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Motricidade

versão impressa ISSN 1646-107X

Motri. vol.20 no.2 Ribeira de Pena jun. 2024  Epub 23-Out-2024

https://doi.org/10.6063/motricidade.30748 

Artigo Original

Direção técnica em ginásios e health clubs: um estudo exploratório sobre a perceção dos profissionais de exercício físico

Technical direction in gyms and health clubs: an exploratory study on the perception of physical exercise professionals

1Universidade Lusófona, Faculdade de Educação Física e Desporto – Lisboa, Portugal.

2Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Escola Superior de Desporto e Lazer – Melgaço, Portugal.

3Clínica das Conchas – Lisboa, Portugal.

4Escola Superior de Saúde Egas Moniz – Monte de Caparica, Setúbal, Portugal.

5Instituto Politécnico de Leiria, Escola Superior de Educação e Ciências Sociais – Leiria, Portugal.

6Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano – Vila Real, Portugal.

7Instituto Politécnico de Santarém, Escola Superior de Desporto de Rio Maior – Rio Maior, Portugal.

8Universidade Autónoma de Lisboa – Lisboa, Portugal.


RESUMO

A figura do diretor técnico foi introduzida na lei em 2012, mas pouca investigação foi produzida para compreender como tem desenvolvido a sua ação. Este estudo pretendeu analisar as perceções dos técnicos de exercício físico (TEF) sobre i) a importância das funções dos diretores técnicos (tal como definidas na lei), e ii) a forma como os diretores técnicos cumprem e desenvolvem as suas funções, contrastando os resultados por segmento de mercado. Realizou-se uma análise descritiva e de frequências a uma amostra de 194 profissionais de exercício com uma média de idades de 34.46 anos (DP= 8.78), e com uma média de anos de experiência de 9.04 anos (DP= 6.84), que participaram voluntariamente neste estudo. O presente trabalho evidenciou que os TEF valorizam as funções atribuídas ao diretor técnico expressas na lei. Verificou-se que a regularidade do apoio do diretor técnico é bastante heterogénea, sendo que em quase 50% dos respondentes a classificação atribuída foi de inexistente ou pouco regular. Verificou-se ainda que cerca de 45% dos TEF consideraram a prestação dos diretores técnicos como sendo muito fraca ou fraca. Da análise por segmento de mercado, o low cost apresentou, genericamente, os piores resultados percentuais, e o premium os melhores.

PALAVRAS-CHAVE: ginásios; diretor técnico; técnicos de exercício físico; qualidade do serviço

ABSTRACT

The position of the technical director was introduced into Portuguese law in 2012, but little research has been produced to understand how it has developed its action since. This study analysed the perceptions of the physical exercise technicians (TEF) regarding i) the importance of the functions of technical directors (as defined in the law) and ii) the way technical directors fulfil and develop their roles, contrasting the results by market segment. A descriptive and frequency analysis was made of a sample of 194 exercise professionals, with a mean age of 34.46 years (SD= 8.78) and a mean years of experience of 9.04 years (SD= 6.84), who voluntarily participated in this study. The present work showed that the TEF value the role attributed to the technical director expressed in the law. The regularity of the technical director's support was found to be quite heterogeneous, with almost 50% of the respondents classifying it as non-existent or not very regular. It was also found that around 45% of the TEF considered the performance of the technical directors to be very weak or weak. From the analysis by market segment, the low cost generally presented the worst percentage results, while the premium segment presented the best results.

KEYWORDS: gymnasium; technical director; physical exercise professionals; service quality

INTRODUÇÃO

Os ginásios e health clubs, mais contemporaneamente denominados de centros de fitness, são um dos locais preferidos pelos portugueses para a prática de exercício físico (European Commission, 2022; IHRSA, 2022). A nível nacional estão envolvidos milhares de utilizadores nas diversas práticas disponibilizadas (Pedragosa et al., 2022) e, por serem um contexto com prática supervisionada, apresentam um enorme potencial na promoção da saúde pública. No entanto, várias críticas/preocupações têm sido apresentadas à forma como alguns destes espaços funcionam e se organizam (Ramos et al., 2021; Teixeira et al., 2020; Teixeira et al., 2021). Num desses tópicos de preocupação visando o progresso da área, destaca-se a necessidade de elevar a qualidade do serviço prestado, onde a função e atuação do diretor técnico poderá ser determinante.

O diretor técnico em ginásios e health clubs: enquadramento legal e reflexões operacionais

Esta figura é introduzida na Lei n.° 39/2012, tornando-se o responsável pela direção das atividades que decorrem nas instalações, tanto do ponto de vista técnico, como da segurança e higiene das práticas (Mestre, 2017). Deve ainda promover a coordenação e supervisão dos Técnicos de Exercício Físico (TEF), visando "assegurar o desenvolvimento da atividade desportiva num ambiente de qualidade, segurança e defesa da saúde dos participantes e respeito pelos valores da ética no desporto" (Portugal, 2009). De acordo com a Lei n.° 9/2009, ao diretor técnico é exigido o grau de licenciatura em desporto ou educação física (ou reconhecimento de qualificações profissionais para o efeito) para que possa exercer esta função. Objetivamente, a Lei n.° 39/2012 (Artigo 6.°) apresenta as seguintes funções como sendo da responsabilidade do diretor técnico: a) coordenar e supervisionar a prescrição, avaliação, condução e orientação de todos os programas e atividades, da área da manutenção da condição física (fitness), no âmbito do funcionamento das instalações desportivas, aos seus utentes; b) coordenar e supervisionar a avaliação da qualidade dos serviços prestados, bem como propor ou implementar medidas visando a melhoria dessa qualidade; c) elaborar um manual de operações das atividades desportivas que decorrem nas instalações desportivas que prestam serviços desportivos na área da manutenção da condição física (fitness); d) coordenar a produção das atividades desportivas; e) superintender tecnicamente, no âmbito do funcionamento das instalações desportivas, as atividades desportivas nelas desenvolvidas; e f) colaborar na luta contra a dopagem no desporto.

Tal como argumentado por Teixeira et al. (2020), o diretor técnico poderá ser um agente crucial na promoção da qualidade do serviço e dignificação da área profissional. Idealmente, atuaria articuladamente com os TEF visando a prestação de um serviço de qualidade, baseado na evidência, e ajustado às características dos clientes e do espaço de trabalho. No entanto, não é claro como, nem com que qualidade, esta função tem vindo a ser desempenhada desde a última revisão do enquadramento legal.

Apesar de indicação legal sobre a necessidade da identificação de um diretor técnico por espaço, assim como de um horário de permanência, não é claro se essa permanência é alocada exclusivamente às funções de diretor técnico ou feita em simultâneo com outras tarefas técnicas (e.g., treino personalizado e aulas de grupo), nem o tempo específico de dedicação a essas tarefas. Na realidade, considerando que os ginásios têm várias tipologias, dimensões e características (Pedragosa et al., 2022), não seria desejável que existissem imposições legais sobre essa matéria, pois existiria o risco de não serem viáveis ou aplicáveis em todos os contextos. Adicionalmente, também não existem orientações emitidas por nenhuma entidade sobre como desempenhar tal função. Por um lado, porque não existem entidades que regulem contextualmente a prática destes profissionais, estando a atribuição de cédula profissional dependente da obtenção de aprovação num conjunto de formações homologadas para o efeito, onde os programas curriculares poderão ter, ou não, conteúdos sobre esta função técnica. Por outro, porque desempenhando o diretor técnico uma função (muitas vezes cumulativa com a de TEF), e não uma profissão ou categoria profissional especializada, seria expectável que fossem as entidades de formação de profissionais da área que se atualizassem na promoção de conteúdos alinhados neste sentido.

Não havendo dados de estudos nacionais sobre a existência e/ou forma como os conteúdos programáticos associados ao processo de direção técnica em cursos de especialização e formação superior são realizados, nem entidade própria que se debruce sobre esta situação, fica-se perante um vazio formativo de necessidade operacional, expressa na lei, dependente da boa vontade e urgência subjetiva definida por cada entidade formativa. Lamentavelmente, uma pesquisa genérica e exploratória feita no decorrer do desenvolvimento deste trabalho sobre as unidades curriculares e os seus conteúdos nos sites das universidades e institutos politécnicos nacionais que promovem cursos relacionados com o desporto, educação física, ou exercício e saúde, mostra (na maioria) que a direção técnica não está expressa nos conteúdos programáticos. Tendencialmente, ao existirem, são conteúdos associados à gestão de clubes (nem sempre de ginásios ou health clubs), que não mencionam ou se dirigem a esta função em particular. Mesmo nos referenciais de formação dos cursos de especialização tecnológica conferentes de cédula profissional, onde existem módulos de gestão de ginásios e health clubs, tal enquadramento não se encontra claramente expresso. Sabendo que este processo formativo não permite, de acordo com a lei, que um TEF exerça a função de diretor técnico, seria no entanto expectável que essa figura fosse genericamente enquadrada de forma clarificar o funcionamento orgânico dos ginásios, e a quem o TEF poderá e deverá esperar apoio e supervisão das suas práticas.

A (in)exploração do impacto contextual e operacional das orientações legais

A exploração do impacto destas orientações legais e respetivas funções teve, em dez anos de aplicação, reduzida atenção por parte da investigação nacional. Uma das primeiras referências encontradas na literatura sobre o tema surge em 2014, que remete apenas para a apresentação desta figura face ao novo enquadramento legal, e um possível aporte que algumas orientações emitidas pelo ACSM para a função poderão ter, apesar de independentes do enquadramento legal português (Brito et al., 2014). No ano seguinte surgem dois trabalhos, uma dissertação de mestrado (Neves, 2015), onde se procurou explorar, através do questionamento aos diretores técnicos, quais as competências e formação que eram percecionadas como essenciais a esta função e as tarefas que comummente realizavam; e um artigo técnico (Ramos et al., 2015), que apesar de estar focado na perceção dos diretores técnicos sobre as competências e formação dos TEF, permitiu uma primeira exploração da opinião que esta figura com funções de gestão técnica possuía. Posteriormente, surge em 2020 um artigo de opinião sobre vários tópicos relacionados com a qualidade do serviço prestado nos ginásios, onde se destaca que a ação do diretor técnico aparentava estar aquém do desejado, do definido na lei, e idealmente necessário para a elevação da qualidade das práticas e dignificação da área profissional (Teixeira et al., 2020). Como possíveis problemas, foi identificada a falta de delimitação conceptual à função, supervisão ao cumprimento das tarefas por inexistência de órgão ou entidade para esse efeito, formação específica, e possíveis diferenças na qualidade do serviço prestado de acordo com o segmento de mercado pelo preço1 (Pedragosa et al., 2022). No ano seguinte surge por Ramos et al. (2021) uma tentativa de caracterizar os profissionais de fitness em Portugal (N= 445), onde 42.2% dos inquiridos possuía título de diretor técnico. Infelizmente, não houve diferenciação entre TEF e diretor técnico nas análises e resultados apresentados, pelo que não é possível a partir desse estudo compreender o perfil concreto de atividades dos diretores. No mesmo ano, o trabalho de Campos et al. (2021) procurou expor e clarificar o enquadramento legal em vigor para o desempenho das funções do TEF e do diretor técnico. Analisou-se também de forma breve a aplicabilidade "prática" (entenda-se, operacional) da Lei n.° 39/2012, onde se estabeleceram algumas críticas específicas, tais como o número de diretores técnicos por espaço e possível conflitualidade de ações e responsabilidades, e a incapacidade de o diretor técnico garantir a segurança das práticas, tal como expressa na lei, quando não existe um posicionamento claro sobre a necessidade da existência de um TEF permanentemente no período de funcionamento dos ginásios. Em 2022, surge uma dissertação de mestrado (Valagão et al., 2022) que se focou no enquadramento jurídico das habilitações dos TEF e diretor técnico, assim como na opinião de agentes e grupos de interesse relevantes no âmbito da intervenção dessas funções técnicas (tamanho total da amostra= 35 participantes). Nesse trabalho foi feita uma exploração qualitativa sobre a figura jurídica do diretor técnico, função, acesso ao título de diretor técnico, entre outros fatores. Dos resultados pôde-se verificar que a maior parte dos inquiridos considerou relevante a existência do diretor técnico (sim= 91.4%), e que concordavam com a existência de todas as funções definidas em lei para o diretor técnico (artigo 6.°, todas as alíneas; amplitude das respostas: 88.6–97.1%). Por fim, no mesmo ano, um estudo de Soares et al. (2022) procurou perceber e descrever o perfil funcional dos diretores técnicos dos centros de fitness na região Norte de Portugal. Nesta exploração foram questionados 128 diretores técnicos que reportaram limitações na sua formação como um dos problemas para o desempenho das suas tarefas. Ademais, indicaram que apesar das funções de direção técnica estarem descritas na lei, nem todos as cumpriam.

Este balanço da literatura que se debruçou sobre as características e funções do diretor técnico apresenta frontalmente várias lacunas na compreensão do seu real impacto nos ginásios e health clubs. À parte de algumas explorações com questionamento direto aos diretores técnicos, apenas um estudo se debruçou sobre a perceção dos TEF (Valagão et al., 2022), os agentes que, de acordo com a lei supracitada, atuam sob a orientação e supervisão dos diretores técnicos, e mais impactam a intervenção direta com os clientes (Campos et al., 2021; Teixeira et al., 2021). Acresce que esse estudo teve como amostra de TEF apenas 15 elementos, que quando questionados se concordavam com as funções do diretor técnico expressas na lei, tinham apenas uma opção dicotómica de resposta (sim ou não), uma abordagem manifestamente insuficiente para compreender o grau de relevância de cada função, assim como da sua concordância, e contraste, com a sua realidade profissional.

Num contexto onde a taxa de atrito internacional tende a ser superior a 50% nos primeiros 6 meses de prática (Sperandei et al., 2016), e de 63% (em média anual) em Portugal (Pedragosa et al., 2022), e sendo os TEF os principais agentes de interação com os clientes, uma boa supervisão da sua prática seria certamente um caminho para a melhoria do serviço prestado e redução desta taxa de atrito. Dos vários motivos que usualmente são reportados como fatores para o abandono ou interrupção, os relacionados com as dinâmicas interpessoais (e.g., relação com outros clientes ou profissionais; suporte técnico) são geralmente destacados (Gjestvang et al., 2020; Rand et al., 2020). Sendo a supervisão da prática (do ponto de vista macro) uma responsabilidade do diretor técnico, seria relevante compreender como veem os TEF este apoio nas suas tarefas regulares.

Adicionalmente, a segmentação do mercado (por preço; doravante designado apenas como segmento de mercado) do fitness tem diferenciado a oferta e potencialmente a qualidade dos serviços prestados (Teixeira et al., 2020), algo passível de ser observado na capacidade de manutenção de sócios ativos (para dados concretos no período 2018-2021, ver Pedragosa et al., 2022). Ao apresentar diferentes características do local e atividades desenvolvidas, assume-se que diferentes perceções da qualidade da prática, tanto do ponto de vista do cliente como dos profissionais, possam existir. Se essas diferenças se manifestam ou derivam da ação concreta do diretor técnico, é algo ainda não explorado na literatura nacional, mas que carece de aprofundamento célere.

Presente estudo

Contemplando a escassa a literatura nacional que procurou explorar de que forma as alterações introduzidas pela Lei n.° 39/2012 se manifestaram no contexto e prática profissional, e assumindo como lacuna a compreensão de como os diretores técnicos desenvolvem as suas atividades, o presente estudo pretende de forma exploratória realizar uma análise sobre: i) as perceções dos TEF sobre a importância das funções dos diretores técnicos (tal como definidas na lei), e ii) a perceção dos TEF sobre a forma como os diretores técnicos cumprem e desenvolvem as suas funções, contrastando os resultados por segmento de mercado. Esta exploração permitirá averiguar se críticas prévias à reduzida atuação do diretor técnico assentam em dados objetivos, dando um primeiro passo para a compreensão desta questão e procurando avançar a reflexão sobre o tema.

MÉTODO

Participantes

Uma amostra de conveniência de 194 profissionais de exercício (masculinos= 129; NS/NR= 1), com uma média de idades de 34.46 anos (DP= 8.78), e com uma média de anos de experiência na área de 9.04 anos (DP= 6.84) participou voluntariamente neste estudo de natureza transversal. Nesta amostra, quando questionados sobre a formação académica mais elevada que possuíam, 32% reportaram curso de especialização tecnológica, 42.3% licenciatura, 9.2% pós-graduação, 15.5% mestrado, e 1% doutoramento. Em relação ao segmento de mercado em que dedicavam a maior parte do seu tempo de prática profissional, 41.2% indicaram o segmento low cost, 23.2% middle market, 23.7% premium, e 11.9% em outros modelos de negócio (e.g., ginásios femininos, boutiques, box e estúdios).

Procedimentos

No seguimento de uma linha de investigação mais ampla com o objetivo de compreender a qualidade da experiência subjetiva do praticante de exercício físico, aprovado pela comissão de ética da Faculdade de Educação Física e Desporto da Universidade Lusófona, foi desenvolvido um questionário online através da plataforma Google Docs e disponibilizado via redes socais e mailing lists de profissionais. Para aceder ao questionário, os participantes tinham de ler previamente uma carta explicativa do estudo que continha também informações sobre o consentimento informado, livre e esclarecido associado ao estudo. Neste documento era indicado, entre outros, que a participação era voluntária, anónima, e que poderia ser interrompida a qualquer momento. Informações sobre o objetivo do estudo e contacto do responsável também foram disponibilizados. Neste documento foi apresentada informação sobre os critérios de inclusão: qualquer TEF em atividade em ginásios e health clubs nos últimos 6 meses (sem limite máximo), e que não exercesse atualmente ou no período anterior até 1 ano funções de direção técnica. Para prosseguir e aceder às restantes questões os participantes tinham de selecionar a opção em que declaravam ter lido e aceitado participar na investigação. A coleta decorreu durante os três primeiros meses de 2022.

Instrumentos

Na ausência de instrumentos específicos para compreender o pretendido, um questionário específico para o objetivo do estudo foi preparado. Numa primeira fase, o autor DT desenvolveu um conjunto de perguntas organizadas por domínios e estruturadas com escalas Likert de resposta com 5 pontos. De seguida, as perguntas foram avaliadas independentemente por três outros autores definidos para o painel avaliador do instrumento (HP, AS e CC). Os comentários e alterações propostas foram analisadas pelo autor DT e uma nova versão para discussão entre os quatro autores foi apresentada. Por consenso, chegou-se à versão final que constitui o instrumento para este estudo.

O presente questionário continha perguntas de cariz sociodemográfico (idade, sexo, data de nascimento) e profissional (anos de experiência, formação académica, segmento de mercado onde alocava a maior parte do tempo em ação profissional, principais funções exercidas, e experiência prévia como diretor técnico). Posteriormente, o instrumento continha antes do questionamento sobre os domínios em estudo, todas as alíneas sobre as funções do diretor técnico dispostas na Lei n.° 39/2012. Foi solicitado aos participantes que no caso de possuírem mais do que um local onde desempenhavam as suas práticas, considerassem sempre nas suas respostas o local onde alocavam maior tempo de atuação profissional. Os domínios que se pretendiam avaliar foram: i) importância da atuação do diretor técnico de acordo com as funções definidas na lei (por alínea do artigo 6.°), respondidas numa escala Likert de 5 pontos (1 [muito baixa], 2 [baixa], 3 [moderada], 4 [elevada], e 5 [muito elevada]); ii) regularidade do apoio e supervisão do diretor técnico às suas funções técnicas, com possibilidade de resposta também em escala Likert de 5 pontos (1 [inexistente], 2 [pouco regular], 3 [regular], 4 [muito regular], e 5 [permanente]), e que, no caso de uma resposta entre o 2 e 5, continha em resposta aberta o pedido para quantificar essa regularidade com as opções "diária", "semanal", "quinzenal", "mensal", "trimestral", e "semestral"; iii) avaliação da prestação do diretor técnico no local onde trabalha (por alínea do artigo 6.°), respondida numa escala Likert de 5 pontos (1 [muito fraca], 2 [fraca], 3 [razoável], 4 [boa], e 5 [muito boa]), onde no final se pedia uma avaliação global (conjunto das alíneas) dessa mesma prestação usando a mesma escala de resposta; e iv) importância de funções adicionais do diretor técnico às descritas na lei, respondida numa escala Likert de 5 pontos (1 [muito baixa], 2 [baixa], 3 [moderada], 4 [elevada], e 5 [muito elevada]), com possibilidade de resposta aberta para identificar essas possíveis funções.

Procedimentos estatísticos

A preparação da base de dados para inspeção visual, identificação de erros e valores omissos, foi realizada através da ferramenta Excel 2021. Análises descritivas de tendência central e dispersão foram realizadas através de médias e desvio padrão. Cálculos percentuais foram também estimados. Estas análises foram realizadas com recurso ao SPSS v. 26.0. Dada à natureza exploratória do estudo não se definiu como pertinente a necessidade de análises inferenciais.

RESULTADOS

Os resultados explorados nas Tabelas 1 e 3 remetem para a avaliação da perceção da importância das funções do diretor técnico definidas na lei (a) coordenar e supervisionar a prescrição, avaliação, condução e orientação de todos os programas e atividades, da área da manutenção da condição física [fitness], no âmbito do funcionamento das instalações desportivas, aos seus utentes; b) coordenar e supervisionar a avaliação da qualidade dos serviços prestados, bem como propor ou implementar medidas visando a melhoria dessa qualidade; c) elaborar um manual de operações das atividades desportivas que decorrem nas instalações desportivas que prestam serviços desportivos na área da manutenção da condição física [fitness]; d) coordenar a produção das atividades desportivas; e) superintender tecnicamente, no âmbito do funcionamento das instalações desportivas, as atividades desportivas nelas desenvolvidas; e f) colaborar na luta contra a dopagem no desporto), e da qualidade do seu cumprimento no espaço de prática profissional de cada TEF. As Tabelas 2 e 4 remetem, respetivamente, para a regularidade do apoio do diretor técnico às tarefas do TEF, e a necessidade de outras funções em acréscimo às definidas em lei.

Tabela 1 Resultados percentuais no domínio "Importância da atuação do diretor técnico de acordo com as funções definidas na lei." 

% Funções expressas na Lei n.° 39/2012
a) b) c) d) e) f)
1 - Muito baixa 5,67 5,67 6,19 5,15 4,12 12,89
2 - Baixa 9,79 4,12 17,53 7,22 7,22 18,56
3 - Moderada 20,10 21,65 18,56 22,68 23,20 29,38
4 - Elevada 25,77 27,84 25,77 28,35 34,02 14,43
5 - Muito elevada 38,66 40,72 31,96 36,60 31,44 24,74

Nota. A negrito estão representados os valores percentuais mais elevados por função do diretor técnico.

Tabela 2 Resultados percentuais globais e por segmento de mercado no domínio "Regularidade do apoio e supervisão do diretor técnico às suas funções técnicas." 

% Segmento de mercado
Geral Low cost Middle M. Premium Outros
1 - Inexistente 23,71 37,50 17,78 13,04 8,70
2 - Pouco regular 24,23 33,75 17,78 17,39 17,39
3 - Regular 15,46 8,75 20,00 19,57 21,74
4 - Muito regular 22,68 16,25 22,22 28,26 34,78
5 - Permanente 13,92 3,75 22,22 21,74 17,39

Nota. A negrito estão representados os valores percentuais mais elevados por segmento de mercado e na amostra geral.

Tabela 3 Resultados percentuais gerais, por segmento de mercado, e por função definida na lei no domínio "Avaliação da prestação do diretor técnico no local onde trabalha." 

% Segmento de mercado
Geral Low cost Middle M. Premium Outros
a) 1 - Muito fraca 15,98 28,75 8,89 4,35 8,70
2 - Fraca 18,56 40,00 2,22 2,17 8,70
3 - Razoável 12,37 12,50 6,67 10,87 26,09
4 - Boa 25,77 15,00 40,00 32,61 21,74
5 - Muito boa 27,32 3,75 42,22 50,00 34,78
b) 1 - Muito fraca 18,56 30,00 11,11 13,04 4,35
2 - Fraca 22,68 38,75 15,56 10,87 4,35
3 - Razoável 19,07 12,50 28,89 13,04 34,78
4 - Boa 19,59 13,75 24,44 26,09 17,39
5 - Muito boa 20,10 5,00 20,00 36,96 39,13
c) 1 - Muito fraca 13,92 15,00 15,56 15,22 4,35
2 - Fraca 11,86 6,25 15,56 17,39 13,04
3 - Razoável 33,51 43,75 26,67 21,74 34,78
4 - Boa 21,65 23,75 26,67 17,39 13,04
5 - Muito boa 19,07 11,25 15,56 28,26 34,78
d) 1 - Muito fraca 12,89 15,00 15,56 10,87 4,35
2 - Fraca 25,77 41,25 20,00 13,04 8,70
3 - Razoável 23,20 25,00 17,78 23,91 26,09
4 - Boa 18,56 11,25 22,22 23,91 26,09
5 - Muito boa 19,59 7,50 24,44 28,26 34,78
e) 1 - Muito fraca 22,68 37,50 15,56 10,87 8,70
2 - Fraca 20,10 32,50 15,56 10,87 4,35
3 - Razoável 20,10 13,75 24,44 15,22 43,48
4 - Boa 17,53 7,50 17,78 36,96 13,04
5 - Muito boa 19,59 8,75 26,67 26,09 30,43
f) 1 - Muito fraca 29,90 33,75 20,00 30,43 34,78
2 - Fraca 30,93 43,75 24,44 23,91 13,04
3 - Razoável 19,07 13,75 24,44 19,57 26,09
4 - Boa 5,15 3,75 8,89 2,17 8,70
5 - Muito boa 14,95 5,00 22,22 23,91 17,39
Avaliação global 1 - Muito fraca 17,53 27,50 13,33 10,87 4,35
2 - Fraca 27,32 46,25 22,22 10,87 4,35
3 - Razoável 17,01 12,50 17,78 15,22 34,78
4 - Boa 17,01 7,50 17,78 30,43 21,74
5 - Muito boa 21,13 6,25 28,89 32,61 34,78

Nota. A negrito estão representados os valores percentuais mais elevados por segmento de mercado e função expressa na lei (alíneas).

Tabela 4 Resultados percentuais no domínio "Importância de funções adicionais do diretor técnico às descritas na lei." 

% Segmento de mercado
Geral Low cost Middle M. Premium Outros
1 - Muito baixa 13,40 15,00 15,56 13,04 4,35
2 - Baixa 14,43 23,75 6,67 6,52 13,04
3 - Moderada 20,62 25,00 22,22 15,22 13,04
4 - Elevada 29,38 22,50 28,89 32,61 47,83
5 - Muito elevada 22,16 13,75 26,67 32,61 21,74

Nota. A negrito estão representados os valores percentuais mais elevados por segmento de mercado.

Quando questionados sobre a importância das funções do diretor técnico tal como definidas na lei, os TEF tendencialmente consideram as funções como tendo uma importância entre "moderada", "elevada", e "muito elevada" (total nestas categorias > 50% das respostas nas três alíneas) (Tabela 1).

Na análise por segmento de mercado sobre a regularidade do apoio do diretor técnico às funções do TEF, o segmento low cost apresentou os piores valores percentuais, com 71.25% das respostas dadas entre as categorias "inexistente" e "pouco regular". Os segmentos premium e "outros" obtiveram aproximadamente 50% das respostas nas categorias "muito regular" e "permanente" (Tabela 2). Na amostra geral, 52.06% das respostas situam-se entre "regular" e "permanente". Em opção de resposta aberta a quem indicou uma opção entre o 2 (pouco regular) e 5 (permanente), das possíveis 148 respostas, obtiveram-se 102 válidas. A frequência reportada pelos TEF (geral) foi: diária= 23.53%; semanal= 35.29%; quinzenal= 4.90%; mensal= 19.61%; trimestral= 6.86%; e semestral= 9.80%.

Os resultados por segmento de mercado da avaliação dos TEF à prestação do diretor técnico de acordo com cada função definida em lei estão expressos na Tabela 3. Na amostra geral, à exceção da função expressa pela alínea a), tendencialmente classificada como "boa" ou "muito boa" (com o somatório dos valores > 50% das respostas), as restantes alíneas apresentam percentuais de destaque nas categorias "muito fraca" (alínea e)), "fraca" (alíneas b), d), e f)), e moderada (alínea c)). Globalmente (considerando todas as funções), os TEF tendencialmente classificam o desempenho dos diretores técnicos no cumprimento das suas funções como estando entre "razoável", "boa" e "muito boa" com 55.15% das respostas. No entanto, a categoria com maior percentagem de resposta foi o "fraco" (27.32%).

Da análise por segmento de mercado também expressa na Tabela 3, o low cost apresentou-se como tendo na maioria das funções (alíneas a), b), d), e), e f)), valores no somatório das categorias "muito fraca" e fraca" > 55% das respostas (amplitude 56.25–77.5%). Na avaliação global feita pelos profissionais deste segmento, 73.75% das respostas foram atribuídas às categorias de prestação "muito fraca" e fraca". Os segmentos premium e "outros" apresentaram valores opostos ao low cost, com exceção da alínea f).

Por fim, os resultados da perceção dos TEF sobre se os diretores técnicos deveriam desempenhar outras funções para além das descritas na lei estão expressas na Tabela 4. Na amostra geral, verifica-se a tendência em atribuir importância a outras funções do diretor técnico para além da desempenhada. Esta perceção é apresentada em todos os segmentos, apesar de ter menor expressão no segmento low cost. No entanto, apesar da importância atribuída, apenas 26 dos 194 inquiridos apresentaram em questão aberta sugestões. Desses, oito focaram-se em apresentar sugestões em tarefas de gestão (comercial, negócio/satisfação cliente, financeira e marketing), cinco no desenvolvimento de tarefas profissionais (treino personalizado, aulas de grupo, outras funções de coordenação), dois indicaram formação aos pares, outros dois apoio às funções definidas na alínea a), e os restantes nove em desabafos não categorizáveis para este estudo.

DISCUSSÃO

O presente estudo exploratório de natureza transversal procurou analisar as perceções dos TEF sobre i) a importância das funções dos diretores técnicos expressas na lei, e ii) a forma como os diretores técnicos cumprem e desenvolvem as suas funções. Para este esforço, foi também feita uma exploração por segmento de mercado (por preço). Tendencialmente, verificou-se que os TEF consideram as funções do diretor técnico definidas em lei como sendo importantes. Já em relação à regularidade do apoio e perceção da qualidade, os dados da amostra geral tendem a ser heterogéneos em quase todos os domínios. Aproximadamente 50% dos respondentes consideram a regularidade do apoio do diretor técnico às suas funções como sendo inexistente e pouco regular, e os outros 50% variando entre regular, muito regular e permanente. No global, cerca de 45% dos TEF consideram a prestação dos diretores técnicos como estando entre muito fraca e fraca, e os restantes 55% classificam a prestação de razoável, bom ou muito bom. Por fim, cerca de 52% dos TEF consideram que os diretores técnicos deveriam desempenhar outras funções para além das definidas por lei.

Nos domínios onde se verificou maior dispersão de resultados (i.e., regularidade do apoio e avaliação da prestação), a análise por segmento de mercado tende a evidenciar diferenças percentuais entre o segmento low cost e os restantes. Genericamente, a perceção dos TEF a desenvolver as suas atividades em ginásios low cost apresentou os piores indicadores. Os resultados serão discutidos de seguida com base nas premissas da investigação à data, implicações para a área profissional, e sugestões de reflexão e melhoria.

A perceção dos TEF sobre as funções e atuação do diretor técnico

O facto de a maioria dos TEF ter destacado todas as funções como sendo importantes permite uma primeira leitura do que se passa no contexto e das necessidades que os TEF atribuem ao diretor técnico no decorrer da sua prática. Por outro lado, permite ainda orientar esforços futuros que se relacionem com a ação do diretor técnico e seu enquadramento legal.

Um ponto identificado neste estudo que deve ser visto com preocupação é o balanço obtido sobre a regularidade do apoio do diretor técnico ao trabalho dos TEF. Cerca de 50% dos profissionais reportou que o apoio do diretor técnico é inexistente ou pouco regular, sendo que este resultado negativo é mais pronunciado no segmento low cost. De facto, esta ausência de apoio já tinha sido previamente identificada por Teixeira et al. (2020), referindo que os ginásios ainda estariam a aguardar o regresso do seu D. Sebastião, ou seja, uma figura de direção técnica efetivamente presente, preparada, ativa, e promotora da elevação da qualidade das práticas, e que poderia ser um dos problemas resultantes de alguns modelos de gestão low cost, devido, em parte, à falta de supervisão técnica. Isto parece ser consubstanciado pelos resultados associados à avaliação da prestação do diretor técnico, onde uma vez mais existe a tendência do segmento low cost apresentar os valores percentuais mais baixos, quando comparado com os outros segmentos. De destacar que os valores percentuais gerais (amostra de todos os segmentos) e globais (prestação global do diretor técnico) tendem a ser baixos, mesmo havendo uma diferença do tamanho da amostra por segmento que deveria suportar resultados mais positivos. Ou seja, de acordo com dados de 2021 (Pedragosa et al., 2022), o segmento low cost constitui aproximadamente 50% dos clubes em Portugal, o middle market 42%, e o premium 9%. No presente estudo, a amostra dos espaços low cost é ligeiramente inferior (41.2%) aos dados representativos nacionais, e o premium bastante superior (23.7%). Mesmo assim, a dimensão da amostra de TEF em espaços low cost tendeu a arrastar os resultados dos valores gerais e globais para baixo, mesmo quando o segmento premium da amostra, onde se obteve sempre os melhores indicadores percentuais, é superior à realidade nacional.

Isto reflete dois aspetos relevantes a considerar na interpretação dos resultados e considerações futuras. Primeiro, a dimensão do crescimento nacional do segmento low cost (23% em 2018 para 50% em 2021) deve preocupar a forma como a qualidade do serviço é prestada (profissionais) e percecionada (clientes; público). Não havendo indicadores objetivos destas questões, importa frisar que a perceção de alguns profissionais afetos à área é tendencialmente negativa (Teixeira et al., 2020), e que os dados das taxas de retenção de sócios por segmento de mercado são marcadamente piores no segmento low cost (período 2018-2021; Pedragosa et al., 2022). Sendo este o segmento com maior expressão nacional, é expectável que também seja o que mais contribuirá para a perceção pública do que deverá ser o serviço prestado por este espaço (ginásios) e profissionais, algo que merece ser clarificado urgentemente em explorações científicas futuras. A verificar-se que estes espaços estarão aquém do que seria o ideal e necessário, urge atuar na resolução dos problemas identificados. De realçar que não se antevê que um modelo de gestão low cost seja necessariamente negativo num ginásio quando se procura a promoção da prática de exercício físico. O que se poderá ter de explorar futuramente é se esse modelo de gestão se manifesta apenas no espaço, equipamento, oferta de serviços, entre outros relacionados, e não no serviço prestado pelos profissionais. Sendo relativamente fácil compreender e aceitar que um espaço low cost, middle market, e premium tenham condições diferentes a oferecer aos praticantes (e.g., qualidade dos balneários, dos equipamentos, do atendimento), tal não deve acontecer na qualidade do serviço prestado pelos TEF e, consequentemente, pelo diretor técnico. Numa analogia com outra área profissional, é possível comparar companhias aéreas low cost com outras de outra tipologia. Apesar de se verificar diferenças nos preços e serviços prestados (custo da alimentação a bordo, reserva de lugares, bagagens permitidas), a regulamentação de segurança, treino dos pilotos e equipa de bordo, e os próprios aviões, são aspetos virtualmente idênticos independentemente da tipologia da companhia. Se assim não fosse, alguém consideraria viajar num avião low cost?

Por fim, um dos resultados também relevante de interpretação mais cuidada diz respeito à avaliação da perceção dos TEF sobre se o diretor técnico deveria realizar outras funções para além das definidas na lei. A tendência verificada nas respostas de natureza fechada foi de valorizar essas funções. No entanto, das poucas respostas de natureza aberta, emergem algumas sugestões de que os TEF veem o diretor técnico em proximidade a outras funções de gestão (gestão geral, financeira, marketing, recursos humanos). Este posicionamento parece sugerir desalinhamento e/ou dificuldade na interpretação das responsabilidades e funções legalmente definidas nos artigos 5.° e 6.° da Lei n.° 39/2012. Eventualmente, por exemplos históricos muitas vezes anteriores à lei, ou pela natureza de alguns espaços (ginásios "familiares", onde o diretor técnico é muitas vezes o proprietário, técnico de manutenção, rececionista, marketer, entre outros), onde existem poucos recursos e a organização existente implica um desdobramento de alguns profissionais, visões distintas poderão existir. No entanto, na formulação legal, é claro que o diretor técnico deverá estar associado às necessidades de direção e supervisão técnica. Poderá assim existir a necessidade de clarificar futuramente o que são as funções de um diretor de clube e demais (a existirem) diretores, delimitando que o diretor técnico, apesar de trabalhar em articulação com outros departamentos, é uma figura responsável pelas dimensões técnicas e organizativas da prática, uma distinção necessária de forma a evitar uma dispersão no campo de atuação.

As funções legais do diretor técnico: aspetos de crítica relevantes resultantes do entendimento das perceções dos TEF

Apesar da importância atribuída pelos TEF às funções dos diretores técnicos, e em parte consubstanciadas por indicadores de outros estudos (e.g., Valagão et al., 2022), importa refletir sobre a forma como estas estão descritas, estruturadas e apresentadas em lei. Das seis funções, as apresentadas nas alíneas a) e b) tendem a ser macro, englobando várias atividades, focadas na dinâmica das práticas e na qualidade dos serviços. Já as alíneas restantes parecem estar orientadas para objetivos e tarefas específicas (e.g., alínea c), elaborar um manual de operações; alínea d) coordenar a produção de atividades). Acresce ainda que algumas das funções definidas parecem ser redundantes. Por exemplo, a alínea d) remete para a coordenação da produção das atividades, que de certa forma está expressa na alínea a), que por ser de maior amplitude, tende a englobar esta tarefa (alínea a) "Coordenar e supervisionar a prescrição, avaliação, condução e orientação de todos os programas e atividades (…) nas instalações desportivas."). Isto também é visível na alínea e), ("Superintender tecnicamente, no âmbito do funcionamento das instalações desportivas, as atividades desportivas (…)"), que uma vez mais se encontra expressa na coordenação e supervisão descritas na alínea a).

Num outro ponto de crítica, é possível verificar alguma dificuldade na diferenciação conceptual entre desporto e exercício físico. Isso nota-se, por exemplo, na utilização de terminologia em desuso (e.g., alínea a), "manutenção da condição desportiva (fitness)"), e na formulação da intenção expressa na alínea f) ("colaborar na luta contra a dopagem no desporto"), comummente associada à prática desportiva competitiva, mas existente também no contexto do exercício físico para fins, por exemplo, estéticos. Ainda neste ponto, é provável que esta falta de clareza e definição operacional justifique o motivo pela qual esta função obteve os menores valores percentuais no questionamento sobre a importância da ação específica do diretor técnico nesta matéria. Não fica claro se esta função é de largo espectro, dentro de uma lógica de combate ao doping no desporto/atletas (numa visão epistemológica em que o termo desporto engloba todo o tipo de atividades, incluindo o fitness), e, portanto, mais afastada da realidade de interação do diretor técnico em ginásios, ou se seria circunscrita ao uso nos clientes de ginásios. Sabendo que é um problema sério de saúde pública que se encontra identificado no comportamento de vários praticantes em ginásios (EHFA, 2012; SICAD, 2015), e que passa ao lado das fiscalizações regulares a que o meio desportivo (i.e., competitivo; atletas) está sujeito, a boa intenção na introdução desta função de cariz pedagógico e de supervisão pode perder relevo entre os TEF e diretores técnicos quando não percecionada devidamente. Acresce, tal como referido por Mestre (2019), que a ausência de clarificação legal nesta matéria nos ginásios e health clubs, para além de não contribuir adequadamente na luta contra este flagelo, incentiva a proliferação do estigma do uso de "drogas" nestes espaços, algo que uma vez mais não contribui para a perceção positiva do que estes espaços e profissionais podem trazer à saúde individual e pública.

Esta aparente sobreposição de tarefas e redundância linguística expressa nas funções do diretor técnico pode levantar dúvidas na forma como efetiva e operacionalmente o diretor deverá realizar as suas funções, mas também sobre o que os TEF deverão esperar da sua ação. Esta confusão será exacerbada se a hipótese levantada anteriormente sobre a falta de formação específica nos cursos que conferem cédula profissional se verificar, algo que carece ainda de exploração adequada.

Limitações e estudos futuros

Para uma adequada compreensão dos resultados e possível impacto deste estudo na comunidade associada ao exercício físico em ginásios, algumas considerações devem ser expressas. Do ponto de vista metodológico, a natureza exploratória e de cariz geral deste trabalho permite uma leitura da realidade em estudo, mas carece de aprofundamento das questões levantadas, que podem ser resolvidas através da obtenção de uma amostra com maior representatividade profissional (em tamanho e por segmento), cruzamento com informações de natureza qualitativa (e.g., entrevistas), realização de observação direta com critérios de avaliação, e definição de aspetos prioritários agora conhecidos e que necessitam de maior refinamento dos meios de coleta e análise.

A nível operacional, outros aspetos relevantes para a compreensão deste e de estudos futuros passarão i) pelo grau de entendimento (e não apenas o conhecimento) que os TEF têm efetivamente sobre cada função (legal) do diretor técnico, e a forma como essa compreensão, a redundância na formulação legislativa, e possível ausência de formação especifica para a função, poderão estar a justificar os resultados obtidos; ii) exploração contextual e complementar à existente à data sobre o que é e deveria ser, do ponto de vista dos TEF e diretores técnicos, a função de direção técnica; e iii) fornecer indicadores para aferir a qualidade das funções desempenhadas.

Numa nota final às limitações, não é possível deixar de realçar a aparente falta de investigação neste e em temas próximos escritos em português e no contexto nacional. Isto deverá ser uma preocupação para a ciência em Portugal. Até se encontrar soluções para o problema da progressão das carreiras dos professores e investigadores no ensino superior nacional, assim como da obtenção de fundos para investigação, que estão dependentes de métricas que favorecem a publicação em revistas estrangeiras e em inglês, temas como a promoção da saúde pública através do potencial que os ginásios e health clubs apresentam têm pouca possibilidade de serem explorados. Para contrariar esta tendência e subversão de produção científica, cabe a todos os envolvidos (entenda-se, todos os stakeholders) a tentativa de criar sinergias que visem o avanço do estudo deste e outros temas que podem vir a ter um forte contributo em vários outcomes mas, acima de tudo, na saúde das populações.

CONCLUSÃO

Em suma, o presente estudo evidenciou que os TEF, genericamente, valorizam as funções atribuídas ao diretor técnico expressas na lei. Verificou-se que a regularidade do apoio do diretor técnico às funções dos TEF é bastante heterogénea, sendo que em quase 50% dos respondentes a classificação atribuída foi de inexistente ou pouco regular. Verificou-se ainda que cerca de 45% dos TEF consideram a prestação dos diretores técnicos como sendo muito fraca ou fraca. Da análise por segmento de mercado pelo preço, o low cost apresentou na maior parte dos parâmetros avaliados os piores resultados percentuais, e o premium os melhores. Os atuais resultados reforçam indicações prévias sobre a existência de problemas na função de direção técnica em ginásios, e que estas se manifestariam maioritariamente em ginásios do segmento low cost. Recomendações de aprofundamento da compreensão destas questões são apresentadas para futura melhoria das práticas profissionais e elevação da área profissional.

Financiamento:Fundação para a Ciência e a Tecnologia com a identificação UID/04045/2020 (https://doi.org/10.54499/UIDB/04045/2020).

1Low cost: os clubes com mensalidade média menor ou igual a 30,00€; Middle Market: os clubes com mensalidade média entre 30,00€ e 65,00€; Premium: os clubes com mensalidade média superior a 65,00€.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer ao colega José Cabim pelo apoio prestado na pesquisa bibliográfica.

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Recebido: 05 de Abril de 2023; Aceito: 16 de Maio de 2024

*Autor correspondente: Universidade Lusófona, Faculdade de Educação Física e Desporto – Campo Grande, 376 – CEP: 1749-024 – Lisboa, Portugal. E-mail: diogo.teixeira@ulusofona.pt

Conflito de interesses:

nada a declarar.

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