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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia

versão impressa ISSN 1646-2122versão On-line ISSN 1646-2939

Rev. Port. Ortop. Traum. vol.26 no.3 Lisboa set. 2018

 

CASO CLÍNICO

 

Polidactilia das mãos e pés - Caso clínico raro

 

Diogo PascoalI; Pedro Sá CardosoI; Tah Pu LingI; Inês BalacóI; Cristina AlvesI; Gabriel MatosI

I. Serviço de Ortopedia Pediátrica do Hospital Pediátrico - Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE. Coimbra.

 

Endereço para correspondência

 

RESUMO

A polidactilia simultânea das mãos e pés é uma malformação congénita rara. Os autores apresentam o caso clínico de uma doente com polidactilia pré-axial bilateral das mãos e polidactilia central bilateral dos pés, associada a hallux varus e pé fendido. Foi realizado tratamento cirúrgico. Aos 3 anos de idade procedeu-se a ablação cirúrgica bilateral dos 2/3 distais do polegar ulnar supranumerário. Aos 6 anos de idade, foi submetida bilateralmente a osteotomia em cunha de valgização do primeiro metatarso e encerramento do primeiro espaço interdigital por ligamentotaxis. A doente não sofreu complicações cirúrgicas e aos 6 anos de  seguimento apresentava uma boa função das mãos e pés.

A estratégia de tratamento da polidactilia deve ser sempre adequada e personalizada para cada doente, com o objetivo de conseguir o melhor equilíbrio entre um bom resultado funcional e estético.


Palavras chave: polidactilia, pré-axial, central, mãos, pés.

 

ABSTRACT

Simultaneous polydactyly of the hands and feet is a rare congenital deformity. The authors present a clinical case of a patient with bilateral pre-axial polydactyly of the hands, and bilateral central polydactyly of the feet associated with hallux varus and cleft foot. Surgical correction was performed. At 3 years of age, we have performed bilateral surgical ablation of the distal 2/3 of the supranumerary ulnar thumb. At 6 years of age, the patient underwent bilateral valgization wedge osteotomy of the first metatarsus and closure of the first interdigital space by ligamentotaxis. The patient did not have surgical complications and at 6 years of follow-up presents a good function of the hands and feet.

The treatment strategy of polydactyly should always be adapted and personalized for each patient, in order to achieve the best balance between a good functional and aesthetic result.

Key words: polydactyly, pre-axial, central, hands, foot.

 

INTRODUÇÃO

As polidactilias das mãos e pés são malformações congénitas frequentes, caracterizando-se pela presença de dedos supranumerários com envolvimento das mãos e/ou pés. Apesar da polidactilia apresentar uma incidência de 1/500 nos pés e 1/1000 nas mãos, a polidactilia simultânea das mãos e pés é uma entidade rara, com uma incidência estimada de até 1/1000001,2. Pode ocorrer isoladamente ou no contexto de síndromes genéticos3. Nos casos não-sindrómicos, verifica-se história familiar positiva em 30% dos casos, frequentemente associada a hereditariedade autossómica dominante com penetrância variável, resultando o fenótipo final da combinação de múltiplas etiologias genéticas3.  Não apresenta predominância por sexo, mas racial, com um aumento da incidência na raça negra (3.6-13.9/1000)1.

As classificações das deformidades das mãos e dos pés consideram: a magnitude da duplicação (atingindo tecidos moles, falângica ou metatársica/cárpica), a morfologia do segmento duplicado, e a sua localização (pré-axial, envolvendo o 1º raio, central, envolvendo o 2º-4º raio e pós-axial, envolvendo o 5º raio)4.

Na mão, a polidactilia pré-axial é a mais frequente (>90% dos casos)5. A classificação mais popular é a de Wassel et al5, descrita em 1969. Esta classificação considera 7 grupos de deformidade, de acordo com o nível de duplicação. Os tipos I, III e V referem-se a falanges bífidas de distal para proximal, e os tipos II, IV e VI, referem-se a duplicações falângicas completas. O tipo VI de Wassel corresponde a uma duplicação completa do raio, incluindo falanges distal, proximal e metacarpo. O tipo VII corresponde a um polegar trifalângico.

No pé, cerca de 79% das duplicações são pós-axiais, 15 % são pré-axiais, e apenas 6% são centrais6. Os sistemas de classificação morfológicos classicamente mais usados são o de Venn-Watson3 e Watanabe et al7. A classificação de Venn-Watson modificada é baseada na configuração anatómica dos metatarsos e dos constituintes ósseos duplicados. Os autores reconheceram 6 variantes metatársicas com duplicações falângicas variáveis. Watanabe et al7 desenvolveram um método de classificação independente baseado no raio envolvido e níveis de duplicação, classificando a polidactilia do pé em 3 grupos gerais (raio medial, central e lateral), com 4 subgrupos. Apesar das classificações descritas serem extensivas para a polidactilia pré-axial e pós-axial, mais frequentes, ao nível da polidactilia central são pouco precisas.

Os autores Seok et al8, propõem uma classificação mais objetiva, com valor prognóstico e útil para a orientação na terapêutica. Denominada como classificação SAM, baseia-se em 3 factores identificados como determinantes no sucesso do tratamento: sindactilia (S), desvio axial (A) e extensão metatársica (M). Cada subgrupo é classificado de acordo com a extensão do seu envolvimento anatómico.

O tratamento da polidactilia tem como principal objetivo obter um equilíbrio entre um bom resultado funcional e estética satisfatória. Perante um espectro tão variável de apresentações fenotípicas de polidactilia, o tratamento deve ser sempre adaptado e individualizado para cada doente.

O tratamento cirúrgico é frequentemente aconselhado, para evitar a limitação funcional e melhorar a estética e deformidades associadas. Frequentemente, ao nível das mãos surgem queixas de limitação de funcionalidade e preocupação estética, sendo que ao nível dos pés, as deformidades associadas, como hallux varus, causam dor crónica, lesões cutâneas e intolerância ao calçado, que não são toleradas pelos doentes e, como tal, exigem tratamento cirúrgico1,2,4.

Os autores apresentam um caso clínico raro de polidactilia bilateral pré-axial das mãos e polidactilia bilateral central dos pés, com deformidades associadas. Salienta-se a importância da adequação e individualização da estratégia terapêutica a cada doente e às suas dificuldades e deformidades.

 

CASO CLÍNICO

Doente do sexo feminino atualmente com 9 anos de idade, seguida em consulta de Ortopedia Pediátrica desde os 3 anos com o diagnóstico de polidactilia das mãos e pés. Na avaliação clínica inicial apresentava: polidactilia bilateral das mãos com duplicação do polegar, classificada como Wassel tipo VI5, e polidactilia central dos pés bilateralmente com duplicação completa do 2º raio tipo A (Watanabe et al7), e classificada como S0A1M2 (classificação SAM, Seok et al8), associada a hallux varus e pé fendido com aumento da primeira comissura.

 

Figuras 1 e 2

 

Figuras 3,4,5

 

Foi proposto um plano de correção cirúrgica, aceite pela Família.

Aos 3 anos de idade, foi submetida a ablação cirúrgica bilateral dos 2/3 distais do polegar ulnar supranumerário.

Aos 6 anos de idade, foi submetida bilateralmente a osteotomia em cunha de valgização do primeiro metatarso e encerramento do primeiro espaço interdigital por ligamentopexia através de âncora ao primeiro metatarso e fixação percutânea com fios Kirschner.

As intervenções cirúrgicas e pós-operatório decorreram sem complicações.

Relativamente às mãos, aos 6 anos de seguimento, a doente apresenta-se satisfeita com o resultado cirúrgico, com boa evolução clínica e radiológica. Não tem limitação de força, mobilidades ou queixas álgicas, apresenta boa oponência e força de pinça, com boa função (QuickDash Score9= 0) (Figura 6).

 

Figura 6

 

Quanto aos pés, aos 3 anos de seguimento, a doente apresenta um bom resultado funcional, com score AOFAS10= 93, fazendo carga total sem apoio externo, sem claudicação e sem conflitos com o calçado (Figura 7).

 

Figura 7

 

 

DISCUSSÃO

A estratégia de tratamento da polidactilia deve ser sempre adequada a cada doente, com o objectivo de conseguir o melhor resultado funcional e esteticamente satisfatório.

O algoritmo de tratamento cirúrgico da polidactilia das mãos depende do nível e extensão da duplicação digital. O princípio cirúrgico geral é a ablação do dedo menos funcional e reconstrução anatómica das estruturas ligamentares, idealmente realizado antes da idade de desenvolvimento da preensão2,11,12. O tratamento cirúrgico precoce (12-24 meses) permite um treino cognitivo das funções da mão e um maior potencial de remodelação funcional das superfícies articulares2. No caso que descrevemos, perante uma polidactilia das mãos Wassel tipo VI, o sucesso cirúrgico depende da escolha do dedo duplicado a preservar. Apesar de ser controverso na literatura, optámos pela preservação do polegar radial e exérese do polegar ulnar, dada a deformidade desta doente e a necessidade de criar uma comissura ampla para o primeiro espaço. Obteve-se, desta forma, uma boa oponência com consequente melhor função e força de pinça. Salientamos que a cirurgia foi realizada em idade relativamente tardia, condicionada pelo facto da criança ter sido referenciado à nossa Consulta aos 3 anos de idade.

O tratamento cirúrgico das polidactilias centrais do pé é geralmente aconselhado, uma vez que estão frequentemente associadas deformidades como hallux varus, que causam conflito com o calçado, e consequente dor crónica e lesões cutâneas1,4,13. A opção cirúrgica centrou-se na correcção do hallux varus e encerramento da primeira comissura, através da realização de osteotomia em cunha de valgização do primeiro metatarso e ligamentopexia através de âncora fixada ao primeiro metatarso. Apesar da preservação do dedo duplicado, por decisão informada dos pais, o encerramento da primeira comissura e a correção da angulação do primeiro raio, permitiu obter um ótimo resultado funcional.

 

CONCLUSÃO

O caso clínico apresentado ilustra a importância da adequação do tratamento das polidactilias das mãos e pés a cada doente, promovendo a correção das deformidades particulares de cada caso, e tendo como objetivo a obtenção de um bom resultado funcional e estético, que corresponda às expectativas do doente e da família.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Conflito de interesse:

Nada a declarar.

 

Endereço para correspondência

Diogo Pascoal
Serviço de Ortopedia Pediátrica, Hospital Pediátrico de Coimbra, CHUC
Avenida Afonso Romão
3000-602 COIMBRA
Telefone: 91 456 98 04
dmmpascoal@gmail.com

 

Data de Submissão: 2018-06-03

Data de Revisão: 2018-06-25

Data de Aceitação: 2018-06-26

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