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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.23 no.3 Lisboa set. 2015

 

CASO CLÍNICO

 

Luxação acromioclavicular associada a fractura da coracóide

 

Miguel BottonI; João CorreiaI; Marco SarmentoI

I. Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE. Lisboa.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

A fractura isolada da apófise coracóide é uma lesão infrequente; a luxação acromioclavicular com integridade dos ligamentos coracoclaviculares e associada a uma fractura-avulsão da coracóide é também uma lesão rara e com poucos casos descritos.

Caso clínico de uma jovem de 17 anos de idade com diagnóstico de luxação acromioclavicular associada a fractura-avulsão da coracóide. Submetida a tratamento cirúrgico com reinserção da coracóide com sistema de ancoragem. Pós-operatório e reabilitação sem complicações com bom resultado funcional, estético e álgico.

Alertamos para o elevado índice de suspeição necessário para o diagnóstico desta lesão; os meios complementares de diagnóstico são fundamentais no auxílio do mesmo. O tratamento cirúrgico é uma das opções sendo que foi bem-sucedido neste caso tendo em conta as características da lesão.

Palavras chave: acromioclavicular, luxação, coracóide.

 

ABSTRACT

Isolated fracture of the coracoid apophysis is an uncommon injury; the acromioclavicular dislocation with integrity coracoclavicular and ligaments associated with coracoid fracture avulsion is also a rare lesion and there are few cases described.

Clinical case of a 17 -year-old female diagnosed with acromioclavicular dislocation associated with fracture avulsion of the coracoid . Underwent surgery with reinsertion of the coracoid with an anchoring system . Postoperative rehabilitation and uncomplicated with good results in terms of function, aesthetics and pain.

We highlight the high index of suspicion required for the diagnosis of this injury; appropriate imaging is fundamental to help in establishing the diagnosis. The surgery is one of the options that has been successful in this case, taking into account the characteristics of the lesion.

Key words: acromioclavicular, dislocation, coracoid.

 

INTRODUÇÃO

A fractura da apófise coracóide é uma lesão infrequente,5; a luxação acromioclavicular com integridade dos ligamentos coracoclaviculares e associada a uma fractura-avulsão da coracóide é também uma lesão rara1 e com poucos casos descritos. O caso que apresentamos visa realçar o diagnóstico e indicações para o tratamento cirúrgico nesta situação.

 

CASO CLÍNICO

Jovem de 17 anos de idade, do género feminino, sofre uma queda após atropelamento a baixa velocidade, com traumatismo directo sobre o membro superior esquerdo.

Ao exame objectivo, apresentava proeminência da extremidade distal da clavícula, abrasão local e dor difusa à palpação da articulação acromio-clavicular.

Dor à mobilização passiva da glenoumeral acima dos 90 graus de flexão anterior e abdução. Sem qualquer alteração da sensibilidade ou vascular.

Foram pedidos meios complemenares de diagnóstico: a radiografia convencional e tomografia computorizada do ombro revelaram uma luxação da articulação acromioclavicular com fractura-avulsão da coracóide e rotura dos ligamentos coraco-claviculares (Figura 1).

 

Figura 1

 

A doente foi submetida a redução cruenta e fixação anatómica da coracóide com sutura de ancoragem. Intra-operatoriamente verificou-se a integridade em toda a extensão dos ligamentos coracoclaviculares mas com rotura da capsula da articulação acromioclavicular e respectiva estrutura ligamentar (Figura 2). O pós-operatório imediato decorreu sem intercorrências.

 

Figura 2

 

A doente manteve o membro em suspensão braquial durante três semanas com indicação para mobilização activa e passiva do cotovelo e exercícios pendulares passivos do membro superior. Iniciou mobilização activa às três semanas segundo conforto e tolerância à dor; com doze semanas de pós-operatório, a doente apresentava um arco de mobilidade completo e indolor do complexo escapulo-umeral.

Radiograficamente apresentava integridade da articulação acromioclavicular (Figura 3).

 

 

 

DISCUSSÃO

A apófise coracóide tem 3 funções principais sendo descrita como o “farol” da região anterior do ombro:

1. Zona de inserção de várias estruturas musculotendinosas e ligamentares
2. Fornece estabilidade antero-superior à articulação glenoumeral
3. Integra o complexo escapulo-clavicular sendo essencial na biomecânica do ombro

Esta estrutura tem dois centros de ossificação constantes: um na sua base que também é responsável pela formação do terço superior da glenóide e o outro que dá origem ao corpo da coracóide. Além destes, esta apófise tem ainda dois centros acessórios: um deles na zona de inserção dos ligamentos coracoclaviculares e o outro na inserção do tendão conjunto. Estas regiões são zonas de menor resistência, mais susceptíveis a fractura ou avulsão, visto que os ligamentos são estruturas mais resistentes, particularmente em adultos jovens1-2.

O encerramento da fise e respectiva fusão ocorre próximo dos 17 anos de idade3.

A fractura da coracóide representa 5% das fracturas do ombro4-5 e pode ser classificada anatomicamente segundo Ogawa5 de acordo com a localização relativamente aos ligamentos coracoclaviculares: Tipo 1) fractura da base da coracóide; Tipo 2) fractura da ponta da coracóide. É no tipo 2 que estão habitualmente incluídas as lesões associadas à luxação acromioclavicular.

No que diz respeito ao mecanismo de lesão, este pode resultar de um impacto directo6, do contacto da cabeça do úmero em virtude uma luxação glenoumeral anterior7 ou por mecanismo indirecto de forças associadas às estruturas ligamentares e tendinosas da apófise coracóide8-10.

A suspeita clínica é confirmada pelos meios complementares de diagnóstico; esta lesão pode eventualmente não ser facilmente diagnosticada se tivermos apenas em conta a articulação acromioclavicular. A radiografia em incidência antero-posterior com 30º de projecção cefálica descrita por Protass11 e a incidência axilar da articulação glenoumeral podem pelo menos sugerir a lesão. As incidências oblíquas12-13 ou eventualmente a Tomografia Computorizada14 podem ser necessárias para definir melhor a lesão até porque os centros de ossificação acessórios e as fises podem dificultar a avaliação radiográfica inicial.

A grande maioria das fracturas da apófise coracóide é tratada conservadoramente com excelentes resultados. O tratamento cirúrgico deverá ser considerado em casos particulares como por exemplo, a descoaptação inferolateral da coracóide, a disrupção completa do complexo escapulo-clavicular com lesões ósseas associadas, a compressão do plexo braquial ou a luxação acromioclavicular.

É na variante da luxação da acromioclavicular associada à fractura da coracóide que se encontra este caso. Encontram-se descritos poucos casos (menos de trinta) semelhantes na literatura anglo-saxónica15.

A escolha do tratamento adequado depende, na nossa opinião, da estabilidade da lesão na qual se localiza da fractura da coracóide. A lesão dos ligamentos acromioclaviculares não é regra neste tipo de lesão e a fixação da articulação acromioclavicular depende da integridade dos mesmos. Ao optarmos por fixar a apófise coracóide, diminuímos ainda o risco complicações como a consolidação viciosa e a pseudoartrose.

A estabilização da apófise coracóide deve ser efectuada sempre que a descoaptação assim o justifique embora não existam normas de orientação do tratamento a realizar tendo em conta a escassez de casos descritos. É importante realçar que na literatura existente encontrada, todos os casos de tratamento conservador envolviam fracturas coaptadas e/ou doentes com comorbilidades associadas importantes.

 

CONCLUSÃO

Neste caso, o tratamento cirúrgico permitiu a redução anatómica e estabilidade do complexo escapulo-clavicular. A doente manteve-se sem dor ou queixas a realçar no pós-operatório imediato.

Do ponto de vista estético, não se nota deformidade óssea ao exame clínico.

Do ponto de vista estético, não se nota deformidade óssea ao exame clínico.
Concluímos assim que o tratamento cirúrgico permitiu uma rápida recuperação com função completa e satisfação da doente, sem complicações associadas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2. Protass JJ, Stampfli FB, Osmer JC. Coracoid process fracture diagnosis in acromioclavicular separation. Radiology. 1975; 116: 61-64        [ Links ]

3. Flecker H. Roentgenographic observations of the times of appearance of epiphyses and their fusion with the diaphyses. Journal of Anatomy. 1932; 67: 118-166        [ Links ]

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Conflito de interesse:

Nada a declarar

 

Endereço para correspondência

Miguel Botton
Serviço de Ortopedia
Centro Hospitalar de Lisboa Norte, EPE.
Avenida Prof. Egas Moniz
1649-035 Lisboa
mabotton@sapo.pt

 

Data de Submissão: 2015-07-28

Data de Revisão: 2016-01-03

Data de Aceitação: 2016-01-05

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