Introdução
A Lesão Central de Células Gigantes (LCCG) é uma lesão intraóssea formada por tecido fibroso celular que contém múltiplos focos de hemorragia, agregados de células gigantes multinucleadas e, ocasionalmente, trabeculado de osso imaturo.1,3
Apesar de uma etiologia incerta, alguns autores acreditam que possa estar relacionada a traumas e hemorragia intraóssea, ou, ainda, a causas sistémicas, como distúrbios hormonais (hiperparatireoidismo), gravidez e síndromes como a Neurofibromatose I e a Síndrome de Noonan.2
Clinicamente, a LCCG se apresenta como uma massa de crescimento lento, indolor, podendo expandir às regiões corticais ósseas.3 No entanto, há relatos de uma forma mais agressiva, cujo crescimento é rápido e provoca assimetria da face, deslocamento de dentes, reabsorção radicular e expansão das corticais ósseas.2,4
Radiograficamente, a LCCG pode apresentar‑se de diferentes formas que varia de pequenas lesões radiolúcidas uniloculares até extensas áreas multiloculares. Geralmente, a lesão apresenta limites festonados, apresentando ou não halo radiopaco. Quando a lesão se encontra na região maxilar, ela pode invadir o pavimento de órbita e o seio maxilar, bem como
a fossa nasal. Já na região mandibular, a lesão pode expandir‑se e/ou perfurar a cortical óssea, o que provoca movimentação dentária e/ou reabsorção dentária.1,5,6
Histologicamente, é comum a presença de células gigantes multinucleadas de permeio a diversos vasos sanguíneos e áreas hemorrágicas, imersas num estroma colagenoso de células
mesenquimatosas ovoides ou fusiformes com elevada taxa mitótica. Também podem ser observadas calcificações distróficas ou ossificações metaplásicas.1,4,6,7
O tratamento da LCCG, na maioria das vezes, é a intervenção cirúrgica por meio de curetagem ou de uma ressecção em bloco.8,9 No entanto, estudos recentes têm trazido uma opção de tratamento mais conservadora, através dos quais são realizadas aplicações intralesionais com corticosteróides em associação ou não com medicamentos, tal como a calcitonina e Interferon α (IFNα).1,10,11
Considerando, portanto, que o tratamento conservador pode apresentar bons resultados quando bem indicado, este trabalho teve como intuito relatar um caso clínico de uma extensa LCCG localizada na maxila tratada e que foi tratada de forma conservadora.
Caso Clínico
Paciente do género feminino, 57 anos, leucoderma, compareceu à clínica Escola de Odontología queixando‑se de uma “queimadura no céu da boca“.
Ao exame físico intrabucal, foi observada uma tumefação de aproximadamente 11 mm na região central do palato duro de coloração mista, superfície irregular bem delimitada, base séssil, resiliente à palpação, além de discreta sintomatologia dolorosa (Figura 1).
O exame tomográfico revelou lesão hipodensa, unilocular, osteolitica e expansiva localizada na região do palato duro do lado direito, invadindo a cavidade nasal, medindo 26,4 x 64 x 11 mm no maior diâmetro (Figura 2). O laudo tomográfico sugeriu como hipótese diagnóstica, Neoplasia de Glândula Salivar. Assim, foi realizada uma biópsia incisional, cujo material coletado foi enviado para o laboratório de anatomia patológica.
Os cortes microscópicos revelaram inúmeras células gigantes multinucleadas de permeio às células fusiformes distribuídas aleatoriamente, vasos sanguíneos dilatados, sendo alguns congestos, áreas hemorrágicas, hemossiderose e trabéculas ósseas (Figura 3A e 3B). Suprajacente, foi observado epitélio estratificado pavimentoso paraqueratinizado hiperplásico,
com áreas de atrofia e solução de continuidade recoberta por pseudomembrana serofibrinosa e polimorfonucleares.
Com base nos aspectos clínicos, imagiológicos e microscópicos, o diagnóstico estabelecido foi Lesão Central de Células Gigantes.
Considerando o tamanho da lesão e a condição sistémica da paciente, a qual apresentava um aneurisma cerebral, optou‑se pela realização de um tratamento conservador, através do qual foi utilizado o seguinte protocolo: dez sessões de aplicações intralesionais de uma solução de hexacetonido de triancinolona (Triancil) 20 mg/ml e Lidocaína 2% na proporção de 1:1.
As aplicações foram realizadas com seringa de 1 mL e agulha ultrafina, infiltrando 10 UI para cada 1 cm3 da lesão com intervalo de tempo de duas semanas entre cada aplicação.
Cinco meses depois, no final das aplicações, foi observada expressiva regressão da lesão, tanto do ponto de vista clínico quanto do ponto de vista tomográfico, e o tratamento foi complementado com o uso de calcitonina spray nasal (Miacalcic®) (Figura 4).
A paciente foi orientada a fazer uso diário do medicamento, com posologia de aplicação de uma dose (200 UI/ml) em cada narina, totalizando 400 UI/ml ao dia.
Após sete meses do início do tratamento confirmou‑se a regressão progressiva da lesão do ponto de vista clínico (Figura 5). Optou‑ se então por solicitar uma nova tomografia computadorizada para controlo, cujo laudo revelou redução volumétrica significativa da lesão associado a áreas de mineralização (Figura 6).
Considerando, então, a boa tolerância que a paciente apresentou ao uso da calcitonina spray, o tratamento foi mantido. Atualmente, a paciente segue em vigilância e não apresenta queixas funcionais ou sinais de recidiva.
Discussão e Conclusões
A LCCG é uma patologia de etiologia incerta. No entanto, alguns autores acreditam que possa estar relacionada a traumas, hemorragia intraóssea ou a causas sistémicas.2
Sua maior incidência ocorre em mulheres abaixo de 30 anos e na região anterior da mandíbula.1,12,13 Neste estudo, a paciente do género feminino tinha 57 anos e apresentava comprometimento maxilar. Além disso, não foram identificadas alterações sistémicas e nem histórico de trauma na região.
Clinicamente, a maioria dos casos de LCCG apresenta‑se como uma massa tumoral, de consistência endurecida, assintomática, de crescimento lento, podendo expandir às regiões corticais ósseas.3No entanto, alguns autores relatam a ocorrência de uma forma mais agressiva, de crescimento rápido que pode provocar assimetria da face, deslocamento de dentes e reabsorção radicular.2,4 No caso relatado, foi observada uma tumefação de superfície irregular, base séssil, discreta sintomatologia dolorosa, causando expansão das corticais.
Radiograficamente observa‑se possível invasão do pavimento do seio maxilar e das fossas nasais quando a LCCG acomete a região maxilar.5,6 Corroborando com o estudo desses autores, os cortes tomográficos deste caso apresentaram uma lesão osteolítica que invadiu a cavidade nasal.
O tratamento de escolha da LCCG, geralmente, inclui intervenção cirúrgica, por meio de curetagem ou ressecção.8,9 No entanto, os bons resultados apresentados por lesões tratadas de forma conservadora têm ressaltado a eficácia dessa opção terapêutica em situações bem indicadas.1,10,11
Essa forma conservadora trata‑se de aplicações intralesionais com corticosteroides, associados ou não a outros medicamentos, tal como a calcitonina e o IFNα, cujos resultados têm mostrado vantagens no tratamento de lesões extensas, o que evita possíveis mutilações.1,10,11 No presente caso, por ser uma lesão extensa numa paciente com compromisso sistémico, optou‑se pela realização do tratamento conservador para evitar a submissão da paciente a uma cirurgia de alta complexidade.
Logo, foi utilizado um protocolo de dez sessões de aplicações intralesionais de uma solução de acetonido de triancinolona (Triancil) 20 mg/ml e Lidocaína 2% na proporção de 1:1.
Após finalizadas as aplicações e, tendo sido observada expressiva regressão da lesão, foi feita a associação com o uso de calcitonina spray nasal (Miacalcic®), uma vez que estudos recentes têm demonstrado que a calcitonina inibe a actividade dos osteoclastos, aumentando dos níveis séricos de cálcio e estimulando a atividade osteoblástica.9,10 Corroborando com esses achados, sete meses após o inicio da utilização da calcitonina, foi observada redução volumétrica significativa da lesão, associada a áreas de mineralização.
Com base nos resultados satisfatórios obtidos, sugere‑se que o uso intralesional de corticosteroides em associação com a calcitonina spray nasal pode ser considerado uma abordagem terapêutica viável para o tratamento de lesões extensas.