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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia
versão impressa ISSN 1646-2122
Rev. Port. Ortop. Traum. vol.21 no.2 Lisboa jun. 2013
ARTIGO ORIGINAL
Sutura percutânea de rotura aguda do tendão de Aquiles em atletas utilizando Tenolig® Revisão de 30 casos
Artur AntunesI; Manuel Santos CarvalhoI; Manuel SearaI; Paulo OliveiraI; António Mendes MouraI; Rui PintoI
I. Serviço de Ortopedia. Centro Hospitalar São João. Porto. Portugal.
RESUMO
Palavras chave: Rotura Aquiles, Percutâneo, Tenolig®.
ABSTRACT
Introduction: Rupture of the Achilles tendon has a growing incidence by increasing informal sports. Several studies have compared the treatment options, surgical versus medical treatment, there is still no consensus. In the surgical approach, the percutaneous method has been increasingly used. We found this increase in our institution. The objetive of this study is to evaluate the functional outcome and post rupture and rerrupture rate in patients undergoing percutaneous Achilles tendon surgery.
Material: We conducted a retrospective study of 30 patients with rupture of the Achilles tendon during sports, undergoing surgery with percutaneous Tenolig ® between 2007 and 2008. We excluded tears with more than 8 days of evolution, patients not followed at the institution after surgery, open wounds, associated with fluoroquinolones and patients with neurological or vascular pathology.
Methods: The functional assessment was classified using the American Orthopaedic Foot and Ankle Society (AOFAS) hindfoot score. We accessed via questionnaire the level of physical activity pre and post injury (occasional, mild or severe). The rate of rerrupture was calculated by clinical process review and clinical evaluation.
Results: In this group of 30 patients (70% male), the mechanism of injury were sports - 80% football and 20% running. In relation to activity level, 16.6% of patients had occasional activity, 46.6% had mild activity and 36.6% intense. During follow-up, 86.6% of patients had an average AOFAS hindfoot score of good (80 to 100 points). In the same period, the activity level was 23.3% for occasional activity / inactivity, 53.3% had mild activity and 23.3% had intense activity. We obtained a rerrupture rate of 10%, on average 4 months after surgery, with no statistically significant value. All rerruptures were surgically intervened by classic open approach.
Discussion: The most common mechanism of injury, sport, is consistent with data present in the literature. We found a decrease in physical activity between the preand post-injury, although 86.6% of patients presented an AOFAS hindfoot score of good. We found a rate of rerrupture than expected for the procedure, although without statistically significant value.
Conclusion: Our data suggests a decline in physical activity after a ruptured Achilles tendon. In our institution, the rate of rebreakage with using Tenolig ® was not statistically significant.
Key words: Achilles tendon rupture, percutaneous, Tenolig®.
INTRODUÇÃO
A rotura do tendão de Aquiles apresenta uma incidência crescente pelo aumento da prática desportiva informal. Diversos estudos têm comparado as opções terapêuticas, tratamento médico versus cirúrgico, não existindo ainda consenso[1-3]. Na abordagem cirúrgica, a via percutânea tem sido cada vez mais utilizada. Verificámos esse aumento na nossa instituição. O objetivo deste estudo é avaliar o resultado funcional pré e pós rotura e a taxa de rerrotura nos doentes com prática desportiva submetidos a cirurgia percutânea do tendão de Aquiles.
OBJECTIVOS
No presente estudo pretendemos avaliar o resultado funcional pré e pós rotura, bem como a taxa de rerrotura num grupo de doentes submetidos a cirurgia percutânea no tratamento de rotura aguda do tendão de Aquiles. Realizamos também uma revisão da literatura.
MATERIAL E MÉTODOS
Efetuámos um estudo retrospetivo, incluindo todos os doentes com roturas agudas do tendão de Aquiles que foram submetidos a cirurgia percutânea com Tenolig ® na nossa instituição entre 2007 e 2008. Utilizamos diversos critérios de exclusão (roturas abertas, associadas a fluroquinolonas, doentes com patologia neurológica e doentes não seguidos na nossa instituição) de modo a permitir uma correta avaliação funcional dos doentes. Foram igualmente excluídos doentes com roturas com mais de 8 dias de evolução, já que não está preconizado pelo manual técnico do Tenolig ® a sua utilização após esse período2. A avaliação funcional foi realizada utilizando a American Orthopaedic Foot and ankle Society hindfoot score3. A taxa de rerrotura foi calculada com base na análise processual e avaliação dos doentes em consulta de revisão. Elaboramos um questionário sobre o nível de atividade física dos doentes, comparando o pré com o pós rotura e agrupando-os em três grupos – ocasional, ligeira ou intensa.
RESULTADOS
No período entre 2007 e 2008 identificamos 36 roturas agudas do tendão de Aquiles tratadas cirurgicamente na nossa instituição. Desse grupo, 83,3% das roturas ocorreram durante a prática desportiva e não apresentavam critérios de exclusão (30 doentes). Dos doentes 70% eram do sexo masculino. A média de idades encontrada foi de 44,5 anos. O tempo médio de seguimento foi de 31,8 meses. O mecanismo de lesão foi em todos os casos a prática desportiva – 80% futebol, 20% corrida. A intervenção cirúrgica foi efetuada com anestesia loco-regional em 80% dos doentes, tendo sido utilizada anestesia geral nos restantes. Os doentes foram posicionados em decúbito ventral, com os pés fora da marquesa operatória, tendo sido os dois membros esterilizados de modo a comparar e ter referências em relação ao tensionamento necessário das âncoras, de modo a obter equinos fisiológicos similares. Realizamos 2 incisões de cerca de 1 cm na região proximal do tendão, passando sucessivamente as agulhas do Tenolig ®, controlando por palpação a passagem à porção distal do mesmo e saindo na região retrocalcâneana medial e lateralmente, tal como preconizado pela técnica cirúrgica do material. Foi realizado o tensionamento do Tenolig ®, controlando a aproximação dos topos tendinosos por palpação, e realizado o bloqueio distal. O membro foi imobilizado com tala gessada posterior em equino de cerca de 20º.
Os doentes apresentaram um tempo médio de internamento de 1,3 dias, sendo orientados para a consulta externa. Às 4 semanas, foi substituída a tala em equino para uma tala gessada posterior em neutro e às 6 semanas efetuamos a extração dos fios do Tenolig ® em ambulatório com anestesia local. Após esse período, os doentes foram aconselhados a utilizar um apoio para elevar cerca de 2 cm o calcâneo e iniciaram programa de reabilitação em fisioterapia.
Em relação ao nível de atividade no período pré-operatório, 16,6% dos doentes referiram prática ocasional, 46,6% tinha atividade ligeira e 36,6% intensa. No seguimento dos doentes, o nível de atividade encontrado após 1 ano da rotura foi de 23,3% para prática ocasional/sedentarismo, 53,3% para atividade ligeira e 23,3% dos indivíduos mantinham atividade intensa. Não verificamos aumento do nível de atividade após a rotura em nenhum dos doentes. Funcionalmente 86,6% dos doentes apresentaram um valor médio AOFAS hindfoot score de bom (80 a 100 pontos) no período de seguimento.
Como complicações registamos 73,3% de úlceras de pele na região retro calcaneana, observadas no momento de extração do Tenolig® sem que fosse necessário tratamento específico para além de cuidados de penso. Obtivemos uma taxa de rerrotura de 10%, verificando-se em média 4 meses após a cirurgia. Todas as rerroturas foram reintervencionadas por via cirúrgica aberta.
DISCUSSÃO
Os tendões apresentam propriedades biomecânicas que lhes conferem uma capacidade de estiramento até 4% antes que ocorra lesão. A partir de estiramentos acima de 8% do comprimento do tendão, desenvolvem-se roturas macroscópicas[4].
As roturas agudas do tendão de Aquiles apresentam-se habitualmente em indivíduos entre a terceira e quinta década de vida. Suchak et al[5] apresentaram em 2006 um estudo referindo uma incidência média de 8,3 roturas por 100 000 indivíduos, com uma média de idade entre os 30 e 49 anos, contrariando a distribuição bimodal das roturas, que era descrita até essa data. O ratio de rotura entre homens e mulheres situa-se entre 1,7:1 a 12:11. Até 75% das roturas ocorrem durante a prática desportiva.
Vários autores concordam que a patologia degenerativa intratendinosa também exerce um papel na patologia das roturas do tendão de Aquiles. Cetti et al[6] apresentaram uma serie de 60 doentes em que foi realizada uma biopsia do tendão no momento da correção cirúrgica da rotura, encontrando em todos eles alterações – aumento de conteúdo de agua, diminuição da quantidade de colagénio e aumento da quantidade de colagénio desnaturado ou danificado. A etiologia das roturas do tendão de Aquiles é multifatorial, incluindo lesões por sobrecarga, medicação ou calçado não apropriado[7,8,9]. Holmes e Lin[10] observaram uma associação de tendinopatia do Aquiles com obesidade, hipertensão arterial, anticoncetivos orais e esteroides. Kvist[7] descreveu que 10% das lesões observadas no seu trabalho estariam relacionadas com o calçado. Pacientes com desalinhamento biomecânico, pé cavo e hiperpronado ou varo marcado do antepé estão com um risco aumentado de desenvolver queixas relacionadas com o tendão de Aquiles[5]. Tradicionalmente estão descritas roturas com mais frequência entre os 4 e 6 cm da inserção do tendão distalmente. Chen et al[11] descreveram uma área hipovascular na região média do tendão. Contrariando estes resultados, Langbern et al[12] não encontram alterações na irrigação do tendão na região de maior incidência de roturas.
Em 1990, Kuwada[13] publicou um sistema de classificação das roturas do tendão de Aquiles, de forma a guiar as opções de tratamento. Nas lesões do tipo 1, roturas parciais, foi recomendado o tratamento médico com imobilização gessada. Nas lesões do tipo 2, rotura completa com uma solução de continuidade até 3 cm entre os topos, foi recomendado a tenodese topo a topo. As lesões tipo 3, com solução de continuidade de 3 a 6 cm, poderão ser tratadas, segundo Kuwada, com um avanço em V-Y, transferência tendinosa, rebatimento de Bosworth ou uma combinação destes três. As lesões com mais de 6 cm de solução de continuidade necessitam de uma ressecção do gastrocnémio, um flap, enxerto livre de tendão, enxerto sintético ou uma combinação destes métodos.
Diversos trabalhos têm sido publicados, comparando as diferentes formas de tratamento cirúrgico destas lesões. A via aberta clássica tem sido associada a maiores complicações de pele comparativamente às vias percutâneas ou mini-invasivas[14,15,16]. A via percutânea tem a vantagem de evitar a desvascularização do tendão e de manter o hematoma após a rotura, preservando assim os fatores anatómicos e biológicos para estimular a regeneração. Permite igualmente uma mobilização precoce, que auxilia no alinhamento das fibras de colagénio de modo a que se transformem em fibras elásticas funcionais[2,14]. Cretnik et al[15] realizaram um estudo comparando 132 vias percutâneas versus 105 vias abertas, encontrando uma menor taxa de complicações major na abordagem percutânea e resultados funcionais similares, embora com um risco aumentado de rerrotura. Ceccarelli et al[16] aparentaram resultados funcionais similares no tratamento cirúrgico aberto versus percutâneo, sem no entanto registarem qualquer rerrotura. Numa meta-analise, Khan et al[17] encontraram 14 estudos que englobavam um número total de 891 doentes. Os autores descrevem um risco relativo de rerrotura de 0,27 no grupo cirúrgico quando comparado com o grupo de tratamento conservador. Quando comparada a via cirúrgica aberta com a via percutânea, Khan et al reportaram um menor tempo cirúrgico e um menor risco de infeção a favor da via percutânea. Numa revisão de 30 casos por via percutânea, Junge et al[18] reportaram duas rerroturas, uma infeção profunda e uma lesão do nervo sural. Concluíram que as técnicas menos invasivas apresentavam um resultado estético excelente, resultados funcionais bons e um grau elevado de satisfação por parte dos pacientes.
Como complicação descrita em vários artigos, a trombose venosa profunda [TVP], com ou sem embolia pulmonar, pode chegar aos 36% dos casos[19, 20] independentemente da modalidade de tratamento escolhido. Assim sendo, a profilaxia da TVP é essencial nos pacientes que sofram de roturas do tendão de Aquiles.
Neste estudo, a distribuição e mecanismo de lesão das roturas estão em consonância com o descrito na Literatura [4,5,7,8,9]. No nosso grupo de estudo, não foram registadas TVP com significado clínico, tendo todos os doentes realizado profilaxia com enoxaparina subcutânea [40mg por dia]. A presença de lesões de pele na região calcaneana, não motivou tratamentos adicionais nem influenciou os resultados finais. Embora mantendo um resultado funcional no AOFAS hindfoot score de bom em 87% dos pacientes, verificamos uma diminuição da prática e intensidade desportiva do nosso grupo de estudo. Acreditamos que esta diminuição de atividade poderá estar relacionada com fatores inerentes ao próprio paciente, tal como o receio de rerrotura, do que associado a uma diminuição efetiva da capacidade funcional.
A taxa de rerrotura neste grupo de estudo foi de 10%, valor esse que está acima do que seria de esperar para este tipo de procedimento, embora sem valor estatisticamente significativo. Este resultado poderá estar na dependência do início de realização desta técnica na instituição e na presença de uma amostra limitada de doentes.
CONCLUSÃO
Os nossos dados sugerem uma diminuição da atividade física após rotura do tendão de Aquiles, embora com resultados funcionais bons em 87% dos pacientes. A via percutânea é um procedimento rápido, que permite uma aproximação dos topos do tendão, com preservação do hematoma fraturário, estando associada a poucas complicações major de pele.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Conflito de interesse:
Nada a declarar.
Artur Antunes
Rua Mestre Guilherme Camarinha nº 9
Hab 2.3
4200 Porto
Portugal
arturafonsoantunes@gmail.com
Data de Submissão: 2013-02-01
Data de Revisão: 2013-05-02
Data de Aceitação: 2013-07-03