INTRODUÇÃO
No início do século XXI as competições desportivas de elite tornaram-se espetáculos mediáticos internacionais (Wenner & Billings, 2017). O desporto passou a ser um dos tópicos mais importantes abordados pelos media em todo o mundo, obtendo elevados índices de audiência num complexo negócio de simbiose, em particular com o desporto profissional. De facto, os media e o desporto, para além de se influenciarem e ajudarem mutuamente, partilham um importante interesse — se por um lado os media aproveitam a atividade desportiva para aumentarem o seu número de recetores e venderem o seu produto, ao desporto interessa a sua difusão, pois permite agregar apoio associativo e financeiro à sua atividade. Contribuindo para a formação e transmissão de novos valores e opiniões, os media moldam as perceções, comportamentos, atitudes e sentimentos do público (Portela, 2019).
O futebol sobressai como a modalidade desportiva mais popular na maioria dos países europeus, destacando-se como o desporto que mais público mobiliza em todos os quadrantes da sociedade (Gonçalves, 2000). Assiste-se a um processo galopante de interação entre fãs, clubes e jogadores, alimentado sistemática e criteriosamente pelas diversas plataformas digitais e redes sociais. Para além de fenómeno social, nenhuma outra modalidade desportiva se aproxima da sua capacidade de penetração mediática, sendo inequivocamente um produto económico altamente disputado pelos media (Stead, 2010). De salientar a Final do Euro 2016 realizado em França, na qual perto de 80 mil pessoas assistiram ao evento e 15.76 milhões estiveram de olhos postos no ecrã. Isto deixa antever, a enorme projeção e o papel determinante dos media na introdução dos assuntos na esfera pública, bem como os efeitos e os mecanismos da simbiose entre media e desporto.
Posto isto, e face à importância que estes processos assumem, foi nosso objetivo realizar uma revisão da literatura do tipo narrativa sobre o efeito dos media no desporto, com particular enfoque no futebol profissional. Combinando necessariamente as Ciências da Comunicação com as Ciências do Desporto (com óbvias extensões à Psicologia e à Sociologia aplicada ao desporto), esta revisão incide sobre o fenómeno da instrumentalização recíproca entre media e futebol profissional. Questionamo-nos, por exemplo, sobre os efeitos dos media na prontidão desportiva dos jogadores profissionais de futebol.
Pretendemos seguidamente sintetizar, as várias etapas relativas aos efeitos dos media nas audiências, que podem ter levado ao cenário das atuais dimensões da complexa relação media/futebol.
OS EFEITOS DA COMUNICAÇÃO DE MASSA: TEORIAS
Atualmente, numa era onde os meios de comunicação de massa têm um importante papel não só no âmbito do entretenimento, mas sobretudo na disseminação de informação, transmissão de conhecimento e estruturação de representações individuais e sociais, assistimos à reapreciação da dimensão cognitiva da atividade pública dos media e da sua influência nas organizações individuais e coletivas.
Considerando autores como Lawrence e Rowe (1986), Nicholson, Kerr e Sherwood (2015), Rowe (2007), Whannel (2002), o interesse pelo estudo do efeito dos media não é recente. Numa primeira fase, no início do século XX até ao fim dos anos 30, segundo Bauer (1964), foi atribuído aos media poder suficiente para formar opinião, crenças, mudar hábitos de vida e moldar comportamentos. Neste sentido, McQuail (2003, p. 424) considera que “todo o estudo da comunicação de massas assenta na premissa de que os media têm efeitos significativos, apesar de existir pouco consenso sobre a sua natureza e extensão”. É um facto que estes efeitos, ocorrem constantemente no nosso dia-a-dia, apesar de não serem diretamente visíveis e nem sempre consigamos atribuir a sua origem numa determinada atitude (entenda-se comportamento) ou resultado. É neste ponto, que a investigação académica se ocupou do desenvolvimento de estudos dos efeitos dos media, nomeadamente sobre a capacidade de persuasão de campanhas eleitorais massivas quando se tornaram evidentes as dificuldades em justificar as respostas das audiências com base nos estímulos mediáticos recebidos. Nestes estudos, os autores “tentaram perceber a influência das mensagens mediáticas na alteração do sentido de voto nas eleições americanas de 1940 e de 1948” (McQuail, 2003, p. 424). Foi assim que, mais tarde, o receio de que os efeitos das mensagens mediáticas pudessem ser nefastos nos recetores das mesmas, levou ao arranque da investigação em comunicação de massas a qual considerámos neste caso, e face à sua importância, enquadrar na temática da relação media/futebol profissional. O que aqui se espera não é mais do que uma explicação “do que os media podem fazer às pessoas e à sociedade” (Jensen, 2002), neste caso aos agentes desportivos do futebol profissional. Estes efeitos, segundo McQuail (1983) mais não são do que as consequências resultantes da atividade das organizações emissoras de informação desportiva sobre uma audiência.
Inicialmente, “o modelo de estímulo/resposta apresentado por John Watson em 1913 (Figura 1), que assentava numa teoria pouco desenvolvida (Teoria Behaviorista), na qual as audiências reagiriam de um modo uniforme e previsível a uma mensagem num curto espaço de tempo” (McQuail e Windahl, 1993, pp. 58-59), foi a base para o estudo da capacidade persuasiva dos estímulos mediáticos recebidos.
No entanto, apesar de ter sido pensado no sentido de incorporar variáveis relativas à personalidade individual de cada elemento de uma audiência, a evolução abandonou a visão simplista deste modelo de “estímulo — resposta”, e caminhou para análises mais complexas dos processos de receção das mensagens mediáticas. Foi a dificuldade em atribuir por falta de evidências, um nexo de causalidade direto entre as mensagens mediáticas e os seus recetores, que Lasswell (1948) apresenta o seu modelo de comunicação relativo aos estudos sobre os efeitos dos media. Apesar de ter evoluído para pesquisas mais atuais, mantém-se como inspirador de um paradigma “positivista”, que evidencia as etapas sequenciais que servem de base ao entendimento deste estudo (Figura 2). Ainda assim, dada a dificuldade de justificar a resposta das audiências com base apenas em estímulos mediáticos, este modelo aplicado sobretudo em campanhas eleitorais e/ou publicitárias, tendeu a evoluir e progressivamente, a ter em conta um número crescente de variáveis de âmbito social e psicológico.
Mais tarde, numa segunda fase, não descurando o poder da influência direta das mensagens dos media, Elihu Katz e Karl Lazarsfeld (1955) propõem um modelo de influência desenvolvido em duas etapas (Teoria do two-step Flow; Figura 3) no qual, os líderes de opinião surgem como ponto intermédio, ao exercer diretamente a sua influência junto dos seus contactos sociais, abandonando assim a linha direta entre os produtores de mensagem e os seus recetores.
Este modelo atribui particular importância às relações sociais enquanto fator de maior peso nas escolhas individuais, diminuindo a certeza no poder total dos media enquanto meio influenciador. Segundo McQuail (2003, p. 425) “mostrou-se que os media operavam no interior de uma estrutura pré-existente de relações sociais e num certo contexto social e cultural”. Contudo, outros autores vieram mostrar que o processo da comunicação é mais complexo e sofre várias mediações, ultrapassando, assim, visões anteriores sobre o poder extremo dos media. Estes pressupostos seriam, todavia, desafiados pelos novas abordagens que passaram a caraterizar o campo dos estudos dos efeitos da media. Ao longo do tempo, a natureza da investigação levou a que outras variáveis fossem tomadas em consideração como potencialmente influenciadoras dos efeitos dos media. Às características sociais e psicológicas inicialmente consideradas como variáveis diferenciadoras de possíveis efeitos, juntaram-se outras relevantes como os contatos pessoais, o ambiente social, as motivações mostrando que, os media podem atuar numa estrutura interior pré-existente de relações sociais e num determinado contexto social e cultural. Todos estes fatores mostraram ser importantes na formação de opiniões, atitudes e comportamentos de uma audiência, bem como, na resposta obtida por parte da mesma.
Na terceira fase desta investigação sobre os efeitos dos media, foi colocada de parte a concentração indevida numa gama limitada de efeitos e a procura de correlações entre o grau de exposição ao estímulo dos media (a mensagem) e a variação de comportamentos, atitudes e opiniões, tendo em conta as inúmeras variáveis intervenientes. Joseph Klapper (1960), no livro The Effects of Mass Communication, salienta que o principal efeito dos media nos indivíduos é reforçar o seu comportamento social. Segundo este autor, os indivíduos selecionam as próprias mensagens de acordo com os seus interesses, princípios e valores diminuindo por isso o impacto das mesmas em si próprios. Assim “a comunicação de massas não atua normalmente como causa necessária nem suficiente de efeitos sobre a audiência, mas funciona, isso sim, através de um nexo de fatores de mediação” (Klapper, 1960, p. 8).
Até aqui e durante muito tempo permaneceu a ideia que: (i) Existe um emissor ativo que produz uma mensagem para um recetor passivo, sendo este levado a reagir perante essa mensagem; (ii) A comunicação é feita intencionalmente com objetivo de obter um determinado efeito; (iii) Tratam-se de efeitos isolados e limitados no tempo.
No entanto, abandonados estes pressupostos e dando continuidade à evolução da temática dos efeitos dos media, verificamos por um lado que o tipo de efeito deixou de dizer respeito às atitudes, aos valores, aos comportamentos dos destinatários, dando lugar a efeitos sobre os sistemas de conhecimento que o indivíduo assume e estrutura de uma forma estável, devido ao consumo que faz das mensagens mediáticas. Por outro lado, deixamos de falar de efeitos pontuais, ligados à exposição da mensagem, e passamos a falar de efeitos cumulativos, sedimentados no tempo.
Surgem assim vários autores que abordam a temática relativa aos níveis e tipos de efeitos existentes. Por exemplo, McQuail (1983) refere que os efeitos dos media mais não são do que as consequências que resultam do seu trabalho (a emissão de mensagens/informação), que pode ocorrer de forma intencional e planeada ou não, no plano individual ou generalizado (grupos, organizações, sociedade…). Ainda este autor distingue três tipos de efeitos: efeitos cognitivos (relacionados com o conhecimento e a opinião); efeitos afetivos (respeitantes aos sentimentos) e efeitos comportamentais (relativos aos comportamentos/atitudes). Para este autor, é importante a ordem de efeitos apresentada, dado que na sua perspetiva o comportamento seria mais importante que o conhecimento. Klapper (1960), distingue os efeitos dos media entre: (i) conversão (mudança de opinião de acordo com a intenção do comunicador); (ii) pequena mudança (mudança da intensidade de cognição ou comportamento) e; (iii) reforço (confirmação pelo recetor de uma opinião ou comportamento existente).
Mais tarde, salientamos o contributo de Windahl, Höjerback e Hedninsson (1986), que descreve a proposta de Kent Asp classificando os tipos de efeitos de acordo com as seguintes variáveis: nível (individual ou do sistema); contexto temporal (efeitos de curto ou longo prazo); fonte (quem produz a mensagem). Ainda Lang e Lang (1981) acrescentaram mais três tipos de efeitos: efeitos recíprocos (refere-se às consequências para uma pessoa ou instituição de se tornar alvo de cobertura mediática); efeitos “boomerang” (quando o efeito ocorre na direção oposta da pretendida); efeito de “terceira pessoa” (relativo à frequente crença de que outras pessoas vão ser influenciadas mas não a própria).
Na Tabela 1 apresentamos um resumo relativo aos tipos de efeitos descritos pelos autores consultados.
AUTOR (ano) | TIPO DE EFEITO |
---|---|
McQuail (1983) | Intencionais ou Não Intencionais |
Planeados ou Não Planeados | |
Nível individual ou generalizado | |
Efeitos Cognitivos | |
Efeitos Afetivos | |
Efeitos Comportamentais | |
Klapper (1960) | Conversão |
Pequena Mudança | |
Reforço | |
Windahl, Höjerback e Hedninsson (1986) | Nível |
Contexto Temporal | |
Fonte | |
Lang e Lang (1981) | Recíprocos |
Boomerang | |
“Terceira pessoa” |
Estas consequências da atividade comunicativa apresentadas pelos autores pressupõem, à partida, o conhecimento quotidiano do saber partilhado, condicionando a forma como os indivíduos percebem e organizam o meio em que se inserem, o conhecimento sobre o mundo e a orientação da sua atenção para determinados temas e ainda a sua capacidade seletiva dos conteúdos dos media que chegam até si.
Apesar dos entendimentos iniciais, a investigação sobre esta matéria evoluiu, ficando marcada por uma quarta fase que decorre no final dos anos 70, na qual os modelos até aqui desenvolvidos sobre os efeitos diretos, dão lugar a uma nova abordagem designada de “construtivismo social” (Gamson & Modigliani, 1989). Neste paradigma emergente dos efeitos, os media, por um lado, constroem a sua própria história, apresentando-a com imagens reais o que lhe confere credibilidade; por outro lado, destas histórias resultam a construção de significados criados pelos próprios recetores das mensagens, tendo em conta a sua visão particular da realidade e o seu enquadramento na sociedade e cultura.
Ainda assim, pouco tempo depois, Noelle-Neumann
no seu artigo intitulado “Return to the Concept of the Powerful Mass Media” publicado em 1973, à vista já das primeiras manifestações da “Agenda-Setting Function” e da evolução da investigação dos usos e gratificações encabeçada por Jay G. Blumler, anunciava já a consolidação da mudança definitiva de orientação nos estudos sobre os efeitos de comunicação de massas: os efeitos relativos à distribuição dos conhecimentos coletivos passavam a centralizar este sector da investigação comunicativa (Saperas, 1987, p. 28).
É com McCombs e Shaw em 1972 que o conceito de agenda-setting ganhou forma e passa a ser empiricamente investigado nos Estados Unidos. A teoria do agendamento (ou agenda-setting) surgiu durante uma campanha eleitoral quando se constatou a existência de uma relação importante entre os assuntos tratados pelos media e os eleitores. Esta teoria mais não é do que a composição e formação da agenda dos media, criada através de uma seleção de informação por relevância de temáticas, assim como os meios de comunicação para difusão e tempo de permanência da mesma como noticia. A base da agenda-setting passa por: (i) Destacar determinados temas, acontecimentos e pessoas com interesse para a notícia em prol de outros; (ii) Selecionar assuntos e ignorar outros; (iii) Construir enquadramentos positivos e negativos sobre temáticas.
De forma simplificada, McCombs e Shaw (1972) concluíram que aquilo que os meios de comunicação noticiavam exercia uma influência significativa sobre o que a audiência/público considerava como sendo os temas de relevância. Segundo Rogers (1994), os estudos sobre a formação da agenda-setting elegem como variável dependente a relevância que determinados temas assumem para o público em geral e procuram encontrar explicações que justifiquem as variações nesse grau de importância.
Em consequência da ação dos jornais, da televisão e dos outros meios de informação, o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligencia elementos específicos dos cenários públicos. As pessoas têm tendência para incluir ou excluir dos seus próprios conhecimentos aquilo que os media incluem ou excluem do seu próprio conteúdo. Além disso, o público tende a atribuir àquilo que esse conteúdo inclui, uma importância que reflete de perto a ênfase atribuída pelos media aos acontecimentos, aos problemas, às pessoas (Shaw, 1979, p. 96).
Considerada como um segundo nível da agenda-setting, a teoria do enquadramento (ou framing) foi uma das teorias mais abordadas nos estudos da comunicação nas últimas décadas do século XX e nos primeiros anos do século XXI (Van Gorp, 2007; Weaver, 2007). Esta teoria diz respeito à interpretação do que as audiências fazem em relação à cobertura mediática dos acontecimentos, isto é, a forma como determinados assuntos que foram previamente agendados (agenda-setting) podem ser pensados. Por outras palavras, esta teoria não pretende vir destacar um assunto em relação a outro, nem de incutir nas audiências o que pensar, trata-se sim de dizer às audiências como pensar (Mangana, Piñeiro-Naval & Morais, 2021). Neste sentido, como acrescenta Correia (2016), o efeito de framing “não se refere tanto a diferenças sobre o que é comunicado, mas sim a variações sobre o modo que a informação é apresentada ou enquadrada e percecionada no discurso público” (Correia, 2016, p. 7). Apesar de interligados, a teoria de framing distingue-se da teoria de agenda-setting por ser definido como um efeito secundário do agendamento, constituindo uma interpretação limitada do conceito uma vez que, segundo Kim, Scheufele e Shanahan (2002), enquadrar é considerado mais do que simplesmente realçar um determinado assunto em relação a outros. A noção de enquadramento de acordo com Entman (1993) passa, por selecionar certos aspetos da realidade percebida no texto da comunicação por forma a promover a definição particular de um problema, de uma interpretação causal, de uma avaliação moral, e/ou a recomendação de tratamento para o tema descrito (Entman, 1993, p. 53).
Foi a partir da investigação de Entman (1993) em “Framing: toward a clarification of a fractured paradigm”, que vários autores como D’Angelo (2002), Reese (2007), Scheufele (2000) tentaram clarificar e fortalecer o paradigma, ao mesmo tempo que o afastam de outras teorias semelhantes pelas suas múltiplas nuances que lhe permitem destaque em qualquer nível de comunicação. Para Goffman (1986) os frames são quadros de experiência que definem premissas da ação e são, deste modo, representações mentais que “auxiliam o seu utilizador a localizar, perceber, identificar e classificar um número infinito de ocorrências aparentemente semelhantes” (Goffman, 1986, p. 21).
Nos estudos empíricos de Elenbaas, Boomgaarden, Schuck e Vreese (2013) ficou demonstrado que os distintos enquadramentos sobre um mesmo tema estão relacionados com as mudanças de atitudes por parte das pessoas.
Este entendimento de que os enquadramentos noticiosos são dotados de valências próprias, constituiu um importante contributo para o desenvolvimento da teoria e realça a importância de se estudarem as “molduras” construídas pelos media, uma vez que elas antecedem a própria compreensão e interpretação que os indivíduos fazem sobre as diferentes temáticas (Mangana et al., 2021, p. 245).
Pretendemos até aqui apresentar uma breve contextualização dos principais modelos teóricos e metodológicos que fundamentam os efeitos da comunicação de massa. Consideramos não só a sua evolução cronológica mas também o respetivo contexto social, histórico e económico da sociedade em que se inserem. Percebemos que os primeiros estudos defendiam que os media tinham o poder de persuasão através da emissão de mensagens recebidas pela audiência (estímulo), que geravam respostas diretas e imediatas. Numa segunda fase da investigação foi afastada a ideia da influência resultante da causa direta entre o estímulo e a resposta, direcionando agora as atenções para a existência de variados fatores que, juntamente com o conteúdo da mensagem, podem originar efeitos sobre as audiências. Ultrapassadas as teorias focadas na reação imediata das pessoas às mensagens, existiu, segundo DeFleur e Ball-Rokeach (1993), a necessidade de desenvolver processos que identificassem, avaliassem e interpretassem as consequências a longo prazo de diferentes sistemas de comunicação. “A transição dos efeitos limitados para os efeitos com consequências a longo prazo foi fruto da consciência de que as comunicações não intervêm diretamente no comportamento explícito somente, mas têm a tendência de influenciar o modo como o destinatário organiza a própria imagem do ambiente” (Roberts apudWolf, 2005, p. 138).
PARA QUE SERVEM OS MEDIA?
Paralelamente à investigação dos efeitos dos media nas audiências, surge reforçada nas décadas de 70 e 80 por Blumler e Katz (1974), a Teoria dos Usos e Gratificações. Esta Teoria pretendia identificar o que as pessoas fazem com os media e não o que os media fazem com as pessoas. Contrariamente às Teorias dos efeitos abordadas anteriormente, esta perspetiva distingue-se pelo seu ponto de partida de observação da comunicação de massas ser a audiência (recetor) e não o emissor da mensagem. Segundo Blumler e Katz (1974) a Teoria dos Usos e Gratificações assenta nos seguintes pressupostos básicos: (i) Audiência ativa com utilização dos media com propósitos específicos e determinados; (ii) Um membro da audiência deter a possibilidade de disseminar a necessidade da gratificação; (iii) Os media competem com outras fontes a possibilidade de satisfazer o público; (iv) O público tem consciência suficiente do uso que dão aos media, dos seus interesses e motivos; (v) Somente a audiência está apta a produzir um juízo de valor sobre os conteúdos dos media.
Este modelo dos Usos e Gratificações descreve a necessidade como ponto de partida da ação, isto é, pretende perceber os motivos que podem levar ao consumo dos media, como forma de satisfação das suas necessidades. Autores como McQuail e Windahl (1993) e Rosengren (1974) salientam que um motivo para o uso de determinado conteúdo de um dado meio de comunicação de massas, é a procura da respetiva gratificação que, também ela passa a estar incorporada tanto na estrutura social, como nas características individuais, constituindo indiretamente, um efeito do uso desses media. Neste sentido, Katz, Blumler e Gurevitch (1973, pp. 20), consideram que os media tentam cumprir com a satisfação de: (i) Necessidades cognitivas na medida em que permitem um confronto com outros elementos relativos a temáticas que os rodeia; (ii) Necessidades afetivas e estéticas, garantindo a dignidade e a utilidade do seu papel social; (iii) Necessidades de integração ao nível social, fornecendo bases culturais para a ascensão social; (iv) Necessidades de integração ao nível da personalidade, com a obtenção de informações relevantes e conselhos para a vida quotidiana; (v) Necessidades de evasão, enquadrando devidamente o seu dia-a-dia.
McQuail (2003) acrescenta ainda que a procura na satisfação de necessidades resume-se ao que se designa de tipologias de interação entre os media e os indivíduos, dividindo-as em quatro grandes grupos: (i) Diversão (na procura de formas de sair da rotina e dos problemas); (ii) Relações pessoais (na procura de companhia); (iii) Identidade pessoal (na procura de referências próprias e reforço dos valores) e (iv) Segurança (na procura de informação). Estas tipologias acabam por resumir muitos outros pontos pertencentes à complexa teia das motivações, ou gratificações procuradas, através do uso dos media. Este modelo dos Usos e Gratificações, apesar de ter sofrido algumas alterações e melhorias ao longo do tempo, atingiu o seu auge de influência nas décadas de 70 e 80, continuando a sua evolução até ao segundo milénio (Ruggiero, 2000).
Considerando as fases dos estudos dos efeitos aqui abordadas, constatamos que “há aqueles que refletem uma exposição às mensagens gradual e cumulativa; aqueles que ocorrem no contexto imediato da exposição da mensagem e aqueles relacionados com o uso, interpretação e resposta das audiências” (Oliver, Wooley & Limperos, 2013, p. 411). Recordando as quatro fases anteriormente descritas relativas aos estudos dos efeitos, importa realçar a existência das seguintes três grandes classes de efeitos: “aqueles que refletem uma exposição gradual e cumulativa às mensagens; aqueles que ocorrem no contexto imediato de exposição; e aqueles relacionados com o uso, interpretação e resposta das audiências” (Oliver et al., 2013, p. 411). A partir deste resumo sobre o que foram os estudos dos efeitos, Karl Erik Rosengren (1994, p. 21) acrescenta que “os efeitos do uso individual dos media podem não ser especialmente fortes, mas uma vez que são muitos, variados, generalizados e duradouros, têm que ser considerados importantes”.
Assim, como vamos verificar mais à frente neste documento, os media dirigem-se cada vez mais a uma multiplicidade de públicos fragmentados, com interesses, hábitos e gostos distintos, cuja constituição deixou obrigatoriamente de considerar a geografia como um principal fator agregador.
MEDIA, DESPORTO E FUTEBOL: A RELAÇÃO
A relação da imprensa com o desporto iniciou-se nos finais do século XIX com o renascimento da antiga tradição dos Jogos Olímpicos em 1896 (Preuss & Liese, 2011). Contudo, “o papel dos media sempre foi fundamental para impulsionar qualquer atividade desportiva” (Gulam, 2016, p. 51), Se por um lado, o desporto influencia a educação, as práticas sociais e até a construção de identidades e valores culturais dos indivíduos; por outro lado, os media produzem, reproduzem e divulgam informações, criam e transmitem eventos, fornecendo ao público uma oportunidade para estruturar o seu conhecimento e compreender o seu valor.
Atualmente, a estreita interação entre os media e o desporto são indispensáveis. Com uma relação de complementaridade, o desporto precisa da publicidade e da projeção dos media para chegar às massas, ao maior número de população possível; enquanto os media se alimentam de notícias fornecidas pelas diferentes modalidades desportivas (Gulam, 2016, p. 51).
Crolley e Hand (2006) mencionam que uma das grandes responsabilidades da imprensa desportiva, passa por transformar a realidade complexa e multifacetada de um jogo de futebol, num texto escrito, facilmente compreensível e estruturalmente simples para qualquer leitor.
O futebol desenvolveu-se ao longo dos anos como um negócio sólido numa indústria de entretenimento tendo os media, um papel fundamental nesse crescimento. O futebol é uma daquelas formas de cultura que tem sido sujeita a “mediação” (Billings, Fei, Lindsey & Tie, 2015) e “mediatização” (Boyle, 2017), processos através dos quais se tornou parte do sistema dos media (Horne, 2006) e tornou a natureza desta relação efémera (Billings et al., 2015).
Como a modalidade desportiva “mais praticada e difundida pelos media, o futebol transformou-se num veículo de expressão de identidade na nossa sociedade, quer para quem o pratica, quer para quem a ele assiste” (Cardoso, Xavier & Cardoso, 2007, p. 120). Mais do que o jogo realizado entre as quatro linhas (Penn, 2016; Quintela, 2020), mais do que a parte que é visível, há um conjunto de outras dimensões sejam elas políticas, económicas ou sociais (Daniel, 2016; Marivoet, 2009; Quintela, 2020), que lhe dão corpo e projeção (Ginesta, 2009; Quintela, 2020; Wagg, 2007).
Sobre a relação do futebol com os media, Lash e Lury (2007) referem que o jogo de futebol se tornou um instrumento de comunicação de massa dada a interação ativa existente entre o jogo e o público. As grandes competições desportivas são agora espetáculos de media à escala global (Maguire, 2005). É assim fácil de entender, que os media não só constroem a realidade, como também exercem o seu contributo sobre o seu público na definição da perceção da informação e interpretação de cada um. A cobertura mediática é essencial para a própria visibilidade desportiva, possibilitando a ambos um negócio lucrativo. Ao transmitirem o conhecimento, o espetador recebe todas as informações através dos media, mesmo sem participação direta nos eventos relatados.
Assim, o futebol e os media estabelecem uma interdependência num relacionamento de interesse comum que mantêm desde há muito tempo, permitindo a ambos colher frutos dessa mesma complementaridade (Evens, Iosifidis & Smith, 2013). Como referem Real e Mechikof (1992) trata-se de uma associação feita de relacionamentos, uma coexistência onde ambas as partes beneficiam. A história mostra-nos que o duplo sentido desta controversa e indissociável relação, mantém já uma longa duração (Bourg & Gouguet, 2005) que não depende só dos media.
No entanto, ao falarmos da relação simbiótica entre os media e o futebol, não podemos esquecer o papel dos novos media e da internet. Muito mais que tecnologia, trata-se de um conjunto de práticas sociais associadas a uma a uma dada experiência (Cardoso, 2013), que em conjunto com os restantes meios (televisão, rádio e jornais) se torna uma poderosa ferramenta de reconstrução social. A internet para além de permitir um elevado nível de interconexão e interatividade (Jarvie, 2006) permite aos media comunicar e informar de forma praticamente ilimitada (Oliveira, 2017), e em conjunto com a web e as redes sociais, representam o conjunto mais abrangente de mudanças no complexo cultural dos meios de comunicação social, colocando a ênfase do desporto na sua organização em rede (Hutchins & Rowe, 2012).
Correia (2000) destacou, a influência que os media exercem direta e indiretamente sobre o conhecimento, pensamento, comportamento e atuação dos seus leitores. Em Portugal, foram publicadas 589.407 notícias sobre futebol num período compreendido entre 1 de Janeiro e 30 de Novembro de 2018 (Cision, 2018) bem como, as rádios e televisões lhe dedicaram 14.550 horas de emissão nas quais não se incluem as transmissões de jogos. Destacam-se também as inúmeras páginas nas redes sociais, sites e blogs dedicados ao futebol (Gouveia & Cardoso, 2019; Kumar, 2009). Vemos então que a comunicação é fundamental na atividade dos grandes clubes de futebol, transversal nas sociedades contemporâneas, e está presente no quotidiano de milhões de pessoas.
Neste percurso de interação surgem como atores principais deste fenómeno os jogadores, treinadores e assessores de comunicação, os quais deixaram de ter o seu papel de maior descrição e anonimato, assumindo-se como protagonistas, naquilo que pode ser considerado um complexo sistema de relações e interesses, como é o “mundo do futebol” (Pinheiro, 2011). A evolução deste fenómeno levou as organizações desportivas a criar sistemas de comunicação mais sofisticados que ao conhecerem mutações (Olabe, 2009) e uma maior centralidade na sociedade (Coelho & Tiesler, 2006; Moragas, 2012), se adaptaram e conseguiram acompanhar os novos desafios (Moragas, 2012). Este mundo mediatizado, marcado pela presença dos media nos clubes (Tench, Verčič, Zerfass, Moreno & Verhoeven, 2017) onde a perceção ganha força de realidade, tanto para quem assiste aos fenómenos como para aqueles que neles intervêm (Quintela, 2006).
Embora esta relação simbiótica entre o futebol e os media remonte ao final do século XIX, “tudo indica que este casamento duradoiro continuará a evoluir no padrão atual” (McChesney, 1989, p. 67).
Apesar de existirem alguns estudos científicos sobre esta temática, consideramos que a pesquisa não tem acompanhado a proporção que este fenómeno exige e tem evidenciando.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para a compreensão sobre os efeitos dos media, verificamos que as teorias descritas adotam perspetivas temporais de análise, focos e intensidades diferentes. Ainda assim, permitem-nos traçar alguns pontos em comum. Em todo o caso percebemos que as perspetivas que adotam períodos de análise de efeitos mais longos, tendem a realçar as caraterísticas estruturais, enquanto as que adotam perspetivas de análise de efeitos mais curtas, tendem a realçar as características individuais dos recetores das mensagens, o que pode significar a existência de efeitos dos media indiretos em recetores que não estão diretamente expostos.
Na verdade, verificamos a existência de algumas oscilações no que diz respeito à importância atribuída entre os efeitos dos media e a autonomia do recetor da mensagem, designadamente na sua capacidade de seleção dos conteúdos que lhe chegam direta ou indiretamente. Complementarmente, percebemos que as teorias apresentadas caminham no sentido de associar aos efeitos dos média um conjunto de fatores (motivações, necessidades, circunstâncias especificas, contexto social…) que consciente ou inconscientemente determinam os comportamentos de quem está exposto às mensagens.
A literatura consultada parece ainda sugerir que os efeitos dos media podem não ser considerados fortes, mas uma vez que são muito variados, generalizados e duradouros, têm de ser ponderados quanto à sua importância individual. Com efeito, julgamos pertinente aprofundar as teorias dos efeitos sobre as audiências aplicada ao desporto, seguindo um desenho experimental que permita reconhecer o poder dos media como fator intencional ou de influência recíproca sobre os recetores das mensagens. Neste, como em outro qualquer contexto especifico, será importante ter em conta uma infinidade de fatores socio-económicos e culturais mas também considerar o atleta enquanto uma audiência ativa, livre, e apta a produzir juízos de valor sobre os conteúdos mediáticos que conscientemente consume.
De qualquer modo, tratando-se de uma tradição de longos anos, e independentemente do campo de aplicação, os estudos sobre os efeitos da comunicação de massas continuam atuais e “não se vai extinguir facilmente a crença nas consequências cruciais do curto prazo, bem como nas mais profundas e de longo prazo” (McQuail, 2003, p. 423). Segundo autores como Patti Valkenburg e Jochen Peter (2013), continua em aberto para o futuro as seguintes questões: “que tipo de comunicação, em que tipo de assuntos, trazidos à atenção de que tipo de pessoas, sob que tipo de condições produzem que tipo de efeitos?”.