INTRODUÇÃO
A ausência de uma estratégia para o desenvolvimento desportivo, bem como a criação de instrumentos públicos que permitam mitigar as necessidades crónicas do desporto em Portugal tem sido alguns dos temas mais debatidos nas últimas décadas (Dias, 2021; Pires & Lopes, 2001; Teixeira & Ribeiro, 2016).
Entre os diferentes tópicos abrangidos destacam-se sobretudo três: as responsabilidades do poder político central e local no financiamento e apoio à atividade desportiva: a disfuncional estrutura organizacional que enquadra as entidades e organismos públicos que tutelam o desporto e demais agentes desportivos; e por último, a contínua ausência de um planeamento estratégico para o desenvolvimento sustentado do desporto em termos nacionais, regionais e locais (Dias, 2021; Pereira, 2012; Pires & Lopes, 2001; Sesinando, Urbaneja, & Teixeira, 2022; Teixeira & Ribeiro, 2016; Teixeira, Ribeiro, & Correia, 2014).
A evidência científica produzida através de diversos estudos reforça cada vez mais a importância de uma promoção efetiva e sustentável do desporto, alicerçada no aumento dos índices de prática de atividade física e desportiva, assim como na adoção de hábitos e comportamentos mais saudáveis (Malm, Jakobsson, & Isaksson, 2019; Picamilho, Saragoça, & Teixeira, 2021; Rowe, Shilbury, Ferkins, & Hinckson, 2013; Schulenkorf & Siefken, 2019; Teixeira, Júnior, & Sesinando, 2023).
Nesse sentido, é imperativo que se continue a aprofundar o conhecimento científico sobre gestão do desporto, quer em relação à caracterização e análise das diferentes tipologias de organização desportiva previstas na lei orgânica nacional, quer em relação a medidas políticas e instrumentos públicos disponíveis que promovam o desenvolvimento desportivo (Figueira & Teixeira, 2021; Santos, F. et al., 2021; Sesinando & Teixeira, 2022; Soares, Antunes, Bárbara, Escórcio, & Saldanha, 2016; Teixeira, 2019).
Numa breve contextualização histórica, importa mencionar que apesar de terem existido algumas medidas políticas e normativas no âmbito do desporto durante o período da ditadura em Portugal, foi sobretudo após a revolução de 25 de Abril de 1974 que se começou efetivamente a olhar com maior relevância para o papel do desporto na sociedade (Moreira & Fonseca, 2022). A inclusão enquanto direito constitucional, permitiu alavancar uma reformulação estrutural na adoção de medidas de política pública que estimularam e promoveram uma rápida e acentuada modernização e desenvolvimento do desporto sob diferentes perspetivas, ao mesmo tempo que reforçou o desporto enquanto direito fundamental e de acesso a todos os cidadãos sem exceção (Moreira & Fonseca, 2022; Sesinando et al., 2022).
Mais tarde, e decorrente do processo de integração de Portugal no projeto europeu, a aceitação e adoção do ideal de um “Desporto para Todos” veio igualmente reforçar a importância do desporto (Szatkowski, 2022), bem como da obrigatoriedade de implementação de medidas políticas pelos governos nacionais de cada Estado-membro que, entre diversas medidas e instrumentos políticos (Fernandes, Tenreiro, Quaresma, & Maçãs, 2011; Christiansen, Kahlmeier, & Racioppi, 2014), consistiram sobretudo na construção de equipamentos desportivos de diferentes tipologias, promoção de programas desportivos para a população e grupos específicos, e na necessária profissionalização de recursos humanos ligados ao desporto e às organizações desportivas (Meirim, 2007; Pires & Lopes, 2001; Sesinando & Teixeira, 2022; Teixeira & Ribeiro, 2016).
De acordo com o enquadramento legal vigente em Portugal, o Estado Central intervém enquanto principal responsável pela promoção de medidas e instrumentos de política pública que visam contribuir para o desenvolvimento desportivo aos mais diversos níveis (Fernandes et al., 2011; Sesinando et al., 2022). Este delega, posteriormente no Poder Local, através da Lei 75/2013, de 12 de setembro, um conjunto de atribuições e competências para atuar enquanto seu representante e parceiro privilegiado junto da população (Rodrigues, 2015; Sesinando, Urbaneja, & Teixeira, 2023).
Esta transferência de poderes, colocou os municípios no centro do desenvolvimento da atividade desportiva local e regional, possuindo particulares responsabilidades na adoção e aplicação de políticas públicas locais que respondessem às necessidades das populações, ao mesmo tempo que promoviam maior proximidade da população à prática de atividade física e desportiva (Azevedo, Eira, & Laranjeira, 2021; Figueira, Menezes, & Teixeira, 2022; Sesinando et al., 2022).
Nesse sentido, e estando identificada a importância dos municípios enquanto principal agente promotor do desenvolvimento público do desporto, iniciou-se um processo profundo de desenvolvimento local em diversas regiões do país com especial ênfase no início da década de 1980 (Moreira & Fonseca, 2022). Esta nova orientação política e desportiva visava sobretudo modernizar o país ao nível da construção de espaços e instalações desportivas que promovessem o acesso à prática desportiva diversa a todos os cidadãos, tendencialmente gratuita, através de uma oferta adaptada a cada contexto e respeitando o princípio da otimização dos recursos públicos disponíveis (Pereira, 2012).
Todavia, a intenção política de criar condições para o desenvolvimento do desporto teve de se adaptar às assimetrias regionais existentes, assim como à necessidade de controlo da divida pública (Rodrigues, 2017; Santos, Carvalho, & Santos, 2020).
Com base nessa premissa, foram criados diversos instrumentos legais que permitissem aos municípios atuar em cada contexto específico. Uma vez aplicados, tinham como principal objetivo reduzir essas assimetrias, ao mesmo tempo que promoviam o desenvolvimento local de forma eficiente e eficaz (Almeida, 2018; Teixeira et al., 2014). Um desses instrumentos legais deu origem à criação da figura jurídica das Empresas Municipais (EM), como foram o caso das Empresas Municipais de Desporto (EMD), tendo como finalidade melhorar a eficiência da gestão e controlo da despesa pública, assim como garantir e promover a qualidade dos serviços prestados à população (Amorim, 2000; Carvalho, Moura, & Oliveira, 2009).
A criação destas empresas surge alicerçada na restruturação do sector público do Estado, muito influenciada pelas reformas da Nova Gestão Pública, que previam fortalecer e adaptar as instituições públicas às necessidades de tempos mais modernos e exigentes (Hammerschmid, Walle, Andrews, & Mostafa, 2019; Reiter & Klenk, 2018). De acordo com a Lei n.° 53-F/2006, de 29 dezembro, entende-se por empresa local a sociedade constituída nos termos da legislação em vigor da lei comercial, dotada de personalidade jurídica com autonomia administrativa, financeira e patrimonial (Carvalho et al., 2009). Estas empresas podiam distinguir-se como sendo: Empresa Municipal (EM) quando sob a responsabilidade de um único município; Empresa Intermunicipal (EIM) quando constituída por pelo menos dois municípios; e por último, Empresa Metropolitana quando inserida numa região designada por área metropolitana.
A sua constituição individual por iniciativa dos municípios visou essencialmente criar condições para flexibilizar os procedimentos e práticas de atuação (Gonçalves, 2007), que no caso das Empresas Municiais de Desporto, incluía principalmente a gestão corrente dos espaços e instalações desportivas, o apoio ao associativismo desportivo, assim como a promoção e planeamento de iniciativas e/ou programas/eventos de carácter desportivo.
Este instrumento permitiu não só desburocratizar procedimentos associados à necessidade de realizar despesa pública corrente, sobretudo na construção de novo edificado desportivo, assim como para uma regular gestão de serviços municipais que necessitavam de respostas céleres e/ou tomadas de decisão com prazos de resposta relativamente curtos (Ramos & Bueno, 2007).
Apesar do papel desempenhado num período importante do desenvolvimento desportivo em Portugal, o conhecimento científico existente não permite uma análise conceptual suficientemente clara e robusta sobre este tipo de organização desportiva (Teixeira, Rijo, & Sesinando, 2022).
O estudo sobre desenvolvimento desportivo possui diversas dimensões, sendo que a presente investigação teve como propósito analisar as Empresas Municipais de Desporto dada a sua particular importância enquanto instrumento de desenvolvimento local. Estas empresas surgiram num período em que Portugal apresentava um elevado défice desportivo, carecendo de uma oferta de serviços e espaços adequados à prática desportiva de forma segura e ao acesso de todos os cidadãos, com particular relevância em zonas menos desenvolvidas e/ou fora dos grandes centros urbanos.
Nesse sentido, acreditamos que este estudo reforça o conhecimento científico em gestão do desporto, assim como permite contribuir para uma melhor compreensão conceptual através da análise sobre esta realidade, identificando para o efeito a sua evolução histórica e geográfica, bem como a sua caracterização organizacional.
MÉTODO
A pesquisa seguiu uma abordagem exploratória de natureza quantitativa-descritiva, recorrendo à análise de documentos públicos e os dados recolhidos entre novembro e dezembro 2021. A informação necessária foi recolhida através da consulta da Lista de Empresas Locais, atualizada em 2021 e disponível no Portal Autárquico, bem como de informação constante nos Relatórios de Contas das empresas municipais entre 2017 e 2020.
Amostra
Considerando o objetivo do estudo, definimos primeiramente como universo todas as empresas municipais em atividade em Portugal (n= 173) à data da investigação. Todavia, identificaram-se múltiplas designações atribuídas a estas organizações, quer pela estrutura organizacional, quer pelo seu conceito jurídico.
Nesse sentido, foi necessário delimitar o universo em função da informação existente, identificando assim a amostra do estudo constituída pelas empresas municipais com atividade designada por Secção R – grupo 931 Atividades Desportivas (n= 18). Este critério permitiu apresentar o universo destas empresas em todo o território nacional, ou seja, Portugal Continental, Região Autónoma da Madeira e Região Autónoma dos Açores.
Procedimentos
De forma a atingir o propósito da investigação, foi desde logo necessário realizar uma pesquisa documental em diversos documentos públicos e relatórios operacionais que incluíssem informação sobre as empresas municipais. Após essa consulta, e de forma a efetuar o mais adequadamente possível a caracterização das empresas municipais de desporto, recorremos à Lista de Empresas Locais 2021 que se encontra disponível no Portal Autárquico e aos Relatórios de Contas das empresas entre 2017 e 2020.
A opção por estas duas fontes de informação justificou-se na plenitude, uma vez que ambas continham o tipo de informação necessária para avançarmos com o estudo. A maioria dos documentos e relatórios encontravam-se disponíveis para consulta pública, sendo que em alguns casos pontuais foi necessário contactar diretamente os serviços municipais e empresas municipais de desporto para aceder à informação necessária, aproveitando igualmente a oportunidade para dar a conhecer o estudo em curso.
Esta delimitação permitiu não só assegurar o acesso a informação correta e atualizada sobre o exercício e atividade das empresas municipais, assim como identificar a amostra do estudo. Foi com base nesta definição que se alcançou as 18 empresas municipais de desporto que ainda desenvolvem a sua atividade relacionada com a prestação de serviços desportivos e/ou gestão de espaços e instalações desportivas.
Análise estatística
A análise e respetivo tratamento dos dados recolhidos foi efetuada com recurso a técnicas de estatística descritiva, nomeadamente, a utilização de frequência e percentagem. Os dados foram organizados através da ferramenta Excel e considerando o propósito do estudo, bem como a informação disponível, optou-se por simplificar os resultados obtidos através da utilização de tabelas.
Nesse sentido, analisaram-se a distribuição geográfica (regiões e distritos), ano de constituição, tipologia das diferentes empresas, tendo sido posteriormente comparado a percentagem de municípios, freguesias e habitantes abrangidos pelas empresas municipais de desporto.
RESULTADOS
De acordo com os dados obtidos, a apresentação dos resultados da investigação iniciou-se pela abordagem geral em relação às empresas municipais, focando-se posteriormente nas empresas municipais de desporto. Partindo de um universo de 173 empresas municipais, estudámos especificamente uma amostra de 29 empresas municipais com o Código de Atividade Económica – R (CAE-R), onde se incluem atividades artísticas, de espetáculos, desportivas e recreativas, focando finalmente a análise nas 18 empresas municipais de desporto em atividade em Portugal.
Empresas municipais
No que diz respeito ao ano de constituição das empresas municipais desde a sua criação e implementação orgânica (Tabela 1), constatamos que a primeira foi constituída no ano de 1980 e que ainda se encontra em atividade, todavia, a criação deste tipo de organização foi intermitente, sendo que entre 1980 e 1995 (15 anos) apenas se criaram 11 empresas municipais. Após este período, principalmente entre 1995 e 2010, verificamos a existência do maior período registado no fomento de empresas municipais, representado mais de 80% (88%), ou seja, durante este período foram criadas 152 novas organizações, com especial ênfase para o ano de 1999 em que se registou efetivamente o maior número de empresas criadas num só ano civil (n= 23).
Empresas Municipais (n= 173) | f | |
---|---|---|
Ano de Constituição | 1980 – 1989 | 4 |
1990 – 1999 | 42 | |
2000 – 2009 | 108 | |
2010 – 2019 | 15 | |
2020 – 2021 | 4 | |
Setor de Atividade (CAE) | Atividade – R | 29 |
Outros setores | 144 | |
Empresas Municipais CAE – R (n= 29) | ||
Localização geográfica | Norte | 13 |
Centro | 5 | |
Lisboa e Vale do Tejo | 4 | |
Alentejo | 2 | |
Algarve | 1 | |
Região Autónoma dos Acores | 3 | |
Região Autónoma da Madeira | 1 |
Do total das 173 empresas municipais existentes em Portugal, verificamos que apenas 29, correspondendo a 16.8% do total, se encontra registada com Código de Atividade Económica - R (CAE-R), onde conforme vimos anteriormente, se englobam atividades artísticas, de espetáculos, desportivas e recreativas, estado as restantes registas em outros setores económicos de atividade (Tabela 1).
Em relação à sua localização geográfica (Tabela 1), e no que concerne às 29 empresas municipais com CAE-R, verificamos que aproximadamente 45% (n= 13) se encontra localizada na região Norte de Portugal, logo seguida da região Centro e Lisboa e Vale do Tejo, salientando ainda a existência deste tipo de organização na Região Autónoma dos Açores, ao contrário da Região Autónoma da Madeira ou não se verificou qualquer organização.
Ainda no seguimento da localização geográfica, foi possível verificar que em 18 distritos de Portugal e 2 nas Regiões Autónomas, num total de 20 distritos, 30% dos mesmos não possuem empresas com esta distinção. O distrito do Porto conta com 7 empresas (24.1%) e Lisboa com 4 empresas (13.8%), sendo os mais representativos face ao número de organizações existentes. A distribuição por distrito não apresenta, de acordo com os resultados, um padrão uniforme sobre as regiões que não possuem organizações deste tipo, ou seja, tanto a zona litoral como o interior de Portugal apresentam a existência destas empresas.
Empresas municipais CAE-R
Em relação ao ano de constituição das empresas municipais com CAE-R, verificamos que as primeiras três empresas foram criadas em 1996, sendo que as últimas criadas em 2007. O período com maior crescimento ocorreu entre 1999 e 2002, registando 15 empresas ao longo de um período de 4 anos.
No que diz respeito à especificidade das empresas com o Código de Atividade Económica - R (Tabela 2), verificamos que as mesmas se encontram dividas em 4 divisões, sendo que a investigação pretendeu apurar e abordar, conforme referido anteriormente, as empresas municipais com responsabilidades na área do desporto, ou seja, aquelas que constituem o grupo 93 (n= 22). A divisão 93 encontra-se ainda subdividida em dois grupos, ou seja, a grupo 931 (Atividades Desportivas) constituído por 20 empresas e o grupo 932 (Atividades de Diversão e Recreativas) constituído por apenas 2 empresas municipais. Por sua vez, o grupo 931 (Atividades Desportivas) divide-se em 4 subcategorias: 9311 onde se incluem 17 empresas municipais; 9312 e 9313 onde não existem quaisquer empresas deste tipo; e por último, o enquadramento 9319 onde se incluem 3 empresas municipais.
Empresas Municipais CAE – R (n= 29) | f | |
---|---|---|
4 Divisões orgânicas | 90 - Atividades de teatro, música, dança, outras atividades artísticas e literárias | 4 |
91 - Atividades de bibliotecas, arquivos, museus, outras atividades culturais | 3 | |
92 - Lotarias e outros jogos de apostas | 0 | |
93 - Atividades desportivas, de diversão e recreativas | 22 | |
Divisão 93 (Atividades desportivas, de diversão e recreativas) | 2 grupos: | |
931 - Atividades desportivas | 20 | |
932 - Atividades de diversão e recreativas | 2 | |
Grupo 931 (Atividades desportivas) | 4 classes: | |
9311 - Gestão de Instalações Desportivas | 17 | |
9312 - Atividades de Clubes Desportivos | – | |
9313 - Atividades de Ginásios (fitness) | – | |
9314 - Outras Atividades Desportivas | 3 |
Apesar de identificadas 17 empresas municipais na nossa investigação, verificamos a existência de uma organização que, apesar de estar agrupada na subcategoria 9311 desenvolve a sua atividade principal no âmbito da gestão de instalações como portos e marinas. Por outro lado, na subcategoria 9314, verificamos que apenas duas empresas municipais desenvolvem efetivamente atividades relacionadas com desporto, sendo que uma desenvolve atividades relacionadas com equipamentos, estacionamentos e eventos. Nesse sentido, o nosso estudo ficou circunscrito a um total de 18 empresas municipais de desporto
Empresas municipais de desporto
Uma vez identificada a amostra do nosso estudo e que, como vimos anteriormente, se restringiu a 18 empresas municipais num universo de 173 existentes após a devida diferenciação orgânica, passamos de seguida à sua abordagem em virtude dos resultados obtidos e que nos permitem caracterizar de forma global as empresas municipais de desporto. A constituição da primeira empresa remonta ao ano de 1992, tendo sido as últimas duas empresas constituídas no ano de 2006. No decurso do espaço temporal de 15 anos, verificou-se que a grande maioria foi criada entre 1999 e 2002, correspondente a 12 empresas (66.7%), enquanto as restantes 3 empresas foram constituídas em 1996 (1 empresa) e 2004 (2 empresas).
No que diz respeito à sua distribuição territorial, verificamos que mais de 50% (55%) das empresas municipais de desporto localizam-se na região Norte de Portugal, onde se concentram 10 empresas, na região de Lisboa e Vale do Tejo concentram-se 3 empresas (16,6%), na região do Alentejo existem 2 empresas (11,1%), estando as restantes 3 sediadas respetivamente na região Centro, Algarve e Região Autónoma dos Açores (5.6% cada). Já na Região Autónoma da Madeira não se regista a existência de nenhuma empresa municipal de desporto.
A Tabela 3 ajuda a perceber com maior especificidade a divisão das empresas municipais de desporto por distrito, onde se constata que 45% dos distritos portugueses não possui uma única empresa desta tipologia, sendo o distrito do Porto que mais possui este tipo de organização (33.3%) com 6 empresas, seguido do distrito de Lisboa (11.1%) e Santarém (11,1%) com 2 empresas respetivamente, ficando as restantes 6 empresas divididas por outros tantos distritos.
Empresas Municipais de Desporto (n=18) | f | |
---|---|---|
N.° Empresas por Distrito | Açores | 1 |
Aveiro | 1 | |
Braga | 1 | |
Castelo Branco | 1 | |
Faro | 1 | |
Lisboa | 2 | |
Porto | 6 | |
Santarém | 2 | |
Setúbal | 1 | |
Viana do Castelo | 1 | |
Vila Real | 1 | |
N.° Empresas por região/municípios | Norte | 10 |
Centro | 1 | |
Lisboa e Vale do Tejo | 3 | |
Alentejo | 2 | |
Algarve | 1 | |
Região Autónoma dos Acores | 1 | |
Região Autónoma da Madeira | – |
Em relação ao ordenamento do território e à forma como este se encontra organizado, o território português é constituído por um total de 308 municípios, 3091 freguesias e segundo dados recentes, habitado por mais de 10 milhões de habitantes. Nesse sentido, importa apurar a presença das empresas municipais de desporto por município (Tabela 3), sendo que a região de Lisboa é a que possui maior percentagem por municípios com 3 empresas em 18 distritos (16.7%). Na região Centro, verifica-se a existência de apenas 1 empresa para um total de 100 municípios, na região Norte existem 10 empresas num total de 86 municípios, no Alentejo existem 2 empresas num total de 58 municípios e a região do Algarve, bem como da Região Autónoma do Açores, contam ambas com 1 empresa num total de 16 municípios e 1 empresa num total de 19 municípios respetivamente.
Considerando que a área territorial de Portugal é de 92.212 km2, o total de municípios sobre o qual atuam este tipo de empresa é bastante reduzido, uma vez que apenas abrange 5.095 km2, ou seja, pouco mais de 5% (5.5%) do total.
No que concerne à percentagem de empresas municipais de desporto por freguesia, verifica-se que a Região Autónoma dos Açores é a que possui maior percentagem de empresas por freguesia com 15.5%, seguido da região Norte com 10.9%, Lisboa e Vale do Tejo com 10.1%, Alentejo com 9.4% e Algarve com 5.6% do número total de freguesias. Por último, e também um dado interessante, é a percentagem de habitantes que beneficiam da existência deste tipo de empresa municipal, isto é, no fundo o número de habitantes abrangidos pela intervenção dos seus serviços e, no seguimento dos dados anteriores, é na região Norte onde a percentagem é maior (34.2%), seguido da Região Autónoma dos Açores com 28.4%, região de Lisboa e Vale do Tejo (15.4%), Alentejo com 11.3%, Algarve com 7.2% e a região Centro com 2.4% do total de habitantes.
DISCUSSÃO
A presente investigação teve como objetivo desenvolver uma análise conceptual e caracterizadora de um instrumento político de desenvolvimento local e regional pouco explorado no campo científico da gestão do desporto, nomeadamente, as Empresas Municipais de Desporto.
A evidência científica no âmbito do desporto é perentória em afirmar a importância do desenvolvimento desportivo enquanto ferramenta de desenvolvimento social, político e económico de um país e/ou determinada região (Dallmeyer, Wicker, & Breuer, 2018; Galicia, 2020; García-Unanue et al., 2019; Sobreiro, Santos-Rocha, Claudino, & Serôdio-Fernandes, 2018). Nesse sentido, e em função do conhecimento existente, podemos afirmar que subsistem essencialmente duas visões distintas quando se fala em desenvolvimento desportivo de forma global (Urbaneja, Mendonça, & Teixeira, 2023).
Por um lado, assistimos a uma visão mais economicista do desporto e que emergiu (e ainda subsiste) sobretudo na América do Norte, onde o desenvolvimento do desporto teve como principal objetivo capitalizar a promoção do espetáculo desportivo para obtenção de riqueza por parte das organizações desportivas (Costa, 2005; Seifried, 2014), estando, grosso modo, a prática de atividade física e desportiva ausente de medidas políticas de incentivo ao seu aumento em quantidade e qualidade (Picamilho, Saragoça, & Teixeira, 2023; Teixeira & Correia, 2011).
Por outro lado, uma visão mais social e política sobre a importância do desporto proveniente da Europa (Reis, Telles, & Teixeira, 2023), que assentava essencialmente na implementação de políticas públicas nacionais que permitissem desenvolver a prática e acesso ao desporto a todos os cidadãos sem exceção (Dyreson, 2011; Sesinando et al., 2022; Teixeira, Banza, Almeida, & Sesinando, 2023). A clara definição do ideal “Desporto para Todos”, reforçou a relevância do desporto na melhoria e bem-estar social, prevendo que fosse o próprio Estado a assumir, através de diferentes mecanismos, a responsabilidade de atuar enquanto principal promotor para o desenvolvimento nacional, regional e local da atividade desportiva (García-Unanue, Felipe, Gallardo, Majano, & Perez-Lopez, 2021; Teixeira, Diogo, Segui-Urbaneja, & Sesinando, 2023; Teixeira & Ribeiro, 2016).
As diversas medidas e instrumentos políticos adotados visavam modernizar e capacitar os países de melhores condições para a prática desportiva, especialmente aqueles menos desenvolvidos neste aspeto como Portugal, construindo e/ou renovando espaços e instalações desportivas, ao mesmo tempo que promoviam e apoiavam regularmente programas públicos de acesso à atividade física e ao desporto (Mestre, Sesinando, & Teixeira, 2023).
Mais concretamente em Portugal, e conforme vimos anteriormente, os municípios atuam enquanto representantes do Estado Central, tendo por isso um conjunto de atribuições e competências de várias ordens (Ribeiro, 2018), incluindo a área do desporto. Todavia, se por um lado existiu maior capacidade para investir no desenvolvimento desportivo local, por outro, tornava-se cada vez mais exigente controlar a divida pública através da otimização dos recursos existentes (Correia & Martins, 2021; García-Unanue et al., 2021; Santos et al., 2020).
É essencialmente neste contexto de necessidade/oportunidade que se começam a formar as primeiras empresas municipais, tendo como propósito melhorar os procedimentos e práticas de gestão dos serviços públicos (alguns) destinados à população (Ramos & Bueno, 2007; Rodrigues, 2015). A sua implementação permitiu combater algumas assimetrias entre diferentes regiões, principalmente em relação à capacidade económica individual dos municípios, que de outra forma não teriam possibilidade de promover melhorias substanciais, nem oferecer à população espaços e serviços desportivos adaptados a cada contexto específico (Almeida, 2018; García-Unanue et al., 2021; Moreira & Fonseca, 2022).
Por essa razão, e considerando a intervenção que tiveram no desenvolvimento local, é impossível dissociar o seu papel no crescimento, ainda que parcial e localizado, da oferta de espaços e serviços desportivos em algumas regiões do país. Os resultados obtidos permitem observar o aumento gradual desta tipologia de empresa, verificando-se um aumento acentuado sobretudo num período marcado por um forte investimento público, assim como o acesso a fundos europeus de desenvolvimento e coesão (Moustakas, 2023).
Ao longo das últimas décadas, estas organizações concentraram-se na região norte de Portugal (44,8%), reforçando a missão que algumas tiveram na redução das assimetrias entre norte/sul e litoral/interior. Todavia, o número de empresas municipais de desporto tem vindo a diminuir substancialmente (Carvalho et al., 2009), sendo que a maioria que ainda se encontra ativa continua a ter responsabilidades na gestão de instalações desportivas e promoção de programas associados (ex.: piscinas municipais). Esta diminuição tem múltiplos fatores associados, não existindo, contudo, informação sobre as decisões tomadas.
Todavia, subsistem alguns fatores que nos parecem evidentes. Primeiramente, a dificuldade e carência que existiu durante alguns anos de profissionais devidamente qualificados no âmbito do desporto, limitando a qualidade dos serviços municipais, ao mesmo tempo que se exigia maior otimização de recursos (Pires & Lopes, 2001). Essa carência foi suplantada à medida que surgiram no mercado de trabalho profissionais mais qualificados, não sendo necessário manter serviços fora da esfera do executivo municipal. Em segundo lugar, a própria necessidade de maior controlo da despesa pública condicionou este tipo de organização ao longo prazo, uma vez que muitos municípios caminharam para situações de elevado défice público (Santos et al., 2020; Santos, Peneda, Artur, Henriques, & Jegen, 2021; Soares et al., 2016; Teixeira, 2009) e foram obrigados a transferir essas responsabilidades inerentes para os próprios serviços orgânicos de desporto municipal.
Podemos ainda aferir uma terceira causa relacionada com o facto de algumas destas organizações terem sido criadas com um propósito único, ou seja, construir uma determinada instalação desportiva sem recurso às limitações burocráticas do Estado, passando posteriormente a gestão da mesma e respetivos serviços de desporto para a responsabilidade direta dos municípios.
Atualmente, e quando comparado com dados existentes (Carvalho et al., 2009), verifica-se uma não aposta na continuidade das empresas municipais de desporto, sendo a sua existência bastante residual à data do presente estudo. Apenas 18 (5,84%) municípios (n= 308) possuem este tipo de organização, abrangendo somente 249 freguesias (8.06%) num total de 3.091.
Posto isto, acreditamos ser importante estimular o conhecimento sobre esta realidade que teve efetivamente impacto no desenvolvimento local do desporto. Algumas empresas ainda se encontram em pleno funcionamento, pelo que seria benéfico aprofundar o conhecimento sobre a sua ação, sobre as suas valências, recursos humanos, entre outros, comparando o que as distingue dos atuais serviços orgânicos de desporto municipal e estabelecer um quadro comparativo. Esta comparação poderá permitir reforçar o seu papel relevante, ao mesmo tempo que se continuam a estudar alternativas ao modelo atual que tantas críticas enfrenta nas últimas décadas.
A falta de dados e informação pública disponível, assim como a reduzida investigação científica nesta área foram as grandes limitações do estudo (Teixeira et al., 2022), sendo evidente a necessidade de se produzir conhecimento mais amplo. Estudar o desenvolvimento desportivo implica obrigatoriamente incluir todas as suas dimensões e parâmetros envolvidos, sob pena de não se expressar factualmente a sua evolução histórica e contextual. Os dados apresentados, ainda que não muito profundos, pretendem assim contribuir para o maior conhecimento sobre esta realidade, ao mesmo tempo promovem um campo de investigação que carece de maior interesse e estudo.
CONCLUSÃO
O presente estudo teve como principal objetivo explorar o contexto das organizações desportivas em Portugal, nomeadamente, as Empresas Municipais de Desporto. Enquanto organizações desportivas, desempenharam um papel particularmente importante no desenvolvimento local, tornando-se essencial desenvolver conhecimento que possibilite uma análise apurada no âmbito da investigação em desporto.
Estas empresas tiveram uma implementação territorial bastante lenta entre 1992 e 1998, verificando-se um aumento substancial entre 1999 e 2002. Este último período, foi essencialmente marcado por fortes investimentos públicos em políticas de desenvolvimento desportivo, assim como de captação de fundos comunitários para a requalificação e/ou construção de espaços e instalações desportivas.
Todavia, não encontramos evidência suficiente que permita avaliar e associar diretamente esta relação causa-efeito, uma vez que a sua criação não teve qualquer caráter vinculativo e obrigatório. Esta situação reforça a opinião de diversos autores quanto à inexistência de um planeamento estratégico para o desenvolvimento do desporto, uma vez que a distribuição destas empresas e respetiva implementação ficou ao critério de cada executivo municipal.
Considerando que a implementação destas empresas visou, sobretudo, alavancar e concretizar investimentos públicos, ao mesmo tempo que promoviam melhorias nas práticas de gestão de procedimentos e dos serviços de desporto prestados à população, seria importante perceber o motivo pelo qual se verificou um decréscimo acentuado após 2010. Os resultados demonstram uma diminuição superior a 50% deste tipo de organização desportiva entre 2009 e 2021, não se identificando as causas associadas a essas tomadas de decisão.
Se por um lado existe um entendimento de que estas organizações permitiram potenciar os serviços e programas desportivos oferecidos à população, promovendo e estimulando a prática de atividade física e desportiva ao acesso de todos os cidadãos, seria de esperar um conhecimento científico mais robusto sobre esta realidade.
Nesse sentido, concluímos ser necessário estudos mais aprofundados que identifiquem o seu campo de intervenção e os benefícios diretos e indiretos da sua implementação ao nível local e regional, ou seja, qual o contributo direto no dia-a-dia dos cidadãos. Por outro lado, seria igualmente importante apurar e comparar a atuação entre as empresas municipais de desporto e os serviços orgânicos municipais de desporto ao nível da eficiência e controlo do dinheiro público investido no desporto.