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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.21 no.1 Lisboa mar. 2013

 

CASO CLÍNICO

 

Luxação volar do trapezóide

 

Vitor VidinhaI; Eurico MonteiroI; Pedro NegrãoI; Isabel PintoI; Rui MatosI; Rui PintoI

I. Serviço de Ortopedia. Centro Hospitalar São João. Porto. Portugal.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Objetivo: a elevada congruência articular e a forte estrutura ligamentar do trapezoide proporcionam grande estabilidade sendo a luxação uma raridade. Os autores apresentam o caso de uma luxação volar do trapezoide (menos frequente do que a luxação dorsal), e aspetos a ter em conta no diagnóstico e tratamento.

Descrição: doente jovem politraumatizado, com uma lesão complexa do carpo direito (luxação do trapezoide associada a fratura do unciforme e do grande osso e fratura-luxação trapézio-metacarpiana). Feita redução aberta e fixação das lesões por abordagem cirúrgica dorsal. Aos trinta meses de pós-operatório tinha um arco de mobilidade indolor nos intervalos da normalidade. Sem sinais radiográficos de instabilidade ou alterações degenerativas do carpo.

Comentário: as poucas publicações de luxações do trapezoide são maioritariamente dorsais. O conhecimento da sua possibilidade e a avaliação radiográfica correta evita diagnósticos tardios. A redução aberta dorsal associa-se a um melhor prognóstico. A excisão parece estar associada ao desenvolvimento de alterações degenerativas do carpo. A preservação dos tecidos moles na abordagem e tratamento poderá diminuir o risco de osteonecrose.

Palavras chave: Trapezoide, luxação, fratura, carpo.

 

ABSTRACT

Aim: the highly congruent joint surface and the strong structure of the trapezoid ligaments provide great stability and dislocation of this bone is rare. The authors present the case of a palmar dislocation of the trapezoid (less frequent than the dorsal dislocation), and review aspects to be taken into account during diagnosis and treatment. Description: a young polytrauma patient with a complex carpal injury (dislocation of the trapezoid associated with hamate and capitate fractures and trapezium-metacarpal fracture-dislocation). Open reduction and fixation of the carpal injuries was done by a dorsal approach. Thirty months after surgery there was a normal range of motion with a painless wrist. No radiographic signs of instability or degenerative changes were present. Comment: there are few publications of trapezoid dislocations which are mostly dorsal. The knowledge of its possibility and correct radiographic evaluation prevents delayed diagnosis. The dorsal open reduction is associated with a better prognosis. Excision appears to be associated with the development of degenerative changes of the carpus. The preservation of soft tissues during surgical approach can decrease the risk of osteonecrosis.

Key words: Trapezoid, dislocation, fracture, carpal.

 

INTRODUÇÃO

As luxações do trapezoide, nomeadamente as luxações volares, são lesões extremamente raras[1] e, como a grande maioria das luxações do carpo, resultam de traumatismos de grande energia[2].
Os autores descrevem o caso clínico de um doente com luxação volar do trapezoide, associada a fratura-luxação trapézio-metacarpiana, fratura do unciforme e fratura do grande osso.

 

CASO CLÍNICO

Um homem, dextro, de vinte e cinco anos, previamente saudável e mecânico, é transferido para a nossa unidade hospitalar no contexto de politraumatismo após acidente em veículo de duas rodas.
Na observação inicial, na sala de emergência, apresentava na mão direita edema marcado e crepitação à palpação, não tendo sido possível fazer-se a pesquisa sensitiva ou motora do membro superior  por o doente se encontrar entubado e sedado. Nas radiografias da mão efetuadas verificou-se um vazio no local normalmente ocupado pelo trapezóide (Figura 1A) e, na incidência oblíqua, uma luxação volar do trapezóide (Figura 1B). O Rx também permitiu diagnosticar uma luxação trapézio-metacarpiana e levantar a suspeita de outras fraturas do carpo.

 

 

Além das lesões descritas anteriormente o doente apresentava uma fratura exposta (grau I de Gustillo-Anderson) dos ossos da perna, fratura do acetábulo direito e fratura dos ossos do antebraço esquerdo.
Devido à instabilidade hemodinâmica do doente, o membro superior direito foi imobilizado com uma tala antebraquio-palmar dorsal e a cirurgia ao carpo foi diferida.
Foi pedida uma tomografia computorizada para melhor caracterizar as lesões do carpo o que permitiu diagnosticar para além da luxação do trapezoide, luxação da articulação carpo-metacarpiana do primeiro raio associada a fratura marginal do corpo do trapézio, fratura do corpo do grande osso e fratura do corpo do ganchoso (Figura 1C).

 

A cirurgia da mão direita foi diferida para os 10 dias pós-trauma aquando da estabilização do doente. Para a redução da luxação trapézio-metacarpiana foi feita uma abordagem dorsal longitudinal na base do primeiro metacarpo (Figura 2A), procedendo-se de seguida à sua fixação com fios de Kirschner. Uma abordagem dorsal longitudinal na base do segundo metacarpo (figura 2B) permitiu reduzir a luxação do trapezoide, com ajuda de tração longitudinal nos 2º e 3º dedos e de um dissector que serviu de palanca, sendo posteriormente fixado com 2 fios de Kirschner. A osteossíntese das fraturas do ganchoso e grande osso foi também levada a cabo através de uma incisão dorsal longitudinal no quarto espaço interdigital (Figura 2C) e com recurso a parafusos de mini-fragmentos.

 

Figura 2

 

No pós-operatório imediato o doente foi imobilizado com uma tala antebraquio-palmar dorsal. Nas consultas de seguimento não referiu qualquer défice sensitivo da mão. Às cinco semanas de pós-operatório foi retirada a imobilização e os fios de Kirschner, e o doente iniciou um plano de reabilitação.
Aos 30 meses de seguimento, o doente apresentava uma boa mobilidade do punho com 65º de flexão, 60º de extensão, 19º de desvio cubital e 20º de desvio radial (Figura 3). Não tinha limitação da amplitude ou queixas álgicas à prono-supinação ou com a execução do “dart-throwing motion”, e a oponência era completa. A radiografia não revelava sinais de osteonecrose do trapezoide ou de qualquer outro osso do carpo (Figura 4).

 

Figura 3

 

 

 

DISCUSSÃO

Os relatos de luxações volares do trapezoide são raras na literatura científica[2], porque as características anatómicas favorecem a luxação dorsal. De facto, a forma em cunha do trapezoide[3] (a superfície dorsal tem cerca de duas vezes o comprimento da superfície volar)[1], torna-o mais suscetível, embora também raramente, à luxação dorsal. A raridade destas lesões advém da elevada resistência das estruturas ligamentares que unem o trapezoide aos ossos que o rodeiam[4, 5], e classicamente estão associadas a traumatismos de grande energia em indivíduos jovens, com outras lesões associadas[2, 4, 6, 7]. O mecanismo que leva à lesão não é conhecido[8].
O diagnóstico de um trapezoide luxado exige uma observação cuidada dos exames radiográficos. No caso que se descreve, embora fosse possível identificar a luxação no perfil, e a incidência antero-posterior revelasse um vazio ósseo no local reservado ao trapezoide, a incidência oblíqua em pronação permitiu  a melhor visualização da lesão pela sobreposição mínima das restantes estruturas do carpo[2]. Com o recurso à tomografia computorizada, foi possível caracterizar todas as lesões ósseas do carpo e este exame de imagem assume suma importância, devendo ser, na opinião dos autores, efetuada sempre no contexto de uma luxação do trapezoide, uma vez que a maioria das luxações é acompanhada de fraturas dos ossos do carpo e dos metacarpos adjacentes. Há relatos de várias opções de tratamento na literatura, com bons resultados[8], excetuando o tratamento conservador sem redução[9] e a excisão[5] que resultam na migração proximal do segundo metacarpo, podendo originar alterações degenerativas da articulação mediocárpica[10]. A redução requer uma abordagem dorsal[2, 1, 6, 8], e os autores não encontraram relatos de reduções fechadas de luxações volares do trapezoide na literatura. No caso descrito o movimento combinado de tração do segundo e terceiro metacarpos e o uso de um dissector utilizado como alavanca permitiu a redução do trapezoide.
A vascularização do trapezoide faz-se por vasos dorsais (70%) e volares (30%) que entram no osso pelas superfícies não-articulares, onde se inserem os ligamentos[11]. Por este motivo, alguns autores[2] incentivam à preservação dos tecidos moles ligados ao trapezoide, no momento da abordagem cirúrgica para a redução, no sentido de maximizar a possibilidade de manter-se a irrigação e diminuir a possibilidade de osteonecrose.
A redução e fixação anatómicas das várias fraturas e luxações dos ossos do carpo permitiu um bom resultado clínico com uma excelente amplitude de movimentos, regressando o doente à atividade profissional desempenhada antes do acidente. É de salientar a capacidade de execução do “dart throwing motion” de forma indolor, sendo que este é o movimento da mão mais utilizado nas atividades do dia a dia[12].

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Ostrowski DM, Miller ME, Gould JS. Dorsal Dislocation of the Trapezoid. J HAND SURG. 1990; 15A (6): 874-878        [ Links ]

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3. Stein AH. Dorsal Dislocation of the Lesser Multangular. J Bone Joint Surg. 1971; 53A: 377-379        [ Links ]

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5. Meyn Jr MA, Roth AM. Isolated Dislocation of the Trapezoid Bone. J Hand Surg. 1980; 5: 602-604        [ Links ]

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12. Garcia-Elias M, Lluch AL, Ferreres A. Partial Arthrodesis for the Treatment of Radiocarpal Osteoarthritis. J Hand Surg. 2005; 5 (2): 100-108        [ Links ]

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Vítor Vidinha
Centro Hospitalar São João EPE
Alameda Professor Hernâni Monteiro
4200-319
Porto
Portugal
vitorgoncalvesvidinha@gmail.com

 

Data de Submissão: 2013-01-16

Data de Revisão: 2013-02-21

Data de Aceitação: 2013-03-01

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