INTRODUÇÃO
Alterações psicofisiológicas antecipatórias que preparam o corpo para um desafio competitivo têm sido constantemente relatadas na literatura (Carré, Muir, Belanger, & Putnam, 2006; Casto & Edwards, 2016; Casto, Elliott, & Edwards, 2014; Elloumi et al., 2008; Filaire, Portier, Onen, & Filaire, 2010). Essas mudanças são orquestradas pelos centros superiores do sistema nervoso central em resposta a um agente estressor interno ou externo. Nesse contexto, os eixos hipotálamo-hipófise-adrenal e hipotálamo-hipófise-gonadal secretam diversos hormônios capazes de modular estas respostas (Herman et al., 2016). Dentre os hormônios liberados, o mais conhecido e utilizado como marcador fisiológico de estresse e ansiedade competitiva é o cortisol (Kalsbeek et al., 2012).
Estudos prévios reportaram aumentos significativos das concentrações desse hormônio sob estresse competitivo, no entanto muito ainda se discute sobre o real efeito do cortisol sobre a performance esportiva, e o quanto que este pode refletir nas respostas psicológicas experimentadas pelos atletas diante dos resultados (Casto, Rivell, & Edwards, 2017). Nesse contexto, a resposta endócrina do cortisol foi avaliada sob diversas condições, evidenciando alterações entre o nível basal e o estado pré e pós competitivo (Arruda et al., 2014; Filaire et al., 2010; Li, Hsu, Suzuki, Ko, & Fang, 2015), tanto em esportes coletivos como individuais (Arruda, Aoki, Paludo, & Moreira, 2017; Filaire, Alix, Ferrand, & Verger, 2009; Le Panse et al., 2010; Salvador, Suay, González-Bono, & Serrano, 2003) e diante de contextos competitivos diferentes, como: jogos fora e dentro de casa (Arruda et al., 2014; Carolina-Paludo et al., 2020; Carré et al., 2006), vitória ou derrota (Aguilar, Jiménez & Alvero-Cruz, 2013; Casanova et al., 2016; Jiménez, Aguilar, & Alvero-Cruz, 2012) e também com níveis competitivos diferentes (Arruda et al., 2017). Diante de todos os contextos, o cortisol demonstrou respostas específicas com resultados conflitantes em modelos de competição desportiva.
Salvador, Ricarte, González-Bono e Moya-Albiol (2001) reportaram a importância do efeito antecipatório do cortisol na preparação psicofisiológica para a competição, relacionando a elevação hormonal, características psicológicas de ansiedade e autoconfiança.
Adicionalmente, os estudos que avaliaram a relação entre este hormônio e o estresse ou ansiedade pré competitiva demonstram resultados divergentes. As relações entre desempenho e cortisol foram avaliadas por alguns autores observando o desempenho subjetivo e os níveis de cortisol, sendo apresentada relações tanto positivas (Rohleder, Beulen, Chen, Wolf, & Kirschbaum, 2007) como negativas ou nenhuma alteração (Doan, Newton, Kraemer, Kwon, & Scheet, 2007; Robazza et al., 2012). Em pesquisa avaliando a ansiedade, o cortisol e o desempenho, Lautenbach, Laborde, Achtzehn e Raab (2014) sob condições de ansiedade induzida, demostraram uma relação negativa entre autoconfiança e a secreção do cortisol. Apresentaram, também, relação negativa entre o aumento do cortisol e os índices de erros nos serviços do tênis. Vale ressaltar que este não contemplou o ambiente real de competição, o que pode diminuir o potencial de inferência dos resultados para este tipo de ambiente competitivo.
Deste modo, o cortisol pode variar de acordo com a modalidade e os contextos competitivos específicos. Dentre os estudos apresentados, não foi encontrada a modalidade natação, esporte individual praticado em meio aquático, caracterizado por variações nas distâncias competitivas e intensidade de nado nas provas. Tais atributos requerem características técnicas, volumes e intensidades de treinos diferentes, podendo modificar de alguma forma as respostas psicofisiológicas entre os atletas dessa modalidade em relação a outros esportes e entre os nadadores de provas diferentes. Portanto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a resposta do cortisol pré e pós competitivo entre os sexos, especialidades de provas da natação e desempenho, bem como a relação entre o cortisol e a ansiedade em nadadores adolescentes. A hipótese inicial é que nadadores com melhores desempenhos apresentam menores níveis de ansiedade e cortisol. Ademais, tais respostas diferem entre os sexos e modalidades.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo quase experimental de organização transversal, sob a aprovação do Comitê Ético da Universidade Católica de Brasília, parecer n°1319640. Os participantes do estudo entregaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e Termo de Assentimento (menor de idade) assinado pelos responsáveis legais.
Participantes
O tamanho da amostra foi determinado usando G* Power (versão 3.1.3, Universidade de Trier, Trier, Alemanha) com o nível de significância definido em α< 0,05 e potência (1-β)= 0.80 para detectar um grande efeito (f2> 1,0) (Faul, Erdfelder, Lang, & Buchner, 2007) no desfecho primário (cortisol). Assim uma amostra de no mínimo 28 participantes foi definida previamente. Logo, participaram do estudo 35 nadadores, sendo 19 meninos e 16 meninas, média de idade 15,21± 1,4 anos com experiência competitiva 6,2± 2,11 anos, oriundos das cinco regiões do território nacional: Norte (n= 3), Nordeste (n= 8), Centro Oeste (n= 5), Sul (n= 9) e Sudeste (n= 10). Os atletas foram selecionados de forma não-probabilística e por conveniência, avaliados durante o Campeonato Brasileiro Juvenil de Natação realizado pela Confederação Brasileira de Natação (CBDA). Os critérios de inclusão foram possuir no mínimo 3 anos de participação em competições de nível municipal e estadual, não fazer uso de farmacológicos, estar isento de qualquer dano físico, bem como lesões musculares, imunidade baixa e, entre as garotas, apresentar ciclo menstrual normal.
Instrumentos
Foi utilizado o Inventário de Ansiedade Estado Competitiva (Competitive State Anxiety Inventory — CSAI-2), originalmente desenvolvido por Martens, Burton, Vealey, Bump e Smith (1990), validado e traduzido para o Português por Coelho, Vasconcelos-Raposo e Mahl (2010). Foi utilizado para analisar a ansiedade pré-competitiva dos atletas. O instrumento é composto por 27 itens distribuídos em três subescalas: ansiedade cognitiva (α= 0,85); ansiedade somática (α= 0,88); e autoconfiança (α= 0,90). As perguntas são interpretadas em dois produtos, tal como, “nada” (1) e “muito” (4). As pontuações das subescalas são obtidas pela somatória dos itens, que variam entre 9 até 36 pontos e seus pontos de cortes são agrupados em ansiedade baixa (9 a 18 pontos), moderada (19 a 27 pontos) e alta (28 a 36 pontos).
Também foi adotado um Questionário Anamnese com questões objetivas. Foi aplicado para levantar dados demográficos, de saúde e de especificações sobre a modalidade praticada como: sexo, saúde subjetiva, estado, frequência semanal, anos de competição, horas de treino, principal prova competitiva e participação em competições.
Procedimentos
As características sociodemográficas e psicológicas foram respondidas com tempo médio de 45 min antes do início da competição. Após esse procedimento, os pesquisadores aplicaram a coleta salivar para identificar os níveis hormonais (cortisol), procedimento realizado 10 min antes e logo após o final da principal prova disputada no campeonato.
As coletas salivares foram tomadas no banco de controle, local onde os atletas aguardam a chamada para prova e, após a prova, em local destinado pela CBDA. As coletas pré e pós competição foram realizadas entre 10 a 15 minutos antes e imediatamente após a prova. A técnica da capitação salivar foi utilizando-se de um tubo plástico com algodão (Salivette® SARSTEDT) e analisados pelo kit DSL-10-671000 ACTIVE® Cortisol Enzima Imunoensaio (EIA). Seguindo o protocolo ELISA, antes de colocar o rolo de algodão na cavidade oral, os atletas realizaram um bochecho com água destilada para limpeza bocal. O rolo de algodão foi mantido na cavidade oral por um período de 1 a 2 minutos e depois colocado no suporte dentro do tubo plástico, armazenado em geladeira em temperatura (-15° C) para posterior análise em laboratório.
A parte prática desta coleta foi realizada da seguinte forma: 1) remoção da tampa superior do tubo do Salivette®. 2) Colocação do algodão sob a língua do atleta por um período aproximado de 1 a 3 minutos, sendo estimulada uma leve mastigação para estimulação do fluxo salivar, para obtenção de 0,5 a 1,5 mL de saliva. 3) Durante este período de coleta não foi permitido ingestão de água, alimento ou qualquer tipo de liquido. 4) Após este período, o pesquisador com luva esterilizada remove o algodão da boca do atleta e retorna ao Salivette, fechando a tampa.
O desempenho foi mensurado pelo delta percentual entre a melhor marca alcançada da temporada e a marca desempenhada no Campeonato Nacional. As variações negativas representaram os atletas que melhoram suas marcas, e as positivas, os que mantiveram ou pioraram seus desempenhos em relação ao melhor resultado do ano. A Figura 1 demonstra uma representação ilustrativa do design experimnetal e linha do tempo.
Análise estatística
Para caracterização da amostra, utilizou-se medidas descritivas de média e desvio padrão (DP). A normalidade dos dados foi avaliada por meio do teste de Shapiro Wilk. Para comparação dos grupos foram utilizados os testes de Mann Whitney U para as subescalas da ansiedade competitiva, Teste-t nas amostras independentes para comparação dos níveis de cortisol e correlações de Spearman para relacionar os componentes do CSAI-2 e o cortisol pré e pós competitivo, sendo adotado um nível de significância de p≤ 0,05 para as análises dos dados. O tamanho da amostra foi calculado para o desfecho primário (cortisol).
Os mesmos foram analisados por meio do pacote estatístico Statistical Package For The Social Sciences (SPSS) — IBM 22.0.
RESULTADOS
As características dos jovens nadadores foram similares em quase todas variáveis investigadas, diferindo a relação da duração do treinamento entre meninos e meninas, onde os adolescentes do sexo masculino apresentaram maior quantidade de horas de treinamento (Tabela 1).
Nadadores (n= 35) |
M (n= 19) |
F (n= 16) |
Sup. (n= 20) |
Man./Inf. (n= 15) |
Vel. (n= 18) |
M/F (n= 17) |
---|---|---|---|---|---|---|
Idade | 15,37± 0,49 | 15,43± 0,52 | 15, 45± 0,51 | 15,31± 0,48 | 15,44± 0,51 | 15,35± 0,49 |
Freq. semanal | 7,05± 1,54 | 7,0± 1,41 | 7,15± 1,56 | 6,85± 1,34 | 6,56± 1,03 | 7,47± 1,70 |
Treinos (min) Semana | 152± 33,63 | 130,71± 27,30* | 151,63± 33,54 | 131,50± 29,27 | 133,22± 24,41 | 152,94± 36,87 |
E. Competitiva | 5,53± 2,59 | 6,07± 1,49 | 5,70± 2,31 | 5,85± 2,04 | 5,38± 2,47 | 6,12± 1,86 |
Resultados estão apresentados em média± desvio padrão; n: amostra; E: experiência; M: masculino; F: feminino; Sup.: superior; Inf.: inferior; Vel: velocista; M/F: meio fundo e fundo;
*p≤ 0,05, teste t student para amostras independentes.
No geral, os perfis de ansiedade competitiva (AC= 19,15± 6,29) foram considerados moderados, Nível baixo em Ansiedade Somática (AS=16,84± 4,38) e moderados para (AUC= 24,27± 5,35).
Foram encontradas diferenças na AC entre os sexos (p= 0,012), nível de desempenho (p= 0,049), entre as especialidades (AC) foi Δ= 16% maior nos velocistas, no entanto sem diferença (p= 0,17). (AS) apresentou-se superior no sexo feminino Δ= 26,3% (p= 0,008) no grupo dos velocistas Δ= 20% (p= 0,042). Não ocorreu diferença entre os níveis de desempenho Δ= 15% (p= 0,19).
Não foram encontradas diferenças nas concentrações de cortisol pré competitivo entre os sexos Δ= 3% (p= 0,95) e também no nível de desempenho Δ= 18% (p= 0,25), entre especialidades (Tabela 2). O grupo que apresentou maior concentração de cortisol foram os velocistas Δ= 28% (p= 0,05). Adicionalmente, os níveis de cortisol pós exercício não diferiram entre os sexos Δ= 14% (p= 0,19), especialidades Δ= 13% (p= 0,25) e nível de desempenho Δ= 2% (p= 0,96).
Nadadores (n= 35) |
M (n= 19) |
F (n= 16) |
Vel. (n= 18) |
M/F. (n= 17) |
Sup. (n= 18) |
Igual./Inf. (n= 17) |
---|---|---|---|---|---|---|
AC | 16,84± 6,15 | 22,28± 5,16* | 20,68± 5,57 | 17,70± 6,75 | 17,55± 5,07 | 21,80± 6,42* |
AS | 15,15± 2,40 | 19,14± 5,43* | 18,43± 4,80* | 15,35± 3,46 | 16,26± 4,14 | 18,76± 5,07 |
AUC | 24,84± 5,27 | 23,50± 5,57 | 22,93± 5,42 | 25,52± 5,13 | 25,05± 5,70 | 23,10± 4,71 |
C.pré | 0,37± 0,14 | 0,38± 0,11 | 0,41± 0,12* | 0,32± 0,13 | 0,39± 0,15 | 0,33± 0,14 |
C.pós | 0,49± 0,14 | 0,42± 0,15 | 0,50± 0,11 | 0,44± 0,17 | 0,46± 0,14 | 0,47± 0,15 |
Resultados apresentados em média± desvio padrão; n: amostra; M: masculino; F: feminino; Sup.: superior; Inf.: inferior; AC: Ansiedade cognitiva; AS: Ansiedade somática; AUT: autoconfiança; C.pré: cortisol pré; C.pós: cortisol pós;
*p≤ 0,05, teste t student (C. pré/C.pós), Mann- Whitney U (AC, AS, AUC).
Associações negativas foram apresentadas entre (AC/AUC) no sexo masculino (p= 0,001), meio fundistas/fundistas (p= 0,030) e nadadores com desempenho superior (p= 0,001). A relação entre (AC/AS) foi significativa entre todos os grupos investigados com maior expressão para homens (p= 0,001), meio fundistas (p= 0,001) e atletas de desempenho superior (p= 0,001). Ademais, foi observada relação psicofisiológica somente entre (AS/C. pré) nos nadadores que não melhoraram suas marcas (p= 0,002) (Tabela 3). Por fim, não foram encontradas associações entre psicofisiológicas e características sociodemográficas
Nadadores (n= 35) |
M (n= 19) |
F (n= 16) |
Vel. (n= 18) |
M/F. (n= 17) |
Sup. (n= 18) |
Igual./Inf. (n= 17) |
---|---|---|---|---|---|---|
AC/AS | 0,77* | 0,54* | 0,58* | 0,72* | 0,71* | 0,59* |
AC/AUC | - 0,56* | - 0,27 | - 0,36 | -0,52* | -0,78* | -0,16 |
AS/AUC | - 0,45* | - 0,25 | -0,18 | - 0,41 | -0, 39 | - 0,21 |
AC/ C.pré | -0,35 | 0,30 | 0,18 | -0,15 | 0,17 | 0,27 |
AS/ C.pré | 0,34 | 0,38 | 0,39 | -0,03 | 0,22 | 0,50* |
AUC/C.pré | 0,20 | -0,09 | 0,27 | 0,11 | -0,15 | - 0,13 |
AC/C.pós | 0,02 | -0,09 | 0,10 | -0,31 | 0,23 | -0,26 |
AS/C.pós | 0,28 | 0,31 | 0,37 | -0,16 | 0,24 | 0,032 |
AUC/C.pós | -0,13 | 0,07 | -0,21 | 0,15 | - 0,10 | 0,06 |
Resultados apresentados em média± desvio padrão; n: amostra; M: masculino; F: feminino; Sup.: superior; Inf.: inferior; AC: Ansiedade cognitiva; AS: Ansiedade somática; AUT: autoconfiança; C.pré: cortisol pré; C.pós: cortisol pós;
*p≤ 0,05, Correlação de Spearman.
DISCUSSÃO
O objetivo do presente estudo foi avaliar as diferentes respostas do cortisol pré e pós competitivo entre os sexos, especialidades de provas de natação e desempenho, bem como a relação entre o cortisol e a ansiedade-estado nessas variáveis em jovens atletas de natação. Os principais resultados demostraram diferenças entre ansiedade-estado entre homens e mulheres, especialidade competitiva e desempenho esportivo, confirmando a hipótese inicial. Além disso, observou-se uma existência de maiores concentrações de cortisol pré competitivo em velocistas e, também, uma associação negativa entre (AC/AUC), (AS/AUC) por sexo, especialidades e desempenho. Tais achados são valiosos.
Estes achados sugerem que jovens atletas do sexo feminino apresentam mais pensamentos e sentimentos negativos antes das competições (AC) e maiores sintomas fisiológicos proporcionados pela (AS). Resultados semelhantes foram demonstrados em pesquisas com atletas adultos de modalidades individuais e coletivas (Fernandes, Nunes, Vasconcelos-Raposo, & Fernandes, 2013; Pozo, 2007).
Contudo, as explicações para tal fato ainda são limitadas. Para Woodman e Hardy (2003), a hipótese especulativa é de diferentes limiares de reatividade da ansiedade psicológica entre os sexos. De acordo com o que foi apresentado até aqui, acredita-se que essa diferença na ansiedade tenha pouco impacto sobre a ativação fisiológica das nadadoras, uma vez que os valores de cortisol pré competitivo e as associações entre (AC/C. pré) e (AS/ C. pré), apresentaram-se de forma similar entre os sexos. Daí pode-se pontuar que essa diferença retrate um status de maior ansiedade de forma crônica, relacionado ao comportamento social dentro do ambiente competitivo, seja por aceitação e avaliação dos resultados por parte do grupo ou devido a maior preocupação com avaliação dos técnicos em torno das realizações das tarefas esportivas.
As correlações negativas entre (AC/AUC) e (AS/AUC) apresentadas no masculino, retratou uma maior relação entre (AUC) sobre a (AC) nesse sexo e quase nenhuma correlação para o feminino. Em seu estudo, Dias, Cruz e Fonseca (2009) analisaram as relações entre a ansiedade, estresse, emoções e confronto no contexto esportivo, verificando que as mulheres apresentaram níveis mais elevados de ansiedade e de percepção de ameaça, além de recorrer a estratégias menos eficazes de enfrentamento.
De acordo com Hammermeister e Burton (2004), as diferenças entre os sexos podem surgir na forma como lidam os homens e utilizam estratégias focadas no problema, referido como esforços cognitivos e comportamentais utilizados para minimizar o sofrimento, reduzindo ou eliminando a fonte de ameaça; enquanto as mulheres utilizam estratégias de resolver focadas na emoção e suporte social, conceituada como estratégias utilizadas para regular ou reduzir as emoções e o sofrimento, mesmo quando a fonte de ameaça ainda permanece. Acredita-se que os menores níveis de (AC) e (AS) apresentadas nos homens possam ter sido influenciadas pela maior interação entre estas e a autoconfiança, potencialmente motivadas pelas diferentes formas de enfrentamento existente entre os sexos.
Ao analisar a especialidade de nado, os meio-fundistas e fundistas apresentaram menor intensidade de ansiedade somática, o que pode estar associado às características específicas das provas e treinos. Geralmente, esses nadadores executam tarefas longas e cadenciadas, capazes de exigir estratégias psicológicas elaboradas para manutenção do ritmo. Além disso, muitas vezes estes atletas treinam dentro dos ritmos pré-estabelecidos para a competição, facilitando o autocontrole sobre o desempenho. Outra possível explicação para a AS desses nadadores seria o maior viés de tempo entre as colocações dos atletas nas provas e a possibilidade de correção de pequenos erros cometidos na saída, virada, chegada ou no percurso de prova, diminuindo de certa forma a pressão sobre a performance sem erros, “perfeita”, exigida em maior proporção nas provas de velocidade. Hetzler et al. (1991) afirmam que esportes com alto grau de complexidade tendem a tolerar menor quantidade de ansiedade fisiológica para uma boa performance, e que esportes com maior conteúdo de habilidades motoras finas e de alta precisão, divergem dos esportes de habilidades motoras mais explosivas e de menor precisão.
Segundo Parfitt e Pates (1999), a (AS) está mais ligada a esportes de exigências aeróbias e anaeróbias (lutas, corridas, natação), enquanto a (AC) a esportes que envolvem estratégias (xadrez, golfe, sinuca, tiro esportivo). Neste caso, especificamente, a habilidade esportiva é a mesma, no entanto a energia dispendida em alta intensidade e as exigências de detalhes em torno da performance podem conferir as provas de velocidade maior (AS) para ativação fisiológica para realização da prova competitiva.
Em estudo avaliando distâncias de provas em competições, Hanin (2003) apontou uma relação positiva entre a AS e as provas de curta duração, onde foi apresentado que níveis ótimos de AS são necessários para um desempenho superior em atletas de velocidade. Essa afirmativa aponta para um nível ótimo específico de AS entre as especialidades, onde torna-se importante não apenas considerar a diferença entre as distâncias de prova, mas a possibilidade de zonas específicas de ativação da AS de acordo com a especialidade. Foi possível ainda observar uma correlação negativa moderada entre (AC/AUC) nos nadadores de maior distância.
Como já citado anteriormente, acredita-se que este fato seja motivado principalmente pelas características da prova que, além de ritmo e estratégia, requerem grande consciência do atleta sobre suas possibilidades de performance. Ademais, o contexto de competitividade menos acirrado em torno da marca alcançada na prova, muitas das vezes pode ocasionar em menor apreensão e pressão sobre o resultado final. Ao abordar o desempenho esportivo, foi possível constatar maiores níveis de AC para os nadadores que não obtiveram melhoras nos tempos. Em duas revisões sistemáticas com metanálise, Craft, Magyar, Becker e Feltz (2003) e Woodman e Hardy (2003) descreveram que a ansiedade cognitiva exerce um efeito negativo sobre a performance. Em estudo pioneiro, Burton (1988), apresentou um impacto preditivo negativo de 46% sobre o desempenho, enquanto a autoconfiança predizia 21% de forma positiva. De acordo com Hanton, Mellalieu e Hall (2004), níveis elevados de autoconfiança estão associados a um maior sentimento de controle emocional sob o desempenho, exercendo, talvez, papel protetor sobre a ansiedade pré-competitiva.
Em relação às análises fisiológicas, tanto os homens quanto as mulheres apresentaram concentrações semelhantes de cortisol pré e pós competitivo, corroborando com os achados da literatura Kivlighan, Granger e Booth (2005), Le Panse et al. (2012) e Li et al. (2015), reforçando a hipótese de similaridade entre os sexos. No entanto, outras investigações apresentaram diferenças no pré Filaire et al. (2009), ou pré ou pós competição (Georgopoulos et al., 2011). De acordo com Davis, Galassetti, Wasserman e Tate (2000), durante a realização de exercícios, homens e mulheres diferem diante do comportamento metabólico e autonômico, porém com valores similares de cortisol. Goldstein, Jerram, Abbs, Whitfield-Gabrieli e Makris (2010) argumentaram que mulheres sob situação estressora interpretam de forma singular e instintiva sua atividade cerebral. Complementando, Kivlighan, Granger and Booth (2005) apresentaram que a principal diferença entre os sexos encontra-se na resposta psicossocial ao estresse competitivo, representado possivelmente por diferentes estratégias de enfrentamento (coping) diante de um desafio iminente.
Especificamente para natação, os achados diferiram do estudo de Chennaoui et al. (2016), que encontrou diferença entre os momentos pré e pós competição para o cortisol. Em projeto avaliando cortisol pré competitivo, Hooshmand, Rahmanian, Rahmanian, Shakeri e Jahromi (2022), avaliando 14 jovens nadadores, encontraram aumento significativo dos níveis de cortisol entre 14 dias antes da competição e o dia da competição. O que poderia indicar um aumento progressivo dos níveis de cortisol logo após a competição.
Nas especialidades de nado, os nadadores velocistas apresentaram maiores concentrações de cortisol pré competitivo. Esses valores podem estar associados à adaptações psicofisiológicas proporcionadas pela característica da prova, uma vez que o cortisol responde diretamente a intensidade e duração do exercício (Hill et al., 2008; Vuorimaa, Ahotupa, Häkkinen, & Vasankari, 2008), indicando que exercícios e competições de características distintas possuam diferentes padrões de secreção do cortisol. A ativação do eixo Hipotalâmico Pituitária Adrenal HPA é proporcional à intensidade do exercício, sendo mais expressivo em atividades anaeróbias de alta intensidade (Crewther, Lowe, Ingram, & Weatherby, 2010). Avaliando jogadores de Hugby, Crewther, Lowe, Weatherby, Gill e Keogh (2009) demonstraram relações positivas entre o desempenho das capacidades neuromusculares de velocidade, força e potência e a liberação de cortisol. Tal relação pode direcionar a existência de fatores tanto metabólicos como morfológicos na ativação dos centros hipotalâmicos.
Avaliando atletas de características diferentes, resistência vs força, Paccotti et al. (2005), não encontraram diferenças significativas entre o cortisol pré e pós desses atletas após teste padronizado de exercício de alta intensidade. O mesmo estudo também demonstrou maiores valores de lactato pós exercício nos atletas de força, porém fraca relação entre o lactato e a liberação de cortisol. Avaliando jogadores de Hockey, Aguilar et al. (2013) encontraram relações positivas entre as elevações de lactato e concentrações de cortisol de acordo com as exigências físicas das posições dos jogadores.
No entanto, como descrito, além do lactato, outros marcadores poderão representar a relação entre intensidade do exercício e a preparação do corpo para o desenvolvimento de tarefas de alta intensidade. De acordo com Tremblay, Copeland e Van Helder (2004), o condicionamento físico e as características dos exercícios nos treinamentos podem modular a resposta hormonal do cortisol a diversos tipos de testes físicos. Essa modulação pode, de certa forma, explicar a maior ativação do cortisol pré competição dos velocistas.
Por outro lado, em fundistas, evidências apontam para uma diminuição das respostas do cortisol e ACTH aos estímulos de CRH, possivelmente associados ao desenvolvimento de um mecanismo adaptativo de proteção para músculos e outros tecidos sensíveis aos corticoides (Duclos, Corcuff, Pehourcq, & Tabarin, 2001; Duclos; Guinot, & Le Bouc, 2007). Esses argumentos reforçam a existência de níveis diferenciados de ativação orgânica diante de um desafio iminente, o que sinaliza diferenças entre os atletas de uma mesma modalidade esportiva.
Os resultados encontrados não demonstraram diferenças significativas entre os níveis de desempenho. Esses achados vão de encontro aos resultados de pesquisas recentes que avaliaram as respostas do cortisol entre vencedores e perdedores (Aguilar et al., 2013; Jiménez et al., 2012), no qual foram demonstrados níveis de cortisol mais elevados após derrota esportiva. Filaire et al. (2009) complementa que após a competição, independentemente do resultado, os níveis de cortisol apresentam-se de forma mais elevada, no entanto, podendo diferir entre vencedores e perdedores. Pode-se especular duas possíveis explicações para esses resultados, (1) tipo de disputa competitiva: a característica da disputa difere da maioria dos estudos que envolveram vitória ou derrota, na maioria estudos com jogos coletivos (Aguilar et al., 2013; Edwards, Wetzel, & Wyner, 2006), (Casanova, Palmeira-de-Oliveira, Reis, Serra, & Costa, 2015) ou de disputas (um contra o outro) (Filaire et al., 2009), (Jiménez et al., 2012), situações das quais o status possível é dicotômico.
Na natação, além de competir com vários atletas pela colocação, concorre com ele mesmo (desempenho individual), aumentando as possibilidades de satisfação ou insatisfação com o desempenho, por exemplo: não ter realizado uma boa performance, mas ter conseguido uma boa colocação, ou o contrário, realizar uma performance individual excelente e obter uma colocação não desejada; tempo de realização da coleta: as coletas foram realizadas cerca de 3 a 5 min após a prova. Mesmo encontrando-se na literatura estudos que abordaram tempos de coleta por volta de 5 min (Casto et al., 2014; Crewther, Kilduff, & Cook, 2014), de acordo com alguns autores, a tomada da saliva pós competição deveria ser realizadas ao menos 15 min após a competição (Mehta & Josephs, 2006; Wirth, Welsh, & Schultheiss, 2006), sob o pressuposto de um atraso entre a experiência psicológica e a alteração dos níveis de cortisol a nível salivar.
De acordo com Casto e Edwards (2016), os efeitos psicológicos de ganhar ou perder, ou sobre o desempenho, seriam observados mais agudamente dentro de uma hora após a competição, e ainda, que o efeito de ganhar e perder tem mais a ver com a manutenção dos níveis elevados do cortisol após o término da competição, do que aos aumentos associados ao período real da competição. No entanto, a literatura ainda não estabeleceu um momento ou faixa de tempo onde possa ocorrer o pico de cortisol pós competição.
Vale ressaltar aqui que no presente estudo as coletas foram efetuadas imediatamente após a prova por questões de logística, devido a grande dispersão dos atletas na área competitiva. Assim, para futuros estudos, sugere-se acréscimos de tempo para coleta, estabelecendo-se coletas ao menos 15 a 20 min pós competição, ou ainda, mais de uma coleta, até próximo 1 hora após a prova.
Os resultados em estudos avaliando o comportamento do cortisol pré e pós competição ainda são divergentes, apresentando aumentos no cortisol pós-competitivo em perdedores (Aguilar et al., 2013; Arruda et al., 2017; Casto et al., 2014; Edwards et al., 2006; Filaire et al., 2009; Jiménez et al., 2012), sem alterações significativas (Casanova et al., 2015; McKay, Selig, Carlson, & Morris, 1997; Oliveira; Gouveia, & Oliveira, 2009). Dentre esses estudos, somente o de McKay et al. (1997) foi realizado em esporte individual sem característica de confronto direto, avaliando jogadores de golfe antes, durante (buracos 6, 12,18) e após a partida, não tendo sido observadas diferenças entre o cortisol entre vencedores e perdedores.
Ao analisar as relações entre a variável psicológica ansiedade-estado e cortisol, percebeu-se que apenas a ansiedade somática e o desempenho apresentaram relação linear com o cortisol, apresentando também, mesmo que sem significância, relação inversa para os sexos e entre as especialidades. O relacionamento entre a ansiedade somática e o cortisol pré competitivo tem sido constantemente investigado (Aguilar et al., 2013; Doan et al., 2007; Elloumi et al., 2008; Filaire, Maso, Sagnol, Ferrand, & Lac, 2001; Filaire et al., 2009) evidenciando sob condições específicas de competições, relações positivas entre essas variáveis. Em estudo com jogadores de tênis, Filaire et al. (2009) encontraram correlações positivas entre (AS/C.pré) 10 min antes dos jogos, e ainda, relações positivas entre a (AC/C) pós dos jogadores derrotados.
Diferente do que foi encontrado no estudo de Filaire et al. (2009), a correlação psicofisiológica relacionada ao desempenho foi entre (AS/C.pré), demonstrando um efeito antecipatório da AS e do cortisol sobre o desempenho dos nadadores, apontando ainda, uma especificidade na relação entre os momentos pré e pós competitivo, onde o momento pós apresentou relação psicofisiológica quase nula nesses mesmos nadadores, o que demonstra uma diminuição da ação da (AS) sobre o cortisol. Especificamente para o desempenho, observou-se correlações importantes entre a (AC/AUC) e (AS/C.pré), demonstrando uma importância tanto do fator cognitivo como do fisiológico para uma boa performance.
Algumas limitações metodológicas do presente estudo devem ser destacadas, como por exemplo o desenho transversal do estudo, o que não nos permite tirar conclusões em termos de causalidade. Além disso, a falta da coleta basal, outros biomarcadores hormonais e o controle dos atletas nos dias em que não competiram, poderiam possibilitar afirmações mais concisas sobre as variações do cortisol dentro do período pré competitivo. Por fim, a amostragem, sendo composta apenas por jovens atletas, impossibilita a extrapolação dos resultados do presente estudo para outras populações.
CONCLUSÕES
Em resumo, encontramos diferenças psicológicas sobre os níveis de ansiedade em nadadores adolescentes Brasileiros e maior relação negativa entre ansiedade competitiva e autoconfiança nos meninos e similaridades nas respostas do cortisol. Dessa forma, nadadores do sexo masculino que disputam provas de 400, 800 e 1.500 metros são mais autoconfiantes e menos ansiosos dentro de uma competição. Além disso, possuem menores níveis de cortisol pré competitivo. Assim, a medida biológica do cortisol salivar é, portanto, confiável em sua utilização como marcador de ansiedade e desempenho esportivo em nadadores jovens.
Os treinadores e demais envolvidos na preparação destes atletas, procurem ter uma atenção nas diferenças entre os sexos dos nadadores e habilidades psicológicas, principalmente no sexo feminino, assim como, buscar incluir protocolos investigativos sobre os níveis de cortisol, pois níveis padronizados deste hormônio, tanto no basal ou pré competitivo, pode não representar de forma distinta.