprometida. Para além disso, não foi possível obter uma perceção diferenciada por experiência, nível competitivo (ligas de futebol), ou outros fatores que permitissem distinguir os entrevistados (por exemplo, idade; anos de experiência; formação académica e profissional), o que poderá ser relevante analisar em estudos futuros. Poderá ser ainda pertinente confrontar perspetivas de treinadores de diversos países, certamente com diferentes rotinas e processos comunicacionais. Para além disso, é importante considerar que não foi aplicado nenhum instrumento validado para avaliar competências mentais, emocionais ou psicológicas específicas, pelo que os resultados aqui apresentados são apenas expressões de opinião e podem servir de estímulo para estudos futuros, nomeadamente de natureza psicofisiológica.
CONCLUSÃO
A análise dos resultados deste estudo apoia as informações encontradas na literatura e destaca o papel dos media no desenvolvimento desportivo, bem como a importância do treinador e dos assessores de comunicação ao serviço dos clubes de futebol.
Nesta pesquisa, foi possível mostrar na perspetiva dos treinadores e dos assessores de comunicação entrevistados, que os media têm um papel fundamental, mas não determinante, na influência que exercem sobre o desempenho e o estado mental dos jogadores profissionais de futebol. Dado o efeito dos media nas diferentes dimensões das carreiras, vidas sociais e pessoais dos jogadores, os participantes deste estudo destacaram a importância de se manterem continuamente informados, trabalhando um bom relacionamento com os media.
Os resultados obtidos também mostram que os entrevistados desempenham um papel fundamental na comunicação dentro das organizações que representam, embora reconheçam que nem sempre a informação mediática é trabalhada eficazmente junto dos atletas. Em primeiro lugar, porque nem sempre se consegue manter o foco do atleta no seu bom desempenho. Em segundo lugar, nem sempre é possível garantir a consistência do comportamento e o apoio emocional aos atletas visto, serem alguns os fatores que nele interferem. O estudo mostrou que considerando o tamanho e a amplitude do clube em que operam, o relacionamento com os media depende do trabalho realizado na área de comunicação desportiva, embora esta esteja a atravessar um processo de transformação global, entre amadorismo improvisado, a profissionalização e a massificação de informações e conteúdos.