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Revista Portuguesa de Estomatologia, Medicina Dentária e Cirurgia Maxilofacial

versão impressa ISSN 1646-2890versão On-line ISSN 1647-6700

Rev Port Estomatol Med Dent Cir Maxilofac vol.63 no.4 Lisboa dez. 2022  Epub 30-Dez-2022

https://doi.org/10.24873/j.rpemd.2022.12.885 

Caso Clínico

Tratamento conservador de granuloma central de células gigantes em paciente pediátrico - Relato de caso

Conservative treatment of central giant cell granuloma in a pediatric patient - Case report

Luiz Fernando Barbosa de Paulo1 
http://orcid.org/0000-0003-1146-0777

Anny Isabelly dos Santos Souza2 
http://orcid.org/0000-0002-1817-4653

Caio Fossalussa da Silva1 
http://orcid.org/0000-0003-0816-9022

Matheus Elias Rossi2 
http://orcid.org/0000-0002-7415-7479

Lívia Bonjardim Lima1 
http://orcid.org/0000-0002-9924-4077

1 Hospital de Clínicas da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil

2 Faculdade de Odontologia, Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil


Resumo

O granuloma central de células gigantes faz parte de um grupo de lesões osteolíticas que podem atingir várias idades, tem etiologia incerta e tem sido vastamente discutido. Paciente de 10 anos de idade, com aumento volumétrico em corpo mandibular direito, diagnosticado como granuloma central de células gigantes. O tratamento proposto foi aplicação de corticóide intralesional. Após 8 meses de tratamento foi observada remissão da lesão, com neoformação óssea na área. O tratamento para o granuloma central de células gigantes pode ser cirúrgico ou conservador, sendo o tratamento conservador uma excelente opção para pacientes pediátricos, pois gera menos transtornos funcionais e estéticos para o paciente. Este relato confirma sua boa indicação visto não haver sinais de recidiva de lesão após 42 meses de acompanhamento.

Palavras-chave: Granuloma central de células gigantes; Patologia; Terapia medicamentosa; Tratamento conservador

Abstract

The giant cell granuloma is part of a group of osteolytic lesions that can affect patients of different ages, has uncertain etiology, and has been widely discussed. A 10-year-old patient presented with a volumetric increase on the right mandibular body, diagnosed as a central giant cell granuloma. The proposed treatment was the application of intralesional corticosteroids.

After 8 months of treatment, the remission of the lesion was noted, with bone neoformation. Treatment for central giant cell granuloma can be surgical or conservative, and conservative treatment is an excellent option for pediatric patients because it generates fewer functional and aesthetic problems for the patient. This report confirms its good indication as the patient shows no signs of lesion recurrence after 42 months of follow-up.

Keywords: Central giant cell granuloma; Pathology; Drug therapy; Conservative treatment

Introdução

O Granuloma central de células gigantes (GCCG) é uma lesão intraóssea, encontrada em uma ampla faixa etária, porém a maioria dos casos são relatados antes dos 30 anos de idade.

São mais comuns em mulheres e nas porções anteriores dos ossos gnáticos, com uma maior prevalência na mandíbula.1,2

A etiologia do GCCG ainda permanece controversa, ainda que alguns autores acreditem que seja resultado de um processo reativo, infeccioso ou inflamatório.3

Clinicamente é notado um aumento de volume local sem sintomatologia dolorosa e de crescimento lento e expansivo, podendo causar deslocamento dentário e distúrbio oclusal.1,3

Radiograficamente se apresenta como uma lesão osteolítica uni ou multiloculada, podendo ter as bordas bem definidas ou não e com a possibilidade de ocorrer reabsorção radicular dos dentes em contato com a lesão.4,5 Os achados histopatológicos incluem a presença de inúmeras células gigantes multinucleadas, num estroma fibroso, padrão semelhante ao que ocorre também em doenças como querubismo e tumor marrom do hiperparatireiodismo.6,7

Quanto à sua classificação, os GCCG’s são divididos em agressivos e não agressivos, tendo como características de agressividade um crescimento rápido e invasivo, reabsorção radicular e uma maior tendência de recidivas.8,9

O GCCG pode ser assintomático e na maioria das vezes é encontrado através de radiografias de rotina, sendo seu diagnóstico definitivo realizado através de biópsia incisional e exclusão de doenças que tenham como características histológicas a presença das células gigantes. O diagnóstico diferencial deve ser feito com o tumor marrom do hiperparatireodismo através do exame de sangue para a avaliação de hipercalcemia, hipofostatemia e níveis elevados do hormônio da paratireóide.3,10,11

Lesões menores não agressivas são bem tratadas por meio de curetagem, porém a cirurgia em lesões maiores ou agressivas geralmente é composta por ressecções amplas e pode resultar em desfiguração e perda de dentes.12 Existem também tratamentos conservadores não cirúrgicos, que envolvem o uso de corticosteróides, calcitonina e interferon α.13,14-17

O objetivo deste trabalho é relatar o uso de aplicações intralesionais de corticosteróide como tratamento definitivo para um granuloma central células gigantes em paciente pediátrico.

Relato de caso

Paciente de 10 anos, sexo masculino, compareceu ao serviço de atendimento odontológico da faculdade de odontologia da Universidade Federal de Uberlândia, com queixa de aumento volumétrico do lado direito da face, sem queixas dolorosas. O exame clínico extraoral evidenciou aumento no terço inferior da face do lado direto, com consistência dura à palpação e sem aspetos inflamatórios. Ao exame intraoral, o paciente apresentou tumoração na região de pré‑molares com mucosa vermelho‑ arroxeada de consistência firme e deslocamento dentário (Figuras 1 e 2).

Figura 1 Aspeto extraoral evidenciando assimetria facial e tumoração em região bucal à direita. 

Figura 2 Aspeto intraoral evidenciando tumoração de coloração vermelho‑arroxeada, associada a alteração de posição do elemento 45. 

Os exames de radiografia panorâmica e oclusal, demonstraram área radiolúcida multiloculada na região de corpo mandibular direito, com expansão das corticais ósseas e afastamento de elementos dentários (Figuras 3 e 4). Optou‑se então pela realização de biópsia incisional para investigação diagnóstica. Após assepsia e antissepsia de campo operatório, foi realizado bloqueio anestésico do nervo alveolar inferior, lingual e nervo bucal, bem como, infiltração anestésica com finalidade de hemostasia.

Figura 3 Radiografia panorâmica evidenciando área radiolúcida multiloculada em região de corpo mandibular direito entre os elementos 43 (incluso) e 46 (erupcionado). 

Figura 4 Radiografia oclusal demonstrando expansão das corticais vestibular e lingual de corpo mandibular direito associada à lesão, além de alteração de posição dos elementos dentários associados. 

Por meio de incisão em mucosa gengival com lâmina fria número 15, foram removidos dois fragmentos da lesão com boa profundidade, sem necessidade de osteotomia e posterior sutura com fio de nylon para hemostasia e otimização do reparo.

O exame histopatológico evidenciou lesão fusocelular, vascularizada, com alguns vasos apresentando depósitos hialinos perivasculares, com áreas hemorrágicas, contendo inúmeras células gigantes, no geral, distribuídas difusamente por toda a lesão, com áreas lesionais exibindo menor concentração delas e tecido ósseo trabecular, lamelar, e focos de tecido osteoide, compatível com granuloma central de células gigantes (GCCG) (Figura 5).

Figura 5 Lesão fusocelular, vascularizada, com áreas hemorrágicas, contendo inúmeras células gigantes distribuídas difusamente por toda a lesão e focos de tecido osteoide (H&E x20). 

Para diagnóstico diferencial com outras doenças contendo células gigantes multinucleadas como Tumor Marrom do Hiperparatireóidismo, Querubismo e Cisto Ósseo Aneurismático foram realizados exames laboratoriais, histológicos e radiográficos, confirmando a hipótese de granuloma central de células gigantes.

Em virtude da idade do paciente e dimensão da lesão, optou‑se pelo tratamento conservador por meio de aplicações intralesionais de corticosteróide. Foram realizadas oito aplicações de corticosteróide com intervalos de quinze dias a cada aplicação, seguindo o protocolo preconizado por Terry et al.16 Após bloqueio anestésico local, foi aplicado 1 mL para cada 1 cm2 de área radiolúcida, detetada na radiografia panorâmica, da solução contendo partes iguais de triancinolona acetonida (10 mg/ml) e lidocaína 2% com epinefrina 1/100.000. A solução foi distribuída por toda a lesão utilizando seringa de 20 ml e agulha hipodérmica 25x07 mm, introduzida na face vestibular da mandíbula.

A medicação pré‑operatória foi amoxicilina 500 mg e dexametasona 4mg, a técnica anestésica de escolha foi o bloqueio alveolar inferior com lidocaína 2% e adrenalina 1:100.000, o paciente foi medicado no pós‑operatório com amoxicilina 500mg, uma cápsula de 8 em 8 horas por 7 dias, cetorolaco 10 mg um comprimido sublingual por 3 dias de 8 em 8 horas e metamizol 500 mg um comprimido de 8 em 8 horas por 3 dias. Para auxiliar na higiene e controle de infeção pós‑operatória, foi orientado bochecho com digluconato de clorhexidina 0,12%, 3 vezes ao dia.

Após oito meses desde a última aplicação, notava‑se redução do volume da lesão nos aspetos extra e intraoral, e redução da coloração arroxeada da mucosa inicialmente apresentada pela lesão (Figuras 6 e 7). Com 12 meses do acompanhamento, no exame intraoral, a lesão encontrava‑se amplamente reduzida, com elemento dentário retomando sua posição habitual, redução da expansão de tábua óssea vestibular, coloração de mucosa mais próxima da normalidade. Ao exame radiográfico, podia ser notado redução do aspeto multiloculado da lesão e maior radiopacidade demonstrando formação de novo trabeculado ósseo (Figuras 8 e 9).

Figura 6 Aspeto extraoral evidenciando regressão da assimetria facial 8 meses após início do tratamento 

Figura 7 Aspeto intraoral evidenciando regressão da tumoração e da coloração arroxeada da lesão após 8 meses do início do tratamento. 

Figura 8 Aspeto intraoral demonstrando regressão da tumoração e da expansão da cortical vestibular, coloração da mucosa próxima da normalidade e melhora do posicionamento do elemento 45 na arcada 12 meses após início do tratamento. 

Figura 9 Radiografia panorâmica demonstra diminuição do aspeto multiloculado e radiolúcido da lesão após 12 meses do início do tratamento. 

Aos 20 meses de acompanhamento, o exame clínico evidenciou manutenção do processo de reparo do tecido mole intraoral e do posicionamento do elemento 45 e o exame radiográfico demonstrava trabeculado ósseo com aspetos de normalidade em quase toda a extensão da região da lesão (Figuras 10 e 11).

Figura 10 Aspeto intraoral evidencia maior regressão da expansão da cortical vestibular e posicionamento do elemento 45 mais adequado na arcada, 20 meses após início do tratamento. 

Figura 11 Radiografia panorâmica evidenciando trabeculado ósseo com aspetos de normalidade em quase toda a extensão da região da lesão após 20 meses do início do tratamento. 

Com 42 meses de acompanhamento o paciente encontrava‑se sem queixas. Ao exame clínico redução significativa do volume extraoral e ao exame radiográfico, trabeculado ósseo reconstituído, com elementos dentários erupcionados, sem sinais de radiolucidez ou recidiva da lesão (Figuras 12 e 13).

Figura 12 Aspeto extraoral demonstra regressão significativa da assimetria facial, aos 42 meses desde o início do tratamento. 

Figura 13 Radiografia panorâmica evidencia trabeculado ósseo reconstituído na região da lesão após 42 meses desde o início do tratamento, com elementos dentários erupcionados, sem sinais de radiolucidez ou recidiva dotumor. 

Discussão e conclusões

O Granuloma Central de Células Gigantes apesar de ser uma lesão benigna pode apresentar um caráter agressivo, podendo causar prejuízos estéticos, psicológicos e funcionais ao paciente.1 Além disso, essa lesão é comumente diagnosticada entre a primeira e terceira década de vida e grande parte das lesões é encontrada em pacientes que ainda estão na fase de crescimento, o que condiz com o caso relatado nesse trabalho.4,12

No caso relatado, o GCCG apresentou‑se de maneira agressiva, com crescimento progressivo e expansivo, bem como, deslocamento e mobilidade dentária, no entanto uma característica a ser considerada é a ausência de sintomatologia dolorosa, além disso, segundo alguns autores,17 os GCCG’s na forma agressiva apresentam uma densidade vascular aumentada em relação com as lesões não agressivas, essa característica foi observada no caso, como foi descrito o seu aspeto avermelhado na lesão.

O comportamento biológico da lesão pode servir de apoio para a definição de qual o melhor método para o tratamento, podendo ser cirúrgico ou conservador. O tratamento cirúrgico consiste na enucleação e curetagem conservadora, buscando preservar o máximo de estruturas anatómicas próximas à lesão, porém, estes procedimentos podem ser seguidos de recidivas, sendo algumas vezes necessária a ressecção cirúrgica em bloco com margens de segurança.1,12O tratamento conservador consiste em aplicações de medicações, através dos medicamentos como corticosteróides, calcitonina e interferon α.4,11,18No caso relatado, o medicamento de escolha foi triancinolona, devido ao fácil acesso à medicação e também pelo sucesso já relatado na literatura.13,15,19 A possibilidade de um tratamento não cirúrgico para o GCCG trouxe diversas vantagens para o paciente sendo as principais delas: evitar cirurgias mutilantes, baixo custo de tratamento, poucas sequelas e a não necessidade de uma internação hospitalar. A injecção intralesional de corticosteróides vem sendo relatada com resultados promissores para a regressão da doença, poupando parte das estruturas proximais da lesão, diminuindo o grau de morbidade do procedimento cirúrgico e também em alguns casos levando à cura completa da lesão, além de apresentar facilidade de administração e menor invasividade do que os procedimentos cirúrgicos.13,15 No presente caso, este tratamento conservador, teve prognóstico excelente, considerando os aspetos mencionados. No entanto, é importante ressaltar que não foi realizado nenhum exame de imagem tridimensional (TC/CBCT); a ortopantomografia apresenta limitações na avaliação da extensão da lesão, não permitindo concluir com certeza a eficácia na resolução completa com o tratamento utilizado.

Dois autores, em 1994,16 relataram a ideia de que os GCCG teriam um componente inflamatório que poderia reagir ao contato com um corticoesteróide, associado a um anestésico local, na proporção de 1 ml por cm³ de lesão. No caso relatado foi utilizado a triancinolona acetonida com anestésico local lidocaína 2%, seguindo o princípio descrito pelo mesmo autor. As células gigantes multinucleadas presentes na lesão são osteoclastos e os corticoesteróides têm a capacidade de inibir a atividade destas células.19,20 Em 2002, autores20 citaram que os corticoesteróides têm ação apoptótica nas células semelhantes a osteoclastos. E segundo um estudo,21 publicado em 2001, a injeção intralesional de corticoesteróides se apresenta como uma forma mais segura de administração da droga, visto que maiores concentrações do fármaco alcançam o tecido patológico da lesão, aumentando a sua eficiência em menores doses.

Um estudo,13 publicado em 2020, relatou a avaliação de 11 casos acompanhados de GCCG com tratamento com injecções intralesional de corticoesteróides e desses mais de 50% apresentaram boa resposta ao tratamento. De acordo a literatura e com caso descrito nesse trabalho, existe uma eficácia significativa desta modalidade de tratamentos conversador.13,15 Alguns pontos negativos deste tipo de intervenção são o tempo prolongado do tratamento e as repetidas injeções para as aplicações das medicações, além da necessidade de colaboração dos responsáveis pelo paciente. No entanto, no presente relato nenhum desses quesitos foi empecilho à condução desta terapia no caso deste paciente.

Por fim, o tratamento conservador do granuloma central de células gigantes é uma medida eficaz que tem o potencial de obtenção de resultados satisfatórios para os pacientes. O tratamento do caso aqui reportado teve prognóstico satisfatório e poupou o paciente de abordagens agressivas e mutiladoras.

Além disso, é de grande importância ressaltar que o diagnóstico precoce e a colaboração do paciente são factores fundamentais quando esta modalidade de tratamento é empregada.

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Recebido: 19 de Abril de 2022; Aceito: 20 de Novembro de 2022

* Autor correspondente. Lívia Bonjardim Lima Correio eletrónico: liviabonjardim@hotmail.com

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