INTRODUÇÃO
O voleibol de praia é um esporte complexo jogado em duplas (Medeiros, Marcelino, Mesquita, & Palao, 2014), em que os atletas executam predominantemente habilidades abertas [i.e., ambiente imprevisível (Chiu, Chen, & Muggleton, 2017)]. Neste sentido, é esperado que o desempenho final de um jogo seja explicado por diversos fatores. Por exemplo, Bangsbo (2015), propôs o “modelo holístico dos determinantes do desempenho esportivo”, em que o autor sugere a tática, a técnica, o físico e fatores psicológico/social como os pilares para o desempenho. Além disso, é proposto que os elementos chave em cada dimensão devem ser conhecidos, com a finalidade de aumentar as chances de sucesso (Bangsbo, 2015).
No caso específico do voleibol de praia, diversas pesquisas foram realizadas para lançar luz sobre os parâmetros físicos e técnico-táticos. Assim, o salto vertical mostrou-se como fator determinante do nível competitivo dos atletas (Batista, Araújo & Guerra, 2008), bem como umas das ações mais repetida nas competições (Giatsis, Pérez Turpin, & Hatzimanouil, 2020). Além disso, por meio da mensuração de parâmetros fisiológicos [i.e., frequência cardíaca e lactato (Magalhães, Inácio, Oliveira, Ribeiro, & Ascensão, 2011)] e temporais [i.e., duração do rally, razão esforço: pausa etc. (Costa et al., 2021, 2022)], sugeriu-se forte predominância aeróbica e anaeróbica alática (i.e., vias energéticas) durante os jogos.
Em relação a movimentação em quadra, investigou-se a direção (Cortell-Tormo, Pérez-Turpin, Chinchilla, Cejuela, & Suárez, 2011; Perez-Turpin, Cortell-Tormo, Suárez-Llorca, Chinchilla-Mira, & Cejuela-Anta, 2009) e distância percorrida (Bellinger, Newans, Whalen, & Minahan, 2021) pelos atletas em jogos oficiais, concluindo que a maioria dos movimentos são para frente e que em média ∼550 m são percorridos por jogo, respectivamente, no entanto, tais dados devem ser interpretados com cautela, já que há influência da categoria, nível competitivo e sexo. Acerca do desempenho técnico-tático, Koch & Tilp (2009), investigaram a associação entre as ações de jogo, e o percentual das técnicas utilizadas por atletas masculinos e femininos. Por outro lado, George e Panagiotis (2008), comparam o desempenho de vencedores e perdedores para encontrar indicadores de desempenho (i.e., variável que discrimina vencedores e perdedores), sendo posteriormente realizado trabalho semelhante por Medeiros, Marcelino, Mesquita e Palao (2017), ampliando a quantidade de categorias investigadas, denotando maior robusto ao trabalho.
No entanto, fator psicológico/social foi bastante negligenciado nas pesquisas com atletas de voleibol de praia. Nesta direção, foram realizados estudos com estresse (Ferreira et al., 2013; Stefanello, 2007), ansiedade (Costa, Fernandes, Silva, & Batista, 2020) e relação treinador-atleta (Oliveira, Sousa, Batista, & Novaes, 2009). Porém, apenas o estudo de Costa et al. (2020), utilizou um desenho de pesquisa no sentido de investigar indicadores de desempenho psicológicos. Brevemente, os autores reportaram que a confiança na vitória e ansiedade cognitiva como fatores determinantes para o resultado do jogo (Costa et al., 2020), expondo a importância de considerar variáveis dessa natureza. Nesta perspectiva, o humor ou estado de ânimo destaca-se por tentar sinalizar a prontidão do atleta para realização de tarefas, definido por Vieira, Luders Fernandes, Lopes Vieira e Nickenig Vissoci (2008), como “o tônus afetivo do indivíduo, que modifica a forma de percepção das experiências reais, ampliando ou reduzindo o impacto destas”.
Neste sentido, pesquisadores tem utilizado instrumentos psicométricos para verificar o humor. O “Profile of Mood State” (POMS) e “Escala de Humor de Brunel” (BRUMS) (Rohlfs, Carvalho, Rotta, & Krebs, 2004; Rohlfs et al., 2008), são exemplo de questionários utilizados para essa finalidade, principalmente em razão da fácil aplicabilidade e baixa onerosidade. O humor é geralmente caracterizado utilizando cinco subescalas (dimensões), sendo: tensão, depressão, raiva, vigor, fadiga e confusão (Rohlfs et al., 2004; Rohlfs et al., 2008). Adicionalmente, a “Perturbação Total de Humor” pode ser calculada, bem como observado o perfil visualmente. Nesta lógica, relaciona-se o perfil “icerberg” (i.e., alto vigor e as demais dimensões baixas) como estado psicológico positivo (Rowley, Landers, Kyllo, & Etnier, 1995). Para mais, frequentemente o instrumento apresenta boa confiabilidade interna. Hoover et al. (2017) identificou um alcance 0,73 – 0,97, no nosso estudo foi de 0,50 – 0,86 e média de 0,77± 0,13.
Estudos realizados em contexto esportivo revelaram modificações no estado de humor para vários desfechos. Por exemplo, Fortes, Ferreira, Oliveira e Vieira (2017), apontaram aumento no vigor e diminuição da raiva, fadiga e depressão após período de tapering com nadadores. Já atletas de basquete alteraram os níveis de confusão frente a diferentes níveis de desafio esportivo (Hoover et al., 2017), semelhante a atletas femininas de voleibol (Vieira et al., 2008). Finalmente, o resultado do jogo foi capaz de influenciar o humor, assim, atletas de voleibol feminino reportaram tensão, raiva e confusão maior quando perdiam uma partida (Werneck, Ferreira, Polito, Coelho, & Pereira, 2019). Todavia, ainda não foi investigado se o estado de humor pré-competitivo pode discriminar o desempenho subsequente (i.e., vencer ou perder) de atletas de voleibol de praia. Tal parâmetro seria útil a técnicos e psicólogos uma vez que identificar a relação de estados psicológicos com desempenho são fundamentais para delinear intervenções que pretendem melhorar o rendimento esportivo.
Por conseguinte, o objetivo desse estudo foi comparar o estado de humor pré-competitivo de jovens atletas de voleibol de praia de acordo com o desempenho no jogo. Diante disso, adotou-se a seguinte hipótese: os vencedores têm maior vigor e menores níveis das demais dimensões (tensão, depressão, raiva, fadiga e confusão). Na prática, os resultados desse estudo podem contribuir para intervenções psicológicas que objetivem adequar as emoções a um estado ótimo para competir no voleibol de praia.
MÉTODO
Essa pesquisa se caracteriza como observacional, quantitativa, de campo e prospectiva (Fontelles, Simões, Farias, & Fontelles, 2009), visto que os pesquisadores não interferiram diretamente no fenômeno, utilizaram variáveis numéricas e procedimentos regidos pelos pressupostos estatísticos, coletaram os dados diretamente no local habitual de atuação dos participantes, e ao expor os atletas ao mesmo fator (competição esportiva) verificou-se o efeito no desfecho subsequente (desempenho esportivo: vencer ou perder).
Participantes
O estudo teve a participação de 16 jovens atletas masculinos de voleibol de praia, com 17± 2,44 anos de idade, que treinavam 4± 1,20 dias por semana em dois centros de treinamento em cidade referência no esporte (João Pessoa – PB). Todos já haviam competido no circuito nacional, eram os 16 melhores atletas de acordo com o ranking Estadual, e estavam no período competitivo em relação ao calendário esportivo. Os procedimentos utilizados foram previamente aprovados pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos do Centro de Ciências Médicas (CCM/UFPB), parecer n° 2.251.594.
Os atletas foram convidados a participar de forma voluntária e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Já os atletas com idade inferior a 18 anos, tiveram sua participação autorizada pelo responsável legal por meio do TCLE e assinaram propriamente o Termo de Assentimento (TA), sendo todos os termos produzidos em acordo com a Declaração de Helsinki.
Procedimentos
A Figura 1 apresenta o desenho do estudo. Todos os atletas realizaram um jogo simulado, com seus parceiros habituais, sendo recomendado 24 h sem realizar exercícios físicos independente da natureza. Os confrontos foram pareados por sorteio e disputados em quadras oficiais, utilizando três bolas Mikasa® VLS 300. Um árbitro com experiência em competições regionais e nacionais era responsável pelo controle dos jogos. As condições climáticas foram semelhantes (temperatura= ∼30°C). Todos os jogos foram iniciados as 15 h e os vencedores recebiam uma premiação (material esportivo), com a premissa de garantir máximo empenho. Além disso, com antecedência de 30 minutos para início dos jogos, os atletas respondiam ao Perfil de Estados do Humor (POMS), em local reservado, sem a interferência dos demais atletas.
Instrumentos e variávies
Desempenho no jogo
O desempenho no jogo foi utilizado para determinar o grupo vencedores e perdedores. A dupla que vencesse 2 sets, era declarada vencedora, em acordo com as regras oficiais (Federação Internacional de Voleibol, 2017).
Estado de humor
O estado de humor foi aferido pelo instrumento POMS, versão brasileira (Peluso, 2003). O instrumento é de auto-relato e apresenta 65 itens, subdivididos nas dimensões (subescalas): Tensão, Depressão, Raiva, Vigor, Fadiga e Confusão. Além disso, ainda se calculou a Perturbação Total de Humor (PTH), pela soma dos fatores, exceto pelo vigor, pontuado negativamente, com variação entre -36 e 200. As respostas eram dadas por meio de uma escala Likert de 5 pontos (0= nada; 1= um pouco; 2= mais ou menos; 3= bastante; 4= extremamente). Realizou-se a análise da consistência interna por meio do coeficiente alpha de Cronbach padronizado [alpha= 0,955 (alpha por dimensão= Tensão: 0,741; Depressão: 0,886; Raiva: 0,780; Vigor: 0,708; Fadiga: 0,798; Confusão: 0,508)].
Análise estatística
Os dados foram caracterizados como não-paramétricos (mediante a teste de Shapiro-Wilk). Assim, foram apresentados por mediana e intervalo interquartis (IQR). Para comparar os domínios do Estado de Humor entre vencedores e perdedores utilizou-se o teste U de Mann-Whitney. Além disso, apresentou-se o tamanho do efeito intergrupos por meio do “d” de Cohen calculado utilizando o escore z e transformação do eta quadrado (Cohen, 1988; Fritz, Morris, & Richler, 2012; Lenhard & Lenhard, 2016). Adicionalmente, os escores que se mostraram significativamente diferentes foram correlacionados ao desempenho no jogo (vencer / perder), por meio do coeficiente de correlação bisserial por ponto (Tau de Kendall - “т”) e determinação (т-quadrado – “т2”). As análises foram realizadas utilizando o software IBM Corp. 2011 (Armonk, NY: IBM Corp.), adotando significância de 5%.
RESULTADOS
A Figura 2 apresenta o perfil de Estado de Humor estratificado pelo resultado do jogo. Observa-se que independente do resultado, ambos os grupos de atletas apresentaram um perfil iceberg.
Ao comparar os escores (Tabela 1), verificou-se diferença estatisticamente significante apenas na dimensão “confusão” (Vencedor= 2,00 Vs. 5,50; p= 0,043; d= 1,151), com coeficiente de correlação т= 0,457 (p= 0,043) e т2= 0,208, ou seja, essa subescala explicou ∼20% a variação no resultado (i.e., vencer ou perder).
Vencedor Mediana (IQR) | Perdedor Mediana (IQR) | U | p | TE(d) | |
---|---|---|---|---|---|
Tensão | 8,00 (7,00) | 11,00 (6,00) | 21,500 | 0,286 | 0,574 |
Depressão | 0,00 (8,00) | 4,00 (7,00) | 22,500 | 0,309 | 0,515 |
Raiva | 5,00 (12,00) | 5,00 (11,00) | 27,000 | 0,644 | 0,265 |
Vigor | 18,50 (8,00) | 17,50 (6,00) | 30,000 | 0,861 | 0,105 |
Fadiga | 5,50 (7,00) | 3,00 (12,00) | 30,500 | 0,901 | 0,079 |
Confusão | 2,00 (4,00) | 5,50 (4,00) | 13,000 | 0,043* | 1,151 |
PTH | 6,50 (22,00) | 12,00 (25,00) | 23,000 | 0,392 | 0,486 |
PTH: Perturbação Total de Humor; IQR: intervalo interquartis; TE: tamanho de efeito;
*p≤ 0,05.
DISCUSSÃO
O presente estudo comparou o estado de humor pré-competitivo de atletas de voleibol de praia em função do desempenho no jogo. De modo geral, o estado de humor 30 minutos antes da partida era semelhante entre vencedores e perdedores, inclusive observou-se um perfil caracterizado como “icerberg” em ambos os grupos. Assim a hipótese inicial foi descartada, já que apontava uma diferença entre todas as dimensões. Contudo, a subescala “confusão” parece explicar em partes o resultado de uma partida de voleibol de praia, sendo o principal indicador de desempenho psicológico encontrado nesse estudo.
De modo geral, o perfil “iceberg” sugere um estado físico e psicológico de prontidão para competir, acarretando melhor performance (Rowley et al., 1995). Neste sentido, alguns estudos identificaram esse perfil em atletas de diversas modalidades semelhantes aos nossos dados (ver Figura 2). Por exemplo, após um período de tapering, ou seja, fase do treinamento que antecede a competição, esse perfil foi identificado em atletas de natação (Fortes et al., 2017), e também observado em atletas de voleibol durante o treinamento e fases da competição (Vieira et al., 2008). Adicionalmente, em um estudo que investigou o estado de humor pré-competitivo 1h antes do início de uma partida de basquete, os resultados foram semelhantes (Leandro et al., 2018).
Portanto, o perfil de estado de humor analisado integralmente tem pouco poder discriminante do desempenho (Rowley et al., 1995). Além disso, Patrícia, Verardi, Filho e Merussi (2019), identificaram em atletas de ginástica artística, semelhança visual ao perfil “iceberg”, porém sem refletir boas condições de saúde mental, devido ao baixo vigor, descaracterizando-o. Assim, recomenda-se cautela ao analisar o perfil de estado de humor integralmente, além disso, é possível que modificações catastróficas a ponto de um perfil “iceberg invertido”, só seja observado em condições extremas. Desta forma, o poder descriminante das subescalas também foram analisadas separadamente, visto que parecem mais sensíveis como indicadores de desempenho.
Neste sentido, a subescala “confusão” foi o principal indicador de desempenho psicológico (d= 1,151), explicando 21% da variação entre vencer/perder. Em um estudo de revisão com metanálise que investigou a relação do humor com o desempenho, os autores reportaram as subescalas “vigor”, “confusão” e “depressão” com maior efeito, além de indicar importante impacto principalmente em modalidades de curta duração e de habilidades abertas (Beedie, Terry, & Lane, 2000). Neste sentido, o voleibol de praia apresenta exatamente essas características, já que a maioria das ações são abertas e a duração de um jogo é de ∼ 30 minutos (Costa et al., 2021, 2022).
A confusão mental costuma acarretar “estado de atordoamento, instabilidade das emoções” (Brandt, Viana, Segato, & Andrade, 2010), e no voleibol, modalidade semelhante ao voleibol de praia, em um investigação com vários atletas, observou-se que os vencedores apresentavam níveis mais baixos para essa subescala (Andrade, Bevilacqua, Coimbra, Pereira, & Brandt, 2016). Dessa maneira, é possível que aspectos cognitivos como controle emocional sejam importantes para o desempenho da tomada de decisão, dada a imprevisibilidade das ações de jogo (Medeiros et al., 2017; Palao & Ortega, 2015), logo essa condição 30 minutos antes do jogo (i.e., níveis altos de confusão), pode ter acarretado insegurança nos atletas levando a um desempenho subsequente insatisfatório. Vieira et al. (2008), sugeriram que as vitórias melhoraram a confiança de atletas de voleibol ao longo de uma competição, reduzindo o nível de confusão, sendo corroborado por Werneck et al. (2019), que reportou aumento da confusão após derrotas. Talvez, isso possa ser observado durante o jogo, por exemplo, ao vencer o primeiro set de uma partida. Infelizmente, nossos resultados são insuficientes para garantir que isso possa acontecer em atletas de voleibol de praia.
De modo prático, técnicos e psicólogos devem atuar para que os atletas apresentem o perfil “iceberg” antes das competições. Isso é importante pois sugere boas condições físicas e mentais para competir. Além disso, o direcionamento de intervenções psicológicas deve apontar para aumento da confiança dos atletas, com o objetivo de evitar níveis altos de confusão nos 30 minutos que antecedem uma partida de voleibol de praia, uma vez que isso pode influênciar o desempenho subsequente. Para mais, tais intervenções também podem considerar as subescalas de “tensão” e “depressão”, porque apesar de não demonstrarem diferença significativa, tiveram o tamanho de efeito importante (d= 0,574; d= 0,515).
Algumas limitações merecem ser destacadas. Primeiro, os atletas disputaram um único jogo e sem presença de torcida, talvez a fase (e.g, quartas de final, final), nível da competição (e.g. estadual, nacional ou internacional) e fatores contextuais interfiram no humor e no desempenho subsequente. Segundo, apesar do humor, principalmente a subescala “confusão”, terem se mostrado importantes para o resultado do jogo, o desempenho técnico-tático não foi analisado nesse estudo, não sendo possível responder a contribuição precisa de cada dimensão no desempenho. Finalmente, o humor foi mensurado 30 minutos antes do jogo, logo, estudos futuros podem investigar, além de fatores contextuais e associação entre humor e desempenho técnico-tático, quanto tempo antes de um jogo o perfil de humor pode influenciar no resultado.
CONCLUSÕES
Em conclusão, os atletas, independentes do resultado, apresentam o perfil de humor “iceberg” 30 minutos antes do jogo. Além disso, a subescala “confusão” foi o principal indicador de performance psicológico identificado, explicando ∼20% a variação entre vencer e perder. Portanto, intervenções psicológicas devem direcionar-se a aumentar a confiança dos atletas, a fim de evitar níveis alto de confusão nos minutos que antecedem o início de um jogo de voleibol de praia.