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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.24 no.2 Lisboa jun. 2016

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Elastofibroma dorsal: a lesão tumoral de tecidos moles da escapulo-torácica. O estudo clínico e histopatológico de 6 casos clínicos

 

João CabralI; Marco SarmentoII; Nuno MouraII; Ana AfonsoIII; António CartuchoII

I. Unidade do Ombro do Centro de Ortopedia e Traumatologia do Hospital CUF Descobertas.
II. Unidade de Anatomia Patológica do Hospital CUF Descobertas.
III. Centro de Ortopedia e Traumatologia do Hospital CUF Descobertas.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Introdução

O Elastofibroma Dorsal (ED) é uma lesão de tecidos moles rara, localizada em 99% dos casos na região infra ou peri-escapular, entre a parede torácica, músculos serratus anterior, grande dorsal e romboides e, frequentemente, aderente ao periósteo da grelha costal.

Material e Métodos

Foi realizado estudo retrospetivo de 6 doentes operados por ED de Abril de 2009 a Fevereiro de 2014. Foram avaliadas as várias apresentações clínicas da doença, os diagnósticos basearam-se nas histórias clínicas, exame físico e no estudo imagiológico, nomeadamente ecografia e ressonância magnética.

O tratamento cirúrgico consistiu na resseção tumoral marginal e avaliação histopatológica.

Resultados

Todos apresentavam uma tumefação na região periescapular inferior. Metade dos doentes referia dor à mobilização do ombro sendo que um se queixava também de limitação funcional e outro de uma sensação de ressalto. Dos restantes, um apresentava ressalto indolor.

O tempo médio entre a primeira manifestação clínica e o tratamento cirúrgico foi de 18 meses.

As únicas complicações foram pós-operatórias - dois casos de seroma, resolvidos com recurso a punção aspirativa. 

Conclusões

Dada a sua benignidade e ausência de relatos na literatura de transformação maligna, o tratamento conservador está indicado para os idosos e assintomáticos. O tratamento cirúrgico é motivo de discussão apesar da resseçao marginal ser a opção preferencial. Entende-se como doentes curados quando as margens da massa excisada está histologicamente livre de lesão.

O ED deve ser tido em consideração no diagnóstico diferencial das patologias do ombro e, pela sua benignidade e pouca agressividade sintomática, parece ser mais frequente do que vem descrito na literatura.

Palavras chave: Elastofibroma dorsi, escápulo-torácica, benigno, tumor, tecidos moles, biópsia excisional.

 

ABSTRACT

Background

Elastofibroma dorsi (ED) is a rare benign mesenquimatose tumor located in 99% of cases, in the infra or peri-scapular region, between the thoracic wall and the serratus anterior, latissimus dorsi and rhomboid muscles and frequently, adherent to the rib cage periostium.

Material and Methods

A retrospective study consisting of 6 patients with ED operated on between April of 2009 and February 2014. The clinical presentations were assessed and diagnosis was made based on clinical history, physical examination and on imaging, namely ultrasound and MRI.

Surgical treatment consisted of marginal resection of the tumor and histological evaluation.

Results

All cases presented inferior and peri-scapular swelling. 50% complained of pain with shoulder movement, one with concomitant functional limitation, while another of clunking of the shoulder. Of the remainder, one reported merely a sense of clunking with scapular mobilization.

The mean time between the first symptomatic manifestation to surgical treatment was 18 months.

The only complications were postoperative - seroma developed in 2 cases, requiring needle aspirations on the 8th and 13th day.

Conclusions

Given its benign nature and the absence of documented malignant transformation, conservative treatment is indicated in elderly and asymptomatic patients. Surgical treatment is an issue still in debate, although marginal resection is the preferred option. Patients are ruled as cured if the margins of the excised mass are histologically free of tumor.

ED should be taken into account in differential diagnosis of shoulder disorders. Given its benignity and mild symptoms, it may be more frequent than stated in the literature.

Key words: Elastofibroma dorsi, scapulo-thoracic, benign, tumor, soft-tissue, excisional biopsy.

 

INTRODUÇÃO

O Elastofibroma dorsal (ED) é um tumor mesenquimatoso benigno constituído por tecido conjuntivo fibroso hipocelular, colagenizado, com fibras elásticas e tecido adiposo.

Foi descrito pela primeira vez em 1961 por Jarvi e Saxen como um tumor fibroelástico benigno de crescimento lento4.

O ED é uma lesão de tecidos moles rara, localizada em 99% dos casos na região infra ou peri-escapular, entre a parede torácica, músculos serratus anterior, grande dorsal e romboides e, frequentemente, aderente ao periósteo da grelha costal3,4,10.

Surge entre a quarta e sétima décadas de vida, sendo mais comum no sexo feminino5,12. Localizações menos comuns incluem região orbitária, músculo deltoide, região axilar, olecrânio, região intravertebral, válvula tricúspide, estômago, grande omento, região inguinal, grande trocânter e pé12.

Na Ressonância Magnética (RMN) surge tipicamente como um tumor de tecidos moles único, heterogéneo e mal individualizado. Devem ser considerados diagnósticos diferenciais o lipoma, lipossarcoma, fibroma, hemangioma e hematoma6.

Neste trabalho estudamos retrospetivamente 6 doentes com ED submetidos a tratamento cirúrgico e discutimos os seus achados clínicos e radiológicos assim como a sua patologia e terapêutica.



 

MATERIAL E MÉTODOS

Foi realizado estudo retrospetivo de 6 doentes operados por ED de Abril de 2009 a Fevereiro de 2014. Foram avaliadas as várias apresentações clínicas da doença, os métodos diagnósticos, o tratamento efetuado e as características histopatológicas.

Os 6 doentes com ED operados entre Abril de 2009 e Fevereiro de 2014 (4 mulheres e 2 homens, ratio ♀:♂- 2:1) tinham uma idade média de 61 anos (entre 57 e 71 anos).

Procedeu-se ao diagnóstico da doença através da história clínica, exame físico com especial atenção aos sinais clínicos da lesão tumoral apresentada e estudo imagiológico, nomeadamente o estudo das partes moles com ecografia, e, caso necessário para esclarecimento diagnóstico, a RMN.

Após o diagnóstico de ED sintomático, o tratamento cirúrgico consistiu na resseção marginal da lesão tumoral, sob anestesia geral, em decúbito ventral. As lesões foram removidas por abordagem posterior oblíqua (Figura 1, 2, 3 e 4).

 

 

 

 

 

Todas as peças operatórias foram submetidas a avaliação histopatológica.

 

RESULTADOS

Todos os doentes apresentavam uma tumefação na região periescapular inferior, sendo que 3 à esquerda, 2 à direita e uma doente apresentava a lesão bilateralmente. Metade dos doentes referia dor à mobilização do ombro sendo que um se queixava também de limitação funcional e outro de uma sensação de ressalto. Dos restantes, um apresentava ressalto à mobilização escapular, apesar de indolor.

O exame imagiológico inicial para o diagnóstico da tumefação localizada à região periescapular foi a ecografia, sendo que 2 doentes realizaram também RMN como forma de confirmação diagnóstica.

O tempo médio que decorreu desde a primeira manifestação sintomática até ao tratamento cirúrgico foi de 18 meses (6 a 48 meses), sendo que o tratamento cirúrgico consistiu sempre na resseção marginal da lesão tumoral.

Intra-operatoriamente as lesões eram evidentes na região subescapular, aderentes aos planos profundos, nomeadamente à grelha costal.

O diâmetro clínico das lesões variou entre 5 e 8cm de maior comprimento com uma média de 6cm. As dimensões reais dos tumores removidos eram de 10cm de média (entre 6 e 15cm).

Macroscopicamente eram lesões não capsuladas, marelo/acastanhadas de superfície irregular  de consistência mole/elástica; microscopicamente correspondiam a  proliferação mesenquimatosa benigna caracterizada por tecido conjuntivo fibroso hipocelular, com feixes irregulares de colagénio separados por tecido adiposo no meio dos quais se distribuíam fibras elásticas de forma e espessura irregular (Figura 5).

 

Figura 5

 

Todas as cirurgias decorreram sem intercorrências intraoperatórias. O tempo médio de internamento foi 2,5 dias (1 a 4 dias). Como complicações, apenas surgiram no pós-operatório imediato, com 2 casos de seroma, tendo sido necessário num dos doentes realizar 2 punções aspirativas, ao 8º e 13º dias.

Na doente que apresentava ED bilateral, a remoção foi realizada no mesmo tempo cirúrgico, sem intercorrências no pós-operatório imediato. No entanto, foi a doente que recidivou à esquerda, resultando manifestações clínicas sobreponíveis e confirmação ecográfica, tendo sido reoperada 2 meses após a primeira intervenção.

 

DISCUSSÃO

A etiologia do ED ainda não está determinada, acreditando alguns autores que o ED resulta da degeneração do colagénio no decurso da fricção mecânica repetida entre a parede torácica e a região distal interna da escápula, enquanto outros sugerem que pode ser a causa de uma hiperproliferação reativa de tecido fibroblástico em vez de um processo degenerativo3,8.

Hoje em dia, é universalmente aceite que o ED é mais comum em pessoas que realizam trabalho manual de repetição envolvendo a cintura escapular apesar do mecanismo não estar ainda estabelecido3,7,9.

Geibe et al., baseados na descoberta das “alterações pre-elastofibroma” na sua série de autópsias, especularam que o ED será o resultado de um processo fisiológico de envelhecimento em vez de uma anormal elastogénese ou degeneração. Estas alterações foram designadas por um material eosinofílico que não exibe formação de tecido elástico definido2. Nagamine et al. descreveram que 32% dos seus casos surgiram no seio da mesma família, sugerindo uma predisposição familiar para o ED9.

Nos doentes assintomáticos, a prevalência estimada de ED é de 2%7.

Trata-se de uma lesão maioritariamente assintomática, sendo muitas vezes a sua descoberta o resultado do desenvolvimento de uma massa.

Surge geralmente em mulheres acima dos 50 anos, com uma ligeira predominância para a região subescapular direita, abaixo do serratus anterior, apesar de também poder ser encontrada na região supraescapular, no deltoide, olecrânio, trocânter, tuberosidade isquiática e pé, podendo ser bilateral em 10 a 66% dos casos11,12.

Os sintomas, quando surgem, são ligeiros, incluindo, para além da tumefação, dor e sensação de ressalto à mobilização e, eventualmente, algum grau de limitação funcional.

O exame radiográfico é geralmente normal, podendo evidenciar, conforme o tamanho da lesão, uma elevação da escápula e uma massa de tecidos moles sem calcificação, na região subescapular. Assim sendo, o exame imagiológico inicial é a ecografia, colocando em evidência um padrão irregular, fasciculado na região sub ou peri-escapular que, juntamente com a sua localização mais frequente, fará o diagnóstico1.

No nosso estudo não se realizaram avaliações histopatológicas pré-operatórias, reservando e sugerindo a biópsia lesional para as situações de rápido crescimento tumoral ou apresentação imagiológica atípica, por se tratar de lesão com comportamento benigno.

O tratamento do ED continua um tema em debate. A excisão é o tratamento oferecido aos doentes sintomáticos, sendo a resseção marginal suficiente e o tipo de excisão tumoral preferida, em detrimento da remoção alargada ou mesmo radical. O tratamento conservador estará indicado para os doentes idosos, assintomáticos, dada a sua natureza benigna e dado não haver descrição de transformação maligna da lesão.

Na nossa instituição o tratamento cirúrgico é proposto dependendo da sintomatologia apresentada e preferência do doente, sendo que massas assintomáticas nas localizações típicas apenas necessitarão de vigilância clínica.

O doente dá-se como curado quando apresenta histologicamente margens livres de lesão.

De tal forma que os poucos registos na literatura de recidivas resultaram de resseções incompletas9. Neste estudo o único caso de recidiva que obtivemos foi assim, resultado de interseção focal de lesão no limite cirúrgico, confirmada anatomopatologicamente.

As complicações descritas foram todas pós operatórias imediatas tais como, seromas ou hematomas, podendo ser tratadas por meio de aspiração ou drenagem. Pode ainda ser usada preventivamente a drenagem aspirativa pós operatória aquando do encerramento cirúrgico. Importa por fim referir que não há relatos de lesão neurológica, diminuição da força muscular do ombro ou do braço.

 

CONCLUSÃO

O Elastofibroma dorsal é uma lesão tumoral benigna, de localização preferencialmente peri ou sub-escapular, que ocorre maioritariamente em indivíduos do sexo feminino acima dos 50 anos com características clínicas e ecográficas específicas. Em caso de dúvida, dever-se-à proceder a RMN e, nos doentes com dor, sensação de ressalto ou limitação funcional, à intervenção cirúrgica, sendo a resseção marginal é o tratamento cirúrgico indicado.

O ED deve ser tido em consideração no diagnóstico diferencial das patologias do ombro e, pela sua benignidade e pouca agressividade sintomática, parece ser mais frequente do que vem descrito na literatura.

Propomos a nossa estratégia diagnóstica e terapêutica em forma de algoritmo (figura 6).

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

João Cabral
Serviço de Ortopedia Pediátrica - Hospital Pediátrico - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE
Avenida Afonso Romão
3000-602 COIMBRA
PORTUGAL
Telefone: (+351) 239 480355
cabral.joao@gmail.com

 

Data de Submissão: 2016-02-24

Data de Revisão: 2016-09-02

Data de Aceitação: 2016-10-09

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