Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia
versão impressa ISSN 1646-2122
Rev. Port. Ortop. Traum. vol.20 no.4 Lisboa dez. 2012
CASO CLÍNICO
Acrometástase como manifestação primária de adenocarcinoma pulmonar
José FerreiraI; Sofia ViçosoI; Tiago BarbosaI; Frederic RamalhoI; Fernando LimaI; Manuel MendesI
I. Serviço de Ortopedia e Traumatologia. Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE. Guimarães. Portugal.
RESUMO
Metástases ósseas da mão e pé (acrometástases) são raras. A sua apresentação varia, sendo geralmente confundidas com processos inflamatórios como artrite reumatoide, gota, tenossinovite, fractura ou infecciosos (panarício, osteomielite). A etiologia das acrometástases não digitais é comum aos tumores primários com metastização óssea ( próstata, pulmão, rim, mama e gastrointestinal). Pelo contrário, a etiologia de acrometástases digitais é quase exclusivamente carcinoma broncogénico. Descrevemos o caso de um homem de 43 anos, com um adenocarcinoma pulmonar oculto, que apresentava dor e tumefação persistente da falange distal do dedo indicador da mão dominante. Foi efectuada amputação paliativa, com confirmação histologica de adenocarcinoma pulmonar. Raramente a acrometástasese se torna sintomática antes do diagnóstico do tumor primário. Para uma orientação adequada, os médicos devem estar familiarizados com a forte associação entre acrometástases digitais e carcinoma broncogénico, efectuando os procedimentos diagnosticos adequados em doentes de risco com queixas digitais.
Palavras chave: Acrometástase, mão, adenocarcinoma.
ABSTRACT
Bone metastases of the hand and foot (acrometastasis) are rare. The presentaction vary, being generally confused with inflamatory process such as rheumatoid arthritis, gout, tenosynovitis, fracture or infectius process (paronychia, osteomyelilis). The etiology of non-digital acrometastasis is common to the primary tumors with bone metastasis (prostate, lung, kidney, breast and gastrointestinal).
However, the etiology of digital acrometastasis is almost exclusively broncogenic carcinoma. We report the case of a 43 years man. with an occult hung adenocarcinoma. He had persistent pain and swelling of the distal phalanx of the index finger of the dominant hand. Palliative amputation was performaned, with histological confirmation of hung adenocarcinoma. Rarely acrometastasis becomes symptomatic before the diagnosis of primary tumor. Physicians should be familiar with the strong association between digital acrometastasis and bronchogenic carcinoma. This way they will perform the appropriate diagnostic procedures in risk patients with digital complaints.
Key words: Acromestastasis, hand, adenocarcinoma.
INTRODUÇÃO
A metastização óssea para a mão e pé é rara, sendo-o ainda mais quando tem uma apresentação a nível dos dedos.
Uma acrometástase digital vai aparecer em apenas 0,2% dos carcinomas pulmonares com metastização óssea[1,2]. Contudo, cerca de 10% das acrometástases são o primeiro sintoma da patologia tumoral oculta[3], tal como no caso que descrevemos. Trata-se assim de um fenómeno raro, mas com elevada importância diagnóstica.
CASO CLÍNICO
Um homem de 43 anos de idade, fumador, sem antecedentes clínicos relevantes, recorreu ao serviço de urgência por tumefação e dor da falange distal do 2º dedo da mão direita (Figura 1). Apresentava marcado edema, aparente flutuação, rubor e dor ligeira, com um mês de evolução, sem história de traumatismo ou ferimento.
Realizou radiografia que mostrou osteólise marcada da falange distal do segundo raio e imagens de irregularidade periostal na porção distal da falange média (Figura 2). Realizou tomografia axial computorizada que mostrou uma lesão permeativa na falange distal do 2º dedo, grosseiramente ovóide com cerca de 15mm de diâmetro máximo, provocando erosão da cortical óssea adjacente. Foi considerada como provável a etiologia neoplásica, nomeadamente um tumor glómico sub-ungueal.
O doente referia também dor cervical à direita com uma semana de evolução, correspondente a uma adenopatia. Efectuada radiografia de tórax que revelou imagem nodular no ápice do campo pulmonar direito (Figura 3).
Realizou TAC torácico e foi internado com diagnóstico imagiológico de provável carcinoma pulmonar primário, com metastização pulmonar, na grade costal, fígado e supra-renais.
A biópsia pulmonar demonstrou um adenocarcinoma pulmonar.
Duas semanas após internamento era visível um aumento do volume da tumefação e as queixas álgicas intensificaram-se (Figura 4). Foi efetuada amputação do dedo atingido. A anatomia patológica confirmou a presença de células de adenocarcinoma pulmonar (Figura 5).
DISCUSSÃO
As acrometástases representam 0,07 a 3% das totalidade das metastases ósseas, dependendo do autor[4-8]. Cerca de 62% localizam-se nas falanges e destas 34% ao nível da falange distal[6,9,10]. Os tumores primários mais implicados, em ordem decrescente de prevalência, são: pulmão, rim, mama, e gastro-intestinal[11]. Os homens são mais afectados do que as mulheres[9,12]. As células tumorais migram para os ossos da mão por via hematogénea[6]. As células pulmonares, têm, ao contrario das originárias no trato digestivo, acesso directo ao sistema arterial distal. Assim a causa mais comum de acrometástase é o carcinoma broncogénico[6]. O tipo histológico mais frequentemente encontrado é o carcinoma epidermóide, seguido do adenocarcinoma e finalmente, do carcinoma de pequenas células. Os tumores da mama e gástricos são os seguintes em prevalência. Os cancros do trato urogenital e cólicos são mais frequentemente causa de acrometástases do pé[7,11].
Alguns pacientes referem uma história de traumatismo do dedo afetado, o que segundo alguns autores poderá ter um papel na etiogénese, facilitando a migração celular e a adesividade ao osso pela libertação de fatores quimiotáticos locais, que também aumentam o fluxo sanguíneo[13]. Para além dos traumatismos, a literatura refere como fatores favorecedores: gradientes de temperatura, fatores hormonais e imunitários ( nomeadamente a escassez de medula óssea vermelha nos ossos das extremidades[14], bem como propriedades inerentes à célula que dissemina[15].
A dor constitui o principal sintoma[6]. A sua intensidade é variável, podendo ser intensa e de evolução rápida, despertando toda a atenção do paciente, ou pelo contrário, insidiosa e moderada ao início, mas persistente e mais tarde resistente aos analgésicos. A indolência é pouco comum[16]. O dedo pode aparentar um processo infecioso, com dor, calor, eritema e edema[17]. De facto uma tumefação local está presente na maior parte dos casos. As lesão cutaneas são bastante mais raras[6]. Ulcerações cutaneas são mais frequentes em metástases avançadas e orientam mais frequentemente para um tumor cutâneo maligno primitivo[4].
Perante o quadro clínico descrito seria pedido uma radiografia. De início as lesões seriam mínimas: osteopenia da falange ou espessamento das partes moles. Num estadio mais avançado existirá uma osteólise localizada, irregular e mal limitada, com uma ligeira lâmina óssea subcondral. A lesão será muito mais raramente osteocondensante ou mista[9].Outros diagnósticos diferenciais possíveis são tumores da matriz cartilagínea ( ausêencia de calcificações em pipoca), artrite reumatoide ( sem atingimento da interlinha articular), ou uma lesão infrequente de gota[10,15,18]. Caso não exista neste contexto um tumor primário conhecido, deverá ser efetuado uma radiografia torácica para pesquisar sinais de neoplasia broncopulmonar[9].
A orientação terapêutica destes doentes varia com a extensão do tumor primitivo. Caso se trate da única metástase à distância e com um tumor primitivo controlável, será que ponderar uma exérese cirúrgica. Caso contrário, radioterapia em dose curativa pode dar um efeito antiálgico e possibilita por vezes a recalcificação da lesão. Ela está contra-indicada se existe ulceração cutânea. Em caso de metastização múltipla, está indicado tratamento paliativo, com radioterapia, analgésicos, anti-inflamatórios e por vezes quimioterapia[9,19,20]. Poderá haver também um papel a desempenhar por fármacos que estimulam a remodelação óssea, tal como bifosfonados ou denosumab, que já demonstraram a sua utilidade no tratamento de outras metástases ósseas[21,22].
No caso apresentado, as queixas álgicas sofreram agravamento significativo após o internamento hospitalar, tornando-se a dor resistente à terapêutica. Dado o contexto clínico, seria lícito ter iniciado radioterapia paliativa. O simples facto de se tratar de uma acrometástase digital tornava o diagnóstico de carcinoma broncogénico muito provável. Contudo, os dados histológicos de biópsia da massa pulmonar foram considerados indispensáveis para iniciar a mesma. Assim, optou-se por um tratamento paliativo local e efetuou-se a ressecção da falange distal e porção distal da falange média.
O prognóstico vital dos pacientes é sombrio, com uma sobrevida de apenas 15% ao final do primeiro ano[18,20].
CONCLUSÃO
Tal como este caso ilustra, devemos considerar esta hipótese diagnóstica em doentes com queixas digitais persistentes, e efetuar uma avaliação pulmonar. Trata-se de uma patologia rara e por vezes de difícil diagnóstico. O seu prognóstico é particularmente sombrio, sendo o tratamento essencialmente paliativo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Long LS, Brickner L, Helfend L, Wong T, Kubota D. Lung cancer presenting as acrometastasis to the finger: a case report. Case Report Med. 2010; 20 (10) [ Links ]
2. Kumar PP. Metastases to the bones of the hand. J Natl Med Assoc. 1975; 67 (4): 275-276 [ Links ]
3. Baran R, Guillot P, Tosti A. Metastasis from carcinoma of the bronchus to the distal aspect of two digits. Br J Dermatol. 1998; 138 (4): 708 [ Links ]
4. Amar MF, Almoubaker S, Lahrach K, Chbani B, Bennani A, Marzouki A, et al. Tumeur géante du pouce révélant un adénocarcinome pulmonaire (à propos dun cas). Chir Main. 2011 Mar; 30 (2): 133-135
5. Amadio PC, Lombardi RM. Metastatic tumors of the hand. J Hand Surg. 1987; 12A: 311-316 [ Links ]
6. Asencio G, Hafdi Ch, Pujol H, Allieu Y. Métastases osseuses au niveau de la main.Revue générale à propos d etrois cas. AnnChirMain. 1982; 1 (2): 137-145 [ Links ]
7. Desmanet E, Amrani M, Fieves R, Six C. Acrometástases. Review of two cases. Review of the literature. Ann Chir Main Memb Super. 1991; 10 (2): 154-157 [ Links ]
8. Hayden RJ, Sullivan LG, Jebson PJ. The hand in metastatic disease and acral manifestation of paraneoplastic syndromes. Hand Clin. 2004; 20 (3): 335-343 [ Links ]
9. Akjouj J, El Kettani N, Semlali S, Chaguar B, Chaouir S, Hanine A, et al. Acrométastase du pouce révélant un adénocarcinome pulmonaire : à propos dun cas avec revue de la littérature. Chir Main. 2006; 25 (2): 106-108
10. Letanche G, Dumontet C, Euvrard P, Souquet PJ, Bernard JP. Métastases distales des cancers bronchiques. Métastase osseuse et metastase des tissus mous. Bull cancer. 1990; 77: 1025-1030 [ Links ]
11. Choi CH, Carey RW. Small cell anaplastic carcinoma of lung. Reappraisal of current management. Cancer. 1976; 37 (6): 876-881 [ Links ]
12. Flynn CJ, Danjoux C, Wong J, Christakis M, Rubenstein J, Yee A, et al. Two cases of acrometastasis to the hands and review of the literature. Curr Oncol. 2008; 15 (5): 51-58
13. Tolo ET, Cooney WP, Wenger DE. Renal cell carcinoma with metastases to the triquetrum: case report. Journal of Hand Surgery. 2002; 27 (5): 876-881 [ Links ]
14. Kerin R. The hand in metastatic disease. J Hand Surg. 1987; 12A: 77-83 [ Links ]
15. Esp-Carvalho HA, Takagaki TY. Thumb metastasis from small cell lung cancer treated with radiation. Rev Hosp Clin Fac Med Sao Paulo. 2002; 57 (6): 283-286 [ Links ]
16. De-Pass SW, Roswitt B, Unger SM. Metastatic carcinoma in the bones of the hand. Am J Roentgenol Radium Ther Nucl Med. 1958; 9: 643-644 [ Links ]
17. Khokhar N, Lee JD. Phalangeal metastasis: first clinical sign of bronchogenic carcinoma. South Med J. 1983; 76 (7): 927 [ Links ]
18. Rochet N, Pages M, Lassoued S, Poey C, Fournié B, Fournié A. Métastase phalangienne de la main. A propos d'une observation. Rev Rhum Mal Osteoartic. 1991 Jan; 199158 (1): 73-74
19. Letanche G, Dumontet C, Euvrard P, Souquet PJ, Bernard JP. Métastase phalangienne de la main. A propos d'une observation. Bull Cancer. 1990; 77 (10): 1025-1030 [ Links ]
20. Ghert MA, Harrelson JM, Scully SP. Solitary renal cell carcinoma metastasis to the hand: the need forwide excision or amputation. J Hand Surg. 2001; 26: 156-160 [ Links ]
21. Pavlakis N, Schmidt R, Stockler M. Bisphosphonates for breast cancer. Cochrane Database of Systematic Reviews. 2005 Jul 20; 20 (3)
22. Smith MR, Egerdie B, Hernández Toriz N, Feldman R, Tammela TL, Saad F. Denosumab in men receiving androgen-deprivation therapy for prostate cancer. N Engl J Med. 2009 Aug 20; 361 (8): 745-755
Conflito de interesse:
Nada a declarar.
José Fraga Ferreira
Serviço de Ortopedia e Traumatologia
Centro Hospitalar do Alto Ave, EPE
Rua dos Cutileiros, Creixomil
4835-044 Guimarães
Portugal
josefragaferreira@gmail.com
Data de Submissão: 2012-07-05
Data de Revisão: 2012-10-28
Data de Aceitação: 2012-10-31