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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia
versão impressa ISSN 1646-2122
Rev. Port. Ortop. Traum. vol.24 no.1 Lisboa mar. 2016
CASO CLÍNICO
Disfagia por Hiperostose Cervical Exuberante em Doença de Forestier - Resultados do Tratamento Cirúrgico
Diogo MouraI; Marcos CarvalhoI; Paulo LourençoI
I. Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
RESUMO
A hiperostose esquelética idiopática difusa, também conhecida por doença de Forestier, é uma patologia rara caracterizada por ossificação massiva de ligamentos, tendões e inserções musculares da porção anterior da coluna vertebral. Quando atinge a coluna cervical, esta doença pode causar disfagia por compressão extrínseca da faringe e esófago. Nos casos graves e progressivos, a resseção cirúrgica de osteófitos e calcificações é considerada um tratamento eficaz. Apresentamos dois casos que foram tratados com sucesso com exostosectomia cervical anterior, obtendo-se alívio precoce e completo dos sintomas.
Palavras chave: Disfagia, hiperostose esquelética idiopática difusa, doença de Forestier, coluna cervical, osteófito, calcificação.
ABSTRACT
Diffuse idiopathic skeletal hyperostosis, also known as Forestier’s disease, is a rare condition characterized by massive ossification affecting ligaments, tendons, and entheses of the anterior part of the spinal column. When cervical spine is affected, this disease can cause dysphagia by extrinsic compression of pharynx and esophagus. In severe and progressive cases, surgical resection of the osteophytes and calcifications is considered an effective treatment. We report two cases that were managed successfully with an anterior cervical exostectomy, with early and complete symptoms relief.
Key words: Dysphagia, diffuse idiopathic skeletal hyperostosis, Forestier disease, cervical spine, osteophyte, calcification.
INTRODUÇÃO
A disfagia é um sintoma frequente nos idosos. No entanto, este sintoma pode ter várias etiologias, cujo diagnóstico é frequentemente um desafio1,2. Uma das causas raras de disfagia é a compressão extrínseca da faringe e esófago por osteófitos e calcificações anteriores da coluna cervical. A hiperostose esquelética idiopática difusa (DISH – Diffuse idiopathic skeletal hyperostosis) ou doença de Forestier é uma entidade caracterizada por uma ossificação progressiva massiva de tecidos moles envolventes da coluna vertebral, incluindo ligamentos (sobretudo o ligamento longitudinal comum anterior), aponevroses e inserções musculares3,4,5. Apesar de na maioria das vezes esta doença ser assintomática e atingir mais predominantemente a coluna torácica, pode também raramente atingir a coluna cervical e provocar sintomas como disfagia, impactação alimentar, disfonia, roncos noturnos, dispneia, estridor, edema laríngeo e obstrução da via áerea3,4,6.
Neste trabalho apresentamos dois de um total de seis casos clínicos tratados no nosso centro desde 2010, que consistem em disfagias progressivas provocadas por DISH com atingimento predominante da coluna cervical anterior e os resultados do seu tratamento cirúrgico.
CASOS CLÍNICOS:
O primeiro caso é um paciente do sexo masculino, 77 anos de idade e antecedentes de hipertensão arterial e síndrome depressivo, que iniciou disfagia alta para sólidos com agravamento progressivo ao longo de 5 anos, passando a ocorrer recentemente também para líquidos. Após avaliação por Otorrinolaringologia, foi solicitado um estudo dinâmico da deglutição com contraste baritado (Figura 1-A), no qual foi detetada volumosa osteofitose anterior dos corpos vertebrais de C3 e C4, a condicionar atraso na progressão do contraste.
O segundo caso é um paciente do sexo masculino, 66 anos de idade e antecedentes de cardiopatia isquémica, hipertensão arterial e hipercolesterolémia, que iniciou disfagia alta apenas para sólidos com agravamento progressivo ao longo de 1 ano e sensação de impactação alimentar. À semelhança do caso anterior foi avaliado por Otorrinolaringologia e o estudo dinâmico da deglutição com contraste (Figura 2-A) identificou volumosa osteofitose anterior dos corpos vertebrais de C3 a C6 a condicionar moldagem da parede posterior do esófago cervical e consequentemente atraso na progressão do contraste. Verificou-se também a presença de uma imagem diverticular com cerca de 2,2 cm na dependência da parede ântero-lateral direita do terço médio do esófago.
Ambos os pacientes foram inicialmente submetidos a tratamento conservador durante 6 meses, com alteração da dieta, anti-inflamatórios e relaxantes musculares. No entanto, por manutenção da sintomatologia em contexto de osteofitose cervical anterior, foram referenciados à Consulta de Ortopedia, tendo sido realizado estudo com radiografia e tomografia computorizada cervicais.
No primeiro caso verificaram-se fenómenos osteofitários exuberantes, localizados anteriormente na plataforma inferior do corpo vertebral de C3 e plataforma superior do corpo vertebral de C4, condicionando diminuição de calibre da via aérea, desvio anterior e compressão do esófago. Estavam também presentes marcadas calcificações dos ligamentos longitudinais, sobretudo entre C5-C8 no ligamento longitudinal anterior e entre C3-C7 no ligamento longitudinal posterior, condicionando diminuição do calibre do canal vertebral (Figura 1-B,C,D). O maior diâmetro ântero-posterior da osteofitose anterior apresentava cerca de 13,5mm, em comparação com aproximadamente 15,7mm de diâmetro ântero-posterior dos corpos vertebrais adjacentes. Por sua vez, o segundo caso demonstrava marcada osteofitose anterior nos corpos vertebrais de C4 e C5, uma extensa calcificação anterior da coluna vertebral desde C3 a C6 e calcificação dos ligamentos longitudinais (Figura 2-B,C). O maior diâmetro ântero-posterior desta calcificação anterior cerca de 17,5mm, em comparação com aproximadamente 15mm de diâmetro ântero-posterior dos corpos vertebrais adjacentes.
Apesar dos critérios diagnósticos serem controversos, os achados imagiológicos de hiperostose cervical anterior exuberante a atingir vários corpos vertebrais consecutivos, na ausência de degeneração discal significativa, anquilose ou erosões das articulações intervertebrais, sugerem hiperostose esquelética difusa idiopática (DISH), diagnóstico que se admitiu nestes dois pacientes3,4,7,8.
Através de uma via anterior da coluna cervical, os pacientes foram submetidos a exostosectomia e exérese de calcificações com recurso a fresa de alta rotação e com controlo imagiológico intra-operatório sequencial da excisão efetuada (Figuras 1-E, 2-D,E,F). O pós-operatório dos dois pacientes decorreu sem intercorrências. Foram realizadas radiografias e tomografias computorizadas de controlo pós-operatório da coluna cervical, que não demonstraram alterações relevantes, e estudos dinâmicos da deglutição, que demonstraram progressão normal do contraste (Figuras 1-F,G,H, 2-G,H). Ambos os pacientes tiveram alívio precoce completo das queixas de disfagia e encontram-se assintomáticos e sem sinais de recidiva após 1 ano de seguimento. Não foram registadas quaisquer complicações.
DISCUSSÃO
A DISH é uma causa rara de disfagia, no entanto alguns autores consideram que pode estar a ser subdiagnosticada na população idosa9,10,11. A origem desta patologia permanece desconhecida, contudo tem sido associada à terceira idade, ao sexo masculino e a doenças como obesidade, diabetes mellitus, hipercolesterolémia e gota7,9. Os mecanismos fisiopatológicos propostos para a disfagia nesta patologia são a compressão mecânica direta, a inflamação, edema e fibrose e o espasmo da região faringo-esofágica. Quando há atingimento da coluna cervical alta, em particular no nível C3-C4, a laringe está frequentemente afetada. A elevação laríngea e a limitada mobilidade da epiglote são mecanismos propostos para explicarem a disfagia nestas situações5,6,12,13,14.
O diagnóstico é feito pela clínica de disfagia alta progressiva (mais grave para sólidos do que para líquidos), sensação de impactação alimentar, exclusão de outras causas de disfagia e por exames de imagem, tais como o estudo dinâmico da deglutição com contraste baritado, a radiografia simples e a tomografia computorizada cervicais2,5,9.
A intervenção cirúrgica consiste na remoção dos osteófitos e calcificações e está indicada em casos de sintomas progressivos ou graves, sem resposta ao tratamento conservador6. A cirurgia está também indicada na presença de mielopatia, radiculopatia, paralisia do nervo laríngeo recorrente e de obstrução da via área6,15,16. A via de abordagem mais frequentemente utilizada é a anterior (via de Smith-Robinson), mas também pode ser utilizada a via transfaríngea17. Embora não se tenham verificado complicações cirúrgicas nos casos apresentados, este procedimento pode estar associado a complicações potencialmente graves, tais como hematoma, síndrome de Horner, paralisia do nervo laríngeo recorrente, paralisia do nervo laríngeo superior, lesão esofágica e instabilidade cervical18,19. O risco de disfonia na via de abordagem cervical anterior foi considerado de 38%18.
Num estudo em 6 pacientes com DISH sintomática, cinco apresentavam disfagia progressiva e todos estes apresentaram alívio sintomático após tratamento cirúrgico20. O alívio sintomático precoce foi associado à eliminação da causa de compressão mecânica direta, tal como acontece nos casos descritos. No entanto, verifica-se que alguns pacientes demoram meses até alívio da disfagia, o que poderá estar associado a uma evolução mais longa da doença, já com fenómenos de inflamação crónica e fibrose faringo-esofágica a contribuírem para a fisiopatologia da disfagia1,14. Um estudo prospetivo em 7 pacientes com disfagia por DISH submetidos a resseção de osteofitose cervical anterior com tempo de seguimento médio de 9 anos, verificou que todos os pacientes desenvolveram recidiva da osteofitose cervical anterior num aumento médio de 1mm por ano após a cirurgia14. No entanto, apenas 2 destes pacientes voltaram a apresentar sintomas de disfagia aproximadamente 10 anos após o tratamento cirúrgico e apenas um deles necessitou de reintervenção cirúrgica por sintomas progressivos14.
A resseção cirúrgica, exostosectomia e exérese de calcificações da coluna cervical anterior, quando efetuados com uma indicação adequada, são considerados um tratamento eficaz e seguro no alívio da disfagia nos pacientes com DISH, tal como se pode verificar nos casos apresentados e na literatura científica1,8,11,14,20,21,22,23,24,25. Apesar da reduzida taxa de complicações, alguns autores sugerem que, devido a índices de recorrência importantes, se deve manter um seguimento a longo prazo destes pacientes14.
CONCLUSÃO
A disfagia provocada por DISH ao nível da coluna cervical é uma situação rara, mas para a qual devemos estar alerta, sobretudo na população idosa. A exostosectomia e exérese de calcificações cervicais anteriores que provocam disfagia progressiva podem garantir de forma segura um alívio sintomático precoce e melhoria da qualidade de vida dos pacientes.
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Conflito de interesse:
Nada a declarar.
Diogo Moura
Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE
Praceta Prof. Mota Pinto
3000-075 COIMBRA
PORTUGAL
Telefone: +351 239 400 400
dflmoura@gmail.com
Data de Submissão: 2015-10-12
Data de Revisão: 2016-07-16
Data de Aceitação: 2016-08-02