INTRODUÇÃO
A incontinência fecal (IF) é definida como a perda involuntária de fezes (Cuinas et al., 2023). Esta perda de conteúdo fecal pode ser de forma líquida ou sólida, pelo menos uma vez por mês nos últimos 12 meses (Guinane & Crone, 2018) e ocorre numa multiplicidade de perturbações relacionadas com a fraqueza do pavimento pélvico e/ou alteração dos hábitos intestinais e pode ter impacto em quase todos os aspetos da vida quotidiana (Nelson, 2004).
Sintomatologia anorretal
A Sociedade Internacional de Continência (ICS) apresenta como sintomas de incontinência anorrectal: Incontinência anal como perda involuntária de fezes ou gases, podendo assim distinguir-se: (i) IF como perda involuntária de fezes — sólidas ou liquidas; (ii) Incontinência de flatos/gases como perda involuntária de flatos/gases; (iii) Incontinência dupla: queixa de incontinência anal e de incontinência urinária; (iv) Incontinência fecal (flatal) coital: Incontinência fecal (flatal) que ocorre durante o ato sexual vaginal; (v) perdas fecais passivas (inconscientes) — soiling (sujidade involuntária de fezes líquidas ou sólidas sem sensação ou aviso); (vi) Incontinência fecal por extravasamento (Overflow): Perda de fezes (fecal seepage) devido a impactação fecal (Sultan et al., 2017).
Prevalência
Mack, Hahn, Gödel, Enck e Bharucha (2023) revelou que a prevalência de IF global é de 8,0% e pelos critérios de Roma foi de 5,4%. A prevalência de IF foi maior em pessoas com 60 anos ou mais (9,3%) em comparação com pessoas mais jovens (4,9%) e foi mais prevalente em mulheres (9,1%) do que em homens (7,4%). Embora a maior perda tenha sido nas mulheres, a prevalência pode ser semelhante nos homens e está relacionada com a idade, aumentando de 7% na terceira década para 22% na sexta década, estabilizando depois. A idade média de início é a sétima década. A maioria das pessoas com IF na comunidade tem sintomas de gravidade ligeira (50%) ou moderada (45%) (Bharucha & Ravi, 2010).
Fisiopatologia
Existem diversos mecanismos que conjugados, cooperam para a normal continência fecal: a motilidade intestinal, o volume e a consistência fecal, o grau de consciência mental, o tónus esfincteriano anal e a integridade da inervação neuronal (Martins, Fonseca, Santos, & Carvalho, 2023). As causas da IF são multifatoriais, no entanto, as principais podem ser: Lesão ou fraqueza do esfíncter anal (Lesão obstétrica; Cirurgia: hemorroidectomia, esfincterotomia lateral, fistulectomia, malformações anorretais congénitas e cirurgia para estas condições; Traumatismo anorretal ou perineal ou anormalidades congénitas; Miopatia, por exemplo, esclerodermia); Perturbações estruturais do pavimento pélvico e cirurgia com excisão do reto (Prolapso rectal; Síndrome do períneo descendente; Cirurgia a retocele com excisão do reto); Perturbações neurológicas (Sistema nervoso central: acidente vascular cerebral, demência, esclerose múltipla, paralisia cerebral, espinha bífida, lesão da espinal medula, tumor da espinal medula e doença de Parkinson; sistema nervoso periférico: neuropatia diabética ou lesão do nervo pudendo); Doenças inflamatórias (Doença inflamatória intestinal: Doença de Crohn, colite ulcerosa; Radioterapia); Diarreia ou obstipação (Diarreia: colecistectomia, síndrome do intestino irritável, gastroenterite infeciosa, medicamentos; Obstipação: perturbação defecatória, impactação com extravasamento) (Bharucha et al., 2022). Além de todas estas causas, são considerados ainda como fatores de risco: a idade, o sexo/género, a etnia, o estilo de vida e a menopausa (Sharma & Rao, 2020).
Avaliação, diagnóstico e tratamento
A IF continua a ser uma doença comum associada a uma grande incapacidade social e psicológica. Existem muitas causas, pelo que é fundamental uma avaliação exaustiva (Chatoor, Taylor, Cohen & Emmanuel, 2007). A avaliação pélvica requer um (re)conhecimento dos seus constituintes e das suas funções. É de extrema importância avaliar estruturas como: o diafragma pélvico, que está localizado abaixo da faixa endopélvica e é composto por: isquicoccígeo, ilioccígeo, pubococcígeo e o puborretal (os últimos 3 formam o músculo elevador do ânus - a sua constante contração permite a manutenção da continência ao tracionar a junção anorretal para a frente, formando o ângulo anorretal a cerca de 90°). Estes músculos, em repouso, estão em constante contração, de forma a promover tónus ao pavimento pélvico, suportar os órgãos pélvicos e manter a continência. Os MPP estão em constante estado tónico, exceto durante a evacuação e a micção, pelo que, apresentam predomínio de fibras musculares tipo I, resistentes à fadiga. O músculo puborretal exerce uma função essencial na anatomia e fisiologia anorretal, formando uma faixa muscular que aproxima a junção anorretal ao púbis. Em repouso, a sua tração contrátil, bem como a dos restantes MPP, mantém o ângulo anorretal de 90°, o que ajuda a manter a continência (Chatoor et al., 2007).
A avaliação da IF compreende uma avaliação clínica, constituída pelos sinais, sintomas e exame físico (com recurso a vários instrumentos de medida), para além dos exames complementares de diagnóstico (manometria anorretal, retosigmoidoscopia, defecografia, eletromiografia anorretal, ultrassonografia endoanal e latência motora terminal do nervo pudendo) (Bø, Kvarstein, & Nygaard, 2005). De avaliar ainda, a presença de outros sinais/sintomas abdominais, doenças sistémicas conhecidas, procedimentos anorretais locais como hemorroidectomia, partos vaginais, medicação e dieta (Duelund-Jakobsen, Worsoe, Lundby, Christensen, & Krogh, 2016). As estratégias de tratamento têm como objetivo reduzir o peso da incontinência de modo a melhorar a qualidade de vida (Qdv) e, se não for possível um tratamento definitivo, ajudar os doentes a lidar com os seus sintomas (Sharma & Rao, 2020).
A reabilitação uropélvica, nomeadamente o treino dos músculos do pavimento pélvico (TMPP) tem sido apontado como primeira linha de tratamento (Abrams et al., 2017), levando a melhorias significativas em termos funcionais e de QdV para os doentes (Billecocq et al., 2019). O TMPP consiste no incremento da força muscular, normalização do tónus, aumento da resistência e melhorias a nível da coordenação do pavimento pélvico e do esfíncter anal (Bo et al., 2017). A reabilitação uropélvica contribui ainda para a consciencialização pélvica, melhoria da sensibilidade retal e das cicatrizes (Lopez, Orgaz, & Martín, 2017). Das várias abordagens terapêuticas conservadoras, o Biofeedback tem sido dos mais usados, para treino muscular guiado por eletromiografia (Sharma & Rao, 2020).
A tendência conservadora é ainda marcada por procedimentos não/menos invasivos, como a estimulação elétrica, terapia comportamental (educação e treino intestinal), mobilização manual miofascial e técnicas de mobilização do tecido conjuntivo (Winkelman et al., 2021). A cirurgia pode ser eventualmente realizada, quando o tratamento conservador não resultar (Sharma & Rao, 2020).
Qualidade de vida
A IF provoca distúrbios emocionais, sociais e psicológicos (Leite & Poças, 2010). É uma doença debilitante que afeta muitos doentes, que sofrem em silêncio, o que resulta em subdiagnóstico e subtratamento (Pla-Martí et al., 2022), culminando frequentemente numa baixa QdV (Cauley et al., 2019).
Na realidade, a IF assume-se como um problema de saúde pública complexo, com um impacto bastante significativo na QdV do doente, tornando-se constrangedor e inibitório, mas também condicionador de comportamentos e atitudes. A IF revela-se como um sintoma físico e psicológico incapacitante, podendo resultar em isolamento progressivo e na perda do potencial individual (Menees, Almario, Spiegel, & Chey, 2018).
Assim sendo entenda-se por QdV a valorização subjetiva que o doente faz de diferentes aspetos da sua vida, em relação ao seu estado de saúde (Secção Portuguesa de Uroginecologia, 2021).
O objetivo deste estudo consiste na avaliação da eficácia de um programa de reabilitação dos MPP, na IF.
MÉTODO
Este estudo é um relato de caso, sobre a IF. É um estudo primário, epidemiológico — observacional e descritivo, de pesquisa clínica individual.
Amostra
A amostra é constituída por uma doente do sexo feminino, 64 anos, professora, casada, com dois filhos, partos eutócicos, há 30 e 27 anos respetivamente. Principais queixas: perda de fezes, de gases e soiling após correção cirúrgica de retocelo, há aproximadamente 1 ano. Principais problemas: hipotonia esfincteriana (grau 1), dor cicatricial, uso de absorventes, fobia social, problemas familiares/conjugais, estado deprimido, ausência laboral, desistência de ginásio, evita idas a supermercados e viagens em transportes públicos. Durante a solicitação dos comandos de contração e relaxamento, havia uma assincronia, com uso de musculatura parasita. A paciente leu, concordou e assinou o consentimento informado, livre e esclarecido para participação em investigação, de acordo com a declaração de Helsínquia e a convenção de Oviedo.
Instrumentos
A doente passou por uma avaliação médica e posteriormente por uma avaliação fisioterapêutica, onde foram realizados testes importantes para o diagnóstico, com base no exame subjetivo e objetivo, incluindo diários de sinais e sintomas. A avaliação anorretal foi realizada com base na estrutura anatómica esfincteriana do segmento anorretal, nas estruturas neurológicas e na função anorretal.
Na primeira e última sessão foram aplicados os seguintes instrumentos de medida: Escala de Oxford modificada, Bristol Stool Form Scale (BSFS) / diário defecatório, Índice de Wexner e Fecal Incontinence Quality of Life (FIQL).
A Escala de Oxford Modificada foi descrita por Laycock (1994), é considerada uma escala de carácter subjetivo (visto que a experiência do avaliador pode influenciar na interpretação do grau correto da contração muscular, além da execução correta da manobra por parte da mulher) (Bø & Finckenhagen, 2001), de fácil realização e com boa tolerância por parte dos doentes (Laycock, 1994). Esta escala gradua a força muscular num intervalo de 0 a 5, em que o grau 0 representa ausência de contração; grau 1: esboço da contração não sustentada (sensação de tremulação); grau 2: contração de pequena intensidade (leve compressão que se sustenta); grau 3: compressão moderada com elevação da parede vaginal posterior (aumento da pressão intravaginal); grau 4: contração satisfatória/boa (aperta e eleva os dedos do examinador em direção à sínfise púbica); grau 5: contração forte (compressão firme e elevação dos dedos em direção à sínfise púbica) (Frawley, Galea, Phillips, Sherburn, & Bø, 2006). A Escala de Oxford Modificada avalia através da palpação digital vaginal (Laycock & Jerwood, 2001), o desempenho da contração máxima voluntária dos MPP, através da introdução dos dedos indicador e médio na vagina. Os movimentos de compressão muscular ao redor dos dedos do examinador e a elevação no sentido cranial dos MPP (Lançanova, 2021).
A BSFS foi desenvolvida e validada pelo Dr. Ken Heaton da Universidade de Bristol, em 1992 (Riegler & Esposito, 2001). A BSFS, cuja versão portuguesa se designa BSFS-PT é uma ferramenta de avaliação clínica destinada a classificar a forma das fezes humanas (Martinez & Azevedo, 2012). A escala descreve sete tipos de dejeções: os tipos 1 e 2 indicam obstipação; os tipos 3 e 4 são considerados ótimos/normais, nomeadamente o tipo 4, uma vez que este facilita defecação; os tipos 5 e 7, estão associados a diarreia (Pérez & Martínez, 2009).
O Índice de Wexner foi desenvolvida por Wexner em 1993, para classificar o índice de IF quanto à consistência das fezes, frequência e o tipo de perdas. Foi validada para a população portuguesa do Brasil em 2014 e é uma escala de fácil e rápido preenchimento (Meinberg, 2014). No que respeita as propriedades psicométricas, o instrumento apresenta: boa consistência interna, com o valor de Alpha de Cronbach de 0,932, elevada confiabilidade e bons valores de reprodutibilidade (p= 0,354) (Jorge & Wexner, 1993). Esta escala apresenta 5 itens: 3 relativos à consistência (sólido, líquido e gases), 1 relativo ao uso de absorventes e outro diz respeito à alteração do estilo de vida. Para cada pergunta existem 5 respostas possíveis, com score total entre 0-20, ou seja, cada item varia entre 0-4. Quanto mais alta a pontuação maior é a severidade da incontinência. A pontuação mínima de 0 indica continência normal e a máxima de 20 pode indicar incontinência completa (Yusuf, Jorge, Habr-Gama, Kiss, & Rodrigues, 2004).
O FIQL foi desenvolvido por Rockwood (2004), avalia a QdV em pessoas com IF (A‘t Hoen, Utomo, Schouten, Blok, & Korfage, 2017), validado para a população portuguesa em 2013, por Pereira (2013). Quanto às propriedades psicométricas, o questionário apresenta, uma consistência interna com valor de Alpha de Cronbach > 0,70 e uma confiabilidade (teste/reteste) que demonstra ser estável no tempo (Rockwood et al., 2000). É composto por 29 questões, distribuídas em 4 domínios: estilo de vida (10 itens), comportamento (9 itens), depressão (11 ou 7 itens) e constrangimento (3 itens). O Score varia de 1 (pouca QdV) a 4 (Muita QdV) para cada item, com exceção das questões 1 e 4 que variam de 1 a 5 e 1 a 6, respetivamente. A avaliação de cada domínio consiste então na média das respostas a todos os itens correspondentes (Rockwood, 2004).
Procedimentos
Na primeira sessão, foi então realizada a avaliação pelo fisioterapeuta. Além dos instrumentos de medida aplicados, foi transmitido à doente toda a informação relativamente à anatomia pélvica, inclusive dos MPP, aos objetivos da reabilitação pélvica e ao processo de intervenção para as seguintes sessões. Realizou-se um programa de TMPP, ao longo de 16 semanas com uma periodicidade de uma sessão semanal, com duração de 45 minutos por sessão. Seguiu-se um trabalho progressivo de treino, atendendo a 3 fases: (i) estabilização (controlo respiratório), (ii) força (posturas com resistências externas) e (iii) potência (carga e treino elevados) (Pires et al., 2020a). Fez parte ainda o aumento da resistência, frequência e trabalho concêntrico/excêntrico (Pires et al., 2020b). No princípio de forma isolada sem recurso a outros grupos musculares, progredindo para um trabalho conjunto com outros o transverso do abdómen e diafragma (Pires et al., 2020a). O TMPP incrementou os princípios da intensidade, resistência, volume, frequência, duração, progressão, especificidade e reversibilidade (Carpinelli, 2009). As sessões incluíram também orientação e motivação da paciente para realizar os exercícios diariamente num programa de treino domiciliário, com duração igual de 16 semanas, respeitando as 3 fases supracitadas: (i) estabilização — 2 semanas (contração= relaxamento); (ii) força - 2 semanas (> contraction< relax) e (iii) potência — 12 semanas (> contraction< relax). Houve sempre em todas as sessões reforço da terapia comportamental, como por exemplo, estratégias para a modificação de alguns comportamentos e novos hábitos a adotar na sua vida diária (Da Roza et al., 2012).
O Biofeedback também foi realizado durante as sessões, como técnica facilitadora (Norton, Chelvanayagam, Wilson-Barnett, Redfern, & Kamm, 2003). É uma resposta visual ou auditiva (ou ambos) no preciso momento de uma ação que permite uma persistente correção do movimento ou adaptação a este (Norton & Kamm, 2001). Envolve o sistema cognitivo e facilita a aprendizagem quanto à contração e relaxamento corretos dos MPP (Norton & Cody, 2012). A visão é a melhor informação sensorial para a deteção dos erros de movimento, oferecendo um maior ajuste na correção automática do movimento (Norton & Chelvanayagam, 2001). O modelo utilizado foi Mazet Biostim 2.1+.
A Terapia Manual foi de igual modo realizada, como complemento ao tratamento, sempre que se justificasse. Esta terapia é, sem dúvida, um excelente recurso para o tratamento de disfunções do pavimento pélvico, havendo evidência clínica e científica que suporta a sua utilização na prática clínica, abordando métodos de avaliação e intervenção avançados, nomeadamente ao nível de fisioterapia manual e exercício terapêutico (Bo et al., 2017).
A massagem perianal foi realizada aquando da necessidade clínica da doente, complementando assim as outras terapias, ao longo das sessões. A massagem contribui para o relaxamento e o alongamento muscular, ajuda no pós-cirúrgico para dar mais elasticidade e facilita os movimentos de contração muscular (Neumayr, 2013).
RESULTADOS
A nossa amostra refere-se a uma doente com 64 anos, com dois partos eutócicos e bebés com peso à nascença superior a 3.500 g. Após cirurgia de correção de prolapso do órgão pélvico — retocelo, surgem os sintomas de IF. Dos instrumentos de medida utilizados para mensurar estes sintomas, podemos ostentar: ganho de força muscular, segundo a Escala de Oxford Modificada, evolução de grau1 (início) para grau 4 (final). No que respeita a contração máxima voluntária avaliada através do biofeedback, pode-se relatar uma evolução de 19 uv para 42 uv.
Na BSFS a consistência das fezes passou da forma Tipo 7 (T0) para Tipo 4 (T1).
A severidade dos episódios de incontinência para gases, fezes líquidas e/ou sólidas, quantificada pelo Índice de Wexner, era inicialmente de 14 e reduziu para 10 no final do estudo, o que constitui uma diferença significativa (Figura 1).
Relativamente ao impacto na QdV, tendo em consideração os valores obtidos pela aplicação da FIQL, as médias obtidas nos quatro domínios da FIQL depois da intervenção, foram significativamente mais altas do que antes da mesma (Figura 2).
DISCUSSÃO
O objetivo deste estudo era avaliar a eficácia de um programa de TMPP, com recurso a técnicas facilitadoras, em pessoas com IF. O programa de intervenção teve uma duração de 16 semanas e a resposta ao tratamento pela amostra em estudo foi favorável, apresentando um aumento da força muscular, redução na severidade dos sintomas medidos pelo Índice de Wexner, um aumento na QdV ao nível das quatro dimensões da FIQL.
A IF de facto é uma doença muito incapacitante (Boyer et al., 2018), pela ansiedade, angústia e vergonha que causa nos doentes (Paquette, Varma, Kaiser, Steele, & Rafferty, 2015). O mesmo se verificou neste estudo de caso e melhorando toda a sintomatologia, todos estes medos ficaram diminuídos (Scott, 2014). Afeta 2 a 24% da população adulta e a maioria das pessoas não a reporta espontaneamente podendo estar subestimada (Wald, 2007).
A primeira linha de intervenção recomendada é o tratamento conservador, assim dizem as recomendações do 6° Comité Científico Internacional de Incontinência. Esta inclui, alterações alimentares, comportamentais, medicação reguladora do trânsito intestinal e a reabilitação do pavimento pélvico (Abrams et al., 2017). A reabilitação pélvica, apresentou como vantagens neste estudo, além de toda a melhoria de sintomatologia: a não existência de efeitos adversos, complicações, prevenção de uma eventual intervenção cirúrgica e pouco dispendiosa, tal como corroboraram os autores Norton, Whitehead, Bliss, Harari e Lang (2010). Embora a reabilitação pélvica, incluindo o TMPP tenha sido utilizada com sucesso no tratamento da IF e possa ter um impacto significativo a nível funcional e na QdV (Paquette et al., 2015), existem poucos estudos randomizados controlados que o suportam (Scott, 2014).
O TMPP foi fundamental neste tratamento da IF, uma vez que a integridade dos MPP é essencial ao mecanismo de continência. O benefício do TMPP foi demonstrado, independentemente da idade e do tipo de Incontinência, em variados contextos, através de diversos protocolos (Secção Portuguesa de Uroginecologia, 2021). O TMPP melhorou a força, endurance, resistência, e a coordenação do esfíncter anal e dos MPP, à semelhança do esperado na literatura (Dumoulin, Cacciari, & Hay-Smith, 2018) e 16 semanas, com treino diário em casa e uma sessão semanal supervisionada pelo fisioterapeuta, obtiveram melhoria da sintomatologia. Está provado que o treino diário desses músculos durante um período de 3 meses é eficaz no tratamento da incontinência (Mazur-Bialy, Kołomańska-Bogucka, Opławski, & Tim, 2020).
Dumoulin, Hay-Smith, Habée-Séguin e Mercier (2015) na sua revisão sistemática, referiram que a duração ideal do TMPP deve ser entre 8-12 semanas. No nosso estudo a duração foi idêntica (apenas mais 4 semanas), o que poderá justificar parte dos resultados alcançados.
A duração do TMPP pode levar ao aumento da força dos MPP, que por sua vez, este é adquirido inicialmente pela adaptação neural (aumento da frequência de ativação e recrutamento das unidades motoras) e, após 8 semanas, pela adaptação muscular (hipertrofia muscular) (Bø et al., 2005). A identificação e consciencialização da contração máxima voluntária dos MPP, tal como a integração desta região no esquema corporal, devem ser adquiridas para que o programa de treino seja eficaz (Cortez, Mendonça & Figueiroa, 2011).
Segundo Mazur-Bialy et al. (2020), O treino anal baseia-se na coordenação dos esfíncteres anais, bem como no isolamento da sua contração. Um aumento da tensão e da força dos esfíncteres anais pode levar a uma melhoria da capacidade do canal anal e facilitar o processo de defecação, bem como melhorar potencialmente o nível de pressão de fecho do ânus em repouso (Dumoulin et al., 2015).
A contração correta dos MPP é assim fundamental, pelo que os doentes com dificuldades na sua execução devem ser propostos a TMPP supervisionados ou associados a biofeedback (Cortez et al., 2011).
De acordo com Ussing et al. (2019), no seu estudo randomizado controlado, o TMPP teve um efeito superior, quando supervisionado com biofeedback (Lee et al., 2010). Num outro estudo, nomeadamente numa revisão sistemática de Norton e Kamm (2001), que incluiu 46 estudos, foi utilizado o biofeedback para tratar doentes adultos com queixas de IF. O biofeedback funciona como adjuvante do TMPP, pois ajuda a consciencializar os doentes da função muscular (inclusive corrige a utilização do músculo elevador do ânus), melhorando a motivação e o esforço (intensidade, duração, rapidez) durante os exercícios. O Biofeedback possibilita ainda a correção do uso errado dos músculos abdominais, glúteos e adutores das coxas e apresenta evidência 1A (Dumoulin et al., 2015).
Parece não existir um consenso na literatura, relativamente ao uso do biofeedback, uma vez que os resultados não são conclusivos (Lee, Jung, & Myung, 2013). Os estudos não demonstram diferenças estatisticamente significativas na taxa de cura, melhoria dos sintomas ou diminuição dos episódios de perda nas doentes submetidas a TMPP com ou sem biofeedback (Lee et al., 2010).
Segundo Fallon, Westaway e Moloney (2008), numa revisão sistemática realizada, o Índice de Wexner também foi, tal como no nosso estudo, o instrumento de medida utilizado para avaliação da severidade dos sintomas na IF, com validade e confiabilidade (teste/re-teste) aceitáveis. A nível da sensibilidade, referiu-se que a mesma é suficiente para detetar diferenças na maioria dos pacientes submetidos a reabilitação.
Na mesma revisão, utilizou-se ainda como instrumento de medida para avaliação da QdV na IF, a FIQL, que demonstrou uma confiabilidade razoável e uma boa validade, apesar das suas limitações psicométricas (Fallon et al., 2008). O preenchimento desta escala ajudou a definir melhor a associação entre o exame físico objetivado e os sintomas relacionados (Pereira, 2013).
Rockwood et at. (2000), no seu estudo utiliza e confirma a fiabilidade e validade da escala FIQL e refere-a como um instrumento de medida ideal para avaliara a QdV de pacientes com IF.
Relativamente à Escala de Oxford modificada, é indicada para avaliar a força dos MPP, embora seja considerada subjetiva, foi usada em vários estudos e conseguiu dar uma boa resposta aos objetivos propostos (Lançanova, 2021).
A BSFS foi utilizada neste estudo por, comummente também ter sido utilizada em vários estudos, inclusive em grande parte das avaliações com sintomatologia anorretal, para classificar a forma das fezes humanas (Riegler & Esposito, 2001), além da descrição o facto de possuir imagens alusivas, permite às pessoas identificar mais facilmente o seu tipo (Martinez & Azevedo, 2012).
A massagem perianal foi uma mais-valia na melhoria da sintomatologia e podemos corroborar com um este estudo de Cardoso e Moura (2021), que questionou fisioterapeutas quanto à importância da massagem perianal, e os mesmos responderam o quanto ela pode ser importante na libertação de tensões musculares, no relaxamento muscular e mesmo na perceção dos MPP.