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Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial

versão impressa ISSN 1646-2890versão On-line ISSN 1647-6700

Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac vol.61 no.1 Lisboa mar. 2020  Epub 30-Mar-2020

https://doi.org/10.24873/j.rpemd.2020.07.695 

Caso Clínico

Tratamento conservador de extensa lesão de celulas gigantes

Conservative treatment of extensive giant cell injury

Mariana Vital Borges1 

Monica Cristina Carafini Nunes1 

Carla Oliveira Favretto1 

Natalia Galvao Garcia2 

1 Faculdade Morgana Potrich (FAMP), Mineiros - GO, Brasil

2 Centro Universitário de Lavras (UNILAVRAS), Lavras - MG, Brasil


Resumo

O tratamento de escolha da Lesão Central de Células Gigantes, na maioria das vezes, é a intervenção cirúrgica. No entanto, estudos recentes têm trazido uma opção terapêutica mais conservadora através de aplicações intralesionais de corticosteroides associados com calcitonina. Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi o relato de um caso clínico envolvendo uma paciente com queixa de “queimadura no céu da boca”. Durante o exame físico, foi observada uma tumefação na região central do palato duro. No exame tomográfico, notou-se lesão osteolítica invadindo a cavidade nasal. Foi feita uma biópsia incisional e o diagnóstico estabelecido foi de Lesão Central de Células Gigantes. Considerando o tamanho da lesão e a condição sistémica da paciente, optou-se pela realização de um tratamento conservador, sendo observada extensa regressão da lesão. Com base no resultado obtido, sugere-se que o tratamento conservador pode ser considerado uma abordagem terapêutica viável para o tratamento de lesões extensas.

Palavras-chave: Corticosteroide; Lesão central de células gigantes; Tratamento conservador

Abstract

The treatment of choice for central giant cell injury is generally surgical intervention. However, recent studies have approached it with a more conservative therapeutic strategy through intralesional corticosteroid applications associated with calcitonin. Thus, the aim of this study was to report a clinical case involving a patient complaining of palatal burn.

During physical examination, swelling was observed in the central region of the hard palate. Tomographic examination revealed an osteolytic lesion invading the nasal cavity. An incisional biopsy was performed, and the diagnosis was central giant cell injury. Considering the size of the lesion and the patient’s systemic condition, a conservative treatment was chosen, and extensive regression of the lesion was observed. The obtained result suggests that conservative treatment may be considered a viable therapeutic approach for the treatment of extensive lesions.

Keywords: Corticosteroid; Central giant cell injury; Conservative treatment

Introdução

A Lesão Central de Células Gigantes (LCCG) é uma lesão intraóssea formada por tecido fibroso celular que contém múltiplos focos de hemorragia, agregados de células gigantes multinucleadas e, ocasionalmente, trabeculado de osso imaturo.1,3

Apesar de uma etiologia incerta, alguns autores acreditam que possa estar relacionada a traumas e hemorragia intraóssea, ou, ainda, a causas sistémicas, como distúrbios hormonais (hiperparatireoidismo), gravidez e síndromes como a Neurofibromatose I e a Síndrome de Noonan.2

Clinicamente, a LCCG se apresenta como uma massa de crescimento lento, indolor, podendo expandir às regiões corticais ósseas.3 No entanto, há relatos de uma forma mais agressiva, cujo crescimento é rápido e provoca assimetria da face, deslocamento de dentes, reabsorção radicular e expansão das corticais ósseas.2,4

Radiograficamente, a LCCG pode apresentar‑se de diferentes formas que varia de pequenas lesões radiolúcidas uniloculares até extensas áreas multiloculares. Geralmente, a lesão apresenta limites festonados, apresentando ou não halo radiopaco. Quando a lesão se encontra na região maxilar, ela pode invadir o pavimento de órbita e o seio maxilar, bem como

a fossa nasal. Já na região mandibular, a lesão pode expandir‑se e/ou perfurar a cortical óssea, o que provoca movimentação dentária e/ou reabsorção dentária.1,5,6

Histologicamente, é comum a presença de células gigantes multinucleadas de permeio a diversos vasos sanguíneos e áreas hemorrágicas, imersas num estroma colagenoso de células

mesenquimatosas ovoides ou fusiformes com elevada taxa mitótica. Também podem ser observadas calcificações distróficas ou ossificações metaplásicas.1,4,6,7

O tratamento da LCCG, na maioria das vezes, é a intervenção cirúrgica por meio de curetagem ou de uma ressecção em bloco.8,9 No entanto, estudos recentes têm trazido uma opção de tratamento mais conservadora, através dos quais são realizadas aplicações intralesionais com corticosteróides em associação ou não com medicamentos, tal como a calcitonina e Interferon α (IFNα).1,10,11

Considerando, portanto, que o tratamento conservador pode apresentar bons resultados quando bem indicado, este trabalho teve como intuito relatar um caso clínico de uma extensa LCCG localizada na maxila tratada e que foi tratada de forma conservadora.

Caso Clínico

Paciente do género feminino, 57 anos, leucoderma, compareceu à clínica Escola de Odontología queixando‑se de uma “queimadura no céu da boca“.

Ao exame físico intrabucal, foi observada uma tumefação de aproximadamente 11 mm na região central do palato duro de coloração mista, superfície irregular bem delimitada, base séssil, resiliente à palpação, além de discreta sintomatologia dolorosa (Figura 1).

Figura 1 Aspeto clinico inicial apresentava tumefação em regiao central do palato duro, de coloracao mista, superficie irregular, bem delimitada, base sessil, resiliente a palpacao e discreta sintomatologia dolorosa 

O exame tomográfico revelou lesão hipodensa, unilocular, osteolitica e expansiva localizada na região do palato duro do lado direito, invadindo a cavidade nasal, medindo 26,4 x 64 x 11 mm no maior diâmetro (Figura 2). O laudo tomográfico sugeriu como hipótese diagnóstica, Neoplasia de Glândula Salivar. Assim, foi realizada uma biópsia incisional, cujo material coletado foi enviado para o laboratório de anatomia patológica.

Figura 2 Os cortes coronal, axial e sagital do exame tomográfico apresentavam uma lesão hipodensa, unilocular, osteolítica e expansiva, localizada na região do palato duro do lado direito e invadindo a cavidade nasal 

Os cortes microscópicos revelaram inúmeras células gigantes multinucleadas de permeio às células fusiformes distribuídas aleatoriamente, vasos sanguíneos dilatados, sendo alguns congestos, áreas hemorrágicas, hemossiderose e trabéculas ósseas (Figura 3A e 3B). Suprajacente, foi observado epitélio estratificado pavimentoso paraqueratinizado hiperplásico,

com áreas de atrofia e solução de continuidade recoberta por pseudomembrana serofibrinosa e polimorfonucleares.

Figura 3 Foram observadas inumeras celulas gigantes multinucleadas de permeio as celulas fusiformes distribuidas aleatoriamente, areas hemorragicas e trabeculas osseas 

Com base nos aspectos clínicos, imagiológicos e microscópicos, o diagnóstico estabelecido foi Lesão Central de Células Gigantes.

Considerando o tamanho da lesão e a condição sistémica da paciente, a qual apresentava um aneurisma cerebral, optou‑se pela realização de um tratamento conservador, através do qual foi utilizado o seguinte protocolo: dez sessões de aplicações intralesionais de uma solução de hexacetonido de triancinolona (Triancil) 20 mg/ml e Lidocaína 2% na proporção de 1:1.

As aplicações foram realizadas com seringa de 1 mL e agulha ultrafina, infiltrando 10 UI para cada 1 cm3 da lesão com intervalo de tempo de duas semanas entre cada aplicação.

Cinco meses depois, no final das aplicações, foi observada expressiva regressão da lesão, tanto do ponto de vista clínico quanto do ponto de vista tomográfico, e o tratamento foi complementado com o uso de calcitonina spray nasal (Miacalcic®) (Figura 4).

Figura 4 Cinco meses depois, ao final das aplicacoes de corticosteroides, foi observada expressiva regressão clinica da lesao 

A paciente foi orientada a fazer uso diário do medicamento, com posologia de aplicação de uma dose (200 UI/ml) em cada narina, totalizando 400 UI/ml ao dia.

Após sete meses do início do tratamento confirmou‑se a regressão progressiva da lesão do ponto de vista clínico (Figura 5). Optou‑ se então por solicitar uma nova tomografia computadorizada para controlo, cujo laudo revelou redução volumétrica significativa da lesão associado a áreas de mineralização (Figura 6).

Figura 5 Apos sete meses do inicio do tratamento confirmou‑se a regressao progressiva da lesao do ponto de vista clinico 

Figura 6 Exame tomografico realizado sete meses apos o inicio do tratamento revelou redução volumétrica significativa da lesão associado a areas de mineralização 

Considerando, então, a boa tolerância que a paciente apresentou ao uso da calcitonina spray, o tratamento foi mantido. Atualmente, a paciente segue em vigilância e não apresenta queixas funcionais ou sinais de recidiva.

Discussão e Conclusões

A LCCG é uma patologia de etiologia incerta. No entanto, alguns autores acreditam que possa estar relacionada a traumas, hemorragia intraóssea ou a causas sistémicas.2

Sua maior incidência ocorre em mulheres abaixo de 30 anos e na região anterior da mandíbula.1,12,13 Neste estudo, a paciente do género feminino tinha 57 anos e apresentava comprometimento maxilar. Além disso, não foram identificadas alterações sistémicas e nem histórico de trauma na região.

Clinicamente, a maioria dos casos de LCCG apresenta‑se como uma massa tumoral, de consistência endurecida, assintomática, de crescimento lento, podendo expandir às regiões corticais ósseas.3No entanto, alguns autores relatam a ocorrência de uma forma mais agressiva, de crescimento rápido que pode provocar assimetria da face, deslocamento de dentes e reabsorção radicular.2,4 No caso relatado, foi observada uma tumefação de superfície irregular, base séssil, discreta sintomatologia dolorosa, causando expansão das corticais.

Radiograficamente observa‑se possível invasão do pavimento do seio maxilar e das fossas nasais quando a LCCG acomete a região maxilar.5,6 Corroborando com o estudo desses autores, os cortes tomográficos deste caso apresentaram uma lesão osteolítica que invadiu a cavidade nasal.

O tratamento de escolha da LCCG, geralmente, inclui intervenção cirúrgica, por meio de curetagem ou ressecção.8,9 No entanto, os bons resultados apresentados por lesões tratadas de forma conservadora têm ressaltado a eficácia dessa opção terapêutica em situações bem indicadas.1,10,11

Essa forma conservadora trata‑se de aplicações intralesionais com corticosteroides, associados ou não a outros medicamentos, tal como a calcitonina e o IFNα, cujos resultados têm mostrado vantagens no tratamento de lesões extensas, o que evita possíveis mutilações.1,10,11 No presente caso, por ser uma lesão extensa numa paciente com compromisso sistémico, optou‑se pela realização do tratamento conservador para evitar a submissão da paciente a uma cirurgia de alta complexidade.

Logo, foi utilizado um protocolo de dez sessões de aplicações intralesionais de uma solução de acetonido de triancinolona (Triancil) 20 mg/ml e Lidocaína 2% na proporção de 1:1.

Após finalizadas as aplicações e, tendo sido observada expressiva regressão da lesão, foi feita a associação com o uso de calcitonina spray nasal (Miacalcic®), uma vez que estudos recentes têm demonstrado que a calcitonina inibe a actividade dos osteoclastos, aumentando dos níveis séricos de cálcio e estimulando a atividade osteoblástica.9,10 Corroborando com esses achados, sete meses após o inicio da utilização da calcitonina, foi observada redução volumétrica significativa da lesão, associada a áreas de mineralização.

Com base nos resultados satisfatórios obtidos, sugere‑se que o uso intralesional de corticosteroides em associação com a calcitonina spray nasal pode ser considerado uma abordagem terapêutica viável para o tratamento de lesões extensas.

Referências

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Recebido: 17 de Novembro de 2019; Aceito: 11 de Março de 2020

Autor correspondente. Natalia Galvao Garcia Correio eletronico: natggalvao@hotmail.com

Conflito de interesses

Os autores declaram nao haver conflito de interesses

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