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Laboreal
versão On-line ISSN 1646-5237
Laboreal vol.14 no.1 Porto jul. 2018
https://doi.org/10.15667/LABOREALXIV0118AN
O DICIONÁRIO
X, como raio X
X, como rayos X
X, comme rayon X
X, as X-ray
Adelaide Nascimento
Cnam, CRTD, Equipe Ergonomie 41 rue Gay-Lussac 75005 Paris
A descoberta acidental do raio X em 1895 por W. C. Rontgën revolucionou o mundo da físico-química, mas também o campo da medicina e da indústria. Trata-se de um tipo de radiação de alta energia com capacidade de penetrar organismos vivos, atravessar tecidos de pouca densidade e ser absorvido pelas partes mais densas do corpo humano (como estruturas ósseas). Em razão dessa característica, a principal utilização dos raios X consiste em radiografias clássicas e scâneres para diagnóstico médico. Eles também são utilizados industrialmente com a finalidade de observação da estrutura interna de objetos e identificação de possíveis falhas. Nos sítios que necessitam uma vigilância importante (aeroportos, museus, etc.), os raios X são de uso cotidiano a fim de controlar o transporte de objetos perigosos e evitar acidentes. Enfim, eles são utilizados em laboratórios com objetivos de pesquisa científica.
Os raios X são radiações ionizantes (capazes de modificar a estrutura da ADN) e consequentemente apresentam efeitos nocivos para a saúde em caso de exposições longas ou repetidas e/ou de forte intensidade, podendo provocar a formação de células cancerígenas. As radiações recebidas ao longo da vida apresentam um efeito cumulativo, e os danos podem se manifestar de maneira imediata ou tardia de acordo com a intensidade da dose recebida. Após a descoberta dos raios X, quase 30 anos foram necessários para que os princípios de prevenção através da radioproteção aparecessem (CIPR, 2011).
Um longo processo de nível mundial esta por trás das normas e leis nacionais relativas à proteção dos trabalhadores, dos pacientes e da população em geral. Elas são fruto de pesquisas e negociações entre diferentes instâncias e são determinadas segundo os avanços da ciência e das demandas da sociedade [1]. Levando em consideração os efeitos nocivos sobre os trabalhadores expostos, os princípios de radioproteção dos trabalhadores são fundamentados em três critérios:
- Duração: a duração de exposição deve ser a mais breve possível;
- Distância: distanciamento máximo dos trabalhadores com relação a fonte de emissão de raio X, com possibilidade de manipular os aparelhos à distância;
- Barreiras físicas: interposição de barreiras espessas e absorventes entre a fonte de raio X e o trabalhador; uso de vestimentas de proteção.
O médico do trabalho, baseando-se em uma análise do posto de trabalho, preenche uma ficha de exposição e classifica os trabalhadores de acordo com o risco corrido. Em função desta classificação, os trabalhadores podem beneficiar de medidas de proteção reforçadas: visitas de controle, dosimetria individual, formação obrigatória sobre os riscos das radiações ionizantes.
Apesar dos riscos, a característica ionizante dos raios X apresenta benefícios para o tratamento de pacientes com cancros. É assim que nasce a radioterapia no começo do século XX. Esta especialidade médica consiste na destruição de células tumorais através de uma dose pré-calculada de radiação e de um tempo determinado de exposição do órgão doente. A resposta dos tecidos às radiações depende de diversos fatores, tais como a sensibilidade do tumor à radiação, sua localização e oxigenação, assim como a qualidade e a quantidade da radiação e o tempo total em que ela é administrada. Para atingir o órgão ao ser tratado, o feixe de radiação atravessa tecidos sadios. Dessa maneira, o que está em jogo é não somente a destruição das células tumorais, mas também a preservação dos órgãos sadios localizados à proximidade do órgão doente irradiado. Assim, se por um lado os progressos científicos e tecnológicos favoreceram a melhoria da terapêutica em cancerologia (em termos de eficácia clínica), o ganho em termos de redução da morbi/mortalidade dos pacientes foi acompanhado pelo aparecimento de novos riscos para a segurança dos pacientes. Se não controlados, os riscos de acidente podem conduzir a consequências graves para a saúde dos pacientes, como nos mostram os acidentes ocorridos na França em 2005 e em outras partes do mundo. Apesar do impacto mediático, felizmente, os acidentes graves em radioterapia constituem eventos raros: em torno de 20 são repertoriados no mundo até os dias de hoje (Peiffert, Simon, & Eschwege, 2007).
Devido aos acidentes ocorridos em Epinal, na França, e a nova regulamentação exigindo uma melhor gestão de risco da parte dos profissionais, várias demandas de pesquisas em ergonomia foram solicitadas pelos institutos franceses responsáveis pelo controle e inspeção dos centros de radioterapia. O objetivo inicial era de compreender como os profissionais da radioterapia gerenciam, individualmente e coletivamente, as obrigações e os recursos disponíveis a fim de responder aos objetivos de produção da saúde e produção da segurança dos pacientes ─ sabendo-se que em alguns casos esses dois objetivos podem entrar em contradição (Nascimento, 2010). Serão aqui apresentados alguns ensinamentos da análise da atividade dos físicos médicos, profissionais responsáveis pela conceção da dosimetria de acordo com a prescrição médica (número de sessões, dose, órgão a ser irradiado, dose a não ser ultrapassada nos órgãos sadios), e pelo controle dos aparelhos de radioterapia.
A antecipação dos riscos de execução de um tratamento pelos físicos médicos é claramente e sobretudo observada quando eles consideram que o tratamento em questão é difícil (muitos parâmetros a regular, posição do paciente desconfortável, etc.) (Nascimento & Falzon, 2012). De maneira unânime, os indivíduos entrevistados mencionam um conjunto de estratégias visando facilitar o trabalho realizado na sala de tratamento pelos técnicos em radioterapia, e assim reduzir os riscos de erro. Estas estratégias são a prova de que os físicos levam em consideração o trabalho dos técnicos, o que constitui uma garantia de cooperação segura. O objetivo dos físicos é garantir que a dosimetria de qualidade obtida virtualmente seja igualmente segura em situação real. As duas grandes estratégias de prevenção dos físicos são: evitar alguns dos riscos identificados na fase virtual e fornecer assistência aos técnicos em radioterapia durante a sessão de tratamento. Os físicos vão considerar as dimensões técnicas, humanas e organizacionais no posto de tratamento, assim como o conforto do paciente. O objetivo é de reduzir os riscos na fonte, isto é, durante a fase de conceção do tratamento (virtualmente). Eles vão se resguardar, por exemplo, de encaminhar um tratamento muito complicado para uma sala de tratamento sobrecarregada de pacientes, ou que tenha muitos técnicos novatos, ou ainda que tenha um maquinário antigo. Eles podem ainda limitar a complexidade de alguns parâmetros da dosimetria. A metade dos indivíduos entrevistados admitem ajustar alguns parâmetros numéricos da dose, arredondando os dados, para não confundir o trabalho dos técnicos em radioterapia. Associadas a essas estratégias, outras visam dar assistência aos técnicos durante a execução do tratamento. Essas estratégias têm por objetivo controlar algumas fontes de risco que não puderam ser controladas durante a fase de conceção no software. Tratando-se dos casos mais raros, a simples transmissão não é suficiente para reduzir os riscos de uma dosimetria complicada. É preciso estar presente na sala de tratamento, para assim garantir que o tratamento será realizado nas mesmas condições previstas na fase de conceção.
As pesquisas mais recentes em ergonomia realizadas na França se interessaram em elucidar a participação dos pacientes na prevenção de riscos de erros (Pernet, Mollo & Giraud, 2012), a organização do trabalho coletivo e a produção de artefactos para garantir a qualidade e a segurança do tratamento (Munoz, 2016), ou ainda os dispositivos de retorno de experiência e de previsão de riscos de acidentes utilizados pelos profissionais da radioterapia (Thellier, 2017).
Em conclusão, nota-se que desde a sua descoberta há mais de 120 anos, os raios X são fonte de riscos e de benefícios para setores econômicos diversos assim como para a população em geral. Eles suscitam questionamentos em termos de proteção dos trabalhadores e dos pacientes submetidos à sua exposição, e abre assim um campo de investigação para as ciências do trabalho.
Referências bibliográficas
CIPR (2011). Publication CIPR 105 : protection radiologique en médecine. Commission Internationale de Protection Radiologique. 72p. [ Links ]
Munoz, M.-I. (2016). «Prendre soin» du travail: dispositifs de gestion du flux et régulations émergentes en radiothérapie. Thèse de doctorat em Ergonomie. Cnam, Paris. [ Links ]
Nascimento, A. (2010). Produzir a saúde, produzir a segurança. Desenvolver uma cultura colectiva de segurança em radioterapia. Laboreal, 6, (1), 37–40. http://laboreal.up.pt/revista/artigo.php?id=37t45nSU54711238:7625833:31 [ Links ]
Nascimento, A., & Falzon, P. (2012). Producing effective treatment, enhancing safety: Medical physicists' strategies to ensure quality in radiotherapy. Applied Ergonomics 43, 777-789. [ Links ]
Peiffert, D., Simon, J. M., & Eschwege, F. (2007). L'accident d'Épinal : passé, présent, avenir. Cancer/Radiothérapie, 11(6-7), 309-312. [ Links ]
Pernet, A., Mollo, V., & Giraud, P. (2012). La participation des patients à la sécurité des soins en radiothérapie : une réalité à développer. Bulletin du Cancer, 99, 581-7. [ Links ]
Thellier, S. (2017). Approche ergonomique de l'analyse des risques en radiothérapie : de l'analyse des modes de défaillances à la mise en discussion des modes de réussite. Thèse de doctorat em Ergonomie. Cnam, Paris. [ Links ]
COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO?
Nascimento, A. (2018). X, como raio X. Laboreal, 14 (1), 73-75. http://dx.doi.org/10.15667/laborealxiv0118an
Notas
[1] Sítio internet IRSN : Institut de Radioprotection et Sûreté Nucléaire. http://www.irsn.fr