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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia
versão impressa ISSN 1646-2122
Rev. Port. Ortop. Traum. vol.24 no.1 Lisboa mar. 2016
CASO CLÍNICO
Melorreostose: Relato de Caso de uma Doença Rara
Roberta de Pádua BorgesI; Felipe Coelho de SouzaI; Flávia Magalhães NunesI; Cristian Stein BorgesI
I. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Brasil. Brasil.
RESUMO
Introdução: A melorreostose é uma doença rara, de etiologia ainda desconhecida e pouco descrita na literatura médica. A hiperostose linear ao longo do córtex ósseo causada pela doença é responsável pelo aspecto radiológico típico de cera derretida que deu nome à patologia.
Objetivo e método: Relato de caso de uma paciente em acompanhamento ambulatorial por melorreostose, uma doença rara e de apresentação peculiar aos exames de imagem e revisão da literatura relacionada.
Resultados: Paciente feminina, 42 anos, em acompanhamento ambulatorial por melorreostose umeral e de quirodáctilos à esquerda com diagnóstico há 7 anos e em tratamento clínico desde então. Possui apresentação típica da doença, com aumento de volume, associado à limitação de movimento e imagens radiológicas com hiperostose nos segmentos ósseos afetados.
Conclusão: Apesar de benigna, a doença pode causar grande morbidade, principalmente pela dor crônica, limitação funcional e deformidades ósseas.
Palavras chave: melorreostose, hiperostose, osteoesclerose, radiografia.
ABSTRACT
Introduction: Melorheostosis is a rare disease, whose etiology is still unknown and rarely reported on medical literature. The linear hyperostosis along the cortical bone caused by the disease is responsible for the typical radiologic appearance of melted wax that named the pathology.
Objective and methods: a case report of a patient receiving outpatient treatment for melorheostosis, a rare disease with peculiar radiologic presentation, and review of the associated literature.
Results: a female patient, 42 years old, recieving clinical outpatient treatment for melorheostosis in left upper arm and fingers, diagnosed 7 years ago. She shows a typical apresentation of the disease, with increased volume associated with limited movement and radiological images showing hyperostosis of the affected bone segments.
Conclusion: although benign, the disease can cause large morbidity especially with chronic pain, functional limitations and bone deformities.
Key words: melorheostosis, hyperostosis, osteosclerosis, radiograph.
INTRODUÇÃO
Descrita inicialmente por Leri and Joanny em 1922, a melorreostose é uma doença rara, congênita, não hereditária, de etiologia desconhecida. O nome origina-se do grego, melos=membro; rhein=fluxo; osteon=osso, referindo-se à aparência radiológica típica semelhante à cera derretida fluindo na margem de uma vela1. A sua incidência é de 0,9 caso por milhão de habitantes e até o momento, foram descritos apenas, aproximadamente, 400 casos na literatura inglesa. A sua principal característica é a hiperostose linear ao longo do córtex ósseo, sendo mais comum nos ossos longos2,3. A principal manifestação clínica é dor crônica, localizada, agravada pela mobilização do segmento afetado, embora a doença possa ser assintomática2. O diagnóstico pode ser realizado, na maioria dos casos, por radiografia simples com a imagem característica. Tendo em vista o caráter raro da doença, o objetivo do presente artigo é apresentar o caso de uma paciente de com história de dor crônica e deformidade, com diagnóstico há 7 anos de melorreostose umeral e de quirodáctilos à esquerda.
RELATO DE CASO
Paciente feminina, 42 anos, previamente hígida, a qual apresentou-se ao serviço de Tumores Ósseos do Hospital Santa Rita da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, no ano de 2008, com quadro clínico de aumento progressivo de volume e dor, pior à movimentação, no braço esquerdo, de início há 6 meses. Negava febre, perda de peso ou outros sintomas e sinais sistêmicos. A alteração presente em tal segmento do membro superior esquerdo apresentou-se estável durante cinco anos e progrediu, após este período, para o primeiro e segundo quirodáctilos da mão esquerda.
Ao exame físico nos dias atuais, a paciente apresenta-se com aumento de volume do braço esquerdo (Figura 1), sendo o diâmetro do seu terço inferior 2,8 cm maior em relação ao contralateral, associado à redução da amplitude de movimento das articulações dos segmentos afetados em comparação com o membro saudável contralateral. Não manifesta alterações de temperatura, cor ou no grau de força muscular.
As radiografias dos ossos do membro superior esquerdo revelaram hiperostose na metade distal do úmero, na porção proximal do rádio, no primeiro e segundo metacarpos, na primeira e segunda falanges proximais e em alguns ossos do carpo deste membro, com imagem típica em cera derretida.(Figuras 2, 3 e 4) A cintilografia óssea revelou hipercaptação destes segmentos afetados.(Figura 5)
Para excluir malignidade das lesões foi realizada biópsia de úmero esquerdo cujo relatório do exame anátomo-patológico revelou: “Fragmento de tecido ósseo com leve remodelação. Ausência de outras alterações. Ausência de neoplasia. Esquirolas ósseas com alterações mecânicas”. Não foram encontradas alterações nos exames laboratoriais realizados, com ênfase em cálcio sérico, fosfatase alcalina, proteína C reativa ou velocidade de sedimentação.
A paciente realizou por dois anos consecutivos fisioterapia com ondas de choque e no presente momento, segue em acompanhamento regular no serviço de Ortopedia e Traumatologia, utiliza tipóia para alívio da dor e faz uso eventual de antiinflamatórios não esteroidais (AINES), como ibuprofeno, e de paracetamol, ocasionalmente associado à codeína, com boa resposta ao tratamento e controle álgico, preservando assim, qualidade de vida.
DISCUSSÃO
A melorreostose é uma doença rara, que acomete em igual proporção homens e mulheres, e que, embora passados quase cem anos de sua primeira descrição, ainda carece de evidências na literatura4. A sua etiopatogênese ainda permanece indefinida, estudos recentes evidenciam várias teorias propostas, entre elas alterações vasculares, linfáticas ou metabólicas, processos inflamatórios, defeitos embrionários ou genéticos5,6.
A doença pode permanecer assintomática por um longo tempo, assim, o início dos sintomas pode ocorrer em qualquer idade, porém geralmente manifesta-se na infância tardia ou início da adolescência, com tendência a progredir insidiosamente na vida adulta3. Os sintomas característicos da doença coincidem com os apresentados pela paciente, sendo eles: dor crônica, limitação funcional do membro afetado e deformidades1. Diáfises dos ossos longos são mais comumente envolvidas, sendo mais frequente o acometimento das extremidades inferiores do que as superiores7. A doença pode apresentar-se na forma monostótica (apenas um osso afetado), forma monomélica (restrita a um membro) ou poliostótica (múltiplos ossos). Outros sintomas associados são derrames articulares de repetição, rigidez articular, esclerodermia da pele correspondente ao segmento ósseo afetado e malformações vasculares2,5.
As radiografias do osso afetado evidenciam a lesão clássica da doença: hiperostose linear ao longo do córtex ósseo com aspecto típico de “cera derretida”1. Apesar de a biópsia óssea não ser pré-requisito para o diagnóstico, a mesma ajuda a firmá-lo com segurança diferenciando de condições neoplásicas2. Os achados histológicos são inespecíficos, podendo evidenciar, por exemplo, associação de osso maduro e imaturo numa formação óssea densa com aumento do osso trabecular. Outros exames complementares podem auxiliar o diagnóstico, como por exemplo, laboratoriais (cálcio, fósforo séricos e fosfatase alcalina) que costumam apresentar-se normais, assim como a cintilografia óssea evidenciando maior captação2,9. A tomografia computadorizada e a ressonância nuclear magnética (RNM) auxiliam a firmar o diagnóstico e a avaliar o espectro da apresentação da doença, sendo essenciais no planejamento de casos cirúrgicos. A RNM é útil para determinar a extensão do acometimento de partes moles7,8.
Como não há tratamento específico para a doença, o objetivo da terapêutica é o alívio dos sintomas, principalmente da dor crônica com o uso de analgésicos, AINES e bifosfonados2,6,10. Alguns estudos sugerem que distúrbios vasculares periféricos podem ser responsáveis pelo quadro álgico e relatam melhora da dor com o uso de nifedipina. Outras medidas conservadoras podem ser utilizadas como, fisioterapia, bloqueios nervosos e gesso seriados3. O tratamento cirúrgico pode ser necessário, sendo reservado para casos apresentando contraturas e deformidades graves2,9.
O prognóstico do paciente com melorreostose depende da localização anatômica afetada e da extensão do acometimendo dos tecidos moles. A doença usualmente apresenta um curso crônico, com períodos de exacerbação e remissão. Não diminui a expectativa de vida, porém pode trazer grande morbidade, principalmente quando o diagnóstico é retardado7. Por sua evolução insidiosa e prognóstico variável, faz-se necessário acompanhamento médico regular.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Conflito de interesse:
Nada a declarar
Roberta de Pádua Borges
Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
Rua Sarmento Leite, 245 - Centro Histórico, Porto Alegre - RS, 90050-170, Brasil
Telefone: (51) 81836393
betapborges@hotmail.com
Data de Submissão: 2015-11-17
Data de Revisão: 2016-07-15
Data de Aceitação: 2016-08-02