Introdução
A sedação consciente é utilizada em Medicina dentária e consiste em um estado de depressão medicamentoso, efetivo no controle da ansiedade, na qual o paciente é capaz de respirar e de responder à estimulação física e comando verbal.1,2Pode ser obtida por meios farmacológicos e não‑farmacológicos.
O uso de fármacos deve ser considerado quando a iatrosedação não for suficiente para condicionamento do paciente. Deste modo, procedimentos mais invasivos ou de longa duração, podem requerer o uso de sedação por meios farmacológicos, mesmo no caso de pacientes cooperantes.3
Introduzidos há 30 anos na terapêutica medicamentosa, os benzodiazepínicos têm sido a medicação mais prescrita no mundo e atualmente são as drogas de primeira escolha para o controle da ansiedade, devido a sua eficácia e segurança clínica.1,4 Dentre os benzodiazepínicos, o midazolam, sintetizado em 1975 e inicialmente empregado como hipnótico, apresenta as características farmacológicas que o tornaram o medicamento de escolha para a sedação clínica, tais como: rápido início de ação, semivida curta e duração da sedação adequada.3 Seus efeitos ansiolíticos, hipnóticos e amnésicos estão entre os objetivos principais a serem alcançados com
sua utilização, sem produzir significativas instabilidades cardiorrespiratórias.5,6
A dor tem sido definida, segundo a American Pain Society, como uma desagradável experiência sensorial e emocional associada a um dano tecidual real ou potencial ou descrita em termos de tal dano.7 O pós‑operatório de exodontias de terceiros molares é um dos modelos mais representativos da dor pós‑operatória aguda e tem sido usado com sucesso nos últimos anos para avaliar a eficácia analgésica de diferentes drogas antálgicas.8,9
O médico dentista deve ser capaz de proporcionar um pós‑operatório com um desconforto mínimo. Logo, o alívio eficaz da dor pós‑operatória é essencial para os pacientes cirúrgicos.10 Complicações e experiências dolorosas no pós‑operatório podem resultar em falta de confiança ou mudança de profissional por parte dos pacientes, gerando desdobramentos em termos de perceções dos familiares e amigos do paciente.8,11
Apesar do midazolam ser usado largamente no tratamento da ansiedade, existem poucos trabalhos que relatam a influência deste medicamento na morbilidade pós‑operatória de exodontias dos terceiros molares inclusos mandibulares. O objetivo do presente estudo foi avaliar a utilização do midazolam, administrado no pré‑operatório de exodontias de terceiros molares inclusos mandibulares, na redução da dor pós‑operatória e nas alterações de Pressão Arterial (PA) e Frequência Cardíaca (FC).
Material e Métodos
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia da Universidade Federal de Juiz de Fora.
A pesquisa constituiu em um estudo clínico, prospetivo e randomizado, aplicado em uma amostra de 14 pacientes, de ambos os géneros, com idade entre 15 e 27 anos, e indicação para exodontia de terceiro molar inferior incluso. Todos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
A seleção dos pacientes foi realizada através da classificação de Winter12 e Pell e Gregory13 para terceiros molares inclusos, e para isso foram analisadas radiografias periapicais ou panorâmicas, necessárias a cada caso. Foram incluídos os dentes inclusos verticais, mesioangulados e horizontais, enquadrados nas posições Classe 1 ou 2 e A ou B. Além disso, os pacientes deveriam obedecer a alguns critérios: ausência de doenças sistêmicas ou alterações locorregionais; ausência de histórico de hipersensibilidade ou contraindicações médicas aos medicamentos utilizados. Estes pacientes foram divididos aleatoriamente em dois grupos.
No Grupo Midazolam (GM), os indivíduos (n=7) receberam o midazolam (15 mg, via oral, 1 h antes da cirurgia), enquanto que no Grupo Controle (GC), os indivíduos (n=7) não receberam a droga. Em ambos grupos foram administrados: amoxicilina (2 comprimidos de 875 mg) e prednisona (20 mg), 1 h antes do procedimento; anestesia local utilizando lidocaina 2% com adrenalina 1:100000, no peroperatório; e paracetamol (750 mg) após o fim da cirurgia, 1 comprimido de 6 em 6 horas, se necessário.
Além disso, todos os pacientes realizaram bochecho com clorexidina 0,12%, previamente ao procedimento cirúrgico.
Após terminada a sensação da anestesia, foram entregues aos pacientes um questionário formulado pelos pesquisadores responsáveis relativo à sensibilidade dolorosa do paciente após a exodontia. Este questionário constou de um instrumento de avaliação unidimensional da dor, verificando a intensidade da mesma. Utilizou‑se a Escala Visual Analógica (EVA), por essa ser de fácil aplicabilidade e adequar‑se ao nível de compreensão do paciente. Os pacientes foram instruídos a assinalarem a intensidade da sensação dolorosa em um ponto dessa escala, sendo que os scores poderiam variar de 0 (zero) a 10 (dez).
Além disso, a FC e a PA foram aferidas sete dias antes da cirurgia (T1), uma hora antes da cirurgia (T2), no início da cirurgia (T3) e no término da cirurgia (T4) em todos os 14 pacientes.
Todas as aferições foram executadas pelo mesmo pesquisador, devidamente calibrado, utilizando o mesmo instrumento.
Ao final de cada cirurgia, uma tabela contendo três colunas (data, hora e analgésico) foi entregue aos pacientes, que estavam orientados a anotarem a data, a hora e o analgésico usado em caso de dor, depois de passado o efeito da anestesia local, administrada durante a cirurgia.
Assim, ao término de todas as cirurgias foram realizadas avaliações do efeito da droga midazolam sobre a dor aguda, logo depois de terminada a sensação da anestesia, no pós‑operatório, além da averiguação das características de hipotensão e bradicardia do midazolam, em diferentes períodos de tempo. Os resultados obtidos pelo grau de dor após as cirurgias foram submetidos à análise estatística pelo teste não‑paramétrico de Mann‑Whitney, e as alterações de FC e PA pela análise de variância (α=0,05).
Resultados
Dentre os 14 pacientes inseridos no estudo, 1 foi excluído da análise estatística para avaliação da dor pós‑operatória, pois apresentou quadro de alveolite. Assim, para a avaliação da dor pós‑operatória, os dados foram obtidos a partir de 13 pacientes, sendo GC (n=6) e GM (n=7). Não houve alteração na amostra para análise dos sinais vitais. Dentre os participantes do GC, de acordo com a classificação de Winter12 e Pell e Gregory13 para terceiros molares inclusos, cinco pacientes apresentaram terceiros molares classificados em posição horizontal e classe I‑A e dois em posição mesioangulado e classe II‑A. Enquanto que, no grupo GM, três pacientes apresentaram terceiros molares classificados em posição horizontal e classe II‑A, dois em posição mesioangulado e classe II‑B e dois em posição vertical e classe II‑B.
Após o término das exodontias e da sensação anestésica, os pacientes de ambos os grupos responderam à escala EVA. Os resultados estão apresentados na Figura 1.
Pelo teste não paramétrico de Mann‑Whitney, houve diferença estatisticamente significativa (p=0,0124) entre os dois grupos quanto à avaliação da dor pós‑operatória, sendo que a média das respostas EVA para GC foi de 1,83, enquanto que para GM foi de 5,29.
A PA (Tabela 1 e 2) e a FC (Tabela 3) não apresentaram diferença estatisticamente significativa (p>0,05) entre os diferentes grupos, nos quatro tempos pré‑determinados, pela análise de variância.
a PAS - Pressão Arterial Sistólica (mmHg)
b Max - Valor máximo
v Min - Valor mínimo
a PAD - Pressão Arterial Diastólica (mmHg)
b Max - Valor máximo
c Min - Valor mínimo
a FC - Frequência Cardíaca (bpm/min)
b Max - Valor máximo
c Min - Valor mínimo
Discussão
A exodontia dos terceiros molares impactados é um procedimento traumático e rotineiro em Medicina dentária. Por tratar‑se de uma região altamente vascularizada, uma série de alterações funcionais e estruturais são esperadas, entre elas, a liberação de exsudato e edema, trismo e dores subsequentes.14
De acordo com Lin, Wu e Yi,15apesar dos avanços notáveis na Medicina dentária, o medo e a ansiedade continuam a ser impedimentos significativos nesta profissão, especialmente devido às cirurgias. A maioria dos procedimentos médico dentários pode, felizmente, ser empreendida com o auxílio da sedação.
Dentre os métodos farmacológicos de sedação consciente em Medicina dentária, os mais comuns são os que utilizam os benzodiazepínicos por via oral. A vantagem da
técnica é que não há necessidade de aquisição do equipamento e acessórios que exijam um investimento considerável por parte do profissional,3,5por isso, foi o método eleito para metodologia deste trabalho. Acredita‑se que o midazolam poderia influenciar na nocicepção.
Contudo essa característica demonstra‑se questionável, dependendo da via e método de administração da droga.16
Não foi observado um consenso entre os estudos a respeito desses fatores. Dentre os artigos que utilizaram o medicamento por via oral, Azoubel et al.17optaram por 15mg, enquanto que Gupta, Sharma e Dhiman18 usaram 0,25 mg/kg, ambos 45 minutos antes do procedimento. Dentre os que utilizaram midazolam intravenoso, Göktay et al.19e Garip et al.20utilizaram 0,03 mg/kg, Ustün et al.21 utilizaram 0,04 mg/kg, enquanto Ong, Seymour e Tan16 utilizaram 0,09 mg/kg, todos imediatamente antes da exodontia. Nosso estudo optou pela administração oral de 15 mg de midazolam, 1 h antes da exodontia. Nós observamos que o tempo ótimo de sedação ocorreu próximo a 20 minutos de após a administração. Neste período, o paciente encontrava‑se relaxado, sonolento e respondia a estímulos externos.
Apesar dos benzodiazepínicos terem efeitos sedativos mediados pelos recetores do ácido gama‑aminobutírico, os efeitos cardiovasculares parecem ocorrer por outros mecanismos. É de conhecimento que o midazolam possui efeito depressor da resposta simpática, que determina hipotensão e maior incidência de bradicardia. Contudo, tal como nossa pesquisa, outros estudos17,19,20,22,23não relataram diferenças significativas referente aos sinais vitais quando utilizado o midazolam. Todavia, Ustün et al.21 relataram que as médias da FC e da PA foram significativamente menores no grupo na qual foi administrada a medicação.
O midazolam destaca‑se por gerar um quadro de ansiólise e redução de vômitos no pós‑operatório. Porém, podem ocorrer efeitos indesejáveis representados por casos de depressão respiratória ou na atividade muscular faringeal24 e quadro de alucinação.5 Em nosso estudo, observou‑se no GM um paciente com alucinação e três pacientes não responsivos aos comandos verbais, como o comando de permanência da abertura bucal e controle dos movimentos da língua. Embora dificultasse a cirurgia, em nenhum caso houve a impossibilidade de termina‑la. Entretanto, o comportamento em geral foi melhor no GM que no GC, possivelmente devido à redução da ansiedade.25
Os pacientes que recebem anti‑inflamatório no pré‑operatório relatam menores índices de dor que o grupo controle em cirurgias de terceiro molar.26Embora alguns estudos optem pelo uso de anti‑inflamatórios não‑esteroidais,17,27com finalidade de obter analgesia pré‑operatória, há evidências de que os anti‑inflamatórios esteroidais se mostram superiores para tal efeito.28,29,30No presente estudo, o anti-Inflamatório Prednisona foi administrado, o que talvez poderia ter influenciado na classificação de dor pós‑operatória.
A EVA é utilizada para avaliação da subjetividade de dor e satisfação dos pacientes, obtendo boa sensibilidade, compondo avaliações qualitativas, numéricas e de faces.7‑9,18,21,23,27
Contudo, por se tratar de uma questão subjetiva, a dor torna‑se difícil de ser avaliada. Além disso, o nível socioeconómico e a escolaridade dos pacientes podem ter influenciado no entendimento da escala utilizada.7,8Portanto, esses fatores podem ter atuado diretamente nos resultados da pesquisa, gerando avaliação equivocada da dor.
No presente estudo, o midazolam, administrado no pré‑operatório, não foi capaz de reduzir os níveis de dor no pós‑operatório de exodontias de terceiros molares mandibulares, quando comparado ao GC. Opondo‑se a Ong, Seymour e Tan16 que obtiveram sucesso na redução da perceção dolorosa no pós‑operatório, talvez porque seus efeitos ansiolíticos possam ter reduzido o componente emocional na dor.
Dentre as limitações deste estudo, podemos citar a amostra reduzida de pacientes. Portanto, sugere‑se que futuros estudos nesta área aumentem a amostra, além de avaliarem também a influência do anti‑inflamatório no alívio da dor nos grupos GC e GM, para que seja excluída a suposta possibilidade de interferências nos resultados de scores de dor.