É comum afirmar-se que o capital humano tem um papel preponderante no dia-a-dia das organizações, influenciando em grande medida o seu sucesso. Embora as organizações desportivas sejam instrumentais na forma como atingem os seus objetivos, uma das primeiras preocupações de quem assume a sua liderança deve ser a clarificação da orgânica dos recursos, definindo claramente as responsabilidades e os limites de atuação dos departamentos e das pessoas que os compõem. É, no essencial, uma ferramenta de comunicação que clarifica e, em certo modo, materializa a gestão estratégica presente.
A Lei nº 5/2007, de 16 de janeiro, designada a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (LBAFD), consagra para o “exercício de profissões nas áreas da atividade física e do desporto, designadamente de gestão desportiva, de exercício e saúde, da educação física, e de treino desportivo, [...] a exigência de adequada formação académica ou profissional” (Portugal, 2007). Mais tarde, a publicação da Lei nº 39/2012, de 28 de agosto, vem estabelecer uma estrutura regulamentar que prevê a figura do Técnico de Exercício Físico, vulgarmente conhecido por instrutor ou monitor, e de Diretor Técnico, outra hora designado por responsável técnico. Com a exigência de título profissional obrigatório a conceber pelo Instituto Português da Juventude do Desporto (IPDJ), o Diretor Técnico e o Técnico de Exercício Físico integram o lote restrito das cinco “profissões” regulamentadas no sector do desporto nacional (ver Portugal, 2012b).
Do Diretor Técnico espera-se que assuma a “direção e a responsabilidade pelas atividades desportivas que decorrem nas instalações desportivas”; ao Técnico de Exercício Físico cabem todas as atividades de planeamento e de condução do processo de treino, no pressuposto de que “a prescrição, avaliação, condução e orientação de todos os programas e atividades” são coordenadas e supervisionadas pelo Diretor Técnico. A atividade do Diretor Técnico estabelece, portanto, o garante da segurança e da “qualidade dos serviços prestados” aos utentes.
Tal como refere Mestre (2023), as piscinas “na sua definição legal e inequívoca” (Portugal, 2009), “são objeto de referências expressas no ordenamento jurídico Português, no plano de (i) licenciamento; (ii) do desempenho energético; (iii) dos equipamentos flutuantes; (iv) das exigências especificas para as piscinas integradas em empreendimentos turísticos para além das normas de qualidade” (Instituto Português da Qualidade, 2017). Infelizmente, e de acordo com opinião que partilhamos com o autor, a figura do Diretor Técnico não está especificamente regulada, dado que não assegura as especificidades necessárias para a sua atuação em qualidade, nomeadamente no plano pedagógico, e em segurança. Este vazio legal contrasta com os requisitos de qualidade que emanam da LBAFD, embora, felizmente, conste nos pressupostos para a certificação técnico-pedagógica da qualidade das escolas aquáticas sugeridos pela Federação Portuguesa de Natação.
Por efeito, e sem qualquer enquadramento legal, assiste-se em muitas piscinas à criação da figura do coordenador pedagógico, que geralmente reúne experiência e possui habilitação especifica no âmbito do ensino da natação (grau 1 ou superior como treinador de natação). Porque a gestão de piscinas é reconhecidamente complexa e repleta de especificidades, muito devido ao seu ecletismo na oferta de serviços desportivos, é igualmente comum encontrarmos a figura do gestor, que também não beneficia de quadro regulamentar especifico nestas instalações.
Obviamente que os modelos de gestão são moldados às especificidades das instalações (p.e., dimensão plano de água, número de utentes) e ao perfil dos recursos humanos disponíveis, o que significa que estas três funções podem coexistir separadamente ou serem realizadas por dois ou mesmo um único colaborador. Não obstante, e porque a complexidade organizacional assim o exige, importa compreender o perfil e as competências realizadas nestas três funções que operam na gestão e na coordenação técnico-pedagógica das piscinas, o que muito contribuirá para o seu reconhecimento social no mercado de trabalho atual. Esse exercício reclama, por um lado, a caracterização e a diferenciação das competências de cada função no seio destas organizações especificas (piscinas) e, por outro lado, a compreensão do nível de coerência dessas competências entre organizações equiparáveis.
Foi com esse intuito que constituímos um grupo de trabalho, composto por cinco experientes diretores técnicos de piscinas; em consenso absoluto, foram identificadas 39 tarefas principais, consideradas de rotina, e relativas a atos de gestão, coordenação e supervisão técnico-pedagógica. A lista de tarefas foi incluída num inquérito dirigido exclusivamente a responsáveis de piscinas portuguesas de uso público. As respostas permitiram conhecer, para cada tarefa, dois níveis de resposta: (i) a identificação de quem desempenha a tarefa por rotina, e no âmbito das suas competências orgânicas definidas; (ii) a perceção pessoal sobre quem deveria efetivamente desempenhar a tarefa, considerando uma hipotética estrutura orgânica que reconhecesse três ou mais funções dentro da organização.
A aplicação do inquérito, entre junho e setembro de 2022, permitiu a obtenção de 57 participações válidas em diferentes regiões do país, contemplando piscinas de gestão pública (71.9%), de gestão pelo tecido associativo/clubes (12.3%), de gestão por empresa municipal (8.8%) ou privada (7%). No total de participantes, registamos 32 (56.1%) diretores técnicos 11 (19.3%) coordenador pedagógicos e 14 (33.3%) gestores de instalação. Apenas 14% dos responsáveis inquiridos não possui formação académica superior, onde 45.6% é detentor de uma pós-graduação ou do grau de mestre.
Não cabe neste documento a apresentação e a discussão exaustiva dos resultados obtidos. Mesmo assim, importa partilhar o seguinte:
45% das respostas indicam que existem outros departamentos ou funcionários que assumem funções que são da competência legal do Diretor Técnico, não sendo essas controladas diretamente pelo Diretor Técnico;
Em 12% das respostas validadas, o coordenador técnico assume funções de gestão da instalação e coordenação técnica, sendo que o Diretor Técnico legalmente designado é um profissional que não tem funções atribuídas na instalação;
Na maioria das piscinas o Diretor Técnico tem a responsabilidade sobre a gestão da instalação incluindo todos os processos necessários ao seu funcionamento, delegando no Coordenador Pedagógico a maioria das tarefas constantes na Lei nº 39/2012, de 28 de agosto, e que são da competência legal;
A maioria dos Diretores Técnicos acumulam a responsabilidade técnica com a gestão da instalação, assumindo complementarmente funções ao nível do controlo e supervisão dos processos de manutenção e limpeza das instalações.
Estes primeiros dados parecem confirmar as premissas que eram suportadas pelo conhecimento da realidade referente às tarefas e funções desempenhadas por Diretores Técnicos e Coordenadores Pedagógicos de piscinas. A realidade que se apresenta nas piscinas portuguesas é muito desfasada do enquadramento legal existente, demonstrando um vasto leque de tarefas e responsabilidades do Diretor Técnico que, por um lado, se estende ao nível da gestão da instalação desportiva, e, por outro lado, acumula ou necessariamente se faz substituir pelos designados Coordenadores Pedagógicos de cais.
Sendo claro que as piscinas, ao abrigo do Decreto-Lei nº 114/2009, de 16 de junho, estão obrigadas a disporem de um Diretor Técnico, é muito preocupante a ausência de legislação específica que exija a sua qualificação profissional complementar na área da natação. Perante isto, e na necessária salvaguarda da segurança e da qualidade técnico-pedagógica dos serviços prestados pelas piscinas, parece-nos uma boa prática considerar a figura do Coordenador Pedagógico, que ao possuir experiência e formação específica na área da natação (nível 1 ou superior), exerce tarefas de planificação, monitorização e de avaliação dos programas de atividade física e desportiva em funcionamento na escola aquática.
A dimensão, a complexidade, e os interesses económicos que hoje envolvem o desporto, conduzem a imensas externalidades, nomeadamente com o sector da saúde, da educação, do ambiente, da ciência e tecnologia. Isso exige aos profissionais do desporto uma enorme consistência de conhecimentos e de competências tácitas em áreas especificas. As piscinas são exemplos evidentes, onde o risco latente de uma má prática pode conduzir a um desastre. O direito do desporto é, por isso, um instrumento de equilíbrio, e fundamenta-se na evidência de boas práticas sociais, de justiça, de equidade e de segurança. Até lá, mantenhamos a ambição na excelência dos serviços prestados nas nossas piscinas mas, em coerência e sustentabilidade, cuidemos também dos meios e dos recursos que alimentam esse fim. Piscinas assim, são verdadeiras “candeias que vão à frente”.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem todos os contributos de Rita Fernandes (Futebol Clube do Porto), Nuno Ferraz (Real Clube Fluvial Portuense) e Pedro Morais (GESPAÇOS, Gestão de Equipamentos Municipais E.M S.A.), participantes no grupo de trabalho para a preparação, promoção e análise dos resultados aqui sistematizados, e sumariamente apresentados no 45º Congresso da Associação Portuguesa de Técnicos de Natação.