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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.20 no.1 Lisboa mar. 2012

 

CASO CLÍNICO

 

Rotura negligenciada do tendão patelar evoluindo com extensa ossificação pós-traumática

 

Rodrigo AlbuquerqueI; Vincenzo GiordanoI; Maria AlbuquerqueII; Ney AmaralI; João BarrettoIII

I. Sociedade Brasileira de Cirurgia do Joelho. Brasil.
II. Instituto Nacional do Câncer. Brasil.
III. Serviço de Ortopedia e Traumatologia Professor Nova Monteiro. Hospital Municipal Miguel Couto. Rio de Janeiro. Brasil.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

A rotura negligenciada do tendão patelar é uma lesão rara. Nós relatamos um caso em um adulto que sofreu uma queda durante uma corrida para ingresso em um ônibus. A lesão foi tratada com o reparo cirúrgico através de suturas transósseas associado com reforço do semitendíneo. O objetivo dessa pesquisa foi apresentar um caso raro de rotura negligenciada do tendão patelar evoluindo com extensa ossificação pós-traumática.

Palavras chave: ligamento patelar, rotura, ossificação.

 

ABSTRACT

The neglected rupture of the patellar tendon is a rare lesion. We report a case in an adult who suffered a fall while running to take a bus. The lesion was treated with surgical repair using transbone sutures associated with reforce of the semitendinosus. The objetive of this research was to present a rare case of neglected rupture of the patellar tendon developing extensive post-traumatic ossification.

Key words: Patellar ligament, rupture, ossification.

 

INTRODUÇÃO

A rotura do tendão patelar é uma lesão bem conhecida na literatura ortopédica, contudo, a negligência do seu tratamento é raramente relatada e costuma gerar incapacidade funcional importante.

Nesse estudo relatamos um caso raro de rotura negligenciada do tendão patelar evoluindo com extensa ossificação pós-traumática em um adulto e a terapêutica adotada.

 

CASO CLÍNICO

Paciente de 52 anos de idade, após sofrer uma queda durante uma corrida para ingresso em um ônibus, evoluiu imediatamente com dor, hemartrose e incapacidade de deambular. O paciente foi encaminhado à emergência do nosso hospital. O exame físico revelou edema no joelho esquerdo, patela alta e um gap no pólo inferior da patela (Figura 1). Na inspeção observamos uma patela extremamente elevada associada a um sinal do camelo (Figura 2). Havia também a incapacidade de estender ativamente a perna. Na ocasião do trauma o paciente pesava 91 kg e media 1,75 m de altura.

 

 

 

A radiografia do joelho evidenciou a patela alta confirmando o diagnóstico de rotura do tendão patelar do lado esquerdo associado a extensa ossificação. Na história pregressa foi constatado um trauma anterior nesse joelho com 3 anos e 8 meses de evolução. Na época o paciente procurou atendimento médico e foi feito o diagnóstico de rotura do tendão patelar. Nesse mesmo momento foi indicado tratamento cirúrgico, porém, o paciente não concordou. Ele relata que houve um edema importante no joelho esquerdo e após esse primeiro trauma houve maior dificuldade para realizar atividades habituais, porém, melhoraram com o passar do tempo. No segundo traumatismo do joelho o paciente concordou com a indicação de intervenção cirúrgica para a rafia do tendão patelar. Foi pesquisada a história clínica e realizados exames de sangue com todos os marcadores para doenças reumáticas e renais descartando qualquer relação com alguma doença  sistêmica ou uso de esteroides.

A cirurgia ocorreu um dia após a internação com o uso do torniquete e incisão reta anterior no joelho. A técnica cirúrgica empregada foi a ressecção da extensa ossificação associada a sutura do tendão patelar a patela usando furos transósseos com reforço do semitendíneo por se tratar de lesão crônica (Figura 3). O reparo da sutura foi testado com uma flexão cuidadosa da articulação do joelho.

 

 

No pós-operatório o joelho foi imobilizado com um imobilizador longo de joelho por seis semanas que era removido para exercícios de reabilitação ativa a fim de evitar atrofia do quadríceps. O programa consistia em exercícios isométricos para o quadríceps durante o período de imobilização e exercícios ativos para o quadríceps com progressivo aumento do arco de movimento. O arco de movimento completo e a função total do joelho foram obtidos em quatro meses.

Nosso paciente foi avaliado com uma semana, 15 dias, um mês, 45 dias, dois meses e mensalmente até o sexto mês, quando as consultas passaram a ser trimestrais. Nosso seguimento com esse paciente é de dois anos e o mesmo voltou as suas atividades habituais sendo acompanhado com um controle radiológico onde avaliamos a altura da patela e a classificação pelo escore de avaliação funcional do joelho de Lysholm modificado[1] (Figuras 4 e 5) Obtivemos a média de 91 pontos, considerada uma média excelente segundo o mesmo sistema de avaliação.

 

 

 

 

DISCUSSÃO

Em nosso relato de caso o sexo acometido foi o masculino corroborando com a literatura da prevalência do sexo masculino sobre o feminino (14/1)[2].

Uma revisão da literatura de publicações de língua inglesa sobre a rotura do tendão patelar e a extensa ossificação pós-traumática, evidenciou apenas três artigos, demonstrando a raridade da lesão e a importância do relato de caso[3-5].

O mecanismo usual de rotura do tendão patelar é uma repentia flexão do joelho associada à contração do quadríceps. Provavelmente este foi o mecanismo de nosso paciente.

Há pesquisa sobre alterações estruturais no tendão decorrentes de microtraumas ou degeneração dos mesmos, ocasionando as roturas traumáticas[6]. Em contrapartida outros pesquisadores defendem o traumatismo direto do joelho como causador da lesão patelar num paciente sadio[7]. Na nossa pesquisa, por ser um indivíduo adulto com queixas pregressas e sem doenças sistêmicas, defendemos o trauma direto no passado como mecanismo da lesão. Apesar disso, concordamos que alterações estruturais aumentam o risco de lesões do aparelho extensor do joelho.

Não há até o momento uma explicação concreta para essa extensa ossificação pós-traumática. A teoria mais aceita é que a tração repetitiva na patela pode acelerar a calcifi cação[3].

O diagnóstico da lesão do tendão patelar é basicamente clínico através da palpação do gap. A rotura negligenciada do tendão patelar pode dificultar  diagnóstico. A integridade do retináculo mantendo a extensão do joelho e a hemartrose do joelho podem corroborar para o diagnóstico errôneo. Em relação aos exames complementares, a radiografia do joelho (série trauma), determina uma boa acurácia na confirmação diagnóstica, além de baixo custo. Não utilizamos a ultrassonografia por ser um exame examinador dependente. A ressonância magnética é um exame de imagem de alto custo, não sendo realidade em todos os hospitais brasileiros. À medida que torna-se um exame mais popular, irá contribuir muito na análise da condição do tendão e das estruturas ao redor do joelho.

No pós-operatório imediato utilizamos como parâmetro radiográfico a altura da patela. Entre os diversos métodos existentes preferimos o índice de Bernageau que utiliza como parâmetro anatômico a superfície articular distal da patela e a tróclea femoral.

O diagnóstico da lesão e o reparo precoce são o segredo do sucesso. Nós utilizamos o reforço com semitendíneo por se tratar de lesão negligenciada do tendão patelar com extensa ossificação pós-traumática. Muratli et al [8] realizaram o reparo da lesão associado a cerclagem com fio de aço e banco de enxerto. Nosso pensamento é que o fi o de aço precisa ser retirado num segundo tempo cirúrgico gerando o stress emocional de um novo procedimento cirúrgico, já em relação ao uso do banco de enxerto, existe o risco de transmissão de doenças. Kim et al [9] utilizaram âncoras para o reparo do tendão patelar alegando melhor qualidade dessa técnica quando comparado com o método tradicional. Na literatura quando analisamos estudo comparativo entre essas duas técnicas cirúrgicas não observamos diferença na falência do reparo[10].

 

CONCLUSÃO

A rotura negligenciada do tendão patelar com extensa ossificação pós-traumática é uma lesão rara. Nosso paciente segue um pós-operatório de dois anos de seguimento com um excelente resultado segundo o sistema de escore de Lysholm modificado.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Tegner Y, Lysholm J. Rating systems in the evaluation of knee ligament injuries. Clin Orthop Relat Res. 1985; 198: 43-9        [ Links ]

2. Kellersmann R, Blattert TR. Bilateral patellar tendon rupture without predisposing systemic disease or steroid use: a case report and review of the literature. Arch Orthop Trauma Surg. 2005; 125: 127-133        [ Links ]

3. Matsumoto H, Kawakubo M, Otani T, Fujikawa K. Extensive post-traumatic ossifi cation of the patellar tendon. A report of two cases. J Bone Joint Surg Br. 1999; 81 (1): 34-36        [ Links ]

4. Cipolla M, Cerullo M, Franco V, Gianní E, Puddu G. The double patella syndrome. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 1995; 3 (1): 21-25        [ Links ]

5. Bruijn JD, Sanders RJ, Jansen BR. Ossification in the patellar tendon and patella alta following sports injuries in children. Complications of sleeve fratures after conservative treatment. Arch Orthop Trauma Surg. 1993; 112 (3): 157-158        [ Links ]

6. Kannus P, Jozsa L. Histopathological changes preceding spontaneous rupture of a tendon. J Bone Joint Surg Am. 1991; 73 (10): 1507-1525        [ Links ]

7. Quesada JQ, Villadeamigo JM, Rico JIA. Spontaneous bilateral patellar tendon rupture in an otherwise healthy patient a case report. Ata Orthop Belg. 2003; 69 (1): 89-92        [ Links ]

8. Muratli HH, Çelebi L, Hapa O, Biçimoglu A. Bilateral patellar tendon rupture in a child: a case report. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2005; 13: 677-682        [ Links ]

9. Kim JR, Park H, Roh SG, Shin SJ. Concurrent bilateral patellar tendon rupture in a preadolescent athlete: a case report and review of the literature. J Pediatr Orthop B. 2010; 19: 511-514        [ Links ]

10. Bushnell BD, Byram IR, Welnhold PS, Creighton RA. The use of suture anchors in repair of the ruptured patellar tendon. A biomechanical study. AJSM. 2006; 34: 1492-1499        [ Links ]

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Rodrigo Albuquerque
Av. Henrique Dodsworth 83 apt. 105
Copacabana
CEP: 22061-030
Rio de Janeiro
Brasil
rodalbuquerque@ibest.com.br

 

Data de Aceitação: 2011-10-06

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