Introdução
Cistos odontogénicos são lesões comumente encontradas na prática odontológica e constituem um importante aspeto da patologia oral e maxilofacial, e são 2,25 vezes mais frequentes que os tumores.1,2 Os cistos odontogénicos são subclassificados de acordo com a sua origem, sejam eles de desenvolvimento ou inflamatórios e ambos surgem de resíduos epiteliais da formação do órgão dentário.3
O cisto dentígero é o mais comum dos cistos de desenvolvimento, sendo responsável por cerca de 20% de todos os cistos dos maxilares. Origina‑se pela separação do folículo que envolve a coroa de um dente incluso, sendo mais comum em terceiros molares.1,4
O seu tratamento varia de acordo com o tamanho e localização da lesão, sendo as técnicas mais comuns de marsupialização e enucleação, sempre precedida de punção aspirativa para diferenciar de outras lesões.4,5 Quando os cistos dentígeros extensos se localizam dentro do seio maxilar podem causar sintomas de sinusite.3
Normalmente, o tratamento cirúrgico para o cisto dentígero consiste na enucleação da lesão e do dente envolvido, é considerado um tratamento definitivo e possibilita o exame histopatológico completo.4,6
A sinusite maxilar de origem odontogénica é uma resposta inflamatória devido à invasão de corpos estranhos no seio maxilar relacionados à causa dentária.7 A proximidade das raízes dos dentes superiores posteriores com o seio maxilar associada a cárie, cistos odontogénicos e iatrogenias, podem provocar inflamação e o desenvolvimento de uma sinusite odontogénica através de uma comunicação bucosinusal.7,8,9
Radiograficamente, a lesão apresenta‑se, na sua maioria, como uma cavidade unilocular, radiolúcida com margem bem definida, envolvendo a coroa de um dente incluso a partir da junção amelocementária.10 O prognóstico é favorável e tem baixo índice de recidiva.4
O propósito deste trabalho é apresentar um relato de caso de cisto dentígero envolvendo a coroa de um terceiro molar incluso no interior do seio maxilar com sintomas de sinusite odontogénica, abordando os seus aspetos clínicos, histopatológicos, imagiológicos, o respetivo tratamento e controlo pós‑operatório.
Caso clínico
Paciente de 20 anos, sexo feminino, raça caucasiana, residente em Caxias do Sul (RS, Brasil), compareceu na Clínica Bertotto Odontologia encaminhada pelo seu médico Otorrinolaringologista, apresentando uma lesão no interior do seio maxilar do lado esquerdo. Na anamnese a paciente mencionou dificuldade de respiração pela narina esquerda, cefaleia, coriza, rinorreia e congestão nasal unilateral. Relatou ser alérgica à penicilina, não ter passado por nenhum procedimento cirúrgico, não apresentar doenças sistémicas e nem estar a tomar medicamentos.
No exame físico extrabucal não se observaram alterações com relação à integridade da pele e tumefação evidente. No exame físico intraoral, constatou‑se aumento de volume na região de sulco do segundo quadrante, com mucosa íntegra e normocrómica. Após a avaliação clínica, foram solicitados exames complementares, tais como tomografia computadorizada de feixe cónico. No exame imagiológico visualizou‑se uma lesão extensa com imagem hipodensa radiolúcida e um halo radiopaco envolvendo a coroa do terceiro molar incluso no interior do seio maxilar esquerdo (Figura 1), estendendo‑se ao assoalho da órbita, fossa nasal e rebordo alveolar com dimensões de 36,25 mm X 41,69 mm X 1166,98 mm2 (Figura 2). Através dos achados clínicos e radiográficos, a hipótese diagnóstica foi de cisto dentígero ou tumor odontogénico ceratocístico (Figura 3).
A cirurgia de enucleação total da lesão foi realizada sob anestesia geral em agosto de 2019. A técnica cirúrgica foi precedida de punção aspirativa com saída de líquido amarelo claro e sanguinolento, confirmando a natureza cística da lesão. Em seguida, usou‑se infiltração de lidocaína 2% com epinefrina 1:100.000 na região de fundo de sulco do lado esquerdo.
A remoção da lesão, juntamente com o dente envolvido, foi planeada através da técnica de Caldwell‑ Luc, onde foi feita uma incisão em fundo de vestíbulo na região de canino até segundo molar expondo a parede anterior do seio maxilar, através de um deslocamento mucoperiosteal. Posteriormente, foi efetuado a osteotomia da parede vestibular do seio maxilar com brocas diamantadas circulares número 8 e 10 de diâmetro acopladas à peça de mão (Figura 4).
Com o acesso ao seio maxilar, prosseguiu‑se com a enucleação completa da lesão (Figura 5) e remoção do dente envolvido (Figura 6) com auxílio de pinça Allis. Após a limpeza da cavidade e irrigação abundante com soro fisiológico contendo 0,9% de cloreto de sódio e uma solução injetável de antibiótico (Garamicina 80 mg/2 ml) foi finalizado com sutura simples com fio monocryl 4‑0 e mononylon 5‑0 (Figura 7), deixando uma abertura para a colocação de um dreno, com sonda uretral, número 8 para irrigação, e número 6 para aspiração, auxiliando na drenagem de fluidos do local operado evitando assim a abertura contra‑lateral da parede nasal (Figura 8). O material coletado (Figura 9) foi acondicionado em solução de formaldeído 10% e enviado para o exame histopatológico. Na amostra foi detetada a presença da parede fibrosa do cisto e revestimento epitelial espesso, com formação de células cubóides discretamente papilar e acentuado processo inflamatório no corion, onde se confirmou o diagnóstico de cisto dentígero inflamatório (Figura 10).
Após 48 horas, o dreno foi removido e a paciente recebeu alta hospitalar com a medicação pós‑operatória de Clindamicina 300 mg de 8/8 horas por um período de 15 dias, Toragesic 10 mg 4 vezes ao dia por 7 dias, Dipirona 1 mg de 6/6 horas durante 6 dias e digluconato de clorexidina 0,12% 2 vezes ao dia pelo período de 15 dias para o controlo químico do biofilme bacteriano, além de recomendações de dieta líquida e pastosa fria por 24 horas, bem como compressas de gelo no local para amenizar o edema pós‑operatório.
A paciente retornou à clínica odontológica 5 dias após a cirurgia para a revisão pós‑operatória. Ao fim de 10 dias foi feita a remoção de sutura e prosseguiu com o retorno contínuo ao fim de 1 mês, 3 meses, 6 meses e 1 ano (Figura 11).
No controlo pós‑operatório de 12 meses a paciente encontrava‑se sem sinais de recidiva da lesão ou do processo infeccioso. Na tomografia computadorizada de seios da face pós‑operatória há evidências de neoformação óssea, com seio maxilar íntegro, na área previamente ocupada pela lesão (Figura 12).
Discussão e conclusões
O cisto dentígero está geralmente associado a terceiros molares inclusos e comumente localizado na mandíbula (70%), sendo rara a sua aparição no interior do seio maxilar, para o qual poucos relatos de caso são encontrados na literatura. Essa lesão é mais incidente em pacientes jovens, geralmente indolor, podendo apresentar sintomatologia dolorosa quando inflamado ou de grande extensão.3,11
Sinusite maxilar é a inflamação da mucosa dos seios paranasais. A sinusite maxilar crónica é uma doença inflamatória onde podem estar envolvidas infeções alérgicas, fúngicas e bacterianas. É definido como a inflamação do nariz e dos seios paranasais caracterizado por um ou mais sintomas, sendo obstrução/congestão nasal ou rinorreia associada a dor ou pressão da face e diminuição do olfato por 12 semanas ou mais. A sinusite crónica de origem dentária é denominada sinusite odontogénica e compreende cerca de 10‑12% das sinusites maxilares.12
A sinusite odontogénica pode surgir de forma iatrogénica ou patológica, esta última podendo derivar de cistos, infeções periapicais, fístula oroantral, granuloma e periodontite severa.
Raramente, ela pode ocorrer devido a um dente incluso no seio maxilar associado a alguma patologia, porém poucos relatos de caso são encontrados na literatura. Os sintomas da sinusite odontogénica são normalmente unilaterais e incluem dor na face e nos dentes, obstrução nasal, desconforto gengival, halitose e pressão facial. A principal diferença entre a sinusite odontogénica e a sinusite maxilar crónica, é que a de origem dentária normalmente refere sintomas num lado da face, apresentando apenas um dos seios maxilares comprometidos.13 Nesse caso, verificou‑se a presença do terceiro molar impactado no seio maxilar associado a cisto dentígero, referindo sintomas de sinusite.
A decisão do tratamento deve ser baseada de acordo com a idade do paciente, tamanho da lesão, localização, proximidade de estruturas anatómicas e importância do dente envolvido.4 As técnicas cirúrgicas incluem a descompressão, a marsupialização, a enucleação, ou até mesmo, a ressecção. Cada opção terapêutica apresenta vantagens e desvantagens quanto à indicação, cabendo ao médico dentista escolher a melhor opção para cada caso.14
A marsupialização tem por objetivo reduzir a pressão interna da lesão com a remoção do fluido que resulta na redução da lesão. O que difere a marsupialização da descompressão é que esta necessita da instalação de um dispositivo para manter a abertura cirúrgica.15 É considerado um tratamento conservador e geralmente indicado para crianças por evitar qualquer dano às coroas dentárias e permitir a neoformação óssea.5,16
A enucleação é considerado um tratamento definitivo, pois é realizada a exodontia do elemento dentário juntamente com a lesão cística.2 Essa técnica terapêutica é o tratamento de escolha para lesões pequenas e distantes de estruturas anatómicas, além do dente envolvido não ter utilidade funcional ou estética.4,16 A técnica é vantajosa pelo facto de não precisar de uma segunda cirurgia, removendo a lesão por inteiro e evitando a sua recidiva.17 Neste caso, a escolha pela enucleação completa do cisto dentígero, juntamente com a exodontia do terceiro molar incluso no seio paranasal, foi baseada na análise dos limites da lesão, através da tomografia computorizada de feixe cónico, a posição do elemento dentário envolvido estar inteiramente desfavorável, a idade da paciente e a presença de estruturas anatómicas associadas à lesão. Esses fatores influenciaram na escolha e sucesso do tratamento escolhido, garantindo a remoção completa da lesão sem causar danos, a acidentes anatómicos, neoformação óssea em 12 meses e resolução definitiva do caso.
Corpos estranhos em seio maxilar podem provocar alterações locais e sistémicas, tornando a remoção cirúrgica necessária. A técnica de Caldwell‑Luc, com enucleação completa da lesão, foi realizada nesse caso, uma vez que essa técnica fornece a visão completa, com abordagem segura e eficaz e acesso direto ao seio maxilar com boa visualização do campo operatório, permitindo melhor instrumentação, irrigação e remoção de corpos estranhos, fazendo deste o tratamento de escolha para cirurgias de seio maxilar.18,19,20
A técnica do uso de dreno no interior do seio maxilar funciona da mesma maneira que a abertura da parede contra‑lateral do nariz, onde falhas da drenagem nasal podem levar ao acúmulo de sangue e secreções ocasionando o desenvolvimento de infeções e resultando em uma fístula oroantral.21
No tratamento da sinusite odontogénica, o uso de antibióticos é recomendado, porém deve ser associado a técnica cirúrgica para a remoção do agente causal, resultando no fim da infeção existente e prevenindo recidivas.9 A terapia antibiótica adequada para este tratamento deve priorizar medicamentos de amplo espectro que compreendam efetividade contra microorganismos aeróbios e anaeróbios. Por essa razão, a combinação de amoxicilina com clavulanato de potássio é o tratamento de primeira escolha. Zirke et al.22reviu 121 pacientes que estavam acometidos com sinusite odontogénica e concluiu que o índice de suscetibilidade da clindamicina foi de 50%, podendo ser uma terapia alternativa para pacientes com alergia à penicilina.
No caso relatado, não houve evidências de complicações pós‑operatórias referentes à técnica. A paciente encontra‑se, em pós‑operatório de 12 meses, em bom estado de saúde com o seio maxilar íntegro e livre de complicações.
A sinusite maxilar de origem odontogénica é uma condição inflamatória cada vez mais presente devido a insucessos em tratamentos odontológicos e a processos infecciosos associados a molares e pré‑molares superiores. O diagnóstico correto da sinusite odontogénica não é simples e exige uma minuciosa anamnese, exame clínico completo e exames de imagem como a tomografia computadorizada de feixe cónico.
Quanto à técnica a ser utilizada, a de Caldwell‑Luc se mostrou eficaz no tratamento, garantindo acesso direto ao seio maxilar esquerdo, remoção da lesão e resolução definitiva do caso.