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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia
versão On-line ISSN 1646-2939
Rev. Port. Ortop. Traum. vol.24 no.4 Lisboa dez. 2016
ARTIGO ORIGINAL
Devemos negar os benefícios do ácido tranexâmico na artroplastia total do joelho? Um novo protocolo
João RaposoI; Renato SoaresI; António RebeloI; Ricardo SimõesI; António GonçalvesI; Fernando CarneiroI
I. Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Hospital do Divino Espirito Santo, Ponta Delgada, Açores. Ponta Delgada.
RESUMO
A artroplastia total do joelho está associada a perdas hemáticas importantes, que afectam negativamente o pós-operatório e a recuperação. Actualmente existem várias técnicas para evitar esta complicação, das quais a utilização do ácido tranexâmico tem uma excelente relação custo-eficácia. O risco teórico de eventos adversos trombóticos existe,e muitos doentes são excluídos dos protocolos actuais por razões de segurança.
Os autores recolheram dados dos doentes submetidos a artroplastia total do joelho primária que foram alocados a um protocolo de profilaxia com ácido tranexâmico tópico ou endovenoso vs um grupo de controlo (sem fármaco). Os doentes com antecedentes de coagulopatia, doença cardíaca grave, eventos prévios de trombose arterial ou venosa e insuficiência renal, que seriam excluídos noutros protocolos, foram neste estudo incluídos no grupo terapêutico com ácido tranexâmico tópico. Os outcomes foram necessidade de transfusão, perdas hemáticas e diminuição da hemoglobina pós-op. Análise estatística - SPSS v20.0, p<0.05.
Verificou-se uma diferença estatisticamente significativa em todos os outcomes a favor do grupo terapêutico (p<0.001). Não se verificaram eventos trombóticos (TEP ou TVP) ou quaisquer outras complicações sistémicas ou do local cirúrgico em nenhum dos grupos.
Até à data de submissão deste trabalho, os autores não encontraram na literatura nenhum protocolo que incluísse no grupo terapêutico doentes com contra-indicação para ácido tranexâmico sistémico, pelo que consideramos uma vantagem a administração deste fármaco a todos os doentes submetidos a artoplastia total do joelho, sem aumento do risco.
Palavras chave: Ácido tranexâmico, artroplastia total do joelho, transfusão.
ABSTRACT
Total knee arthroplasty is associated with major blood loss, negatively impairing recovery. Blood-sparing techniques have been developed, of which tranexamic acid (TXA) is very cost-effective. Theoretical risk of thrombotic events exists, and many patients have been excluded from therapeutic protocols for safety issues.
Retrospective data was collected from patients admitted for primary total knee arthroplasty, allocated to either a systemic (IV) or topical tranexamic acid protocol vs control group. Patients with history of clotting disorders, severe cardiac disease, thromboembolic arterial or venous events and renal impairment were given topical TXA. Outcomes were transfusion of alloegenic blood, hemoglobin drop and blood loss. Statistical analysis - SPSS v20.0, p<0,05.
There was a significant difference in hemoglobin drop, blood loss and in rate and amount of blood transfusions (p<0.001). There were no embolic (PE or DVT) or other systemic or surgical site complications.
We found improvement in all the outcomes . To our knowledge, there are no studies describing use of topical tranexamic acid in patients with contraindications for systemic administration, and it may be advantageous to extend the indications for tranexamic acid in total knee replacement, without increased clinical risks.
Key words: Tranexamic acid, total knee arthroplasty, transfusion.
INTRODUÇÃO
A artroplastia total do joelho (ATJ) é um procedimento em rápida expansão em todo o mundo para o tratamento da gonartrose em estadio terminal, com resultados muito positivos ao nível da diminuição da dor, melhoria funcional e da qualidade de vida20. Cerca de 12% da população com mais de 60 anos apresenta gonartrose31. Tal como outras cirurgias ortopédicas major, está associada a perdas hemáticas significativas (500-1000ml intra-operatoriamente e cerca de 700ml de perdas ocultas no pós-op) 27,33, com necessidade frequente de transfusão sanguínea (10-67% dos doentes)2,21,31. Estas perdas hemáticas podem cursar com anemia sintomática e recuperação mais lenta no pós-op, além de que as transfusões também não são isentas de complicações -aumento do custo e tempo de internamento10, reacção alérgica, hipotensão sintomática, reacção imune hemolítica, febre3, lesão pulmonar aguda relacionada com a transfusão16, sobrecarga volémica23 ou infecção3,4.
Estão descritos vários métodos para minimizar ou evitar esta complicação - fármacos antifibrinolíticos, estabilizadores do coágulo7 (ácido e-aminocapróico, aprotinina, ácido tranexâmico), hipotensão anestésica, garrote, dispositivos de auto-transfusão intra-operatória8, transfusão pré-operatória de sangue autólogo12, agentes hemostáticos tópicos, eritropoietina34, clampagem do dreno11,17 e cirurgia minimamente invasiva.
O ácido tranexâmico tem ganho popularidade crescente nos últimos ano, encontrando-se extensivamente estudado e com múltiplos protocolos descritos na literatura. É aceite de forma praticamente consensual que se trata de uma terapêutica com boa relação custo-eficácia9 e bom perfil de segurança7,26,30. Está amplamente demonstrado que apresenta um papel importante na diminuição da necessidade de transfusões e perdas sanguíneas pós-ATJ, mesmo em doentes com anemia pré-operatória22.
A maior preocupação inicial com o uso do ácido tranexâmico é o risco teórico que existe de eventos tromboembólicos arteriais ou venosos7,12,31,33. Todavia, não há evidência na literatura de aumento significativo destes eventos adversos, quer em utilização tópica ou sistémica12,30,31,32,33. A maioria dos estudos publicados definem como critérios de exclusão dos grupos terapêuticos com ácido tranexâmico a existência de história prévia de eventos tromboembólicos, perfil cardiovascular desfavorável, alergia, gravidez, coagulopatia, trombocitopénia ou patologia oftalmológica da visão cromática1,12.
Então, muitos doentes submetidos a ATJ continuam a ser excluídos desta terapêutica. Os protocolos descritos na literatura contemplam administração sistémia, tópica ou combinada do fármaco, variando as doses e timing de administração. O ponto de partida para este novo protocolo foi o facto de a absorção sistémica de ácido tranexâmico administrado de forma tópica (intra-articular) ser residual31.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram recolhidos retrospectivamente dados de doentes admitidos para artroplastia total do joelho primária por gonartrose tricompartimental, entre Janeiro de 2012 e Junho de 2015. O procedimento foi executado por 6 cirurgiões, sendo constante a utilização do garrote (280-350mmHg), abordagem cirúrgica (parapatelar interna clássica) e o implante (Zimmer® NK-2 Gender Solutions). Todos os doentes foram internados na véspera da cirurgia e seguiram o protocolo de profilaxia antibiótica do Serviço (2g de ceftriaxone ou 600mg de clindamicina se alergia conhecida aos beta-lactâmicos) e profilaxia tromboembólica com heparina de baixo peso molecular (enoxaparina 40mg, ajustada para 20mg se insuficiência renal ou 60mg se IMC>30). Em todos os doentes foi deixado um dreno de 24-48h, tendo sido registadas as perdas hemáticas, e realizado um hemograma no 1º dia de pós-operatório para avaliação da variação de hemoglobina.
O Serviço iniciou o protocolo de profilaxia com ácido tranexâmico em Janeiro de 2013 (grupo terapêutico), aprovado pelos departamentos de Anestesia e Hematologia, sendo que o grupo de controlo foi obtido retrospectivamente entre Janeiro e Dezembro de 2012.
Foi usado Cyklokapron® 500mg/5ml, num total de 4 unidades - 1g intra-op, administrado por via intravenosa 30 minutos antes da interrupção do garrote, e 1g às 3h de pós-op no grupo de terapêutica sistémia, e a mesma quantidade diluída em 100cc de soro fisiológico administrada topicamente pelo hemodreno após encerramento da ferida cirúrgica, conservando-se o mesmo clampado durante cerca de 30 minutos.
Os doentes com antecedentes de coagulopatia, doença cardíaca grave, eventos tromboembólicos arteriais ou venosos ou insuficiência renal ou hepática, inicialmente excluídos de todo do grupo terapêutico, foram entretanto alocados ao grupo de administraçãoo tópica de ácido tranexâmico.
Foi requisitado um hemograma às 24h de pós-op a todos os doentes, e novo hemograma pós-transfusional caso se aplicasse. O critério para transfusão foi definido como um valor de hemoglobina <8 g/dL e com sintomatologia compatível.
A reabilitação iniciou-se no leito no 1º dia pós-op com mobilização passiva e ao 2º dia de pós-op com levante e treino de marcha.
Os autores definiram como outcome primário a necessidade de transfusão (e respectivo número de unidades), a variação de hemoglobina como outcome secundário e a perda de sangue no hemodreno como outcome terciário. Foram também avaliados o tempo de internamento, tempo cirúrgico, complicações e todos os doentes foram avaliados em consulta externa às 2 semanas, 1 e 3 meses de pós-op.
Foi usado o coeficiente de correlação de Pearson para avaliar a relação entre as perdas hemáticas no dreno e a diminuição de hemoglobina no pósoperatório.
Os testes t de Student, ANOVA e Spearman foram aplicados para correlacionar a transfusão sanguínea com a aplicação de ácido tranexâmico (tópico ou sistémico).
O tratamento estatístico foi feito no software SPSS v 20.0, com um valor-p <0.05.
RESULTADOS
Foram obtidos 125 joelhos em 125 doentes, que foram divididos em 2 grupos: sem ácido tranexâmico (grupo de controlo, n=56) e com ácido (grupo terapêutico, n=69). Este foi, então, subdividido em aplicação sistémica (n=57) e tópica (n=12).
Grupo de controlo com 44 mulheres e 12 homens, 24 joelhos esquerdos e 32 direitos.
Grupo terapêutico com 56 mulheres e 13 homens, 31 joelhos esquerdos e 38 direitos.
As restantes características dos grupos encontram-se nas tabelas 1 e 2, sendo que os grupos não apresentaram uma diferença estatisticamente significativa na idade média, hemoglobina pré-op, tempo cirúrgico ou tempo de internamento.
Verificou-se uma diferença estatisticamente significativa na perda de hemoglobina e perda hemática no dreno no pós-op em favor do grupo terapêutico (3,54±1,25 g/dL grupo controlo vs 2,2±1,1 g/dL grupo terapêutico, 461±218 cc vs 259±162 cc, p<0.0001).
Verificou-se uma correlação positiva entre a perda de sangue no dreno e diminuição da hemoglobina pós-op (r=0.360, n=125, p=0.0001).
No grupo de controlo, um total de 13 doentes (23.2%) receberam transfusão sanguínea (1 unidade em 8 doentes e 2 unidades em 5 doentes), sendo que nenhuma unidade foi transfundida no grupo terapêutico (sistémico ou tópico).
Verificou-se, então, um efeito estatístico significativo do ácido tranexâmico sobre a transfusão em todos os grupos (p=0.0003). A análise post-hoc com o teste Tukey HSD indicou um score significativamente diferente entre o grupo de controlo (M=0.32, SD=0.64) e o subgrupo de terapêutica sistémica (M=0, SD=0). Ambos os subgrupos do grupo terapêutico não apresentaram diferença estatisticamente significativa (tabela 3).
Não se verificaram complicações trombóticas em nenhum dos grupos aos 30 dias pós-op. 2 doentes (1 do grupo de controlo e 1 do subgrupo de terapêutica sistémica) apresentaram uma infecção superficial na ferida operatória, resolvida com antibioticoterapia e cuidados de penso na Consulta, com resolução completa. Sem outras complicações a registar.
DISCUSSÃO
Desde a sua introdução na década de 1960, a artroplastia total do joelho tornou-se num dos procedimentos ortopédicos mais comummente realizados mundialmente25. A cirurgia artroplástica está associada a perdas hemáticas importantes -500-1000ml, havendo mesmo estudos que referem até aos 2000ml14, e que em 10-67% dos casos levam a que seja necessária uma transfusão sanguínea, que acarreta um risco de complicações, aumento do tempo de internamento, aumento da morbilidade e mortalidade14 e custos elevados9,21. Na nossa instituição, e à data da realização do estudo, o custo aproximado de 1 unidade de sangue situava-se nos 186€, sendo que o custo total do fármaco utilizado no grupo terapêutico ronda os 18,6€ - uma diferença de 10 vezes.
Dos múltiplos métodos descritos para diminuir as perdas hemorrágicas na ATJ, o ácido tranexâmico tem ganho uma popularidade crescente por ser uma terapêutica com boa relação custo-eficácia quando comparado com outros agentes hemostáticos (desmopressina, selantes com cola de fibrina, matrizes de gel biológico ou outros fármacos antifibrinolíticos)26, além de um elevado perfil de segurança, quer na aplicação sistémica, quer tópica. O ácido tranexâmico é um aminoácido sintético com um papel de estabilizador do coágulo através de um bloqueio competitivo e reversível dos locais de ligação da lisina ao plasminogénio7. Este processo impede a ligação do plasminogénio à plasmina, processo inicial da cascata fibrinolítica. Este fármaco é especialmente útil quando é utilizado garrote na ATJ, já que se sabe que a isquémia transitória associada à agressão cirúrgica provoca uma resposta inflamatória, com uma fibrinólise aumentada8.
Apresenta também uma boa penetração nas articulações major quando comparado com outros fármacos antifibrinolíticos, como a aprotinina29,34.
O ácido tranexâmico tem um custo inferior ao da aprotinina e é 7 a 10 vezes mais potente que o ácido aminocapróico, apresentando uma semi-vida sinovial de aproximadamente 3 horas. O seu efeito é dose-dependente, estando demonstrado como óptimo no intervalo de 10-15 mg/kg29.
Há vários protocolos descritos na literatura, mas ainda sem consenso de qual o mais adequado. Por exemplo, no que concerne à administração sistémica, os protocolos variam entre uma aplicação única intra-operatória ou com reforço no pós-operatório, de doses fixas (1g) ou ajustadas ao peso (10-15 mg/kg), enquanto a administração tópica varia entre 1.5 a 3g intra-articular5,7,12,15,21,33.
Quando comparada a eficácia do fármaco de acordo com a sua via de administração, os resutados na literatura são inconclusivos a demonstrar superioridade de uma sobre a outra15,28,34,35.
Contudo, está amplamente demonstrada a eficácia na diminuição das perdas hemáticas e do número de transfusões nos grupos terapêuticos quando comparados com grupos de controlo.
Alshryda et al publicaram os resultados de 19 estudos clínicos de ATJ e concluíram que a administração de um protocolo de ácido tranexâmico endovenoso reduz significativamente a necessidade de transfusões, sem aumento da incidência de complicações tromboembólicas25.
Yang et al relatam resultados semelhantes numa meta-análise de 15 estudos clínicos, demonstrando ainda que o ácido tranexâmico não provocou também alterações no tempo de protrombina ou aPTT com diferença significativa entre os grupos terapêuticos e placebo33. Zhang et al analisaram 15 ensaios clínicos aleatorizados envolvendo um total de 842 doentes e diferentes protocolos endovenosos, tendo observado uma média de diminuição de perdas sanguíneas intra-operatórias de 487 mlm pós-operatórias de 245 ml e um número significativamente menor de doentes a quem foi necessária aplicar uma transfusão, sem um aumento significativo de complicações (tromboembólicas ou outras)34. Wang et al também reportaram a redução de perdas hemáticas no pós-op e diminuição da perda de hemoglobina pós-op na ausência de dreno e com um protocol de aplicação tópica (intra-articular após encerramento da cápsula), sem aumento da taxa de complicações (locais ou sistémicas)30. Chen et al publicaram uma meta-análise de 12 ensaios (1179 joelhos) com protocolos de aplicação de ácido tranexâmico tópico, tendo reportado uma redução media de 280ml de perdas hemáticas intra operatórias, de perdas no dreno de 194ml e redução também da necessidade de transfusão, sem aumento de eventos tromboembólicos; sugerem, ainda, que uma alta dose de fármaco terá resultados superiores no controlo das perdas hemáticas5.
Zhao-Yu et al reviram 6 ensaios clínicos aleatorizados relativos à administração tópica de ácido tranexâmico, com conclusões semelhates aos previamente referidos no que diz respeito à segurança e eficácia35. O ácido tranexâmico tópico permitiu uma diminuição de cerca de 220ml de perdas sanguíneas no pós-op e diminuiu a perda de hemoglobina em cerca de 1g/dL19.
Os autores observaram resultados em linha do que se encontra descrito na literatura quanto às perdas hemáticas, diminuição de hemoglobina e necessidade de transfusão. Ao correlacionar as perdas hemáticas quantificadas no dreno com a diminuição de hemoglobina, não se encontrou uma correlação estatisticamente significativa. Porém, este facto dever-se-á às perdas ocultas, que contribuem para a redução da hemoglobina e não podem ser quantificadas. Por outro lado, sabemos que a diminuição das perdas hemáticas pós-op também poderá reduzir o hematoma intra-articular, o que terá uma provável relação positiva na prevenção de infecção protésica11.
A via de administração do ácido tranexâmico não parece alterar os resultados funcionais a longo prazo.
Seo et al publicaram um estudo comparativo em que observaram um arco de mobilidade médio de 2.6°-123.3°, 2.5°-120.4°, e 2.9°-124.1° nos grupos de administração intravenosa, intra-articular e placebo, respectivamente, sem diferença estatisticamente significativa28.
Na nossa coorte, nomeadamente no grupo terapêutico, nenhum doente necessitou de transfusão sanguínea, e não se registou nenhuma complicação tromboembólica.
Quando administrado topicamente, o ácido tranexâmico tem uma distribuição extensa nos compartimentos extra e intracelular2, sendo que rapidamente se difunde através da membrana synovial, alcançando assim uma concentração intra-articular semelhante à sérica1.
Por outro lado, o ácido tranexâmico administrado topicamente tem uma absorção sistémica baixa, atingindo um valor sérico cerca de 70% inferior à administração sistémica. Nilsson relata que a concentração plasmática deste fármaco 1 hora após a administração sistémica de uma dose de 10 mg/kg atinge os 18 mg/L18, sendo que para a administração tópica de 3g do fármaco verificamos uma concentração sérica de 8.5 mg/L31. DeBonis et al publicaram um estudo aleatorizado de doentes internados para cirurgia de bypass coronário em que era aplicado num grupo o ácido tranexâmico tópico (mediastínico) vs placebo no final da cirurgia; estes autores verificaram que às 2 horas de pós-operatório os doentes de ambos os grupos não apresentavam níveis séricos detectáveis de ácido tranexâmico6.
Perante todas estas conclusões, consideramos que o ácido tranexâmico tópico é uma alternative eficaz e segura, mesmo em doentes com co-morbilidades que contra-indiquem a administração de ácido tranexâmico sistémico, beneficiando dos seus efeitos na diminuição das perdas sanguíneas sem aumento do risco tromboembólico.
Não há ainda consenso na literature quanto ao melhor protocolo, havendo diversos descritos (administração única vs repetida, dose fixa vs ajustada ao peso, pré, intra ou pós-op)12,24. A nossa escolha pela administração intra-operatória da primeira dose e de uma dose de reforço pós-operatória (sistémica) baseou-se no facto de termos um campo virtualmente “limpo” para a primeira administração (pelo uso do garrote) e o timing de 3 horas de pós-op para a dose de reforço baseou-se na semi-vida do ácido tranexâmico no líquido sinovial e a sua rápida excreção renal1,29. A nossa escolha de primeira linha foi para a administração sistémica endovenosa, por apresentar uma biodisponibilidade cerca de 5 vezes superior à oral18, e a dose fixa de 1g por uma questão de uniformidade e simplicidade do protocolo. Definimos o limite inferior de hemoglobina para transfusão em 8g/dL por ser o que se encontra internacionalmente definido para esta e outras situações13.
Em suma, o ácido tranexâmico é uma terapêutica segura, eficaz e de baixo custo, reduzindo as perdas sanguíneas e necessidade de transfusão após a artroplastia total do joelho. Existem vários protocolos descritos na literatura, ainda sem evidência de superioridade de um sobre os outros, mas com o achado comum de não se aumentar a taxa de complicações tromboembólicas.
Analisando a literatura, observamos que muitos doentes acabam excluídos dos protocolos terapêuticos por apresentarem co-morbilidades.
Porém, o que podemos verificar nos estudos farmacológicos é que a absorção sistémica do ácido tranexâmico administrado topicamente é muito baixa e atinge níveis séricos sub-terapêuticos, o que nos fez dar um passo em frente e ajustar o nosso protocolo para que todos os doentes admitidos para artroplastia total do joelho possam beneficiar desta terapêutica, incluindo os doente com potencial risco tromboembólico no grupo de aplicação tópica.
Assim, o nosso estudo demonstrou um uso seguro e eficaz de ácido tranexâmico em doentes que noutra circunstância seriam excluídos, o que nos leva a crer que os protocolos futuros poderão já incluir virtualmente todos os doentes, reduzindo ainda mais as necessidades de transfusão sanguínea e as perdas sanguíneas, levando a que os doentes tenham um pós-operatório com evolução mais rápida e favorável. Apesar dos resultados promissores, este trata-se de um estudo retrospectivo e com uma amostra reduzida, pelo que os nossos resultados devem ser suportados futuramente num estudo de maiores dimensões.
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Conflito de interesse:
Nada a declarar.
João Pedro Melo Raposo
Serviço de Ortopedia
Hospital do Divino Espírito Santo
Av. D. Manuel I
9500 Ponta Delgada, Açores
Telefone: 296 203 125
email: raposo.jr@gmail.com
Data de Submissão: 2016-07-14
Data de Revisão: 2017-01-22
Data de Aceitação: 2017-02-28