INTRODUÇÃO
A obesidade é um quadro clínico associado ao aumento do risco de aparecimento de doenças crônicas não transmissíveis como diabetes mellitus tipo 2, doenças cardiovasculares, doenças ateroscleróticas, esteatose hepática e algumas formas de câncer, podendo reduzir a expectativa de vida entre 5 e 20 anos (Abdelaal, le Roux, & Docherty, 2017; Martin-Rodriguez, Guillen-Grima, Martí, & Brugos-Larumbe, 2015). Dados da Organização Mundial da Saúde (2014) mostram que, em 2014, entre indivíduos maiores de 18 anos, 11% dos homens e 15% das mulheres de todo o mundo encontravam-se obesos, isso representa praticamente o dobro de indivíduos obesos no planeta se comparados ao ano de 1980 (Arroyo-Johnson & Mincey, 2016; Organização Mundial da Saúde, 2014). No Brasil a prevalência da obesidade também tem aumentado. Segundo dados da pesquisa VIGITEL 19,8% dos brasileiros estavam obesos, com um número um pouco maior entre mulheres (20,7%) com relação aos homens (18,7%) (Brasil, 2019).
O desenvolvimento da obesidade dá-se em virtude de uma complexa interação de múltiplos componentes, sejam eles ambientais, predisposição genética e comportamentais (Abdelaal et al., 2017; Kadouh & Acosta, 2017). Embora a causa imediata para o desenvolvimento deste distúrbio seja de caráter comportamental, o balanço energético positivo caracterizado por hábitos alimentares ruins e baixos níveis de atividade física, ou mesmo um estado de sedentarismo, os fatores sociodemográficos têm sido apontados como contribuintes cruciais para o desenvolvimento do quadro (Arroyo-Johnson & Mincey, 2016; Nguyen & El-Serag, 2010).
A cirurgia bariátrica tem se mostrado uma poderosa ferramenta para a diminuição do índice de massa corporal, fatores de risco para doenças crônicas, capacidade funcional, imagem corporal, qualidade do sono e qualidade de vida de indivíduos com obesidade severa (Akkayaoğlu & Çelik, 2020; Colquitt, Pickett, Loveman, & Frampton, 2014; de Souza et al., 2009; Miranda et al., 2013). No Brasil tal procedimento é oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde, sendo o tempo entre a indicação da cirurgia bariátrica e sua efetiva realização de aproximadamente 2 anos (Rasera, Luque, Junqueira, Brasil, & Andrade, 2017). O tempo de espera pode acarretar ganho de peso e aumento de comorbidades relacionada a condição da obesidade, tornando-se importante um acompanhamento adequado do paciente durante este período (Marcon et al., 2017; Rasera et al., 2017).
Um dos importantes desfechos de saúde a serem investigados em pacientes de cirurgia bariátrica é a qualidade de vida (Coulman et al., 2016). Estudos anteriores revelaram que a percepção sobre a própria qualidade de vida é inferior em indivíduos com obesidade quando comparado à sujeitos com peso corporal normal (Burkert & Freidl, 2019; Busutil et al., 2017; Minet Kinge & Morris, 2010). Indivíduos que apresentam índice de massa corporal (IMC) maior que 35 kg/m2 apresentam níveis de qualidade de vida ainda mais comprometidos (Araghi et al., 2013; Minet Kinge & Morris, 2010). Embora haja uma associação positiva entre níveis de atividade física e qualidade de vida em pessoas com obesidade (Bond et al., 2006; Jepsen, Aadland, Andersen, & Natvig, 2013), tal população frequentemente demonstram menores índices de atividade física quando comparados à indivíduos não obesos (Bond et al., 2010; Burkert & Freidl, 2019). Compreender os fatores contribuintes para o agravamento dessa baixa percepção sobre a própria qualidade de vida é importante para que os profissionais e estudiosos da área de saúde possam otimizar o acolhimento desta população de forma a contribuir com a melhora deste quadro.
Estudo anteriores tem demonstrado que a qualidade de vida de pessoas com obesidade está diretamente relacionada com o seu nível socioeconômico, bem como com o nível de atividade física (Burkert, Freidl, Muckenhuber, Stronegger, & Rásky, 2012; Burkert, Rásky, Großschädl, Muckenhuber, & Freidl, 2013; Burkert & Freidl, 2019; Dinsa, Goryakin, Fumagalli, & Suhrcke, 2012; Jepsen et al., 2013; McLaren, 2007; Minet Kinge & Morris, 2010), no entanto tais trabalhos foram realizados em países desenvolvidos, divergindo da realidade dos países em desenvolvimento no tocante aos aspectos econômicos, sociais e culturais.
O objetivo primário desta pesquisa foi comparar a qualidade de vida de candidatos à cirurgia bariátrica entre diferentes níveis de atividade física e níveis socioeconômicos. Como objetivo secundário buscou-se correlacionar o tempo de atividade física semanal com a qualidade de vida de candidatos à cirurgia bariátrica.
MÉTODOS
Trata-se de um estudo transversal desenvolvido no Serviço de Promoção de Saúde e Qualidade de vida e Laboratório Avançado de Educação Física e Saúde (LAEFES), ambos localizado no Hospital das Clínicas de Pernambuco da UFPE, onde os participantes foram recebidos após encaminhamento do ambulatório de cirurgia geral deste hospital, setor responsável pelo acompanhamento dos candidatos à cirurgia bariátrica. A coleta de dados ocorreu durante os meses de junho e dezembro de 2019.
Participantes
A população do estudo foi caracterizada por indivíduos adultos, de ambos os sexos, classificados com obesidade grau 3 (IMC≥ 40 kg/m2), conforme classificação da Organização Mundial da Saúde (2000), e que estivessem na fila de espera para realização de cirurgia bariátrica no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco EBSERH (HC-UFPE-EBSERH).
A amostra por conveniência foi recebida ao longo do ano de 2019 no LAEFES após encaminhamento pelo ambulatório de cirurgia geral do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco EBSERH, sendo composta por 62 indivíduos (mulheres= 49; idade= 39,53± 10,72 anos; IMC= 50,05± 9,26 kg/m2). Para ser incluído no estudo o participante deveria ter 18 anos de idade ou mais; estar classificado como obeso grau 3 (IMC ≥ 40 kg/m2); ser candidato à cirurgia bariátrica no Hospital das Clínicas de Pernambuco. Foram excluídos indivíduos com comprometimento cognitivo que impedissem a participação na entrevista.
Esta pesquisa foi desenvolvida de acordo com as normas estabelecidas pela resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde para pesquisas envolvendo seres humanos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro de Ciências da Saúde, da Universidade Federal de Pernambuco (processo 3.117.241/19).
Procedimentos
No programa de cirurgia bariátrica do Hospital das Clínicas de Pernambuco da UFPE os pacientes candidatos à realização deste procedimento são submetidos a consultas com uma equipe multidisciplinar composta por médicos, nutricionista, psicólogo, fonoaudiólogo, assistente social, enfermagem e educação física, além de realizar diversos tipos de exames clínicos. Portanto os indivíduos que participaram da presente pesquisa poderiam estar em fases diferentes de acompanhamento, com alguns já realizando tratamento com profissionais da equipe multidisciplinar enquanto outros não.
A amostra foi recrutada através de abordagem presencial realizada durante a visita ao LAEFES para início do tratamento junto a equipe de educação física do hospital. Os pacientes foram convidados a participar da presente pesquisa, onde receberam uma explanação acerca dos procedimentos e objetivos do estudo e solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os indivíduos que aceitaram participar da pesquisa responderam questionários sobre qualidade de vida (SF-36), nível de atividade física (IPAQ), nível socioeconômico (ABEP) e uma anamnese para coleta de dados biopsicossociais, em entrevista individual realizada por um dos pesquisadores.
Variáveis e instrumentos
Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey (SF-36)
Para avaliação da qualidade de vida (QV) foi utilizado o questionário SF-36, validado no Brasil por Ciconelli, Ferraz, Santos, Meinão e Quaresma (1999). Este instrumento possui fácil administração e compreensão, sendo também pouco extenso. O questionário é composto por 11 questões e 36 itens, cujos resultados são expressos em 8 domínios: capacidade funcional (CF) composto por 10 itens, aspectos físicos (AF) composto por 4 itens, dor (DOR) composto por 2 itens, estado geral de saúde (EGS) composto por 5 itens, vitalidade (VIT) composto por 4 itens, aspectos sociais (AS) composto por 2 itens, aspectos emocionais (AE) composto por 3 itens e saúde mental (SM) composto por 5 itens. Cada um desses domínios é expresso numa escala que vai de 0 a 100, sendo 0 correspondente ao pior estado e 100 correspondente ao melhor estado (Ciconelli et al., 1999).
International Physical Activity Questionnaire (IPAQ)
Os níveis de atividade física (NAF) foram avaliados através do questionário IPAQ em sua versão curta, validada no Brasil por Matsudo et al. (2001). O instrumento é composto por 7 perguntas acerca do tempo de atividade física e o tempo sentado do indivíduo. A interpretação do resultado permite classificar o sujeito em 3 diferentes categorias associadas aos níveis de atividade física: baixo (BA), moderado (MO) e alto (AL). A interpretação do questionário permite ainda realizar uma estimativa do gasto calórico semanal medido em MET-minuto/semana. Os critérios de classificação categórica e cálculo do escore contínuo foram realizados conforme as instruções oficiais do IPAQ (2005).
Critério de Classificação Econômica Brasil (ABEP)
A mensuração do nível socioeconômico (NE) foi realizada através do questionário do Critério de Classificação Econômica Brasil, desenvolvido pela Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP) (2008). Tal instrumento tem sua classificação baseada no poder de compra das pessoas e famílias, através da avaliação da quantidade de itens de conforto que o indivíduo possui (automóvel, geladeira, televisão, entre outros.), além de identificar o grau de instrução do(a) chefe de família. É composto por 10 questões e classifica o indivíduo nos seguintes níveis socioeconômicos, de acordo com as pontuações obtidas: A1 – 42 a 46 pontos; A2 – 35 a 41; B1 – 29 a 34; B2 – 23 a 28; C1 – 18 a 22; C2 – 14 a 17; D – 8 a 13; E – 0 a 7, em ordem decrescente (ABEP, 2008). Para a análise dos dados o NE foi agrupado em três categorias: A (A1 e A2), B (B1 e B2) e C (C1, C2, D e E).
Análise estatística
Para tabulação e construção do banco de dados foi utilizado o software Excel 2013 (Microsoft Corporation). A análise dos dados foi realizada no programa SPSS 25.0 (Statistical Package for the Social Sciences). As medidas descritivas foram expressas em média e desvio padrão, para variáveis contínuas, e frequência absoluta e relativa (%), para variáveis categóricas. Para verificação da normalidade dos dados foi utilizado o teste de Shapiro-Wilk. A Correlação de Spearman foi utilizada para relacionar os valores de NAF contínuo com os domínios de QV. Para comparar os valores dos domínios de QV entre os diferentes grupos de NE e NAF foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis. Quando aplicável, foi realizado o post-hoc de Bonferroni. Foi adotado nível de significância de 5%.
RESULTADOS
As características sociodemográficas, antropométricas, distribuição de NAF e NE são apresentadas na Tabela 1.
Característica | Média (DP) | n | % |
---|---|---|---|
Sexo | |||
Mulheres | 49 | 79,03 | |
Homens | 13 | 20,97 | |
Idade | 39,53 (10,72) | ||
19 – 24 | 5 | 8,06 | |
25 – 34 | 16 | 25,81 | |
35 – 44 | 19 | 30,64 | |
45 – 54 | 16 | 25,81 | |
55 – 64 | 6 | 9,68 | |
Massa corporal (kg) | 133,03 (32,00) | ||
Estatura (m) | 1,62 (0,09) | ||
IMC (kg/m2) | 50,05 (9,26) | ||
NAF (MET-min./sem.) | 1.683,04 (2172,67) | ||
NAF categórico | |||
Baixo | 30 | 48,39 | |
Moderado | 19 | 30,64 | |
Alto | 13 | 20,97 | |
NE | |||
B | 17 | 27,42 | |
C | 45 | 72,58 |
IMC: índice de massa corporal; NAF: nível de atividade física; NE: nível socioeconômico; DP: desvio padrão.
O escore dos 8 domínios de qualidade de vida do questionário SF-36, bem como sua correlação com os valores de NAF são apresentados na Tabela 2. Observa-se que os domínios AS e EGS presentaram o maior e menor escore, respectivamente.
Domínio | Média± DP | Coeficiente | Valor-p |
---|---|---|---|
Capacidade funcional | 51,05± 26,52 | 0,459 | < 0,001 |
Aspectos físicos | 47,58± 36,69 | 0,311 | 0,014 |
Dor | 49,73± 27,34 | 0,372 | 0,003 |
Estado geral de saúde | 37,68± 17,47 | 0,162 | 0,207 |
Vitalidade | 48,87± 24,28 | 0,319 | 0,012 |
Aspectos sociais | 66,13± 32,44 | 0,381 | 0,002 |
Aspectos emocionais | 54,84± 44,39 | 0,084 | 0,517 |
Saúde mental | 65,03± 24,49 | 0,079 | 0,542 |
DP: desvio padrão.
Ao comparar os escores dos domínios de QV entre as diferentes categorias de NAF o teste de Kruskal-Wallis revelou que há efeito sobre os domínios CF [X2(2)= 9,133], AF [X2(2)= 7,094] e AS [X2(2)= 6,827] (Tabela 3). O post-hoc de Bonferroni mostrou que o escore do domínio CF é significativamente maior para o grupo Moderado com relação ao grupo com Baixo NAF (p< 0,025), embora não haja diferenças entre o grupo com alto nível de NAF e os demais grupos. Para o domínio AF foi verificada diferença entre os grupos categóricos de NAF Alto e Baixo (p< 0,036), com o primeiro grupo apresentando maior escore para este domínio, sem diferença do grupo Moderado para os demais grupos. Embora o domínio AS tenha apresentado efeito entre grupos, quando realizado o ajuste para múltiplas comparações não foram encontradas diferenças entre eles (p> 0,05).
Domínio | Baixo (n= 30) | Moderado (n= 19) | Alto (n= 13) | Valor-p |
---|---|---|---|---|
Capacidade funcional | 40,83± 23,20 | 61,05± 25,03* | 60,00± 28,80 | 0,01 |
Aspectos físicos | 35,83± 35,77 | 53,95± 33,61 | 65,38± 36,14* | 0,029 |
Dor | 40,40± 30,22 | 58,58± 22,62 | 58,31± 20,05 | 0,058 |
Estado geral de saúde | 33,07± 16,58 | 45,58± 18,78 | 36,77± 14,32 | 0,052 |
Vitalidade | 41,50± 25,50 | 55,79± 22,56 | 55,77± 19,98 | 0,088 |
Aspectos sociais | 54,58± 35,12 | 75,66± 27,47 | 78,85± 24,14 | 0,033 |
Aspectos emocionais | 50,00± 46,11 | 59,65± 45,24 | 58,97± 41,17 | 0,757 |
Saúde mental | 58,93± 29,60 | 74,74± 15,09 | 64,92± 18,63 | 0,169 |
*Maior que baixo (p< 0,05).
Os escores dos domínios de QV entre os diferentes grupos de NE constam na Tabela 4. O teste de Kruskal-Wallis mostrou que o grupo de NE B possui escores significativamente maiores que os indivíduos do nível C nos domínios CF [X2(1)= 4,800], EGS [X2(1)= 11,568], VIT [X2(1)= 7,278], AS [X2(1)= 4,086], AE [X2(1)= 6,467] e SM [X2(1)= 7,055].
Domínios | B (n= 17) | C (n= 45) | Valor-p |
---|---|---|---|
Capacidade funcional | 62,94± 30,16 | 46,56± 23,85 | 0,028 |
Aspectos físicos | 57,35± 33,96 | 43,89± 37,37 | 0,201 |
Dor | 60,12± 27,13 | 45,80± 26,66 | 0,05 |
Estado geral de saúde | 48,94± 14,97 | 33,42± 16,56 | 0,001 |
Vitalidade | 62,35± 26,35 | 43,78± 21,64 | 0,007 |
Aspectos sociais | 79,41± 29,30 | 61,11± 32,45 | 0,043 |
Aspectos emocionais | 78,43± 35,24 | 45,93± 44,55 | 0,011 |
Saúde mental | 77,41± 21,16 | 60,36± 24,22 | 0,008 |
DISCUSSÃO
Este estudo teve como principal objetivo comparar a qualidade de vida de pacientes em aguardo para cirurgia bariátrica com diferentes NE e diferentes NAF. Os principais achados foram a correlação entre NAF e os domínios CF, AF, DOR, VIT e AS de qualidade de vida. Ainda, os sujeitos que apresentaram maior NAF demonstraram maiores escores de domínios relacionados a componentes físicos de QV. Sujeitos com NE superior expressaram maiores escores de QV em domínios relacionados a componentes físicos e mentais. Até onde temos conhecimento, este é o primeiro estudo que aborda tais variáveis nesta população no Brasil.
Os resultados demonstraram um número maior de pacientes mulheres em relação ao número de homens. Embora a amostragem por conveniência possa contribuir para este resultado, os achados estão em consonância com aqueles reportados por estudos anteriores (Bond et al., 2006, 2010, 2012; Padwal, Chang, Klarenbach, Sharma, & Majumdar, 2012; Rocha de Almeida et al., 2019; Vasconcelos & Costa Neto, 2008). Diante da prevalência similar de obesidade entre homens e mulheres, parece que estas têm uma maior tendência de buscar os serviços de saúde para realização da cirurgia bariátrica, sendo necessário estudos mais aprofundados nesta área para maior compreensão deste fenômeno.
Dentre os domínios de QV, o EGS obteve a menor pontuação. Devido a maior possibilidade de desenvolvimento de comorbidades como hipertensão, diabetes, dislipidemia, apneia do sono, dificuldades para dormir, entre outros fatores (Abdelaal et al., 2017; Martin-Rodriguez et al., 2015), é justificado que os pacientes tenham uma percepção ruim a respeito de seu estado geral de saúde, achado similar ao de estudo anterior (Bond et al., 2012). Os domínios com maior preservação foram AS e SM, achado similar ao de outro estudo realizado no Brasil (Vasconcelos & Costa Neto, 2008). Tal preservação pode estar associada ao trabalho multidisciplinar realizado durante o tempo de espera para realização da cirurgia, tal como reportado por Vasconcelos e Costa Neto (2008). Outros estudos encontraram maior preservação da QV, nesta população, em aspectos mentais e/ou sociais, corroborando com a presente pesquisa (Bond et al., 2012; Pazzianotto-Forti, Sgariboldi, Rasera, & Reid, 2018).
Conforme esperado, a maior parte dos sujeitos avaliados se enquadraram na categoria de baixo NAF, condição amplamente reportada pela literatura, reafirmando que baixos níveis de atividade física são um dos principais fatores que contribuem para o surgimento da condição de obesidade (Bond et al., 2010, 2012; Burkert & Freidl, 2019; Padwal et al., 2012; Pazzianotto-Forti et al., 2018). Os achados da presente investigação demonstraram existir uma relação positiva entre níveis de atividade física semanais e os domínios de qualidade de vida CF, AF, DOR, VIT e AS. Indivíduos pertencentes aos grupos com moderado e alto NAF apresentaram escore significativamente maior nos domínios CF e AF. Pesquisas anteriores encontraram resultados semelhantes (Bond et al., 2006; Jepsen et al., 2013). Bond et al. (2006) ao investigar as relações entre níveis de atividade física e qualidade de vida em um grupo de 89 obesos mórbidos candidatos a cirurgia bariátrica reportou que aqueles candidatos classificados como suficientemente ativos obtiveram escores significativamente maiores que àqueles classificados como insuficientemente ativos nos domínios CF, AF, VIT e na medida sumário Componente Físico. No atual estudo foram encontradas diferenças entre o grupo que apresentou moderado NAF com relação ao grupo que apresentou baixo NAF para o domínio CF. Curiosamente o grupo com alto NAF não apresentou diferença significativa com relação aos demais grupos, talvez em função da baixa amostra ou ainda por se tratar de uma medida autodeclarada, nesse sentido são necessárias maiores investigações com métodos diretos de avaliação dos NAF. Em outro estudo, Jepsen et al. (2013) ao avaliar 49 obesos mórbidos a fim de investigar a associação entre NAF e QV, reportaram haver relação positiva entre nível de atividade física e componente físico de QV. Tal estudo, realizado com medida objetiva para os níveis de atividade física, parece corroborar com os achados da presente pesquisa, tendo em vista que indivíduos ativos, grupos moderado e alto NAF, apresentaram valores significativamente maiores para os domínios CF e AF, dois importantes domínios para a medida sumária Componente Físico (Ware, Kosinski, & Keller, 1994), utilizada no estudo de Jepsen et al. (2013). Interessante destacar que ambos os estudos mencionados foram realizados em países desenvolvidos, o presente estudo apontou resultados semelhantes, porém numa condição de país em desenvolvimento onde as condições socioeconômicas e culturais poderiam alterar tais correlações. O maior coeficiente de correlação foi encontrado no domínio CF, podendo ser explicado pela melhoria que maiores níveis de atividade física têm sobre a capacidade funcional de indivíduos da população investigada (Marcon et al., 2017). Estudos longitudinais precisam ser realizados para verificar se há relação causal entre tais variáveis. Destaca-se que não foram encontradas relações significativas entre os NAF e os domínios AE e SM, o que está de acordo com estudos anteriores (Bond et al., 2006; Jepsen et al., 2013). Contrariando tais achados, King et al. (2013), em estudo transversal com 850 candidatos à cirurgia bariátrica, demonstraram uma relação inversa entre níveis de atividade física, mensurados de maneira objetiva, e sintomas depressivos. Tais divergências podem ter ocorrido em função dos diferentes instrumentos para avaliação dos NAF, bem como a diferença no tamanho da amostra.
No tocante ao nível socioeconômico, nenhum dos participantes se enquadrou na classificação A e a ampla maioria dos sujeitos enquadravam-se na classificação C. Pelo fato de a amostra investigada fazer parte de um serviço de cirurgia bariátrica ofertado por um hospital do sistema público de saúde era esperado que grande parte do público atendido esteja entre as camadas mais vulneráveis economicamente da sociedade, sendo este um ponto importante para melhor compreensão e acolhimento de tais pacientes. Convergindo com os achados da presente pesquisa, estudo anterior realizado por Vasconcelos e Costa Neto (2008), também em um hospital público brasileiro, reportou maior número de candidatos à cirurgia bariátrica com renda mensal entre 1 e 2 salários-mínimos. Estudos epidemiológicos demonstraram que a condição da obesidade está relacionada a um menor poder econômico quando comparado a indivíduos não obesos, relação ainda mais notável para mulheres e em países em desenvolvimento (Burkert & Freidl, 2019; Dinsa et al., 2012; McLaren, 2007). A presente análise revelou que obesos mórbidos que fazem parte de um status socioeconômico mais favorável possuem maiores escores de qualidade de vida nos domínios CF, EGS, VIT, AS, AE e SM. Este resultado está de acordo com outros estudos anteriores (Burkert et al., 2012, 2013; Burkert & Freidl, 2019; Minet Kinge & Morris, 2010). Outras investigações demonstraram que baixos níveis socioeconômicos têm maior impacto sobre a qualidade de vida de indivíduos obesos com relação a não obesos (Burkert et al., 2013; Burkert & Freidl, 2019; Minet Kinge & Morris, 2010).
Os resultados apresentados por este estudo reforçam a necessidade da presença de profissionais de educação física nas equipes multidisciplinares que atendem pacientes em preparo para cirurgia bariátrica, garantindo aconselhamento para uma vida fisicamente mais ativa, o que possivelmente pode produzir melhoria em aspectos físicos da qualidade de vida. Ademais, o nível socioeconômico deve ser levado em conta na priorização e desenvolvimento do acompanhamento dos pacientes, uma vez que se associa inversamente com a qualidade de vida, seja em domínios físicos ou mentais.
Esta pesquisa possui algumas limitações. Por se tratar de um estudo transversal não podemos inferir causalidade entre as variáveis estudadas, para tanto é recomendada a realização de estudos longitudinais e ensaios clínicos a fim de entender melhor tais relações. Os níveis de atividade física foram mensurados de modo autodeclarado, medidas objetivas podem reportar resultados diferentes e, portanto, se faz necessário pesquisas nesse sentido. Os participantes da pesquisa poderiam estar em diferentes etapas do PMCB o que pode ter acarretado diferenças na qualidade de vida em virtude do acompanhamento com a equipe multidisciplinar. Os resultados reportados devem ser interpretados com cuidado e não podem ser extrapolados já que a amostra foi reunida num contexto sociocultural específico (hospital público do nordeste brasileiro), sendo necessários estudos com amostra representativa para o território nacional.
CONCLUSÕES
A pesquisa atual indicou que pessoas com obesidade mórbida candidatas à cirurgia bariátrica, com níveis mais elevados de atividade física, apresentaram pontuações superiores nos componentes físicos da qualidade de vida. Paralelamente, observou-se que aqueles com um nível socioeconômico mais alto obtiveram melhores escores tanto nos componentes físicos quanto nos mentais. Portanto, sugerir o estímulo ao aumento da prática de atividade física durante o período pré-cirúrgico pode estar associado a níveis aprimorados nos componentes físicos da qualidade de vida. Adicionalmente, é relevante considerar que pacientes com um menor status socioeconômico podem requerer abordagens pré-cirúrgicas distintas, dado o potencial comprometimento mais acentuado na qualidade de vida.