Introdução
O Granuloma central de células gigantes (GCCG) é uma lesão intraóssea, encontrada em uma ampla faixa etária, porém a maioria dos casos são relatados antes dos 30 anos de idade.
São mais comuns em mulheres e nas porções anteriores dos ossos gnáticos, com uma maior prevalência na mandíbula.1,2
A etiologia do GCCG ainda permanece controversa, ainda que alguns autores acreditem que seja resultado de um processo reativo, infeccioso ou inflamatório.3
Clinicamente é notado um aumento de volume local sem sintomatologia dolorosa e de crescimento lento e expansivo, podendo causar deslocamento dentário e distúrbio oclusal.1,3
Radiograficamente se apresenta como uma lesão osteolítica uni ou multiloculada, podendo ter as bordas bem definidas ou não e com a possibilidade de ocorrer reabsorção radicular dos dentes em contato com a lesão.4,5 Os achados histopatológicos incluem a presença de inúmeras células gigantes multinucleadas, num estroma fibroso, padrão semelhante ao que ocorre também em doenças como querubismo e tumor marrom do hiperparatireiodismo.6,7
Quanto à sua classificação, os GCCG’s são divididos em agressivos e não agressivos, tendo como características de agressividade um crescimento rápido e invasivo, reabsorção radicular e uma maior tendência de recidivas.8,9
O GCCG pode ser assintomático e na maioria das vezes é encontrado através de radiografias de rotina, sendo seu diagnóstico definitivo realizado através de biópsia incisional e exclusão de doenças que tenham como características histológicas a presença das células gigantes. O diagnóstico diferencial deve ser feito com o tumor marrom do hiperparatireodismo através do exame de sangue para a avaliação de hipercalcemia, hipofostatemia e níveis elevados do hormônio da paratireóide.3,10,11
Lesões menores não agressivas são bem tratadas por meio de curetagem, porém a cirurgia em lesões maiores ou agressivas geralmente é composta por ressecções amplas e pode resultar em desfiguração e perda de dentes.12 Existem também tratamentos conservadores não cirúrgicos, que envolvem o uso de corticosteróides, calcitonina e interferon α.13,14-17
O objetivo deste trabalho é relatar o uso de aplicações intralesionais de corticosteróide como tratamento definitivo para um granuloma central células gigantes em paciente pediátrico.
Relato de caso
Paciente de 10 anos, sexo masculino, compareceu ao serviço de atendimento odontológico da faculdade de odontologia da Universidade Federal de Uberlândia, com queixa de aumento volumétrico do lado direito da face, sem queixas dolorosas. O exame clínico extraoral evidenciou aumento no terço inferior da face do lado direto, com consistência dura à palpação e sem aspetos inflamatórios. Ao exame intraoral, o paciente apresentou tumoração na região de pré‑molares com mucosa vermelho‑ arroxeada de consistência firme e deslocamento dentário (Figuras 1 e 2).
Os exames de radiografia panorâmica e oclusal, demonstraram área radiolúcida multiloculada na região de corpo mandibular direito, com expansão das corticais ósseas e afastamento de elementos dentários (Figuras 3 e 4). Optou‑se então pela realização de biópsia incisional para investigação diagnóstica. Após assepsia e antissepsia de campo operatório, foi realizado bloqueio anestésico do nervo alveolar inferior, lingual e nervo bucal, bem como, infiltração anestésica com finalidade de hemostasia.
Por meio de incisão em mucosa gengival com lâmina fria número 15, foram removidos dois fragmentos da lesão com boa profundidade, sem necessidade de osteotomia e posterior sutura com fio de nylon para hemostasia e otimização do reparo.
O exame histopatológico evidenciou lesão fusocelular, vascularizada, com alguns vasos apresentando depósitos hialinos perivasculares, com áreas hemorrágicas, contendo inúmeras células gigantes, no geral, distribuídas difusamente por toda a lesão, com áreas lesionais exibindo menor concentração delas e tecido ósseo trabecular, lamelar, e focos de tecido osteoide, compatível com granuloma central de células gigantes (GCCG) (Figura 5).
Para diagnóstico diferencial com outras doenças contendo células gigantes multinucleadas como Tumor Marrom do Hiperparatireóidismo, Querubismo e Cisto Ósseo Aneurismático foram realizados exames laboratoriais, histológicos e radiográficos, confirmando a hipótese de granuloma central de células gigantes.
Em virtude da idade do paciente e dimensão da lesão, optou‑se pelo tratamento conservador por meio de aplicações intralesionais de corticosteróide. Foram realizadas oito aplicações de corticosteróide com intervalos de quinze dias a cada aplicação, seguindo o protocolo preconizado por Terry et al.16 Após bloqueio anestésico local, foi aplicado 1 mL para cada 1 cm2 de área radiolúcida, detetada na radiografia panorâmica, da solução contendo partes iguais de triancinolona acetonida (10 mg/ml) e lidocaína 2% com epinefrina 1/100.000. A solução foi distribuída por toda a lesão utilizando seringa de 20 ml e agulha hipodérmica 25x07 mm, introduzida na face vestibular da mandíbula.
A medicação pré‑operatória foi amoxicilina 500 mg e dexametasona 4mg, a técnica anestésica de escolha foi o bloqueio alveolar inferior com lidocaína 2% e adrenalina 1:100.000, o paciente foi medicado no pós‑operatório com amoxicilina 500mg, uma cápsula de 8 em 8 horas por 7 dias, cetorolaco 10 mg um comprimido sublingual por 3 dias de 8 em 8 horas e metamizol 500 mg um comprimido de 8 em 8 horas por 3 dias. Para auxiliar na higiene e controle de infeção pós‑operatória, foi orientado bochecho com digluconato de clorhexidina 0,12%, 3 vezes ao dia.
Após oito meses desde a última aplicação, notava‑se redução do volume da lesão nos aspetos extra e intraoral, e redução da coloração arroxeada da mucosa inicialmente apresentada pela lesão (Figuras 6 e 7). Com 12 meses do acompanhamento, no exame intraoral, a lesão encontrava‑se amplamente reduzida, com elemento dentário retomando sua posição habitual, redução da expansão de tábua óssea vestibular, coloração de mucosa mais próxima da normalidade. Ao exame radiográfico, podia ser notado redução do aspeto multiloculado da lesão e maior radiopacidade demonstrando formação de novo trabeculado ósseo (Figuras 8 e 9).
Aos 20 meses de acompanhamento, o exame clínico evidenciou manutenção do processo de reparo do tecido mole intraoral e do posicionamento do elemento 45 e o exame radiográfico demonstrava trabeculado ósseo com aspetos de normalidade em quase toda a extensão da região da lesão (Figuras 10 e 11).
Com 42 meses de acompanhamento o paciente encontrava‑se sem queixas. Ao exame clínico redução significativa do volume extraoral e ao exame radiográfico, trabeculado ósseo reconstituído, com elementos dentários erupcionados, sem sinais de radiolucidez ou recidiva da lesão (Figuras 12 e 13).
Discussão e conclusões
O Granuloma Central de Células Gigantes apesar de ser uma lesão benigna pode apresentar um caráter agressivo, podendo causar prejuízos estéticos, psicológicos e funcionais ao paciente.1 Além disso, essa lesão é comumente diagnosticada entre a primeira e terceira década de vida e grande parte das lesões é encontrada em pacientes que ainda estão na fase de crescimento, o que condiz com o caso relatado nesse trabalho.4,12
No caso relatado, o GCCG apresentou‑se de maneira agressiva, com crescimento progressivo e expansivo, bem como, deslocamento e mobilidade dentária, no entanto uma característica a ser considerada é a ausência de sintomatologia dolorosa, além disso, segundo alguns autores,17 os GCCG’s na forma agressiva apresentam uma densidade vascular aumentada em relação com as lesões não agressivas, essa característica foi observada no caso, como foi descrito o seu aspeto avermelhado na lesão.
O comportamento biológico da lesão pode servir de apoio para a definição de qual o melhor método para o tratamento, podendo ser cirúrgico ou conservador. O tratamento cirúrgico consiste na enucleação e curetagem conservadora, buscando preservar o máximo de estruturas anatómicas próximas à lesão, porém, estes procedimentos podem ser seguidos de recidivas, sendo algumas vezes necessária a ressecção cirúrgica em bloco com margens de segurança.1,12O tratamento conservador consiste em aplicações de medicações, através dos medicamentos como corticosteróides, calcitonina e interferon α.4,11,18No caso relatado, o medicamento de escolha foi triancinolona, devido ao fácil acesso à medicação e também pelo sucesso já relatado na literatura.13,15,19 A possibilidade de um tratamento não cirúrgico para o GCCG trouxe diversas vantagens para o paciente sendo as principais delas: evitar cirurgias mutilantes, baixo custo de tratamento, poucas sequelas e a não necessidade de uma internação hospitalar. A injecção intralesional de corticosteróides vem sendo relatada com resultados promissores para a regressão da doença, poupando parte das estruturas proximais da lesão, diminuindo o grau de morbidade do procedimento cirúrgico e também em alguns casos levando à cura completa da lesão, além de apresentar facilidade de administração e menor invasividade do que os procedimentos cirúrgicos.13,15 No presente caso, este tratamento conservador, teve prognóstico excelente, considerando os aspetos mencionados. No entanto, é importante ressaltar que não foi realizado nenhum exame de imagem tridimensional (TC/CBCT); a ortopantomografia apresenta limitações na avaliação da extensão da lesão, não permitindo concluir com certeza a eficácia na resolução completa com o tratamento utilizado.
Dois autores, em 1994,16 relataram a ideia de que os GCCG teriam um componente inflamatório que poderia reagir ao contato com um corticoesteróide, associado a um anestésico local, na proporção de 1 ml por cm³ de lesão. No caso relatado foi utilizado a triancinolona acetonida com anestésico local lidocaína 2%, seguindo o princípio descrito pelo mesmo autor. As células gigantes multinucleadas presentes na lesão são osteoclastos e os corticoesteróides têm a capacidade de inibir a atividade destas células.19,20 Em 2002, autores20 citaram que os corticoesteróides têm ação apoptótica nas células semelhantes a osteoclastos. E segundo um estudo,21 publicado em 2001, a injeção intralesional de corticoesteróides se apresenta como uma forma mais segura de administração da droga, visto que maiores concentrações do fármaco alcançam o tecido patológico da lesão, aumentando a sua eficiência em menores doses.
Um estudo,13 publicado em 2020, relatou a avaliação de 11 casos acompanhados de GCCG com tratamento com injecções intralesional de corticoesteróides e desses mais de 50% apresentaram boa resposta ao tratamento. De acordo a literatura e com caso descrito nesse trabalho, existe uma eficácia significativa desta modalidade de tratamentos conversador.13,15 Alguns pontos negativos deste tipo de intervenção são o tempo prolongado do tratamento e as repetidas injeções para as aplicações das medicações, além da necessidade de colaboração dos responsáveis pelo paciente. No entanto, no presente relato nenhum desses quesitos foi empecilho à condução desta terapia no caso deste paciente.
Por fim, o tratamento conservador do granuloma central de células gigantes é uma medida eficaz que tem o potencial de obtenção de resultados satisfatórios para os pacientes. O tratamento do caso aqui reportado teve prognóstico satisfatório e poupou o paciente de abordagens agressivas e mutiladoras.
Além disso, é de grande importância ressaltar que o diagnóstico precoce e a colaboração do paciente são factores fundamentais quando esta modalidade de tratamento é empregada.