INTRODUÇÃO
Qualquer pessoa admitida numa unidade de internamento pode, repentinamente e de forma imprevista, perder a sua autonomia e ter o seu prognóstico alterado (Ferreira & Nunes, 2019) e vir a tornar-se numa pessoa em situação crítica. E, todo e qualquer Enfermeiro que trabalhe diretamente com pessoas pode vir a ser, mesmo que por um curto período de tempo, cuidador de uma pessoa em situação crítica. Assim, a temática das Diretivas Antecipadas de Vontade é transversal a todos os profissionais de enfermagem, e o conhecimento, as atitudes e práticas dos Enfermeiros sobre as mesmas, tornou-se pertinente, relevante e interessante para desenvolver uma investigação.
Barreto e Capelas (2020) afirmam que apenas 40% dos profissionais de saúde se sentem informados sobre a forma como se realizam as Diretivas Antecipadas de Vontade. Numa publicação posterior, Cogo et al. (2021) chegam a conclusões semelhantes, salientando até que alguns profissionais desconhecem as Diretivas Antecipadas de Vontade.
Um dos maiores desafios da humanidade é prolongar a vida e adiar o momento da morte. No entanto, o desafio atual da enfermagem é saber cuidar ao longo de todo o ciclo da vida, determinando limites de intervenção em pessoas em estado terminal ou em vítimas de acidentes ou doenças súbitas com lesões irreversíveis (Laranjeira et al., 2021).
De facto, o desenvolvimento tecnológico e científico na área da saúde tem sido avassalador, e tem trazido inúmeros benefícios para a humanidade, conseguindo-se prolongar a vida humana em circunstâncias que, no passado, seriam fatais (Macedo, 2022). No entanto, utilizar a alta tecnologia para prolongar a vida a qualquer custo, sustentando de forma artificial sinais vitais e órgãos, sem oferecer qualidade de vida e alívio de sofrimento, quer para o utente quer para os seus familiares, é algo que deve ser repensado (Rodrigues, Magnos, Covas, Castro, & Chagas, 2021). Assim, surge um dilema na área da saúde entre prolongar a vida ou permitir que a morte natural ocorra (Laranjeira et al., 2021).
O fim de vida das pessoas é marcado por angústias, dúvidas, medos e receios, quer dos profissionais, quer dos utentes e seus familiares. Assim, é importante que os profissionais reconheçam e aceitem a morte, comunicando essa situação a utentes e familiares de modo a promover mudanças nas atitudes diante dos cuidados de fim de vida (Cogo et al., 2021).
Através das Diretivas Antecipadas de Vontade, a pessoa tem a possibilidade de redigir as suas vontades sobre os cuidados de saúde que quer ou não receber, numa altura em que não só goza da plenitude de suas faculdades mentais, como também não se vê na iminência de tomar decisões apressadas num momento de particular dificuldade da sua vida. Assim, a pessoa é livre para, antecipadamente, documentar as suas intenções de vontade de receber ou não tratamentos e cuidados específicos perante uma situação em que não se encontre apta para a tomada de decisão em saúde sobre si própria (Rodrigues et al., 2021).
É importante que a população em geral, e os profissionais de saúde em particular, reconheçam que nunca é cedo demais para se preparar para o inesperado e que, no caso de ficarem incapacitados, já podem ter sua preferência de tratamento estabelecida por meio de uma Diretiva Antecipada de Vontade (Young, Stone, & Perre, 2022). As Diretivas Antecipadas de Vontade foram estabelecidas para defender, sobretudo, a autonomia da pessoa. O princípio da autonomia humana institui o respeito à liberdade e à capacidade da pessoa gerir, decidir e conduzir a própria vida, por meio de escolhas e opções que respeitem as suas crenças e valores (Santana & Câmara, 2022).
No sentido da afirmação pelo direito à autonomia prospetiva, bem como com o intuito de relevar a importância e honrar a vontade anteriormente expressa pela pessoa, surgem as Diretivas Antecipadas de Vontade, sob a forma de Testamento Vital.
As Diretivas Antecipadas de Vontade são um instrumento à disposição do utente num momento em que se encontre incapaz de exercer a sua autonomia, e constituem a última oportunidade para influenciar as decisões de saúde, ajudando a reduzir conflitos. São uma ferramenta que implica todo um processo de informação e diálogo entre o utente e o profissional e uma reflexão pessoal do utente, sendo consideradas instrumentos de defesa da dignidade da pessoa humana (Isolani, 2020).
A pessoa, desde que munida das informações necessárias que lhe permitam optar conscientemente pelas alternativas de tratamento e ciente das consequências possíveis que a aceitação ou rejeição do mesmo possa acarretar, passa, através da sua Diretiva Antecipada de Vontade, a ser o centro decisor dos seus cuidados de saúde, reforçando assim o seu direito à autodeterminação.
Em Portugal, um Testamento Vital pode ser feito por qualquer cidadão residente no país, que tenha pelo menos 18 anos e que não se encontre interdito ou incapacitado por anomalia psíquica. Pode ser feito em papel e acompanhar sempre o utente, desde que tenha assinatura reconhecida pelo notário, no entanto, só é garantido que os profissionais de saúde tenham conhecimento de que existe um Testamento Vital válido, caso este seja inscrito no Registo Nacional do Testamento Vital.
Para Miname, Santos e Santana (2023, p. 6), na perspetiva dos Enfermeiros, o Testamento Vital representa "a expressão de autonomia e o direito do paciente, nas situações de terminalidade da vida, devendo ser compartilhadas com seus familiares e profissionais de saúde".
Os próprios profissionais de saúde, podem vivenciar conflitos nas situações em que o desejo manifestado por meio de uma Diretiva Antecipada de Vontade da pessoa não é respeitado, seja pela equipa e/ou pelos próprios familiares. Percecionar a limitação da sua atuação numa destas situações de conflito pode gerar sentimento de frustração, perante a impossibilidade de cumprir o desejo do utente (Miname et al., 2023).
Como particularidade da realidade portuguesa, é necessário referir que todas as instituições de saúde têm acesso aos registos existentes no Registo Nacional do Testamento Vital. Os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, à data de 9 de janeiro de 2023, referiram que existiam cerca de 34.500 de Testamentos Vitais ativos, ou seja, apenas cerca de 0,35% dos portugueses possuem uma Diretiva Antecipada de Vontade registada, dos quais cerca de 12 mil efetuados por homens e 22.500 por mulheres.
E, de acordo com o atrás exposto, foi elaborado o presente estudo que teve como objetivo principal analisar o conhecimento, atitudes e práticas dos Enfermeiros de um Centro Hospitalar do Norte de Portugal, sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade.
MÉTODO
Esta é uma investigação do tipo descritivo-correlacional, onde se descrevem características de uma população, documentam-se fenómenos que nela acontecem e estabelecem-se e determinam-se relações entre variáveis, levando à formulação e verificação de hipóteses (Vilelas, 2020). É também uma pesquisa transversal, uma vez que o fator e o efeito são observados num mesmo intervalo de tempo (Vilelas, 2020).
Amostra
A amostra deste estudo foi constituída por 270 Enfermeiros a exercer funções em serviços de internamento de Departamentos de Adultos de um Centro Hospitalar do Norte de Portugal. Utilizaram-se os seguintes critérios de inclusão: i) ser enfermeiro ii) exercer funções em serviços de internamento de Departamentos de Adultos; iii) trabalhar num departamento de adultos (pessoa com pelo menos 18 anos de idade), na prestação de cuidados ou na gestão do serviço.
Os indivíduos da amostra (Tabela 1) são na sua maioria do género feminino (87,0%; n= 235), enquadrando-se maioritariamente no grupo etário dos 31-40 anos (43,0%; n= 116), com uma média de idades de 39,26 anos, compreendidas entre um valor mínimo de 23 anos e um máximo de 62 anos. A categoria profissional predominante foi a de Enfermeiro, sem especialidade (62,6%; n= 169), sendo a amostra constituída, também, por 96 Enfermeiros Especialistas (35,6%) e 5 Enfermeiros Gestores. No que diz respeito ao tempo de exercício profissional os resultados variam entre o mínimo de 1 e o máximo de 40 anos, com uma média de experiência profissional de 15,97 anos ± 8,51. O departamento hospitalar com maior expressão na amostra, foi o Departamento Médico (37,8%; n= 102), sendo o Departamento com menor expressão o da Psiquiatria e Saúde mental (4,4%; n= 12).
Variáveis sociodemográficas | n | % | |
---|---|---|---|
Género | |||
Masculino | 35 | 13,0 | |
Feminino | 235 | 87,0 | |
Grupo etário | |||
Inferior a 30 anos | 48 | 17,8 | |
31 – 40 anos | 116 | 43,0 | |
41 – 50 anos | 76 | 28,1 | |
Superior a 50 anos | 30 | 11,1 | |
Categoria profissional | |||
Enfermeiro | 169 | 62,6 | |
Enfermeiro especialista | 96 | 35,6 | |
Enfermeiro gestor | 5 | 1,9 | |
Habilitações académicas | |||
Licenciatura | 238 | 88,1 | |
Mestrado | 32 | 11,9 | |
Conclusão do curso | |||
Antes da entrada em vigor da Lei 25/2012 | 211 | 78,1 | |
Depois da entrada em vigor da Lei 25/2012 | 59 | 21,9 | |
Departamento onde exerce funções | |||
Dep. Cirúrgico | 64 | 23,7 | |
Dep. da Mulher e Criança | 27 | 10,0 | |
Dep. de Ambulatório e ligação funcional | 13 | 4,8 | |
Dep. de Psiquiatria e saúde mental | 12 | 4,4 | |
Dep. de Urgência e Emergência, Cuidados Intensivos | 52 | 19,3 | |
Dep. Médico | 102 | 37,8 | |
Elaboração da sua Diretiva Antecipada de Vontade | |||
Sim | 7 | 2,6 | |
Não | 263 | 97,4 |
Quando confrontados com a elaboração da sua Diretiva Antecipada de Vontade, a esmagadora maioria (97,4%; n= 263) referiu ainda não a ter executado, havendo somente 7 Enfermeiros (2,6%) que confirmaram a sua realização.
Instrumentos
O instrumento de recolha de dados foi composto por 4 partes: uma primeira relativa aos dados sociodemográficos e profissionais dos participantes, uma segunda parte onde se pretendeu avaliar o nível de conhecimento dos participantes em relação às Diretivas Antecipadas de Vontade, utilizando 40 afirmações e onde os participantes responderam "Sim" ou "Não" consoante concordassem ou discordassem da afirmação/questão, uma terceira parte constituída por uma escala de Likert composta por 15 itens e onde se avaliaram as atitudes e práticas dos enfermeiros na aplicação das Diretivas Antecipadas de Vontade e uma quarta parte, onde se identificaram necessidades dos inquiridos sobre a temática.
Procedimentos
A recolha dos dados efetuou-se entre novembro e dezembro de 2022, num Centro Hospitalar do Norte do País. O questionário foi elaborado na aplicação do Google Forms® e distribuído pelos elementos da população através dos emails institucionais. O projeto de investigação foi previamente autorizado pelo Conselho de Administração do referido Centro Hospitalar do Norte de Portugal e Comissão de Ética do mesmo Centro Hospitalar (autorização 48/2022 de 28/10/2022).
Foi, também, solicitado um consentimento informado onde se garantiu o anonimato e a confidencialidade dos dados e que a participação no estudo era totalmente livre e voluntária. Durante a recolha dos dados e, em momento algum, foram solicitadas informações que pudessem identificar o profissional de saúde.
Análise estatística
Dada a natureza quantitativa do estudo, foi utilizado o software informático IBM-SPSS® Statistical Package for Social Science, versão 22, como ferramenta para tratamento dos dados, tendo-se construído uma base de registo dos mesmos.
Na análise dos dados recorreu-se à estatística descritiva (frequências absolutas e relativas e medidas de tendência central e de dispersão) e à estatística inferencial, através dos testes t-student e ANOVA. A verificação da normalidade foi realizada através dos testes Kolmogorov-smirnov com correção de Lilliefors e do teste Shapiro wilks (p> 0,05). O nível de significância considerado foi de 5%.
RESULTADOS
De uma forma geral, a maioria dos Enfermeiros conhece a definição de conceitos como Diretivas Antecipadas de Vontade, Testamento Vital e Procurador de Cuidados de Saúde, sendo para a amostra o termo mais familiar o de "Testamento Vital", onde 96,3% dos participantes (n= 260) refere saber o que significa. No entanto, é preciso referir que 71 dos Enfermeiros da amostra (26,3%) admite não saber qual o objetivo das Diretivas Antecipadas de Vontade. Quando questionados sobre a operacionalização dos conceitos, 158 Enfermeiros (58,5% da amostra) não sabe quem pode aceder legalmente às Diretivas Antecipadas de Vontade e 76,7% dos participantes (n= 207) admite mesmo não a saber consultar (Tabela 2).
Perceção sobre o conhecimento | n | % | |
---|---|---|---|
Sabe o que significa o termo "Diretivas Antecipadas de Vontade"? | |||
Sim | 204 | 75,6 | |
Não | 66 | 24,4 | |
Sabe o que significa o termo "Testamento Vital"? | |||
Sim | 260 | 96,3 | |
Não | 10 | 3,7 | |
Sabe o que significa o termo "Procurador de Cuidados de Saúde"? | |||
Sim | 156 | 57,8 | |
Não | 114 | 42,2 | |
Sabe qual o objetivo das Diretivas Antecipadas de Vontade? | |||
Sim | 199 | 73,7 | |
Não | 71 | 26,3 | |
Sabe quem legalmente pode aceder as Diretivas Antecipadas de Vontade? | |||
Sim | 112 | 41,5 | |
Não | 158 | 58,5 | |
Sabe como consultar uma Diretiva Antecipada de Vontade, de um utente? | |||
Sim | 63 | 23,3 | |
Não | 207 | 76,7 |
Dentre os Enfermeiros, 94,4% (n= 255) sabe que as Diretivas Antecipadas de Vontade são um documento escrito que reflete os valores e as preferências da pessoa na tomada de decisão terapêutica em fim de vida, no caso de incapacidade de as expressar, e 97,4% (n= 263) sabe inclusivamente que nas Diretivas Antecipadas de Vontade pode constar a vontade do cidadão a não ser submetido a tratamentos de suporte artificial das funções vitais, sendo que 244 dos Enfermeiros (90,4%) sabe que nas Diretivas Antecipadas de Vontade poderá constar a não autorização de administração de sangue ou derivados. 86,3% dos inquiridos (n= 233) sabe que o acesso às Diretivas Antecipadas de Vontade não é exclusivo ao Procurador de Cuidados de Saúde, no entanto, 128 Enfermeiros (47,41%) ainda pensa, erradamente, ser obrigatório nomear um, sempre que se faz um Testamento Vital.
As maiores lacunas de conhecimento em relação às definições das Diretivas Antecipadas de Vontade prendem-se com o facto de 77,4% dos Enfermeiros (n= 209) referir que o estado de consciência da pessoa não interfere para que as Diretivas Antecipadas de Vontade sejam tidas em conta, e 197 participantes (73%) da amostra afirmarem, erradamente, que nas Diretivas Antecipadas de Vontade pode constar a vontade do cidadão em doar ou não doar os seus órgãos. 258 Enfermeiros (95,6%) da amostra referem, corretamente, que nas Diretivas Antecipadas de Vontade prevalece a decisão da pessoa em relação à opinião dos profissionais de saúde e dos familiares, desde que não seja contrária à lei.
Constatou-se que 237 inquiridos (87,8%) sabem que o registo das Diretivas Antecipadas de Vontade não é exclusivo à própria pessoa, e que 85,9% dos Enfermeiros (n= 232) sabe que, para ser válida, a Diretiva Antecipada de Vontade tem de ser assinada na presença de um funcionário do Registo Nacional do Testamento Vital ou ter assinatura reconhecida por um notário, sendo que 83% (n= 224) afirma que a Diretiva Antecipada de Vontade tem que ser feita em papel.
De forma resumida e de acordo com a Tabela 3, os Enfermeiros da amostra possuem um conhecimento positivo, com uma média de pontuação de 14,67, desvio padrão de 1,37, com um mínimo de 10,0 e um máximo de 18,5.
Apenas 40,4% dos Enfermeiros da amostra (n= 109) se considera informado sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade, e 197 Enfermeiros (72,9%) admitem não se sentir preparados para informar sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade. 78% dos inquiridos (n= 211) concordam que os Enfermeiros têm o dever moral de seguir as manifestações expressas pela pessoa na sua Diretiva Antecipada de Vontade e 218 Enfermeiros (80,8%) concordam que têm a obrigação de respeitar os valores, crenças e preferências da pessoa, devendo abster-se de impor princípios de atuação baseados nas suas próprias crenças e convicções pessoais e morais. No entanto, 76,3% (n= 206 Enfermeiros) assume não consultar habitualmente o Registo de Saúde Eletrónico — Área do profissional, para saber se a pessoa possui Diretiva Antecipada de Vontade válida.
Após a verificação dos pressupostos de normalidade e homogeneidade, os resultados dos testes estatísticos aplicados, revelaram não existir diferenças estatisticamente significativas entre as variáveis, como se demonstra na Tabela 4.
Variáveis Sociodemográficas e profissionais | Conhecimento sobre as DAV | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
n | Média | Desvio padrão | Valor do teste | g.l. | p | ||
Género | t= −0,457 | 268 | 0,648 | ||||
Masculino | 35 | 14,571 | 1,6678 | ||||
Feminino | 235 | 14,685 | 1,3240 | ||||
Grupo etário | Anova= 0,193 | 3 | 0,901 | ||||
< 31 anos | 48 | 14,760 | 1,4291 | ||||
31 – 40 anos | 116 | 14,672 | 1,4082 | ||||
41 – 50 anos | 76 | 14,671 | 1,2847 | ||||
> 50 anos | 30 | 14,517 | 1,3926 | ||||
Categoria profissional | |||||||
Enfermeiro | 169 | 14,601 | 1,3786 | t= −1,118 | 263 | 0,264 | |
Enfermeiro especialista | 96 | 14,797 | 1,3642 | ||||
Grau académico | |||||||
Licenciatura | 238 | 14,683 | 1,3707 | t= 0,405 | 268 | 0,686 | |
Mestrado | 32 | 14,578 | 1,3860 | ||||
Conclusão do curso antes da entrada em vigor da Lei 25/2012, de 16 de julho | |||||||
Até 2012 inclusive | 211 | 14,671 | 1,3704 | t= 0,006 | 268 | 0,996 | |
Após 2013 inclusive | 59 | 14,669 | 1,3822 | ||||
Departamento onde exerce funções | --- | --- | --- | ||||
Dep. Cirúrgico | 64 | 14,555 | 1,4201 | Anova= 0,62 | 5 | 0,680 | |
Dep. da Mulher e da Criança | 27 | 14,407 | 1,2172 | ||||
Dep.de Ambulatório e Ligação | 13 | 14,731 | 1,4085 | ||||
funcional | |||||||
Dep. de Psiquiatria e Saúde Mental | 12 | 14,833 | 1,1742 | ||||
Dep. Urgência e Emergência, Cuidados | 52 | 14,904 | 1,4213 | ||||
Intensivos | |||||||
Dep. Médico | 102 | 14,667 | 1,3776 | ||||
Já elaborou a sua Diretiva Antecipada | --- | --- | --- | ||||
Sim | 7 | 14,786 | 1,4679 | t= 0,225 | 268 | 0,822 | |
Não | 236 | 14,667 | 1,3705 |
DISCUSSÃO
Quando questionados, os Enfermeiros da amostra, referem na sua maioria saber o significado dos termos "Diretivas Antecipadas de Vontade" (75,6%), "Testamento Vital" (96,3%), e "Procurador de Cuidados de Saúde" (57,8%), o que também se verificou no estudo de Barreto e Capelas (2020).
De igual forma, 97,4% dos participantes revela conhecimento de que nas Diretivas Antecipadas de Vontade pode constar a vontade a não ser submetido a tratamentos de suporte artificial das funções vitais, assim como 90,4% sabe que pode constar a não autorização de sangue ou derivados. Constatou-se ainda que 95,2% dos Enf.os manifestou saber que uma Diretiva Antecipada de Vontade, depois de registada, pode ser revogável a qualquer momento, e tal como no estudo de Barreto e Capelas (2020), onde 97,2% dos participantes sabiam que as Diretivas Antecipadas de Vontade são válidas em todo o território português, 97,0% dos Enfermeiros desta amostra também o sabem.
Em completa discordância com os dados obtidos por Barreto e Capelas (2020), onde apenas 13,5% dos participantes responderam adequadamente, no presente estudo, 94,8% dos Enfermeiros demonstraram saber que consentimento informado e Diretiva Antecipada de Vontade não são a mesma coisa. No estudo de Campo, Bouza, Santos e Trillo (2020) 74,8% dos participantes conseguiram fazer a adequada distinção entre ambos os termos.
Para a maioria dos participantes no estudo, o estado de consciência da pessoa não deve ser tido em conta, sempre que existir uma Diretiva Antecipada de Vontade, verificando-se que apenas 22,5% dos Enf.os conhece o facto de a pessoa, estando consciente, poder alterar a sua vontade, manifestando-a e prevalecendo a sua alteração como decisão. Aconteceu, praticamente o mesmo, no estudo de Campo et al. (2020) onde 33% dos participantes respondeu acertadamente a esta questão.
Quando questionados, inicialmente, se sabiam quem legalmente pode aceder às Diretivas Antecipadas de Vontade, 41,5% dos participantes referiu saber, tal como 49,9% no estudo de Barreto e Capelas (2020). Já no estudo de Campo et al. (2020), apenas 16% dos participantes referiram saber quem poderia aceder legalmente às Diretivas Antecipadas de Vontade.
Analisadas questões práticas relacionadas com as Diretivas Antecipadas de Vontade, a percentagem de intervenientes neste estudo que sabem quais os documentos necessários para a realização das Diretivas Antecipadas de Vontade (93,0%,) é superior ao revelado no estudo de Barreto e Capelas (2020), onde apenas 85,3% dos intervenientes soube responder corretamente, e ao estudo de Campo et al. (2020), onde a percentagem de respostas acertadas foi apenas de 53,1%.
Em relação às Diretivas Antecipadas de Vontade e se estas são uma ferramenta útil na tomada de decisão dos familiares e profissionais de saúde, quando a pessoa já não é capaz de decidir, 77,8% dos Enfermeiros da amostra consideram que sim, e 80,8% da amostra refere ser pertinente a planificação dos cuidados de enfermagem tendo em conta as orientações dadas pela pessoa na sua Diretiva Antecipada de Vontade. Já no estudo de Campo et al. (2020), a grande maioria dos profissionais (85%) referem que o documento facilita a tomada de decisões, sendo um instrumento útil. Também para Miname et al. (2023), na perspetiva dos Enfermeiros, as Diretivas Antecipadas de Vontade representam, a autonomia e o direito da pessoa, nas situações de fim de vida, devendo estas ser compartilhadas com familiares e profissionais de saúde, já que o estabelecimento de um vínculo de confiança também permite uma comunicação eficaz entre todos os intervenientes (Nogario et al., 2020).
Apesar de se tratar de um estudo efetuado apenas com médicos, Arruda, Abreu, Santana e Sales (2020) referem que a maioria dos participantes respeitam a autonomia de seus pacientes e concordam que uma Diretiva Antecipada de Vontade auxilia no processo de tomada de decisão, sendo os fatores mais importantes para a decisão médica o prognóstico do paciente e as condições de reversibilidade. Referem ainda que a presença de uma Diretiva Antecipada de Vontade contribuiu para a redução de suporte avançado de vida e adoção de cuidados de conforto.
Paralelamente, 78,1% dos Enfermeiros da amostra defendem ter o dever moral de seguir as manifestações expressas nas Diretivas Antecipadas de Vontade. Já para Nogario et al. (2020), a escuta e o respeito pelos desejos das pessoas, funcionam como linhas orientadoras para a conduta profissional, pois à medida em que as pessoas expõem seus desejos e dúvidas, os profissionais planeiam os cuidados de acordo com os limites de sua compreensão.
Os resultados do estudo de Ferreira e Nunes (2019) mostram que a verificação da existência de Diretiva Antecipada de Vontade não é prática corrente pelos profissionais de saúde, onde cerca de 78% dos profissionais (médicos e enfermeiros portugueses) nunca verificou a existência de Diretivas Antecipadas de Vontade. Neste estudo, verificou-se que apenas 11,5% dos Enfermeiros da amostra referem consultar habitualmente o Registo de Saúde Eletrónico — Área do profissional para confirmar a existência de Diretiva Antecipada de Vontade válida. Na mesma linha, os resultados de Barreto e Capelas (2020) foram idênticos, com apenas 12,9% dos participantes a procurarem informação sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade dos seus doentes. Mais reduzido ainda, foi o resultado do estudo de Campo et al. (2020) onde apenas 7,3% dos profissionais admite consultar os registos sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade.
Apenas 21,2% dos Enfermeiros da amostra deste estudo se considera preparado para informar sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade. Macedo (2020), sugere inclusivamente como possível causa para o baixo número de Diretivas Antecipadas de Vontade em Portugal, o facto dos profissionais de saúde não possuírem formação adequada para aconselhamento sobre as mesmas.
CONCLUSÕES
A Lei n° 25/2012 de 16 de julho (Regime das Diretivas Antecipadas de Vontade (DAV) - Testamento Vital), prevê, desde 2012, que a pessoa se possa pronunciar sobre os cuidados de saúde que pretende receber perante uma possível situação futura em que se encontre incapacitada de o manifestar, mas apenas em 2018, os Enfermeiros passam a ter acesso ao Registo Nacional do Testamento e à informação disponível nas Diretivas Antecipadas de Vontade.
As Diretivas Antecipadas de Vontade previnem a obstinação terapêutica e a distanásia. Representam a autonomia e o direito da pessoa, em situações de inconsciência e incapacidade de expressão da vontade, promovendo a dignidade humana e permitindo um vínculo de confiança e uma comunicação mais eficaz entre os intervenientes (pessoa, equipa de saúde e família).
Concluiu-se que a grande maioria dos Enfermeiros nunca verificou a existência de Diretiva Antecipada de Vontade apesar da parte mais expressiva da amostra considerar que esta verificação deve ser sempre efetuada na admissão do utente nos serviços hospitalares. Tal facto pode estar condicionado pela falta de informação destes profissionais, uma vez que, quanto maior o conhecimento sobre as Diretivas Antecipadas de Vontade, maior a disposição para as consultar e respeitar as suas orientações.
Apesar dos Enfermeiros valorizarem o direito de autonomia e o poder de decisão da pessoa, devido à falta de formação e desconhecimento de alguns pontos da lei, nomeadamente na operacionalização da consulta da Diretiva Antecipada de Vontade, apenas uma minoria destes profissionais se sente informado sobre as mesmas, e o número de Enfermeiros ainda reduz quanto aos que se sentem preparados para informar os seus utentes.
Sendo uma medida de baixo custo com efeito muito positivo, é importante fomentar campanhas de conhecimento e intervenções educativas, e incluir as Diretivas Antecipadas de Vontade no processo formativo dos Enfermeiros, promovendo a educação para a morte e aumentando o conhecimento dos profissionais sobre os benefícios, o alcance e as limitações das Diretivas Antecipadas de Vontade, pois profissionais de saúde informados, poderão levar direta ou indiretamente a um aumento do número de Diretivas Antecipadas de Vontade válidas na população Portuguesa.