Introdução
Halitose é um termo derivado do latim halitos (ar expirado) e osis (alteração patológica).1A condição é definida como uma alteração na qualidade do odor do ar eliminado durante a respiração, através da boca ou das narinas, podendo caracterizar alterações patológicas, processos fisiológicos e adaptativos.2
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), é considerada um problema de saúde pública, visto que afeta cerca de 40% da população mundial, provocando consequências sociais, económicas, morais e psicoafetivas entre os indivíduos acometidos.3
Nessa perspetiva, a halitose possui etiologia multifatorial, com localizações variadas. Evidencia‑se que cerca de 90% dos casos são de origem intraoral, associados à deficiência nos hábitos de higiene oral, saburra lingual e doenças periodontais.4 Os compostos sulfatados voláteis (CVS) se relacionam com o mau hálito, tendo em vista que são produzidos por bactérias da cavidade oral e originam um odor forte e desagradável.5 Dessa forma, sabe‑se que a proteólise a partir de restos alimentares e a ação de bactérias gram‑negativas anaeróbicas em células sanguíneas e epiteliais presentes na cavidade oral são responsáveis pela liberação de tais compostos.6
Em relação às causas extraorais ou sistémicas da halitose, doenças como hepatopatias, diabetes mellitus, infeções respiratórias, digestivas, alergias, carcinomas e alterações metabólicas podem ser consideradas como desencadeantes.7 Além disso, tabagismo, uso de medicamentos, etilismo, baixa ingestão de água e dieta com consumo excessivo de alho e cebola, também são fatores etiológicos do mau hálito.8
Tendo em vista que a maior parte dos casos de halitose são originados de problemas orais, o médico dentista é o profissional habilitado para a investigação e tratamento.9 Nesse sentido, a anamnese criteriosa acerca de hábitos, histórico de saúde geral e oral do paciente, além de um exame clínico detalhado é a principal forma de obter um diagnóstico correto para a condição e, consequentemente, determinar o tratamento adequado.10
Frente ao exposto, é fundamental que medidas terapêuticas sejam tomadas a fim de obter um prognóstico favorável e garantir a saúde oral do paciente, além de melhorar os aspetos sociais e psicológicos, sendo essencial ao dentista compreender quais tratamentos e como estes podem ser usados para atenuar essa problemática.11 Dessa forma, o objetivo desse trabalho é averiguar na literatura os principais tipos de intervenções para a halitose publicados nos últimos cinco anos.
Material e métodos
Esse estudo trata‑se de uma revisão sistemática qualitativa (integrativa),12 seguindo critérios do Prisma Checklist, tendo sido realizada em junho de 2020 com dados bibliográficos de janeiro de 2015 a junho de 2020 publicados nos bancos Pub-Med (National Libary of Medicine) e SciELO (Scientific Electronic Library Online). Para isso, utilizou‑se uma estratégia de busca usando os descritores e sinónimos MeSH organizados em lógica booleana: ‘Halitosis’ AND ‘Treatment’. Além disso, a literatura cinzenta indexada no Google Académico foi consultada para recuperação de dados, bem como uma busca manual em referências secundárias foi realizada.
A busca foi feita por um único pesquisador, previamente calibrado, seguindo as etapas de identificação e recuperação dos artigos das bases de dados, triagem, elegibilidade e inclusão.
A pesquisa foi feita sem nenhuma limitação quanto ao idioma de origem, além disso, outros critérios de inclusão foram: (1) artigos publicados nos últimos 5 anos, para análise da produção recente sobre a temática; (2) ensaios clínicos randomizados ou não‑randomizados, estudos clínicos observacionais; (3) pacientes diagnosticados com halitose por meio de teste subjetivo (teste organoléptico) e/ou objetivo (halitometria), por serem considerados os mais fidedignos para diagnóstico dessa condição.13 Ainda, foram excluidos os artigos que não estivessem de acordo com os critérios de inclusão propostos, bem como os que fugiam da temática central desse estudo, ademais, artigos transversais, protocolos de estudos, relatos de caso, notas, editoriais e comunicações breves foram excluídas.
Por conseguinte, todos os artigos incluídos foram lidos e, considerando os critérios propostos, foram coletadas algumas informações como nome dos autores e ano da pesquisa; tipo de estudo; população; intervenções utilizadas no tratamento da halitose e os principais resultados/conclusões dos autores das pesquisas. Tais dados, foram agrupados e organizados de forma descritiva em uma tabela.
Para análise de evidência científica dos artigos incluídos, dois autores de forma independente utilizaram os critérios delineados pela Escala de Qualidade de Jadad et al.,14 quando em discordância um terceiro avaliador decidia. A qualidade individual dos manuscritos foi categorizada por meio de 5 critérios e varia de 0 a 5 pontos, onde escores menores que 3 indicam que o estudo possui baixa qualidade metodológica e dificilmente seus resultados poderão ser aplicados em outros cenários.15
As 5 perguntas foram: O estudo foi descrito como randomizado? O método para gerar a sequência de randomização foi descrito e apropriado? O estudo foi descrito como duplo‑cego? O método de duplo‑cego foi descrito e apropriado? Houve descrição das perdas e exclusões? Assim, para cada resposta afirmativa “sim” equivale a um ponto e cada resposta negativa o valor é zero.14
Resultados
Após a aplicação da estratégia de pesquisa foram identificados 296 artigos (277 do PubMed, 11 do SciELO e 8 do Google Académico), desses, a partir da leitura dos títulos e resumos, foram escolhidos 36 estudos potencialmente elegíveis para uma leitura completa. Por conseguinte, apenas 17 trabalhos se adequaram à temática proposta e foram incluídos, como mostra o fluxograma de seleção (Tabela 1).
A Tabela 2 descreve os 17 artigos incluídos,16‑32 sendo estes a maioria ensaios clínicos randomizados, publicados em 2016 (47,05%). Com relação a análise qualitativa dos artigos selecionados, 6 pesquisas possuem baixa qualidade metodológica e 11 artigos são metodologicamente aceitáveis e passíveis de reprodução e aplicação (Tabela 3).
Discussão
A halitose é uma condição de etiologia multifatorial, considerada um problema de saúde por afetar uma grande parcela da população.3 Com base nisso, o dentista deve compreender suas etiologias e aplicar tratamentos adequados para sanar essa problemática, entretanto, um estudo prévio com alunos um mês antes de se graduarem em uma faculdade portuguesa de medicina dentária demonstrou que mais da metade da amostra desconheciam quais os agentes terapêuticos aplicados para tratar a halitose e cerca de 72% afirmaram não se sentirem preparados para uma abordagem clínica em pacientes com essa condição.33
Nesse sentido, com objetivo de reunir as principais intervenções pesquisadas nos últimos cinco anos, esse artigo encontrou, principalmente, métodos mecânicos, químicos e biológicos (compostos com probióticos), associados ou não, que tiveram o intuito de atenuar a halitose nas populações estudadas.
A partir de uma análise criteriosa da metodologia usada nessas pesquisas, foi observado que aproximadamente 64,70% (n=11) tinham qualidade aceitável, em detrimento de 35,30% (n=6) que possuíam baixa validade interna, o que fazem com que esses possam não serem possíveis de aplicação em outras populações (validade externa).
Sob esse prisma, dos artigos metodologicamente factíveis de reprodução ou aplicação, 3 trabalhos obtiveram bons resultados no tratamento da halitose quando associados à escovagem com um spray antibacteriano ou enxaguantes bucais.25,28,32Feres et al.,32 por exemplo, analisou a eficácia de escovar os dentes com creme dental fluoretado e em seguida enxaguar a boca com um antisséptico contendo cloreto de cetilpiridínio (CPC), um antimicrobiano potente na redução da microflora bucal, tendo como resultados as reduções de gases organolépticos e de bactérias periodonto‑patogênicas causadoras de maiores emissões de CVS.
Vale ressaltar ainda que, quando a etiologia da halitose é intraoral (como em 90% dos casos), é imprescindível reduzir a micro carga bacteriana dos indivíduos.4,32Nessa perspetiva, uma das intervenções encontradas nessa revisão foi o uso de enxaguatórios bucais contendo clorexidina ou princípios ativos de zinco, concomitantes ou de forma isolada. Todos os enxaguatórios são considerados os meios mais fáceis para a veiculação de substâncias antissépticas, sendo uma mistura do componente ativo, água, álcool, surfactantes, umectantes e flavorizantes.34
Algumas revisões sistemáticas que analisaram a eficácia do uso de enxaguatórios orais na redução do mau odor, além de afirmarem a total eficiência antimicrobiana e redutora da halitose provenientes de enxaguantes bucais, encontraram resultados similares ao dessa pesquisa bibliográfica com relação aos princípios ativos mais usados nas pesquisas (clorexidina e alguns compostos derivados do zinco). As evidências mais convincentes foram o uso dos princípios ativos clorexidina + cloreto de cetilpiridínio + zinco (CHX + CPC + Zn) e cloreto de zinco + cloreto de cetilpiridínio (ZnCl + CPC).35,36
Dessa forma, compreendendo que as bactérias gram‑negativas anaeróbicas são as principais emissoras de compostos sulfatados voláteis5 uma das intervenções possíveis de se aplicar no tratamento da halitose são os probióticos. Sob essa ótica, os probióticos são micro‑organismos vivos capazes de promover saúde ao reduzir o espaço de crescimento de bactérias prejudiciais. Em medicina dentária, os probióticos vêm sendo usados nos tratamentos de cáries, candidíase, doenças periodontais, e também na halitose.16,17,37
Benic et al.17 desenvolveu um dos poucos estudos, de qualidade metodológica boa, sobre o uso de probiótico para tratar a halitose. Nesse trabalho, cerca de 32 indivíduos do grupo teste receberam pastilhas produzidas com a bactéria Streptococcus salivarius, um microrganismo gram‑ positivo capaz de produzir bactericinas, substâncias que inibem o crescimento de outras bactérias, como a S. pyogenes.38 Os autores dessa pesquisa concluíram que o uso do probiótico com S. salivarius foi eficiente para diminuir os índices de halitose, contudo, deve‑se analisar que o fator tempo é considerativo para sanar o problema, além de que mais estudos devem ser feitos para elucidar de facto a eficácia do tratamento com probióticos, tendo em vista que os achados são quantitativa e qualitativamente insuficientes para recomendações adicionais, especialmente no que diz respeito às estratégias de administração.39
Com base nas evidências, o tratamento mais rápido e eficaz para a halitose, quando referente ao mau odor matinal, é a escovagem da língua associada ao uso de pastas dentífricas contendo derivados do zinco ou o enxaguar da boca com 15ml de água, e com efeito similar beber um copo de 200 ml de água ao amanhecer.23,30Por conseguinte, é salutar verificar o motivo da queixa principal do paciente e averiguar se essas intervenções podem se aplicar.
Destarte, dentre as limitações dessa revisão pode‑se destacar o baixo número de artigos encontrados, impossibilitando inferir todas as intervenções estudadas nos últimos cinco anos. Deve‑se realizar, assim, novas pesquisas bibliográficas bem como novos estudos intervencionistas, com qualidade descritiva e metodológica, afim de atenuar lacunas na validade interna dos estudos para melhor aplicação e generalização para prática clínica dos profissionais com pressuposto de reestabelecer a saúde dos indivíduos com halitose.
Conclusões
A halitose é uma condição de etiologia multifatorial tendo assim diversas intervenções possíveis de se aplicar. Contudo, há a necessidade de mais pesquisas, pois poucos estudos foram produzidos sobre essa temática nos últimos cinco anos, destacando‑se apenas onze artigos metodologicamente aceitáveis que conduziram a resultados satisfatórios.
Pode‑se inferir que tratamentos mecânicos (escovagem dos dentes e da língua), químicos (enxague bucal com compostos ativos derivados do zinco, clorexidina, pastas dentífricas, comprimidos e pastilhas) e também biológicos (probióticos), usados isoladamente ou em conjunto, são os mais indicados para tratar a halitose.
Dessa forma, o médico dentista deve ser apto a compreender a etiologia e desenvolvimento do mau odor bucal, a partir de uma boa anamnese, solicitando exames e entendendo o histórico médico, quando necessário de forma multidisciplinar, para individualmente aplicar a melhor terapêutica intervencionista a fim de erradicar esse problema.