INTRODUÇÃO
Durante a prática dos exercícios físicos a música pode atuar como uma fonte externa que afeta o processamento de informações sensoriais capaz de influenciar a percepção de desempenho e o desenvolvimento do indivíduo. Dessa forma, entende-se que a música pode diminuir a percepção do esforço e assim aumentar o tempo de treino até à exaustão em diversas populações (Allocca Filho et al., 2022; Rhodes & Kates, 2015).
Os efeitos da música já são bastante documentados na redução de ansiedade, percepção à dor, fadiga e, até mesmo, no consumo de analgésicos (Schmid, Rosland, von Hofacker, Hunskår, & Bruvik, 2018). Todavia o seu uso durante a prática do exercício físico, especialmente o HIIT ainda precisam de maiores endentimentos.
O uso da música durante treino pode facilitar o seu desempenho físico e cognitivo, porém, a música auto selecionada (de melhor escolha do praticante) deve ser levada em consideração (Farias Junior, 2019). A depender do estímulo desempenhado, o resultado do esforço físico pode ser positivo ou negativo, uma vez que o estímulo da música não favorita (ou desmotivantes ao praticante) tende a gerar respostas negativas, levando a uma redução das respostas psicofisiológicas desejadas em exercícios de alta intensidade (Ballmann, Mccllum, Roggers, Marshall, & Williams, 2018; Jones, Stork, & Oliver, 2020).
Nessa perspectiva, os resultados do treinamento físico com uso de músicas podem ser alterados a depender do estilo, do ritmo e do tempo musical (Araújo, Pimenta & Baraúna, 2007). Estudos prévios apontam diferentes respostas psicofisiológicas ao esforço realizado em diversos modelos de treinamento (Edworthy e Waring, 2006; Maddigan, Sullivan, Halperin, Basset, & Behm, 2019; Terry, Karageorghis, Curran, Martin, & Parsons-Smith, 2020).
O treinamento intervalado de alta Intensidade — high-intensity interval training (HIIT) — descreve o exercício físico que é caracterizado por breves e intermitentes rajadas de atividade vigorosa, intercaladas por períodos de descanso ou exercícios de menor intensidade que podem ser realizados com segurança em diversos públicos, na medida em que se realiza adaptações para diferentes níveis de condicionamento físico e objetivos. Esses períodos de trabalho e recuperação podem variar em duração e intensidade, dependendo do estímulo do HIIT que está sendo aplicado (Machado, Baker, Figueira Júnior, & Bocalini, 2017).
Desse modo, os ciclos do HIIT tendem a elevar a frequência cardíaca em, aproximadamente 80–90% da frequência cardíaca máxima promovendo momentos de elevada intensidade no treino (Gibala, Little, Macdonald, & Hawley, 2012).
Acerca desse contexto, estudos anteriores apontam a existência de diversos protocolos de HIIT nos quais são considerados como abordagens eficientes para melhorar a saúde, condicionamento físico e aptidão física de seus praticantes através da melhora do metabolismo energético, enzimático e da regulação hormonal (Eather et al., 2019; Martin-Smith et al., 2020; Wewege, Van den Berg, Ward, & Keech, 2017). Nessa perspectiva, um estudo prévio conduzido com HIIT contínuo apontou uma melhora no percentual de gordura corporal e na capacidade aeróbica em adultos obesos (Chin et al., 2020). Dados similares foram relatodos por Menz et al. (2019) ao concluir que tanto o protocolo de HIIT de corrida quanto o HIIT funcional melhoram o VO2max e a resistência muscular de seus praticantes.
Desse modo, compreende-se que o HIIT aponta um bom controle na relação volume/intensidade em que as séries dos exercícios geralmente duram entre 20 e 60 segundos, seguidas por períodos de recuperação que podem variar de 10 a 60 segundos. Tais achados apontam que o HIIT é prático, seguro e pode ser tolerável para indivíduos saudáveis ou que apresentem alguma comorbidade pré-existente (Machado et al., 2017; Wu, Zhang, Yang, Lu, Jiang, & Chen, 2022).
Sendo assim, salienta-se que a intensidade do treinamento deve ser atrelada à sensação de prazer durante a realização do exercício. Como também, deve-se definir o grau de intensidade do exercício proposto de acordo com um perfil individual, mensurável e realista. Tais considerações influenciam a resposta de afeto de cada praticante (Atakan et al., 2022; Frazão et al., 2016). Nessa perspectiva, Allocca Filho et al. (2022) avaliaram a influência da música durante sessões de HIIT nos parâmetros fisiológicos e no estado de humor de adultos. Embora os autores tenham encontrado efeitos positivos nos aspectos emocionais, alguns fatores fisiológicos e bioquímicos não foram encontrados. Todavia, estudos conduzidos com a população brasileira ainda são escassos.
A escala de percepção subjetiva de esforço (PSE) criada por Gunnar Borg, foi selecionada como instrumento para quantificar a sensação de esforço no indivíduo para o HIIT. Embora as escalas mais tradicionais tenham sido criadas para quantificar a PSE durante a realização do exercício, atualmente elas são uma ferramenta chave também para prescrição e monitorização das cargas de treino. A PSE responderia à intensidade do exercício estabelecido, ou mais especificamente ao estresse que ocorre sobre os sistemas fisiológicos periféricos, tais como o sistema cardiorespiratório e o sistema muscular (Pinheiro, Viana, & Pires, 2014). Sendo assim, entende-se que os mecanismos de ação do HIIT são complexos e multifatoriais e que seu uso como ferramenta pedagógica para a saúde precisa de melhores elucidações.
Dessa forma, o presente estudo busca analisar o efeito da música sobre as respostas psicofisiológicas em um protocolo de treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT) realizado com universitários fisicamente ativos.
MÉTODOS
Desenho de estudo
Trata-se de um estudo do tipo transversal e de amostragem aleatória, no qual foi realizado um protocolo de de HIIT em três diferentes situações nas quais foi realizado um sorteio para escolha da ordem dos protocolos, a saber: I) Condição HIIT com música preferida (HIIT- MP). II) Condição HIIT com música não preferida (HIIT- MNP) e III) Condição HIIT sem música (HIIT- SM). Sete dias antes de iniciar o protocolo I (HIIT-MP), os voluntários realizaram um teste de esforço máximo com o intuito de mensurar a velocidade máxima alcançada. Após sete dias, os voluntários realizaram o segundo protocolo (HIIT- MNP); quatorze dias subsequentes à realização do primeiro protocolo (HIIT-MP), realizou-se o protocolo III (HIIT- SM). Logo após o final de cada protocolo as respostas eram coletadas (Figura 1).
Com um mês de antecedência à aplicação dos protocolos, foi realizada uma entrevista com os participantes com o intuito de compreender os estilos musicais de preferência e a altura média da música escutada durante a prática dos exercícios físicos (escala visual analógica para gosto musical), bem como a familiarização com as escalas de Percepção Subjetiva de Esforço (PSE) e da Escala de Afeto. Em seguida, os pesquisadores selecionaram a sequência de músicas a serem utilizadas nos protocolos I (HIIT- MP) e II (HIIT- MNP) de cada voluntário no estudo.
Definição da amostra
O estudo avaliou a influência da música nos efeitos psicofisiológicos em práticas de três protocolos de treino HIIT em 31 adultos universitários fisicamente ativos e saudáveis. A seleção da amostra ocorreu no Campus da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) no período da manhã (das 8h às 11h). Todos os testes e entrevistas foram realizadas no entre 10h e 11h da manhã. O tempo de sete dias consecutivos foi aplicado entre cada protocolo a fim de garantir a recuperação muscular e energética dos sujeitos envolvidos no estudo. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) com Seres Humanos da Universidade de Fortaleza (UNIFOR) (parecer número: 3.661.811).
Critérios de elegibilidade
Para o grupo de estudo, foram incluídos indivíduos entre 19 e 28 anos, de ambos os gêneros, sem comorbidades preexistentes e em condições adequadas de saúde para a prática de exercícios físicos (analisados por uma avaliação médica e fisiológica), que concordaram em participar do estudo e que assinaram termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). Não foram incluídos indivíduos que tivessem alguma internação nos últimos 30 dias, que apresentassem alguma comorbidade grave, tais como, insuficiência renal ou hepática grave, neoplasia avançada, insuficiência cardíaca grave e/ou doença neurológica grave. Aqueles que realizavam trabalho de turnos, os que tinham abuso de drogas e os que não concordaram em assinar o termo de consentimento e livre esclarecido foram excluídos.
Foram excluídos todos aqueles que tinham comorbidades pré-existentes, cirurgias nos últimos trinta dias, dores corporais e situações que comprometem a realização dos testes.
Procedimento
Durante a anamnese (15 dias antes do início dos testes), foram coletados os dados, informações complementares e foram apresentados os testes e protocolos a serem realizados a fim de verificar a viabilidade de realização com cada participante.
Testes e instrumentos realizados
Teste de esforço máximo
Realizou-se um teste de esforço máximo para mensurar a velocidade máxima atingida no teste de esteira rolante (VME). Para isso, realizou-se um aquecimento corporal na velocidade de 6 km/h por um período de 5 minutos com 1% de inclinação. Em seguida, a cada minuto a velocidade foi aumentada gradativamente em 1 km (1 quilômetro por minuto), sendo encerrado após exaustão voluntária do participante (Frazão et al., 2016). No final do teste, calculou-se a velocidade máxima atingida (em km) e o tempo total percorrido na esteira (em minutos).
A velocidade máxima atingida (VME) foi alcançada através da velocidade do último estágio completo. Durante todo o teste, o tempo percorrido foi monitorado através da Percepção Subjetiva de Esforço (PSE) e da Escala de Valência Afetiva (AFETO). Após sete dias, deu-se início a realização dos protocolos intervalados de alta intensidade (Figura 1).
Protocolo intervalado de Alta Intensidade
Aplicou-se o protocolo de 60 segundos de atividade por 60 segundos de descanso passivo (60”:60”). O protocolo consiste em 10 rounds com a velocidade máxima da esteira (VME) encontrado no teste incremental máximo (Gibala et al., 2012).
Percepção subjetiva de esforço (PSE6 a 20)
A percepção do esforço percebido foi realizada pela classificação da escala de Borg (Borg, 1998). A escala analisa a intensidade subjetiva de esforço, desconforto e/ou fadiga que é experimentada durante a prática do exercício; variando de 6 a 20 pontos, em que 6 expressa “nenhum esforço” e 20 “esforço máximo”. O sujeito deve escolher o número que melhor descreva o nível de esforço momentâneo. Antes de iniciar os protocolos de HIIT, os participantes realizaram um reconhecimento sobre as descrições da escala, como também o funcionamento da avaliação do esforço percebido. Os valores foram retirados nos últimos 10 segundos de cada etapa.
Escala visual analógica para gosto musical
Trata-se de uma escala de resposta psicométrica, que mede características subjetivas ou atitudes que não podem ser medidas diretamente validada por Price, McGrath, Rafii e Buckingham (1983). Neste estudo, a EVA foi utilizada para avaliar o gosto subjetivo das músicas a serem utilizadas nos treinos A escala é uma linha horizontal de 10 cm, com palavras como gosto mínimo a gosto máximo em cada extremidade. O sujeito foi instruído a marcar na linha o ponto que ela sentia que representava seu gosto musical. A pontuação foi determinada medindo-se em centímetros a partir da extremidade esquerda da linha até o ponto que o sujeito marca.
Escala de Valência Afetiva
A escala de Valência Afetiva, também conhecida como escala de AFETO, é uma escala de 11 pontos, variando de +5 até -5, usada para mensurar o afeto classificado como sensação de prazer ou desprazer, durante o exercício físico realizado (Hardy e Rejeski, 1989).
A presente escala pode ser categorizada em valores equivalentes a, -5: muito ruim, -3: ruim, -1: razoavelmente ruim e 0: neutro. Quanto aos valores positivos, 1: razoavelmente bom, 3: bom e 5: muito bom.
Estudos prévios apontam o efetivo uso dessa ferramenta para mensurar as respostas afetivas analisadas durante a prática dos exercícios físicos (Ekkekakis, Parfitt, & Petruzzello, 2011; Frazão et al, 2016). Os participantes fizeram um rememoramento sobre a escala de AFETO antes da sessão de cada HIIT.
A escala de AFETO foi apresentada aos participantes para que pudessem selecionar um número, de sua livre escolha, que representasse sua sensação de prazer/desprazer no momento do exercício, quando questionados. Os valores foram retirados nos últimos 10 segundos de cada etapa.
Análise estatística
Os dados foram tratados mediante procedimentos exploratórios sobre a normalidade dos dados (teste de Shapiro Wilk). Realizou-se um teste de ANOVA one-way para medidas repetidas a fim de comparar as respostas psicofisiológicas (PSE e Afeto) na exposição com música preferida, música não preferida e no protocolo sem música. A esfericidade dos dados foi verificada por meio do teste de Mauchly, sendo esta assumida. O teste post hoc de Sidak para a identificação pontual das diferenças. A significância das análises foi assumida quando p< 0,05.
RESULTADOS
Foram avaliados um total de 31 voluntários, destas 11 (35,4%) foram mulheres e 20 (64,6%) homens. A idade variou entre 19 e 28 (Média= 25± 2,9). Não houve diferenças as idades e os gêneros dos participantes (p> 0,05).
Diante a garantia do teste de normalidade e esfericidade, observou-se que a análise de variância de uma via, para medidas repetidas, foi aplicada a fim de comparar os dados da PSE e do AFETO nos estímulos utilizados nos três protocolos de HIIT: música preferida (MP), música não preferida (MNP) e sem música (SM). O nível de significância foi fixado em p< 0,05 e com intervalo de confiança de 95% para todas as variáveis.
Os dados do teste de esforço máximo dos voluntários variaram de 12 a 16 km/h (média= 13,2± 1,1 km/h), diferenças estatisticamente significantes entre os grupos foi encontrada (p= 0,04). O Gráfico 1 apresenta a média das velocidades máximas dos participantes. Com intervalo de segurança de 95%, a mediana da velocidade foi de 13 km/h, com limite inferior de 11,9 km/h e superior de 13,6 km/h. Tendo como menor velocidade 9 km/h e maior 17 km/h. A velocidade média do protocolo I (HIIT-MP) foi de 15,4± 2,1, do protocolo II (HIIT-MNP) de 9,1± 2,1 e do protocolo III (HIIT-SM) foi de 11,4± 2,1.
Houve uma diferença estatisticamente significante entre a velocidade média dos praticantes do HIIT-MP x HIIT-MNP (p= 0,03; R2= 0,21), HIIT-MP x HIIT-SM (p= 0,04; R2= 0,00) e do HIIT-NMP x HIIT-SM (p= 0,04; R2= 0,11). Os dados descritivos desses achados podem ser observados na Tabela 1.
Variáveis | HIIT-MP | HIIT-MNP | HIIT-SM | Valor de p | ||
---|---|---|---|---|---|---|
HIIT-MP 7#x00D7; HIIT-MNP | HIIT-MP × HIIT-SM | HIIT-MNP × HIIT-SM | ||||
Velocidade (km/h) | 15,4± 2,1 | 9,1± 2,1 | 11,4± 2,1 | 0,03* | 0,04* | 0,04* |
PSE6 a 20 | 11,6± 2,5 | 13,1± 1,7 | 13,8± 1,9 | 0,03* | 0,02* | 0,06 |
Escala de Valência Afetiva (AFETO) | 2,0± 1,8 | 0,24± 1,7 | 0,29± 2,1 | 0,03* | 0,12 | 0,10 |
HIIT-MP: Treino intervalado de alta intensidade com música preferida; HIIT-MNP: Treino intervalado de alta intensidade com música não preferida; HIIT-SM: Treino intervalado de alta intensidade sem uso da música; Teste ANOVA;
*p< 0,05.
A análise de variância revelou uma diferença significativa dos achados da PSE entre os protocolos HIIT-MP, HIIT-MNP e HIIT-SM (Gráfico 2; p= 0,04). No que se refere às médias descritivas da PSE6 a 20 nos três protocolos, observou-se que a média analisada no protocolo I (HIIT-MP) foi de 11,6± 2,5 [limite inferior de 10,6 e superior de 12,5]. Já no protocolo II (HIIT-MNP) a média da PSE6 a 20 foi de 13,1± 1,7 [limite inferior de 12,5 e superior de 13,82]. No protocolo III (HIIT-SM), a média foi de 13,8± 1,9 [limite inferior de 13,0 e superior de 14,5]) (Tabela 1).
Ainda no que se refere a PSE6 a 20, constatou-se durante o protocolo I (HIIT-MP) houve uma menor percepção de esforço quando comparados ao protocolo II (HIIT-MNP) (HIIT-MP x HIIT-MNP, p= 0,03; R2= 0,21) e ao protocolo III (HIIT-MP x HIIT-SM (p= 0,02; R2= 0,02) respectivamente (Gráfico 2A). Ou seja, o uso da música preferida durante o HIIT apresentou uma menor percepção de esforço. Nenhuma diferença estatisticamente significativa foi encontrada entre os protocolos II (HIIT-MNP) e o protocolo III (HIIT-SM) [F(2,26)= 9,703; p= 0,06; R2= 0,01)] (Tabela 1).
Dados similares foram encontrados através da análise da escala de AFETO entre os três protocolos (Gráfico 2B, p= 0,03). Diferenças entre os gêneros não foi observada (p> 0,07).
No que concerne a resposta psicofisiológica do AFETO, um teste de ANOVA realizado entre os três protocolos apontou uma diferença estatisticamente significante, com destaque ao grupo que fez uso da música preferida durante o HIIT (protocolo I) [F(2,60)= 17,905, p= 0,005)].
Ainda sobre a escala AFETO, encontrou-se efeitos estatisticamente significativos na comparação do protocolo de HIIT-MP (2,0± 1,8) [limite inferior de 1,35 e superior de 2,6], com o protocolo HIIT-MNP (0,24± 1,7) [limite inferior de -0,39 e superior 0,89] (p= 0,001; R2= 0,01). Ao se comparar o HIIT-MP com o HIIT-SM (0,59± 1,7) [limite inferior de -0,02 e superior de 1,2] houve uma diferença estatisticamente significativa entre esses dois grupos (p= 0,03; R2= 0,00) (Gráfico 2B). Nenhuma diferença estatisticamente significativa foi relatada entre os protocolos II (HIIT-MNP) e o protocolo III (HIIT-SM) [F(2,21)= 8,430, p= 0,12; R2= 0,000)] (Tabela 1).
DISCUSSÃO
O presente estudo teve como objetivo investigar as respostas psicofisiológicas e afetivas do protocolo de HIIT (60:60) em esteira ergométrica, mediante três exposições: HIIT-MP, HIIT-MNP e HIIT-SM, de modo que todos os participantes passaram por todas as situações. As análises dos resultados apontaram a influência positiva da música preferida na PSE e na valência afetiva à prática do treino. Tal fato se torna de extrema relevância na medida que a música pode ser utilizada como ferramenta pedagógico para a pratica do exercício (Terry et al., 2020). Desse modo, pode-se constatar que o uso da música preferida pode apresentar efeitos psicofisiológicos capazes de ampliar os benefícios oriundos da prática do exercício físico.
Estudos prévios corroboram os nossos achados na medida em que concluem que a utilização da música como elemento estimulador durante os treinos pode promover uma valência afetiva mais positiva, melhorar o desempenho motor, cognitivo e físico (ou seja, efeito ergogênico), reduzir o esforço percebido e melhorar a eficiência fisiológica e a cognição (Bherer, 2015; Elsandegy, 2009; Greco, 2022; Terry et al., 2020). Nesse mesmo sentido, entende-se quea música pode melhorar a motivação e aumentar o esforço durante o treinamento HIIT promovendo uma melhor relação do praticante com seu rendimento físico durante o treino.
Nessa perspectiva, Ballmann et al. (2019) realizaram um estudo que abordou os efeitos da MP comparadas a MNP em um protocolo de sprint em bicicleta ergométrica de estímulo anaeróbico lático. Durante a realização dos testes, os participantes ouviam MP e MNP. Percebeu-se que a MP influenciou a motivação de forma positiva (PSE), com médias de 7,2 para o grupo que fez uso da MP os resultados foram de 7,7. Os autores também relataram um aumento no desempenho, na qualidade de execução e na capacidade física dos participantes. Achados similares foram encontrados por Karow et al. (2020) no qual concluíram que o uso da MP nos aquecimentos para iniciar os treinos de remo trouxe benefícios ergogênicos significativamente maiores.
Por outro lado, Allocca Filho et al. (2022) concluíram que ouvir MP durante uma sessão de HIIT aumenta o desempenho do exercício capaz de provocar respostas afetivas mais positivas em homens adultos, apesar da frequência cardíaca, lactato sanguíneo e fadiga semelhantes em comparação com HIIT-MNP ou HIIT-SM.
Na busca de explicar tais achados, estudos prévios apontam que tais efeitos podem se relacionar a alguns neurotransmissores como com o aumento da dopamina e serotonina e a redução nos níveis de cortisol, que são estimulados no cérebro quando se ouve uma música agradável (Adiasto, Beckers, van Hooff, Roelofs, & Geurts, 2022; Sutoo e Akiyama, 2004). Tal fato pode explicar nossos achados, visto que a sensação de prazer e bem-estar ao ouvir uma música que nos agrada afeta os aspectos psicofisiológicos durante a prática do exercício físico.
Dados similares foram achados por Nakamura, Papini, Pereira, Nakamura e Kokubun (2010) no qual apontam que durante o exercício do ciclismo a música também interfere no resultado da PSE, como também na distância percorrida. A MP reduziu a resposta da PSE quando comparado com os outros estímulos (MNP e sem música), ou seja, a música preferida aumentou o nível de motivação, mostrando que se pode otimizar o rendimento no ciclismo com a utilização da música.
Entende-se que o HIIT apresenta uma efetiva eficiência na melhoria da saúde cardiovascular, regulação hormonal e da força muscular. Diversos mecanismos estão envolvidos nesse processo, como o aumento da capacidade aeróbica, isso ocorre pelo fato do HIIT exigir uma maior demanda energética e de oxigênio que, a longo prazo, promove adaptações fisiológicas, musculares e metabólicas (Machado et al., 2017).
Desse modo, os achados do presente estudo mostraram que no treino de HIIT o estímulo musical é capaz de sobrepor os efeitos da prática, e promover benefícios ainda mais significativos quando comparados a não exposição de músicas agradáveis. Apesar de seus mecanismos não estarem completamente compreendidos.
Para maiores elucidações acerca dos resultados supracitados, Miranda e Godeli (2003) destacaram que a música influencia diretamente o ouvinte, levando em consideração todas as alterações que faz no corpo, sejam sensações agradáveis ou desagradáveis. A música na atividade física tende a favorecer o desenvolvimento de capacidades físicas, como força, resistência e tolerância a fadiga, auxilia na atividade mental e atua diretamente na percepção de esforço e na motivação, evidenciando ainda que a mudanças fisiológicas a música tem carácter sedativo ou estimulante, alterações na pressão arterial, frequência cardíaca, respiração e até mesmo tolerância a dor.
Um recente estudo apontou que os efeitos da MP, no desempenho dos exercícios resistido, alterou de forma positiva a motivação, velocidade, forma de execução e a força exercida durante o exercício (Ballman, 2021). Já no que se refere ao treino de endurance, o uso da MP reduziu a PSE (p= 0,002; d= 0,86) e aumentou significativante a motivação (p= 0,001; d= 2,14), entretanto não alterou os níveis de força e a frequência cardíaca dos praticantes (Nixon et al., 2022).
Achados similares foram encontrados em nosso estudo no qual a música, possivelmente, auxiliou na redução da fadiga mental e física levando ao aumento da concentração e atenção durante o HIIT-MP sendo fator determinante para a melhora do rendimento físico e cognitivo.
No entanto, há evidências mistas sobre a eficácia da música, que pode ser mediada por diferenças na seleção e preferência musical. Evidências emergentes mostraram que, se um indivíduo prefere ou não a música que está ouvindo durante o exercício, influencia muito seu potencial ergogênico, além das respostas fisiológicas, psicológicas e psicofisiológicas ao exercício, que devem ser levadas em consideração durante os diversos modelos de treino.
No presente estudo, os efeitos da MP foram fundamentais para resultados mais positivos na motivação e na sensação afetiva relacionada à prática do esforço. Sendo confirmado o aumento de desempenho e da capacidade física, à medida que houve a diminuição da PSE associada a um aumento na média da Escala de Valência Afetiva (AFETO).
Estudos prévios apontam que a motivação pela prática também está intrinsecamente associada à adesão do praticante em se manter fisicamente ativo (Marques & Carraça, 2020; Williams et al., 2016), tornando esse fator de extrema importância para a melhora da saúde e da qualidade de vida da população.
Ainda sobre esse assunto, Frazão et al. (2016) avaliaram as respostas afetivas durante uma única sessão de HIIT de baixo volume em homens ativos e insuficientemente ativos. Aqueles insuficientemente ativos e ativos relatam sentimentos de prazer a poucos bouts (ou seja, 3-4) durante o HIIT de baixo volume, enquanto as respostas afetivas se tornam mais desagradáveis ao longo do tempo para sujeitos insuficientemente ativos.
Nessa perspectiva, entende-se que os efeitos neuroquímicos e fisiológicos no corpo ocasionados pelo uso da música podem levar a mudanças na PSE e no bem-estar. Esses efeitos podem afetar as emoções, o humor, a ansiedade e o estresse, além de ter efeitos benéficos sobre a saúde física e mental. De tal modo, o uso pedagógico da música no HIIT pode ser um mecanismo auxiliador para praticantes recreacionais ou para o alto rendimento (Ballmann, 2021; Miller et al., 2009; Wu et al., 2022).
Investigações sobre os efeitos de protocolos HIIT no estado de saúde e condicionamento físico ainda são escassos, apenas um reduzido número de estudos comparou analisou a resposta afetiva durante sessões de HIIT. Esta é uma importante lacuna de pesquisa relacionada ao campo da prescrição de exercícios aeróbicos, resistidos e de endurance para promoção da saúde.
Algumas limitações podem ser consideradas no presente estudo, como a não aferição da frequência cardíaca durante o exercício realizado ou a aferição direta dos níveis de lactato sanguíneo e do VO2 máximo dos participantes. Todavia, o uso da Escala de Borg apresenta valores de referências que se relacionam com as variáveis bioquímicas supracitadas, sendo uma análise fidedigna e idônea para os achados do presente estudo.
CONCLUSÃO
A música pode afetar diferentes aspectos psicofisiológicos durante a prática do HIIT. Observou-se que a sensação de prazer, atrelada a MP, durante o protocolo de HIIT foi de grande importância para mudanças positivas no desempenho dos participantes. O gosto musical foi um fator determinante para a melhora da velocidade, da carga interna de trabalho através da PSE e do afeto através do treino de esteira rolante.
Constatou-se que a utilização (ou não) da música pode influenciar de modo significativo nas respostas psicofisiológicas dos praticantes sendo um fator de importância para a melhora do rendimento. Desse modo, entende-se que a musicalidade no exercício de alta intensidade pode ser um mecanismo auxiliar para praticantes recreacionais e/ou para atletas.