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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia
versão impressa ISSN 1646-2122
Rev. Port. Ortop. Traum. vol.23 no.3 Lisboa set. 2015
INVESTIGAÇÃO
Desenvolvimento de pseudoaneurisma após fratura da extremidade proximal do úmero
Ana PinheiroI; Cristina SousaI; Pedro MarquesI; Carolina OliveiraI; Bruno SilvaI; Margarida AreiasI
I. Serviço de Ortopedia e Traumatologia da Unidade Local de Saúde do Alto Minho, Viana do Castelo, Portugal. Viana do Castelo. Portugal.
RESUMO
As fraturas da extremidade proximal do úmero constituem a segunda fratura mais comum da extremidade superior e inclui-se dentro das 3 fraturas mais comuns nos pacientes com mais de 65 anos. As fraturas com desvio da extremidade proximal do úmero raramente podem estar associadas a lesões vasculares que podem ser graves e passar despercebidas, contribuindo para isso vários factos como a sua raridade, aparência inócua da radiografia à entrada do Serviço de Urgência (SU), dificuldade em efectuar um exame clínico completo na admissão do doente por falta de colaboração do mesmo, ou mesmo a aparência benigna de algumas lesões vasculares.
No entanto, a sua não identificação pode conduzir a consequências desastrosas.
Os autores relatam um caso pertinente de lesão vascular associada a fratura da extremidade proximal do úmero com acentuado desvio. A fratura foi corrigida cirurgicamente com fixação percutânea com fios de Kirschner (fios K) e evoluiu com desenvolvimento de pseudoaneurisma da artéria torácica lateral apresentando evolução desfavorável após a sua correcção cirúrgica, com internamento em Unidade de Cuidados Intensivos (UCI), com progressão para sépsis e falência multiorgânica, tendo vindo a paciente a falecer.
Este caso alerta para o facto de o pseudoaneurisma poder ter-se originado no trauma inicial causado pelos topos ósseos da fratura umeral ou como complicação da colocação dos fios K para redução da fratura ou ainda por migração dos mesmos durante o período pós-operatório.
A identificação atempada deste tipo de complicações e o seu adequado tratamento é crucial para evitar resultados catastróficos.
Palavras chave: Fraturas do úmero proximal, desenvolvimento de pseudoaneurisma, desenvolvimento de falso aneurisma, lesão vascular, complicações fraturas do úmero proximal, complicações pós-operatórias.
ABSTRACT
Proximal humerus fractures is the second most common fracture of the upper extremity and is included within the 3 most common fractures in patients over 65 years. Proximal humerus fractures with deviation may rarely be associated with vascular injuries that can be serious and go unnoticed, several facts contributing to this as its rarity, innocuous appearance of the x-ray at the entrance of the ER, difficulty in performing a clinical examination of the patient on admission for lack of collaboration, or even the benign appearance of some vascular lesions. However, their no identification can lead to disastrous consequences.
The authors report a relevant case of vascular injury of the lateral thoracic artery associated with proximal humerus fracture with marked deviation, after low-energy trauma. The fracture was surgically corrected with kirschner wires (k wires) percutaneous fixation and evolved with the development of pseudoaneurysm. Patient presented unfavorable evolution after pseudoaneurysm surgical correction, with hospitalization in the Intensive Care Unit (ICU), progression to sepsis, multiorgan failure and death.
This case warns the pseudoaneurysm could have originated by the initial trauma caused by the tops of the humeral bone fracture or as a complication of placing K wires for fracture reduction or by migration thereof during the postoperative period.
The early identification of these complications and their appropriate treatment is crucial to prevent catastrophic results.
Key words: Proximal humerus fractures, pseudoaneurysm development, false aneurysm development, vascular injury, proximal humerus fractures complications, postoperative complications.
INTRODUÇÃO
As fraturas da extremidade proximal do úmero constituem a segunda fratura mais comum da extremidade superior e inclui-se dentro das 3 fraturas mais comuns nos pacientes com mais de 65 anos, juntamente com as fraturas da anca e do rádio distal.1 As fraturas proximais do úmero em idosos resultam habitualmente de traumatismos de baixa energia.2 Devido à sua proximidade anatómica, estas fraturas podem associar-se a lesões do plexo braquial ou da artéria axilar.
No entanto, estas lesões vasculares são raras.3 A radiografia aparentemente inocente à entrada do Serviço de Urgência (SU) pode levar a que o médico falhe o diagnóstico de lesão vascular a menos que um exame clínico completo seja realizado na admissão do doente.4 O trauma penetrante é a principal causa de lesão vascular da extremidade superior sendo apenas 5-10% dessas lesões causadas por trauma rombo.5,6 As lesões vasculares mais comuns são as lacerações parciais e as transsecções completas. A laceração parcial causa sangramento ou formação de pseudoaneurisma enquanto a secção completa origina a retracção e trombose das extremidades dos vasos. A apresentação clínica da lesão vascular associada a este tipo de fracturas pode ser mascarada pela circulação colateral da cintura escapular. Os sintomas clínicos clássicos incluem (pelo menos parcialmente): ausência de pulso, palidez, dor, parestesia, paralisia e prostração. O achado físico mais comum é a ausência ou diminuição de pulso, apesar de os pulsos distais à lesão poderem ser palpáveis durante várias horas após a lesão ou mesmo nunca desaparecem devido à excelente circulação colateral do ombro.3,7 Após uma revisão da literatura, verificou-se que os pulsos estavam ausentes em 75% dos casos, diminuídos em 14% e normais em 11%.7 Os sintomas resultantes de uma oclusão vascular aguda dependem da extensão da oclusão, dos vasos colaterais existentes e da duração da oclusão. Após um período crítico de 4-6 horas, podem ocorrer danos irreversíveis.
A não identificação da lesão vascular associada a este tipo de fraturas, embora pouco frequente, pode conduzir a consequências desastrosas, pois pode originar-se complicações graves como o desenvolvimento de pseudoaneurismas que, por sua vez, podem expandir-se e comprimir estruturas locais e eventualmente sofrer rutura.2
Os autores relatam um caso pertinente de lesão vascular associada a fratura do úmero proximal, com desenvolvimento de pseudoaneurisma da artéria torácica lateral e que apresentou evolução desfavorável após a sua correcção cirúrgica, durante o internamento na UCI, com progressão para sépsis e falência multiorgânica, tendo vindo a paciente a falecer.
CASO CLÍNICO
Paciente do sexo feminino, 68 anos, com antecedentes de etilismo crónico com insuficiência hepática crónica Child Pugh C e com mau estado geral, com classificação ASA III, recorreu ao SU após queda da própria altura com fratura desviada do colo cirúrgico do úmero direito (Figura 1). Ao exame objectivo apresentava deformidade e equimose com extenso hematoma no ombro que não foi valorizado devido às alterações hepáticas da paciente. Não apresentava alterações vasculares periféricas ou neurológicas desse membro.
Apesar da indicação ortopédica para osteossíntese com placa e parafusos, após avaliação do estado geral da paciente foi considerado que não apresentava condições para cirurgia invasiva.
Realizou-se redução indirecta e fixação percutânea da fratura com 4 fios de kirschner não roscados e colocados sob a pele (Figura 2). Após a alta hospitalar sofreu nova queda, recorreu novamente ao SU tendo sido constatada a migração de 2 dos 4 fios K colocados percutaneamente para obter a redução da fractura e anemia com necessidade de suporte transfusional (Figura 3 e 4). Na altura, realizou TAC (Tomografia Axial Computorizada) toracoabdominal que demonstrou uma volumosa coleção densa na região axilar direita, com realce no seu interior, sugerindo tratar-se de um volumoso hematoma axilar direito, com aproximadamente 13cm de diâmetro, com provável pseudoaneurisma no seu interior (Figura 5). A paciente foi transferida no mesmo dia para outro hospital para correção do pseudoaneurisma. Foi realizada a abordagem axilar com remoção de volumoso hematoma. Foi constatada intraoperatoriamente hemorragia activa da origem da artéria torácica lateral direita, tendo sido executada a laqueação do pseudoaneurisma.
Posteriormente a paciente foi admitida na UCI intubada e ventilada, com desmame difícil (intercorrência infeciosa por E. Coli sensível a Meropenem), choque hipovolémico / hemorrágico (multitransfundida e com necessidade de vasopressores). Apresentou evolução desfavorável durante o internamento na UCI com progressão para sépsis e falência multiorgânica, tendo vindo a falecer.
COMENTÁRIOS
A lesão da artéria axilar após trauma de baixa energia do ombro é uma complicação rara. A literatura descreve um total de 44 casos de lesão da artéria axilar associados a fraturas da extremidade proximal do úmero. Dois desses casos foram detectados e tratados após 6 e 8 semanas da lesão inicial; outros 3 casos foram tratados entre as 8 e as 16 semanas após a lesão por apresentarem grandes perdas hemáticas secundárias ao desenvolvimento de falso aneurisma.8
A definição da artéria envolvida só foi exequível após cuidadoso estudo da anatomia da região durante o ato operatório. Este caso é peculiar devido ao tipo de trauma e ao envolvimento da artéria torácica lateral.
O diagnóstico de lesão vascular associada a fratura da extremidade proximal do úmero pode passar despercebido, pois os pulsos periféricos podem ser mantidos inicialmente pela circulação colateral. Assim, a lesão vascular pode manifestar-se vários dias após a fratura. No caso descrito, a paciente não apresentou, na primeira admissão do SU, após o episódio de primeira queda e fratura do úmero proximal, sinais de comprometimento neurovascular do membro superior afectado.
Também na segunda admissão do SU e portanto, após o período de internamento para redução e fixação da fratura, a paciente não demonstrava sinais de comprometimento neurovascular do membro superior afectado, apesar do extenso hematoma desde o hemitorax direito até ao flanco direito, o que poderia ter dificultado o diagnóstico de lesão vascular.
A avaliação arteriográfica constitui-se essencial, tanto nos casos assintomáticos como naqueles com sinais de isquemia e hematoma na região supraclavicular ou cervical baixa, mas nem sempre é efetiva na realização do diagnóstico da artéria envolvida, como relatado em vários estudos. É possível que outros métodos diagnósticos, como angiorressonância ou angiotomografia, sejam mais sensíveis.
Este caso alerta para o facto de o pseudoaneurisma poder ter-se originado no trauma inicial causado pelos topos ósseos da fratura umeral ou como complicação da colocação dos fios K para redução e fixação da fratura após a migração dos fios K causada por nova queda e traumatismo do membro superior afectado durante o período pós-operatório.
A opção de tratamento de fracturas altamente instáveis com fixação com fios K é controversa devendo ser cautelosamente considerada.
O diagnóstico precoce é essencial para melhorar o resultado final destas lesões, daí que a avaliação completa do estado neurovascular seja crucial principalmente perante fraturas muito desviadas e traumas de alta energia.
A identificação atempada das complicações associadas à fratura da extremidade proximal do úmero e o seu adequado tratamento é crucial para evitar resultados catastróficos.
No que toca à evolução do caso, este trabalho alerta para questionarmos até que ponto o pseudoaneurisma foi responsável pelo óbito. Quer o pseudoaneurisma, a insuficiência hepática, o trauma inicial e cirúrgico, quer a infeção por microrganismos resistentes parecem ter contribuído para o óbito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Conflito de interesse:
Nada a declarar
Ana Alexandra da Costa Pinheiro,
Serviço de Ortopedia e Traumatologia da Unidade Local de
Saúde do Alto Minho
Estrada de Santa Luzia, 4901-858 Viana do Castelo
Telefone: 258802100
ana.alexandra.pinheir@gmail.com
Data de Submissão: 2015-04-14
Data de Revisão: 2015-09-15
Data de Aceitação: 2016-02-01