Introdução
O xantoma verruciforme é uma lesão benigna rara com predileção pela mucosa oral.1-3Relatado pela primeira vez na cavidade oral em 1971 por Shafer,4 o xantoma verruciforme se manifesta clinicamente como uma lesão assintomática, isolada, bem delimitada, plana ou ligeiramente elevada, geralmente localizada na gengiva, com superfície papilar, granular ou verrucosa e cor avermelhada ou rósea.2,5Apresenta ligeira predileção pelo sexo masculino, especialmente entre a quinta a sétima década de vida,5 podendo ocorrer concomitante a outras lesões bucais6 ou ainda manifestar múltiplas lesões.7,8
O diagnóstico histopatológico é essencial para o manejo correto da lesão.9 Histopatologicamente, o xantoma verruciforme é caracterizado por projeções papilares ou verrucosas associadas à proliferação de epitélio estratificado pavimentoso com hiperparaceratose e numerosas células espumosas (células de xantoma) confinadas na lâmina própria subjacente às projeções, e não estendidas abaixo das cristas do retículo.7
O tratamento para xantoma verruciforme consiste na excisão cirúrgica da lesão, abordagem de tratamento cujo prognóstico é considerado excelente,2 e a recidiva extremamente rara.1
O objetivo deste trabalho é relatar um caso de xantoma verruciforme em palato duro, destacando características clínicas, histológicas e abordagem cirúrgica.
Relato do caso
A paciente do sexo feminino, de 62 anos, leucoderma, compareceu ao consultório odontológico apresentando odontalgia e desconforto ósseo em palato duro na região do primeiro molar superior esquerdo.
No exame clínico, foi verificada a presença de uma lesão nodular circunscrita, exofítica, de base séssil e superfície papilar, com coloração esbranquiçada ao centro e rósea ao redor, de consistência firme e assintomática à palpação (Figura 1).
Segundo o relato da paciente, a lesão apresentava uma evolução de aproximadamente dez anos.
A partir da história da lesão e das características clínicas observadas, sugeriu-se, como hipótese diagnóstica inicial, o papiloma escamoso. O tratamento de eleição foi a excisão cirúrgica da lesão. Durante a anamnese, a paciente relatou estar em acompanhamento médico e fazendo uso de bisfosfonato para tratamento de osteoporose (residronato sódico 35 mg). Portanto, foram solicitados exame de imagem (tomografia computadorizada da maxila) (Figura 2) e telopeptídio carboxiterminal do colágeno tipo I (CTx-plasmático), um marcador bioquímico de remodelação óssea, a fim de estimar o nível de atividade metabólica do osso maxilar e avaliar o risco de osteonecrose após a excisão da lesão.
O resultado do CTx-plasmático (77 pg/dl) indicou alto risco para o desenvolvimento de osteonecrose. Uma vez que o tecido ósseo ficaria exposto até a completa cicatrização por segunda intenção, foi solicitada a suspensão do medicamento por seis meses e a realização de um novo exame após esse intervalo, com acompanhamento mensal da lesão.
Após o período de seis meses, a lesão permaneceu com as mesmas características clínicas pressupostas de papiloma escamoso e o novo resultado do CTx-plasmático (172 pg/dl) indicou risco mínimo para o desenvolvimento de osteonecrose, possibilitando a sequência do tratamento proposto, a excisão cirúrgica. A abordagem foi realizada sob a anestesia local, por meio de incisão simples, com lâmina de bisturi número 12c, contornando a lesão sem margem de segurança, acompanhada de irrigação de soro fisiológico 0,9% (Figura 3). Após a curetagem e irrigação do leito cirúrgico, suturou-se o tecido mucoso com fio de nylon 5.0, totalizando cinco pontos individuais sem aproximação dos bordos cruentos de tecidos, conduzindo a uma cicatrização por segunda intenção.
Após a excisão da lesão, a peça cirúrgica, com dimensões de 1,0 x 0,9 x 0,3 cm (Figura 4), foi enviada para análise histopatológica, na qual se detectou acantose e extensa hiperqueratinização do epitélio pavimentoso estratificado, com projeções alongadas em direção à lâmina própria. Observou-se, também, fendas e criptas entre as projeções epiteliais preenchidas por paraceratina (Figura 5). Subjacente, notou-se a presença de eixos de tecido conjuntivo vascularizado, em que são observados numerosos macrófagos espumosos, traço peculiar que determina o diagnóstico de xantoma verruciforme (Figura 6). Mais profundamente, o tecido conjuntivo apresentou discreto infiltrado inflamatório justa-epitelial e extensa área hemorrágica.
A paciente permanece sob acompanhamento e, 16 meses após a realização do procedimento cirúrgico, não apresenta sinais clínicos de recidiva (Figura 7).
Discussão e Conclusões
Este relato apresentou um caso clínico de xantoma verruciforme, com evolução de aproximadamente dez anos e sem histórico de trauma, o tratamento e o acompanhamento da lesão.
No caso relatado, foi verificada clinicamente lesão nodular circunscrita, exofítica, de base séssil e superfície papilar, com coloração esbranquiçada ao centro e rósea ao redor, de consistência firme e assintomática à palpação, localizada em palato duro, o segundo sítio mais acometido, embora possa ocorrer em qualquer região da mucosa oral,10 além de sítios extrabucais como vulva, escroto, pênis, ânus e outras regiões mucocutâneas.2,3
O diagnóstico diferencial incluiu lesões com características similares, como papiloma escamoso, verruga vulgar e condiloma acuminado, além de lesões malignas, como carcinoma verrucoso e carcinoma de células escamosas.1,11A partir do relato da paciente durante a anamnese e das características observadas no exame clínico, foi sugerido o diagnóstico de papiloma escamoso. Somente após a análise histopatológica, o correto diagnóstico do xantoma verruciforme foi estabelecido, enfatizando a importância do exame histopatológico no diagnóstico da lesão.
Segundo a análise histopatológica, três tipos de xantoma verruciforme são reconhecidos com base na arquitetura microscópica da superfície. Embora o Tipo C (tipo plano), que apresenta acantose leve, alongamento variável das criptas epiteliais e uma fina camada de paraqueratose, seja apontado como o mais frequente,2,12o caso relatado foi identificado como Tipo A (tipo verrucoso), que apresenta hiperparaceratose, acantose e alongamento das criptas epiteliais, sendo evidenciado no exame histopatológico acantose e extensa hiperqueratinização do epitélio pavimentoso estratificado, com projeções alongadas em direção à lâmina própria.
A associação do xantoma verruciforme a lesões prévias ou concomitantes na mucosa oral, como líquen plano, pênfigo vulgar, carcinoma in situ e carcinoma epidermóide, foram relatadas.7 Contudo, no caso apresentado, nenhuma outra alteração foi identificada na cavidade oral.
Devido a condição sistêmica da paciente, que relatou fazer uso de bisfosfonato para tratamento de osteoporose, a tomografia computadorizada e o CTx-plasmático foram solicitados como exames complementares, a fim de avaliar o risco de osteonecrose após a excisão da lesão. O uso crônico de bisfosfonatos pode levar à osteonecrose dos maxilares e qualquer intervenção odontológica óssea pode desencadear o processo.13 Sendo assim, em condições sistêmicas favoráveis, pode ser considerada a possibilidade de uma suspensão temporária do bisfosfonato previamente a procedimentos cirúrgicos invasivos,14 como foi realizado no caso relatado.
O tratamento do xantoma verruciforme consiste na excisão cirúrgica da lesão. A lesão apresenta um bom prognóstico e a recidiva e malignização dessa lesão raramente são documentados.11 Contudo, três casos de recidiva na região do palato duro foram relatados,10 o que indica a necessidade de proservação dos casos. No relato apresentado, a excisão cirúrgica da lesão foi a abordagem realizada. Dessa maneira, a paciente permanece sob acompanhamento e, 16 meses após o procedimento cirúrgico, não apresenta sinais de recidiva.
A ocorrência de lesões múltiplas ou disseminadas do xantoma verruciforme é extremamente rara.11 Em um relato de condição generalizada, Huang et al.15 utilizaram a crioterapia criogênica como abordagem terapêutica. Embora nem todas as lesões tenham sido tratadas, não foi observada recidiva após 18 meses de acompanhamento. Este foi o primeiro relato de sucesso no tratamento do xantoma verruciforme por meio da crioterapia, portanto, a excisão cirúrgica permanece a primeira alternativa de escolha no tratamento da lesão.
O xantoma verruciforme é uma lesão benigna que apresenta aspectos clínicos semelhantes a outras lesões, portanto, faz-se necessária a análise histopatológica de forma a estabelecer o diagnóstico definitivo. A excisão cirúrgica é a técnica recomendada para tratamento da lesão, demonstrando eficácia no caso relatado.