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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia
versão impressa ISSN 1646-2122
Rev. Port. Ortop. Traum. vol.20 no.3 Lisboa set. 2012
CASO CLÍNICO
Osteoporose transitória da gravidez.. Dois casos complicados por fratura patológica do colo do fémur
Norberto SilvaI; Ricardo MendesI; Guido DuarteI; Andreia FerreiraI
I. Serviço de Ortopedia.Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/ Espinho. Vila Nova de Gaia. Portugal.
RESUMO
A osteoporose transitória da anca é uma condição pouco frequente, caraterizada por dor na anca e osteopenia da cabeça e colo femorais, que ocorre durante o terceiro trimestre da gravidez e que geralmente se resolve durante os dois primeiros meses pós-parto.
O diagnóstico deve ser feito por exclusão, incluindo diagnósticos diferenciais tais como neoplasia, tuberculose e infecções não tuberculosas, distrofia simpática reflexa e necrose avascular.
Embora raras, as fraturas patológicas são a consequência mais grave desta patologia.
Neste artigo, os autores apresentam dois casos de osteoporose transitória da anca durante a gravidez, particularmente interessantes pelo facto de ambas as doentes terem sofrido uma fratura patológica do colo do fémur.
Palavras chave: Osteoporose transitória, anca, gravidez, fratura patológica.
ABSTRACT
Transient osteoporosis of the hip is an uncommon condition, characterized by painful hip and osteopenia of the femoral head and neck, which occurs during the third trimester of pregnancy and usually resolves during the fi rst two months postpartum.
The diagnosis must be made by exclusion, including differential diagnoses such as cancer, tuberculosis and non-tuberculous infections, refl ex sympathetic dystrophy and avascular necrosis.
Although pathologic fractures are rare, they are the most serious consequence of this pathology.
In this article, the authors present two cases of transient osteoporosis of the hip during pregnancy, particularly interesting because both patients had suffered a pathological fracture of the femoral neck.
Key words: transient osteoporosis, hip, pregnancy, pathological fracture.
INTRODUÇÃO
A osteoporose transitória foi descrita pela primeira vez na literatura norte-americana em 1959 por Curtiss e Kincaid[1].
Trata-se de uma patologia auto-limitada, que ocorre em homens de meia idade e em mulheres no terceiro trimestre da gravidez ou puérperas. Envolve as articulações dos membros inferiores, principalmente a anca, e menos frequentemente, o joelho, o tornozelo e o pé[2].
A osteoporose transitória da anca durante a gravidez caracteriza-se clinicamente pelo início gradual de dor, que agrava com a carga e se traduz em claudicação. As mobilidades ativas e passivas da anca são normais, com o aparecimento de queixas álgicas apenas nas mobilidades extremas. Esta discrepância entre os achados do exame objetivo e a clínica pode ajudar a distinguir esta condição autolimitada, de outras patologias, tais como tais como neoplasia, necrose avascular e infecção, evitando assim diagnósticos e medidas terapêuticas desnecessárias[2].
A complicação mais grave desta patologia é a ocorrência de fratura do colo do fémur, situação retratada neste artigo através da apresentação de dois casos clínicos.
CASOS CLÍNICOS
Caso 1
Doente do sexo feminino com 30 anos de idade, primigesta, com 38 semanas e 2 dias de gestação, dá entrada no Serviço de Urgência (SU) com dor e incapacidade funcional na anca direita após queda na banheira. O estudo radiológico realizado revelou fratura do colo do fémur direito, tipo IV de Garden[3] (Figura 1). O estudo analítico da doente era normal.
Na história clínica recolhida a doente referia um início gradual de dor na articulação coxo-femoral direita desde há cerca de dois meses. Por esse motivo, teria já recorrido ao seu Médico assistente que a medicou, recomendou repouso e proteção na carga.
A doente relatava também uma coxalgia esquerda ocorrida há cerca de dois anos e que à data teria levantado a suspeita de osteoporose transitória dessa anca. Foi medicada pelo Médico assistente com resolução do quadro clínico.
Foi internada por Obstetrícia para realização de cesariana de urgência. Uma semana depois a doente foi submetida a artroplastia total da anca direita não cimentada, cerâmica/cerâmica (Figura 2).
Neste momento tem seis meses de pós-operatório, encontra-se sem queixas álgicas e deambula sem apoio externo na marcha.
Caso 2
Doente do sexo feminino com 26 anos de idade, saudável, Gesta 2/Para 2; gravidezes sem intercorrências e ambos os partos eutócicos.
Dois meses após o nascimento do segundo filho sofreu queda de bicicleta de baixa energia (encontrava-se parada, desequilibrou-se e caiu). Inicialmente foi observada no SU de outra instituição hospitalar, após o que teve alta com indicação de repouso e analgesia. Ao fim de dois dias deu entrada no nosso SU, por persistência e agravamento das queixas álgicas, com incapacidade para a marcha. Realizou estudo radiológico da bacia que revelou fratura do colo do fémur, tipo III de Garden[3] (Figura 3).
A doente foi submetida a redução fechada da fratura e osteossíntese com parafusos canulados (Figura 4). Decorridos seis meses após a cirurgia (Figura 5), deambula com apoio de canadianas, tem rigidez á mobilização da anca operada, pelo que se encontra em programa de reabilitação fisiátrica.
DISCUSSÃO
A desmineralização da articulação da anca durante gravidez é uma situação que muitas vezes passa despercebida. Na literatura foram descritos cerca de trinta casos, quase todos em grávidas no final dos vinte anos de idade e início dos trinta[4].
Existem diversas teorias que tentam explicar a sua etiologia. As necessidades aumentadas de cálcio durante a gravidez, associadas a uma possível, malnutrição materna, pode ser uma das hipóteses. Outros autores têm sugerido que alterações do fluxo sanguíneo local, fatores virais, metabólicos, inflamatórios, traumáticos ou neurológicos podem também contribuir para a sua patogénese[5].
Uma outra teoria baseada na biomecânica da articulação da anca, defende que o esqueleto da mulher, é menos capaz de suportar o aumento do peso corporal durante o terceiro trimestre da gravidez, ocorrendo uma flexão excessiva da cabeça e colo femorais. O aumento da carga estimularia a reabsorção óssea e o aparecimento de microfraturas que podem resultar em fratura patológica[4].
A osteoporose transitória da anca durante a gravidez é uma condição rara e pode ser sub-diagnosticada devido a queixas frequentes de desconforto pélvico. No entanto, a presença de dor na anca ou coxa numa grávida ou puérpera, deve levar o Ortopedista a pensar em fratura patológica, iminente ou real[4]. Outros diagnósticos diferenciais incluem neoplasias primárias ou tumores metastáticos (leucemia, linfoma, mieloma múltiplo) doenças inflamatórias e metabólicas, fratura de stress e osteonecrose da cabeça femoral.
A abordagem seguinte consiste na realização de radiografias e restrição de carga consoante os sintomas e os achados clínicos e radiográficos. Nos exames laboratoriais, pode surgir um discreto aumento da fosfatase alcalina, da velocidade de sedimentação e do nível urinário de hidroxiprolina, alterações que podem também ocorrer numa grávida saudável[2].
A radiografia convencional geralmente é normal na fase inicial da doença e o espaço articular permanece intacto durante todas as fases da patologia. Três a 6 semanas após o início dos sintomas, a radiografia revela desmineralização periarticular e este achado pode manter-se durante semanas após o desaparecimento da clínica[6].
Em alguns casos de osteoporose transitória da anca há uma perda marcada do córtex subcondral da cabeça femoral, que é virtualmente patognomónico para a patologia[6].
A ressonância magnética (RMN) é considerada o exame de escolha para o diagnóstico desta patologia, demonstrando a presença de edema medular da cabeça e colo femorais, representado por hiposinal em imagens ponderadas em T1 e por hipersinal em T2, o que não se verifica em outras formas de osteoporose. Além disso, a RMN pode revelar a presença de microfraturas na área atingida e permite o diagnóstico diferencial com outras entidades nomeadamente a osteonecrose da cabeça femoral. Enquanto na osteoporose transitória da gravidez o edema medular é autolimitado e existe osteopenia difusa de toda a cabeça e colo femoral, sem erosão articular ou colapso subcondral, na osteonecrose o edema de medula óssea sofre uma deterioração gradual, com aparecimento de lesões subcondrais na porção antero-superior da cabeça femoral e colapso da superfície articular.
Uma questão importante no caso do parto ser realizado por via vaginal, é que a presença de uma anca dolorosa e osteoporótica, é um fator de risco para fratura, pela posição a que a doente fica sujeita.
As fraturas patológicas são uma complicação rara mas representam o pior cenário desta patologia, dado o elevado risco de necrose avascular da cabeça femoral. Desde o primeiro artigo publicado em 1959, apenas 12 fraturas patológicas (11 doentes, um bilateral) foram relatadas[2].
O tratamento cirúrgico deste tipo de fratura permanece controverso. É preciso ter em conta que as fraturas do colo do fémur desviadas apresentam uma elevada incidência de pseudartrose e necrose avascular[3]. No caso de se optar pela osteossíntese, a maioria dos autores recomenda a fixação nas primeiras 24 horas após a lesão, a fim de melhor preservar o suprimento sanguíneo da cabeça femoral[3].
Relativamente aos casos apresentados: no caso 1 optou-se por realizar artroplastia total da anca direita, não cimentada, ao 7º dia pós parto. Na literatura consultada só encontramos referência a uma situação em que o tratamento da fratura consistiu na realização de artroplastia total da anca não havendo, porém, referência aos critérios que levaram a optar por essa estratégia cirúrgica.
Quanto ao 2º caso a opção cirúrgica pela osteossíntese pode ser discutível porque a fixação foi realizada com mais de 48h após a fratura e a doente apresentava já uma lise importante ao nível do foco de fratura, por carga desprotegida. Estes são dois factores que contribuem fortemente para o risco de necrose avascular da cabeça femoral. A fixação da fratura foi realizada após uma manobra de redução na mesa ortopédica em rotação interna e abdução, sem abordagem do foco de fratura.
No pós-operatório tem vindo a verificar-se um colapso ao nível do foco de fratura, com posicionamento em varo da cabeça femoral (Figura 4). Aos 6 meses de pós-operatório ainda não existem sinais evidentes de consolidação, continuando presente o risco de necrose asséptica da cabeça femoral (Figura 5).
Como conclusão, é importante ter em conta que a osteoporose transitória da anca durante a gravidez é uma condição rara que implica um alto índice de suspeição. A presença de dor na anca ou coxa numa grávida ou puérpera deve alertar o Ortopedista para a possibilidade de ocorrência desta patologia e sobretudo para a presença de fratura patológica do colo do fémur.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Curtiss PH Jr, Kincaid WE. Transitory demineralization of the hip in pregnancy: A report of three cases. J Bone Joint Surg Am. 1959; 41: 1327-1333 [ Links ]
2. Beris AE, Karantanas AH, Korompilia AV. Transient Osteoporosis. J Am Acad Orthop Surg. 2008; 16: 480-489 [ Links ]
3. Leighton RK. Fractures of the neck of femur. In Bucholz RW, Heckman JD, Court-Brown C, editors. Rockwood and Green?s Fractures in Adults. Baltimore: Lippincott Williams & Wilkins; 2006. p. 1763.
4. Brodell JD, Burns JE, Heiple KG. Transient Osteoporosis of the Hip of Pregnancy -Two cases complicated by pathological fracture. J BoneJoint Surg Am. 1989; 71-A: 1252-1257 [ Links ]
5. Bramlett KW, Killian JT, Nasca RJ, Daniel WW. Transient osteoporsosis. Clin Orthop Rel Res. 1987; 222: 197-202 [ Links ]
6. Daniel WW, Sanders PC, Alarcon GS. The early diagnosis of transient osteoporosis by magnetic resonance imaging. J Bone Joint Surg (Am). 1992; 74: 1262-1264 [ Links ]
Conflito de interesse:
Nada a declarar.
Serviço de Ortopedia e Traumatologia
Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/
Espinho
Rua Francisco Sá Carneiro
4400 129 Vila Nova Gaia
Portugal
andreiamsmf@gmail.com
Data de Submissão: 2011-11-15
Data de Revisão: 2012-02-16
Data de Aceitação: 2012-07-08