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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122versão On-line ISSN 1646-2939

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.25 no.2 Lisboa jun. 2017

 

CASO CLÍNICO

 

Luxação traumática do tendão extensor cubital do carpo: Uma entidade rara a recordar

 

Mariana FerreiraI; João Duarte SilvaI; Vitor VidinhaI; Pedro NegrãoI; Rui PintoI

I. Serviço de Ortopedia e Traumatologia, Centro Hospitalar de S. João, Porto. Porto.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

Objetivo: A luxação recorrente do tendão do músculo extensor cubital do carpo é uma causa rara de dor cubital no punho, causada pela ruptura ou atenuação da baínha fibrotendinosa que o envolve. O nosso objetivo é descrever um caso clinico de uma paciente com luxação traumática do tendão do músculo extensor cubital do carpo tratada cirurgicamente.

Descrição: Sexo feminino, 37 anos de idade, referenciada para a consulta de cirurgia da mão por dor cubital no punho direito com inicio súbito após esticar um cordão de uma motosserra. Ao exame objetivo apresentava um ressalto doloroso do tendão do músculo extensor cubital do carpo e sub-luxação dorsal da articulação rádio-cubital distal. A doente foi submetida a tratamento cirúrgico procedendo-se à sutura da margem cubital da bainha do extensor cubital do carpo com estabilização adequada do complexo da fibrocartilagem triangular e do extensor cubital do carpo na sua goteira. À data do último follow-up, a doente apresentava uma ótima mobilidade, sem instabilidade ou novos episódios de luxação.

Comentários: A tensão do tendão extensor cubital do carpo no seu túnel fibrotendinoso é um importante factor de estabilização para a articulação radio-cubital distal. Apesar do resultado satisfatório com o tratamento, mais estudos serão necessários para se poder concluir se esta patologia deverá ser tratada conservadoramente em casos agudos.

Palavras chave: Luxação traumática, Tendão extensor cubital do carpo, dor cubital.

 

ABSTRACT

Objective: Recurrent dislocation of the extensor carpi ulnaris tendon is a rare cause of ulnar wrist pain, caused by breakage or attenuation of fibrotendinous sheath that surrounds it. Our goal is to present a case of a patient with a traumatic dislocation of the extensor carpi ulnaris tendon surgically treated.

Description: Female, 37 years old, referred to an hand surgery consultation for cubital pain in her right wrist with sudden onset after pulling a cord of a chainsaw. Objectively she had a painful rebound of the extensor carpi ulnaris tendon and a dorsal subluxation of the distal radio-ulnar joint. The patient underwent surgical treatment proceeding to the suture of the cubital margin of the extensor carpi ulnaris sheath with adequate stabilization of the triangular fibrocartilage complex and the extensor carpi ulnaris in its groove. At the time of the last follow-up the patient had great mobility without instability or new episodes of dislocation.

Commentaries: The tension of the extensor carpi ulnaris tendon in his fibrous tunnel is an important stabilizing factor for the distal radio-ulnar joint. Despite the satisfactory outcome, more studies are needed to establish whether this condition should be treated conservatively in acute cases.

Key words: Traumatic dislocation, Extensor carpi ulnaris tendon, cubital pain.

 

INTRODUÇÃO

A dor cubital do punho é uma queixa comum entre atletas, podendo resultar de mecanismos de lesão agudos ou crónicos. Numerosas estruturas complexas podem ser danificadas, o que contribui para a natureza enigmática deste problema. Possíveis fontes de dor cubital do punho incluem: lesão do complexo da fibrocartilagem triangular (TFCC), instabilidade lunotriquetral, lesão da articulação rádio-cubital distal (RCD), lesão do tendão do músculo extensor cubital do carpo (ECC), tendinopatia do flexor cubital do carpo e lesão da articulação pisotriquetral1.

Antigamente denominado músculo cubital posterior, o músculo ECC constitui um dos músculos do compartimento extensor do antebraço. Atravessa o punho dorsalmente através do sexto compartimento extensor, onde é mantido firmemente no seu sulco por uma baínha fibrotendinosa que o envolve ao nível do retináculo extensor, resistindo à tendência natural para a subluxação do seu tendão. Quando ativado realiza extensão e desvio cubital do punho. A supinação do antebraço e desvio cubital do punho acentuam o seu trajeto já por si angulado sobre a cabeça cubital até à sua inserção na base do quinto metacarpo.

Luxações traumáticas do tendão do músculo ECC são lesões raras, causadas pela ruptura ou atenuação da baínha fibrotendinosa que o envolve. Dor e edema, assim como um ressalto associado, são sintomas frequentemente presentes sobre o tendão do músculo ECC na cabeça cubital2. O retináculo extensor, superficial à bainha fibrotendinosa e sem qualquer inserção no cúbito, permanece sempre intacto3.

O timming e o tratamento adequado para a luxação do tendão do músculo ECC sintomático é controverso4.

O nosso objetivo é apresentar o caso de uma paciente com uma luxação traumática do tendão do músculo ECC tratada cirurgicamente.

 

DESCRIÇÃO DO CASO

Os autores apresentam o caso de uma mulher, 37 anos de idade, dextra, referenciada para a consulta de cirurgia da mão por uma dor cubital do punho direito, com dois meses de evolução e inicio súbito após puxar o cordão de uma motosserra para a colocar a funcionar. Ao exame objetivo apresentava um ressalto doloroso do tendão ECC (figura 1) e sub-luxação dorsal da articulação RCD. A paciente realizou uma ressonância magnética nuclear (RMN) que confirmou o diagnóstico de luxação do tendão ECC, que se apresentava luxado anteromedialmente, com ruptura associada do seu retináculo (figuras 2 e 3). A doente foi proposta para tratamento cirúrgico tendo-se verificado intra-operatoriamente uma ruptura da margem cubital da baínha do ECC e uma lesão periférica da complexo da TFCC. Procedeu-se à reinserção periférica da TFCC e sutura da margem cubital da bainha do tendão ECC com estabilização adequada da TFCC e do tendão ECC na sua goteira (figura 4). À data do último follow-up, a doente apresentava uma ótima mobilidade, com dor residual no bordo cubital do punho direito com a prono-supinação, sem instabilidade grosseira do ECC ou da articulação RCD e sem novos episódios de ressalto ou luxação. A doente encontra-se satisfeita, quer pela correção do ressalto quer pelo alívio eficaz da dor.

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

A instabilidade do tendão do músculo ECC foi descrita pela primeira vez por Vulpius em 19644 . Posteriormente, Spinner e Kaplan descreveram os detalhes anatômicos dos compartimentos extensores do punho. Eles observaram que o tendão do músculo ECC possui uma bainha fibrotendinosa única, profunda ao retináculo extensor, importante factor de estabilização para a articulação rádio-cubital distal3. A estabilidade da articulação durante a supinação é mantida pelo tendão retido no seu sulco5. Esta camada fibrosa profunda mantém o tendão na sua posição normal e a sua ruptura ou atenuação permite a luxação do tendão do músculo ECC apesar da integridade do retináculo extensor superficialmente3. Taleisnik e cols.6 e Palmer et al7 nos seus estudos suportam estes achados.

As luxações traumáticas do tendão do músculo ECC são desta forma lesões raras caracterizadas por um ressalto doloroso sobre o bordo dorso-cubital do punho, particularmente com a rotação do antebraço. A maioria dos casos relatados têm sido associados a um discreto episódio traumático. Apesar dos relatos na literatura serem raros, na realidade estes podem ser mais comuns do que se inicialmente suspeitou dado o seu subdiagnóstico e subsequente atraso no tratamento adequado. O mecanismo de lesão em supinação, flexão palmar e desvio cubital com contração voluntária ativa do músculo ECC é o mais frequentemente envolvido na luxação do tendão do músculo ECC. Este luxa durante a supinação e realoca-se no seu sulco durante a pronação. A rotação do antebraço altera a resistência ao deslizamento do tendão do músculo ECC ou o volume no sexto compartimento. Portanto, a supinação do antebraço pode aumentar o volume potencial do compartimento do músculo ECC, resultando numa diminuição da resistência. Se a bainha que envolve o tendão do músculo ECC é atenuada, o tendão do músculo ECC não se mantém na sua posição normal. Outra explicação possível para a sua luxação reside na variância cubital dependente da rotação do antebraço. Se a apófise estilóide, como polia para o tendão do músculo ECC, é encurtada em relação ao rádio distal, o tendão distal à apófise estilóide pode ter tendência para a luxação volar ao sulco cubital, uma vez que as polias de tecidos moles não são tão fortes como a polias ósseas8.

A ressonância magnética é um exame de imagem inespecífico para o diagnóstico de luxação do tendão do músculo ECC, sendo no entanto útil para o diagnóstico e caracterização da tenossinovite. Por sua vez, a ultrassonografia dinâmica é um exame útil para identificar a luxação do tendão do músculo ECC com manobras provocatórias9.

O timming e tratamento adequado para a luxação do tendão do músculo ECC sintomático é controverso. Recentemente, a incidência destas lesões tem aumentado, particularmente em atletas e população jovem ativa em que o tratamento mais precoce pode ser necessário. Numa luxação aguda, o tratamento pode consistir numa imobilização por seis semanas com uma tala acima do cotovelo com o antebraço pronado e punho com discreto desvio radial e dosiflexião. No entanto, na luxação crônica e sintomática, a reconstrução cirúrgica deverá ser considerada10. De acordo com Rowland, o tratamento cirúrgico da luxação do tendão do músculo ECC pode ser considerado mesmo em casos agudos devido ao potencial para a cura anatômica inadequada da baínha fibrotendinosa11. Os tratamentos cirúrgicos incluem reparo direto e a reconstrução da bainha que envolve o tendão do músculo ECC com um flap do retináculo extensor. A reconstrução anatómica desta bainha utilizando uma âncora de sutura mostrou bons resultados em 21 pacientes12.

A tensão do tendão do músculo ECC no seu túnel fibrotendinoso é um importante fator de estabilização para a articulação rádio-cubital distal. Apesar de termos obtido resultados satisfatórios com o tratamento cirúrgico, mais estudos serão necessários para se poder concluir se esta patologia deverá ser tratada conservadoramente em casos agudos.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1. Buterbaugh GA, Brown TR, Horn PC. Ulnar-sided wrist pain in athletes. Clin Sports Med. 1998; 17 (3): 567-583        [ Links ]

2. Mark H. Extensor carpi ulnaris subsheath injury. MRI Web Clinic. 2009 Fev;

3. Spinner M, Kaplan EB. Extensor carpi ulnaris: its relationship to stability of the distal radio-ulnar joint. Clin Orthop Relat Res. 1970; 68: 124-129        [ Links ]

4. Vulpius J. Habitual dislocation of the extensor carpi ulnaris tendon. Acta Orthop Scand. 1964; 34: 105-108        [ Links ]

5. Frederik V. Lesions of the triangular fibrocartilage and extensor carpi ulnaris tendon in tennis: biomechanics and clinical diagnosis. Med Sci Tennis. 2007; 12 (1): 18-19        [ Links ]

6. Taleisnik J. Pain on the ulnar side of the wrist. Hand Clin. 1987; 3 (1): 51-68        [ Links ]

7. Palmer AK, Skahen JR, Werner FW, Glisson RR. The extensor retinaculum of the wrist: an anatomical and biomechanical study. J Hand Surg. 1985; 10 (1): 11-16        [ Links ]

8. Tanaka T, Amadio PC, Zhao C, Zobitz ME, An KN. Effect of wrist and ulna head position on gliding resistance of the extensor digitorum minimi and extensor digitorum communis III tendons: a cadaver study. J Orthop Res. 2006; 24 (4): 757-762        [ Links ]

9. Pratt RK, Hoy GA, Franzcr C Bass. Extensor carpi ulnaris subluxation or dislocation? Ultrasound measurement of tendon excursion and normal values. Hand Surg. 2004; 9 (2): 137-143        [ Links ]

10. MacLennan AJ, Nemechek NM, Waitayawinyu T, Trumble TE. Diagnosis and anatomic reconstruction of extensor carpi ulnaris subluxation. J Hand Surg Am. 2008; 33 (1): 59-64        [ Links ]

11. Rowland SA. Acute traumatic subluxation of the extensor carpi ulnaris tendon at the wrist. J Hand Surg. 1986; 11 (6): 809-811        [ Links ]

12. Allende C, Viet DL. Extensor carpi ulnaris problems at the wrist - classification, surgical treatment and results. J Hand Surg Br. 2005; 30 (3): 265-272        [ Links ]

 

Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Mariana Ferreira
Serviço de Ortopedia
Centro Hospitalar de S. João
Rua Dr. Manuel Rodrigues Sousa, Ed. Portas Mar, Bl. 24, 8º Esqº
4450-181 Matosinhos
Telefone: 918709206
marianacunha21@gmail.com

 

Data de Submissão: 2016-09-04

Data de Revisão: 2017-07-20

Data de Aceitação: 2017-07-21

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