Introdução
A pandemia de COVID-19 já afetou milhões de indivíduos por todo o mundo e alterou a rotina profissional e pessoal das populações.1 A definição de coronavírus inclui uma gama de vírus respiratórios, que podem apresentar manifestações leves a graves e levar à insuficiência respiratória.2,3O vírus respiratório SARS-CoV-2 é um membro da família de coronavírus e pode ser transmitido direta ou indiretamente através de secreções provenientes da saliva ou do nariz. Os profissionais de saúde oral, como consequência da sua atividade profissional, apresentam um risco aumentado de exposição a este vírus.2,4,5
De facto, os profissionais de saúde oral têm um contacto próximo com a cavidade oral dos pacientes e, por isso, são expostos às secreções respiratórias, sangue, saliva, instrumentos contaminados com fluídos corporais e aos aerossóis derivados dos diferentes procedimentos dentários, apresentando um elevado risco de contágio.2-7Desta forma, durante os períodos iniciais da pandemia, os profissionais de saúde oral, nomeadamente os Médicos Dentistas, poderão ter sido confrontados com a incerteza do seu emprego, dos seus rendimentos e com limitações de trabalho, situações que podem em muitos casos ter levado a instabilidade emocional, cognitiva, psicológica, social, afetiva e profissional.8-11 O vírus SARSCoV-2, para além de afetar a saúde física, tem sido descrito como causa de impactos psicológicos, como o stress, a insónia, a depressão, a frustração, a raiva e o medo relacionados com a incerteza do surto.11-14
Os profissionais de saúde oral tiveram, pois, de mudar a sua rotina clínica, adaptando-se a restrições de trabalho exigentes, novos protocolos, equipamento de proteção individual (EPI), atitudes e comportamentos, e, apesar de todas as recomendações de trabalho impostas, são expostos a níveis de stress e ansiedade ainda mais elevados, não só por serem mais vulneráveis a contrair o vírus SARS-CoV-2 e, consequentemente, terem medo de infetar outros indivíduos, nomeadamente os familiares, como também pelas novas condições de trabalho a que foram sujeitos no dia a dia.8-10
Certas situações como o medo, a ansiedade, o stress, o cansaço físico e mental são emoções fortes reportadas diariamente pelos profissionais de saúde, particularmente pelos Médicos Dentistas e Médicos Estomatologistas. Estas emoções podem levar a dificuldades no relacionamento com os pacientes e pessoas próximas, a erros nos procedimentos dentários, à diminuição da qualidade de sono e a uma insatisfação profissional.8-10 Os fatores que causam stress evocam incerteza sobre o impacto que terão num individuo e estão relacionados com algo de valor para ele, como, por exemplo, questões relacionadas com a saúde, a família, finanças, perda de normalidade de vida e luto.15,16
A ansiedade, em concreto, é a manifestação de uma emoção, caracterizada por um desconforto físico e psicológico descrito pelos indivíduos como um sentimento de inquietação, nervosismo e preocupação excessiva.17 Uma das perturbações de ansiedade mais comuns observadas na prática médica geral e na população em geral é o transtorno de ansiedade generalizada (General Anxiety Disorder - GAD). A escala de transtorno de ansiedade generalizada (GAD-7) é um dos instrumentos mais frequentemente utilizados para rastreio, diagnóstico e avaliação da gravidade da ansiedade.18,19
Assim, o presente estudo teve como objetivo caracterizar o impacto da pandemia de COVID-19 no medo, no stress e na ansiedade e seus fatores associados, entre os profissionais de saúde oral, durante o primeiro ano do seu curso.
Material e métodos
Este estudo, de tipo transversal, teve como população-alvo os profissionais de saúde oral, nomeadamente Médicos Dentistas e Médicos Estomatologistas Portugueses inscritos em três organizações corporativas nacionais.
O questionário realizado para colher os dados foi enviado, via email, com o link de acesso ao questionário, disponível na plataforma Google Forms, com uma conta institucional Google For Education para as seguintes associações: Sociedade Portuguesa de Estomatologia e Medicina Dentária (SPEMD), com um universo de cerca 2291 associados, tendo sido enviados com sucesso 1680 emails; Associação Portuguesa dos Médicos Dentistas dos Serviços Públicos (APOMED), com um universo de 57 associados; Associação Independente dos Médicos Dentistas (AIMD), com um universo de 108 associados. Cada associação disponibilizou o link aos respetivos associados. Durante o período de dezembro 2020 a fevereiro de 2021, um total de 390 Médicos Dentistas e Médicos Estomatologistas responderam ao estudo.
O questionário era constituído por perguntas de escolha múltipla e organizado em três partes. A primeira parte abordava questões relativas à caraterização sociodemográfica e foram recolhidas informações referentes à idade, sexo, estado civil, ano de formação académica, local de trabalho, região onde exerce a atividade clínica e, por último, se assistiu a alguma formação sobre o SARS-CoV-2.
Na segunda parte, de forma a caracterizar a ansiedade, utilizámos o questionário de Transtorno de Ansiedade Generalizada (General Anxiety Disorder - GAD-7), constituído por sete questões para avaliar a frequência de vivências e perceções durante as duas últimas semanas no decorrer do estado pandémico. Para cada questão existiam quatro possibilidades de resposta. Os participantes avaliavam a frequência em que experimentaram cada problema: “não experimentei estes problemas”, “vários dias”, “mais de metade dos dias”, “quase todos os dias”.
O índice GAD-7 é obtido adicionando as pontuações do questionário, depois de ter atribuído 0 à situação menos grave (não experimentei estes problemas), 3 à mais grave (quase todos os dias) e 1 e 2 para as situações intermédias (vários dias e mais de metade dos dias, respetivamente). A pontuação final de 5, 10 e 15 pontos permite-nos classificar a ansiedade como nenhuma/normal (0-4), suave (5-9), moderada (10-14), e grave (15-21). Qualquer indivíduo que obtenha uma pontuação igual ou superior a 8 pode ser considerado portador de sintomas de ansiedade significativos.
Por fim, na terceira parte, os participantes foram questionados relativamente a situações de medo e stress, tais como: quantas vezes se sentiu emocional e fisicamente exausto durante a pandemia; avaliação do medo de ficar infetado e infetar os respetivos familiares e amigos; avaliar o impacto da pandemia de COVID-19 na atividade profissional: ansiedade em ir trabalhar, impacto das novas condições de trabalho, preocupações relativas à perda de rendimentos/emprego durante o confinamento. Estas questões foram elaboradas com base em questionários disponibilizados na literatura.8,9,17
O estudo obteve parecer favorável da Comissão de Ética para a Saúde da Faculdade de Medicina Dentária da Universidade do Porto e da Unidade de Proteção de Dados da Universidade do Porto. Foi assegurada a confidencialidade e o anonimato das respostas a todos os participantes.
Foi utilizado o programa estatístico IBM SPSS Statistics 26® (Statistical Package for Social Science) para a análise estatística dos dados. As variáveis categóricas foram descritas através de frequências absolutas e relativas. As variáveis quantitativas foram descritas utilizando a média e o desvio-padrão (média±desvio-padrão). Utilizámos o modelo de regressão linear múltipla para, a partir do questionário, testar a existência de variáveis preditoras da ansiedade. Em todas as análises foi considerado um nível de significância de 5%.
Resultados
De uma população acessível de 1845 profissionais de saúde oral, foi obtida uma amostra de conveniência (n=390), tendo-se registado uma taxa de participação na resposta ao questionário de 21,1%.
Na Tabela 1 apresenta-se as características sociodemográficas dos participantes. Verificou-se que a maioria dos participantes era do sexo feminino e eram casados ou viviam em união de facto, 67,2% e 62,8%, respetivamente. A idade dos participantes variou entre 23 e 70 anos, 42,96±11,294. O número de anos de prática clínica foi de 18,73±10,792 e variou entre o mínimo de um e o máximo de 47 anos. Relativamente ao local de trabalho, 51,8% dos participantes trabalhavam em clínica própria e 55,9% trabalhavam por conta de outrem.
Quanto à região do local de trabalho, 48,2% trabalhava no Norte, 33,3% no Centro, 17,4% no Sul e apenas 1% trabalhava na Região Autónoma da Madeira. Foi ainda questionado se assistiram a alguma formação sobre o vírus SARS-CoV-2, e cerca 74% dos inquiridos responderam afirmativamente.
A Tabela 2, mostra os dados relativos ao questionário GAD-7. Mais de metade dos dias ou quase todos os dias durante a pandemia, 21% dos participantes responderam que se sentiram nervosos, ansiosos ou muito tensos e 13% declararam não conseguir impedir ou controlar as preocupações. A maioria (52,3%) dos participantes respondeu que se preocupava muito com diversos aspetos durante vários dias. Cerca de 22,1% dos participantes relataram dificuldade em relaxar e 6,7% declararam ficar agitados, tornando-se difícil permanecerem sentados, em mais de metade dos dias ou quase todos os dias. A maioria (58,2%) destes profissionais de saúde oral ficou aborrecida ou irritada em vários dias e 42,6% sentiram medo como se algo horrível fosse acontecer. A maioria dos participantes (52,8%) relatou que todos os tópicos questionados no GAD-7 lhe dificultaram um pouco o trabalho, o cuidado em casa e o convívio com outras pessoas. Enquanto 36,4% não sentiram qualquer dificuldade, 9,5% e 1,3% sentiram muita dificuldade e dificuldade extrema, respetivamente.
Representamos na Tabela 3 o grau de ansiedade estimado através da aplicação do questionário GAD-7. Verificámos que 18,3% dos participantes apresentaram uma perturbação generalizada de ansiedade moderada e grave e 39,5% ansiedade leve.
Na Tabela 4 mostra-se a avaliação do impacto da pandemia de COVID-19 no medo e stress relativa à atividade profissional dos participantes e à vida pessoal. Destes, 39,2% sentiram-se fisicamente exaustos e 29,7% sentiram-se emocionalmente exaustos, uma a duas vezes por semana. Um total de 86,7% declararam medo dos familiares e amigos se poderem infetar em resultado da sua exposição diária no trabalho, enquanto 18,7% assumiram muito medo de ficar infetados com o vírus.
Mais de metade dos profissionais (55,2%) sentiram-se ansiosos em ir trabalhar diariamente e, devido à pandemia, aproximadamente 90% destes indivíduos foram afetados negativamente na sua atividade profissional. Um número considerável destes profissionais (44,6%) preocupou-se muito com a perda de rendimentos, consequência do encerramento das clínicas. No que toca às novas condições de trabalho impostas, estas afetam muito o dia a dia de 42,8% dos participantes.
Na Tabela 5 apresentam-se os resultados relativos aos fatores preditivos da ansiedade nos profissionais de saúde oral, durante a pandemia do vírus SARS-CoV-2. Foi estimado um modelo de regressão linear múltipla estatisticamente significativo (R2 ajustado=0,299). Ser do sexo feminino (B=1,549; p<0,001), ter medo de infetar família e amigos (B=1,444; p=0,005), o facto de a pandemia afetar negativamente a atividade profissional (B=2,375; p<0,001), a perda de rendimentos (B=1,081; p=0,017) e as novas condições de trabalho (B=1,050; p=0,022) são fatores preditivos da ansiedade. O facto de ter assistido a alguma formação sobre o SARS-CoV-2 (B=0,016; p=0,972) e o medo de ficar infetado (B=0,963; p=0,091) não evidenciaram de forma estatisticamente significativa uma relação com a ansiedade. Contudo, a ansiedade apresentou uma relação inversa e estatisticamente significativa com o aumento dos anos de prática, (B=-0,053; p=0,006).
Discussão
A pandemia de COVID-19 teve um impacto negativo na prática da Medicina Dentária, não só a nível profissional, como também a nível pessoal, no que se refere ao medo, ansiedade e preocupações com repercussão nos hábitos de trabalho e de bem-estar.14,20 O presente estudo teve como objetivo avaliar a ansiedade e seus fatores associados, o medo e o stress nos profissionais de saúde oral durante a período pandémico.
Numa pandemia, os níveis de ansiedade, medo e stress aumentam. Os profissionais de saúde têm uma taxa maior de preocupação do que o resto da população em geral devido ao elevado risco de infeção.21 A probabilidade dos profissionais de saúde oral ficarem infetados e transmitirem o vírus é elevada, uma vez que os procedimentos dentários incluem proximidade com os pacientes e envolvem um elevado número de gotículas e aerossóis provenientes dos atos clínicos, sendo esta uma potencial via de transmissão do vírus.8
A sobrecarga física, juntamente com o impacto psicológico resultante de uma pandemia, aumentou os níveis de ansiedade nos profissionais de saúde.8
Um estudo realizado na China,22 onde foram abordados fatores associados à saúde mental entre os profissionais de saúde, demonstrou que, através da escala de Transtorno de Ansiedade Generalizada - 7 (GAD-7), 44,6% dos participantes apresentavam sintomas de ansiedade. No presente estudo, usámos também a escala GAD-7 para avaliar a ansiedade e um total de 18,3% dos participantes mostraram sentir-se ansiosos.
Essa ansiedade variou entre moderada a grave. Similarmente, noutro estudo, onde participaram 151 médicos dos hospitais de uma cidade do Quénia, demonstrou-se que 17,9% dos participantes tinham também ansiedade moderada e grave. A maioria desses participantes era do sexo feminino, o que é comparável com o estudo realizado na China e que vai ao encontro dos resultados do presente estudo, em que os inquiridos eram predominantemente mulheres. Na literatura foi encontrado que as mulheres apresentam maior possibilidade de experimentarem stress, ansiedade e depressão.23 Estes resultados são equiparáveis ao estudo de Salehiniya H. et al.,24 e de outra investigação realizada na Alemanha,25 em que as mulheres Dentistas experienciaram mais ansiedade do que os homens durante a pandemia de COVID-19. Isto pode ser fundamentado no facto das mulheres terem um contacto mais próximo com os filhos, pelo que a probabilidade de lhes transmitir a infeção poder aumentar a ansiedade e o medo, em comparação com os profissionais do sexo masculino.26,27 Similarmente, em estudos realizados na Arábia Saudita,28 a ansiedade foi também significativamente mais alta nas mulheres, incluindo enfermeiras e oftalmologistas.
Estudos sobre surtos com infeções similares, como a Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS), demonstraram que vários fatores levaram a traumas psicológicos nos profissionais de saúde, incluindo o medo de ficar infetado enquanto contactam com um doente potencialmente infetado e, posteriormente, de infetar a família.29,30 O mesmo acontece com os profissionais de saúde oral que, devido ao modo de transmissão do vírus SARS-CoV-2 experimentam os mesmos receios no que refere à transmissão do vírus para a família.8 No nosso estudo, a maioria dos participantes referiu ter medo de infetar a família. Resultados semelhantes foram observados num estudo realizado na Turquia,31 e num estudo realizado no Paquistão,32 em que 92% e 95%, respetivamente, revelaram ter medo de transmitir o vírus à família.
A pandemia de COVID-19 não só afetou o bem-estar emocional dos indivíduos, como também desencadeou uma recessão económica em quase todos os setores, onde a empregabilidade ficou em risco, e a Medicina Dentária não foi exceção.
Uma das grandes preocupações e receios dos participantes deste estudo foi a perda do emprego ou a perda de rendimentos na atividade clínica. Estas implicações económicas poderão justificar-se através da elevada exigência de investimento nos procedimentos de controlo de infeções, das novas condições de trabalho e dos protocolos de prevenção impostos que afetaram o dia a dia destes profissionais e da menor afluência de pacientes durante este período.26,33Estes fatores poderão explicar o elevado nível de ansiedade que se refletiu num número considerável de Médicos Dentistas deste estudo.
A forma rápida como esta pandemia se propagou, a elevada taxa de letalidade, o risco de contactar com um hospedeiro assintomático, o período de incubação, as possíveis sequelas resultantes da doença, a inexistência de um tratamento eficaz e a incerteza no futuro, aumentaram a carga psicológica entre os Médicos Dentistas e Médicos Estomatologistas. Paralelamente, a necessidade de implementação de novos protocolos na prática clínica, incluindo o uso de equipamento de proteção individual apropriado, procedimentos de higienização eficientes com a utilização correta dos equipamentos de proteção e a implantação de protocolos de higienização entre pacientes, desencadeou um provável aumento do stress e ansiedade nestes indivíduos em relação ao futuro desta profissão.4,6 É de realçar que todos estes fatores podem justificar a elevada frequência de cansaço físico e emocional sentidos por estes profissionais nesta investigação.
Existe literatura disponível que classifica a Medicina Dentária como uma profissão com altos níveis de stress.25 Lidar com pacientes difíceis ou nervosos, saber estabelecer uma relação médico-paciente, trabalhar sobre pressão de tempo e horários, fatores económicos, rendimentos e excesso de trabalho semanal são os fatores principais que causam stress nos Médicos Dentistas, segundo um estudo realizado por Myers et al..34 A pandemia de COVID-19 e as consequências dela provenientes parecem ter contribuído para um aumento do stress entre estes profissionais.35
Mishra et al.35 relataram que 62,5% dos Médicos Dentistas de um estado da Índia lidaram com stress psicológico e que os fatores de stress mais sentidos por estes foram a preocupação em contrair o vírus e as implicações financeiras associadas. Estas conclusões são semelhantes aos resultados que obtivemos neste estudo, visto que estes fatores foram também os mais relatados com maior taxa de preocupação, o que poderá ser a causa do aumento do stress e da ansiedade nestes indivíduos.
O medo de infetar a família e amigos, o facto de a pandemia afetar negativamente a atividade profissional e a incerteza dos rendimentos também aumentam a ansiedade. Em contrapartida, a ansiedade diminui com o aumento de anos de prática clínica, à semelhança de um estudo realizado sobre o impacto da pandemia no setor da Medicina Dentária, no Iraque.26 Resultados de Huang e Zhao36 mostraram que os indivíduos com menos de 35 anos são mais propensos a terem sintomas de ansiedade. Embora a morte, o risco de doença e a probabilidade de desenvolver sintomas respiratórios graves aumentem com a idade, estes resultados podem ser explicados pelo facto de os Médicos Dentistas mais velhos terem mais experiência clínica, conhecimentos e serem mais suscetíveis de terem lidado com situações difíceis, como o relato de pandemias passadas, doenças infeciosas e crises financeiras, em comparação com os indivíduos mais novos, que têm menos experiência profissional. Deste modo, os profissionais mais velhos poderão tornar-se mais confiantes, mais resilientes e menos propensos à ansiedade.25,26,37-39
Face ao medo e ansiedade demonstrados pela comunidade dos profissionais de saúde oral durante o período da pandemia, é necessário que se adotem mecanismos e estratégias para, não só diminuir estes aspetos, como fortalecer os mecanismos de autocontrolo com repercussão positiva na prática clínica e respetiva minimização na probabilidade de transmissão do vírus. Deste modo, torna-se imprescindível que estes profissionais sigam meticulosamente as recomendações emitidas pelas autoridades reguladoras, incluindo protocolos de controlo de infeções cruzadas e rastreio prévio dos pacientes se a situação epidemiológica assim o determinar.40 No entanto, pensamos que o processo de vivências é dinâmico e a experiência obtida ao longo do período pandémico, o comportamento do vírus no que diz respeito ao aparecimento de mutações, bem como o processo de vacinação generalizado que se observou em Portugal poderá em estudos futuros alterar a resposta dos participantes.
A inacessibilidade à totalidade de médicos dentistas e estomatologistas em exercício em Portugal (população-alvo) e a taxa de participação efetiva nos inquéritos rececionados representam uma limitação deste estudo, em particular se considerarmos o facto do método de amostragem não ter sido aleatório.
Adicionalmente, os profissionais com anteriores perturbações de ansiedade, ou a fazerem medicação para tal, podem ter respondido que a pandemia não os afetava e, eventualmente, os que responderam foram os mais afetados pelos efeitos da pandemia. Este estudo não avaliou os antecedentes dos inquiridos em termos de condições de saúde mental anteriores à pandemia de COVID-19, fator que poderia ter influenciado nas respostas ao questionário aplicado. Assim, os fatores descritos anteriormente, a aplicação de modelos de regressão linear e o carácter multifatorial das diferentes manifestações caracterizadas por falta de bem-estar emocional dão consistência ao facto de se ter obtido uma percentagem de variabilidade explicada de 29,9%.
A utilização de um questionário autoaplicado online para recolha de informação tem algumas limitações, principalmente a falta de conhecimento das circunstâncias em que o questionário foi preenchido, o que pode ter influenciado a qualidade e a quantidade das respostas obtidas e, desta forma, incrementar o erro de viés e condicionar a validade externa do estudo.
Apesar das limitações do método aplicado, entendemos que a autoaplicação de um questionário seria a mais adequada, tendo em conta o nível de literacia dos participantes, e a dificuldade de aplicação do questionário em papel, face ao número de omissões que habitualmente proporciona. Acrescente-se a oportunidade do presente estudo por ser o primeiro que caracteriza o impacto da pandemia neste setor profissional em Portugal.
Conclusões
Com o presente estudo constatámos que os profissionais de saúde oral foram afetados pela pandemia de COVID-19, tendo implicações na saúde mental. O modo de transmissão do vírus, o elevado risco de contágio no decorrer da atividade clínica e o medo de infetar a família aumentaram a ansiedade, medo e stress, principalmente numa fase precoce da pandemia. A ansiedade aumentou no sexo feminino e diminuiu com o aumento da prática clínica. A atividade da Medicina Dentária sofreu alterações na sua prática diária e, em conformidade com os protocolos recomendados para evitar a infeção cruzada com repercussão financeira e económica, deixou estes profissionais reticentes face ao futuro da profissão.