Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Laboreal
versão On-line ISSN 1646-5237
Laboreal vol.15 no.1 Porto jul. 2019
DATÁRIO
8 de março - Dia Internacional das Mulheres
8 de marzo - Día Internacional de las Mujeres
8 mars - Journée Internationale de la Femme
March 8th - International Women’s Day
Simone Santos Oliveira [1], Lúcia Rotenberg [2]
[1] Fundação Oswaldo Cruz Rua Leopoldo Bulhões 1480, Manguinhos, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 21.041-210 simone@ensp.fiocruz.br
[2] Fundação Oswaldo Cruz Av. Brasil 4365, Manguinhos, Pavilhão Lauro Travassos, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, 21.045-900 rotenber@ioc.fiocruz.br
O 8 de março como marco do movimento pela igualdade entre homens e mulheres
O Dia Internacional das Mulheres, 8 de março, se consolidou como data comemorativa dos esforços da luta do movimento feminista. Não foi instituído a partir de uma única data ou evento ele é resultado da necessidade de comunicar uma luta ampla que permeou vários setores das sociedades ao longo das últimas décadas. Ampliar o entendimento histórico dessa data contribui para reconhecer o contexto político expresso pela confluência da luta das trabalhadoras, do movimento socialista e da luta feminista, assim como sua importância na atualidade.
1. Acerca da data
Recuperar a história do Dia Internacional das Mulheres possibilita evidenciar as difíceis discussões e embates da luta pela igualdade entre mulheres e homens, que se alinham às transformações estruturais da sociedade. Em geral, a origem da comemoração deste dia está´ associada ao incêndio da fábrica têxtil Triangle Shirtwaist Company, em 25 de março de 1911, no qual morreram 146 trabalhadores, sendo pelo menos 123 mulheres. Um incêndio que de fato existiu, marcando o movimento operário dos Estados Unidos, mas cuja história não se vincula a` proposição de um dia de luta das mulheres e, tampouco, a` definição da data de sua comemoração (González, 2010; Bay, 2001).
Em 1910, durante a Segunda Conferência Internacional de Mulheres Socialistas, realizada em Copenhague, Clara Zetkin, líder alemã do movimento, já havia proposto a criação de um dia internacional dedicado à luta das mulheres, sem definir uma data específica (Blay, 2001). O direito ao voto era a reivindicação central das mulheres em grande parte dos países no mundo e, em torno dele, a ideia da importância do dia se fortaleceu. No entanto, segundo alguns estudos, o que definiu essa data foram as manifestações das mulheres na Rússia, no dia 8 de março de 1917 (dia 23 de fevereiro, segundo o antigo calendário Juliano). A greve das operárias têxteis e a revolta das mulheres contra a escassez de alimentos foi o estopim da Revolução de Fevereiro de 1917 na Rússia.
Para relembrar a ação das mulheres na história da Revolução Russa, o Dia Internacional das Mulheres passou a ser comemorado de forma unificada no dia 8 de marc¸o. A decisão de unificação da data foi tomada na Conferência de Mulheres Comunistas, coincidindo com o Congresso da Terceira Internacional, realizado em Moscou, em 1921. Parte dessa história, entretanto, ficou esquecida durante vários anos.
Somente a partir da década de 1960, o Dia Internacional das Mulheres e´ retomado com destaque como data de luta do movimento. A existe^ncia de um dia comum tem um papel significativo de mobilizac¸a~o e a incorporac¸a~o pela ONU, em 1975, do 8 de Marc¸o como data mundial contribui para isso (Bay, 2001). Portanto, quando novamente ganharam fôlego as comemorações, muitas versões são contadas, se confundem, se criam.
2. Produção e reprodução
Com os desafios e limites de cada época, o movimento feminista ganha envergadura quando entende que o modo de produção capitalista isola produção e reprodução, reduzindo o conceito de trabalho ao trabalho produtivo remunerado, excluindo assim toda a contribuição do trabalho social constituído no âmbito doméstico (Sorj, 2003).
Pode-se dizer também que a invisibilidade do trabalho social feminino se expressa em sua exclusão da contabilidade das riquezas de um país. O debate sobre o conceito de trabalho levou de fato à elaboração de um novo enfoque teórico das relações entre o trabalho feminino na esfera doméstica e a contabilidade nacional. Melo, Considera e Di Sabbato (2007), partindo da premissa de que o trabalho doméstico é essencial para o desenvolvimento da sociedade, propuseram aliás um exercício metodológico de cálculo do valor deste trabalho a partir de levantamentos estatísticos sobre o uso do tempo das populações.
Assim, em oposição ao argumento de que são esferas regidas por diferentes princípios, o feminismo argumenta que o trabalho produtivo remunerado e o trabalho social realizado pelas mulheres se articulam profundamente e, frequentemente, em seu prejuízo, já que o espaço doméstico, não raras vezes, influencia negativamente as oportunidades nas carreiras, as atribuições dos postos de trabalho e os salários das mulheres (Sorj, 2003).
3. A divisão sexual do trabalho
O conceito de divisão sexual do trabalho se refere não só à distribuição desigual de mulheres e homens no mercado de trabalho, mas remete a uma “diferenciação para hierarquizar as atividades e, portanto, os sexos, em suma, para criar um sistema de gênero” (Hirata & Kergoat, 2007, p. 596). O movimento feminista deu visibilidade à exploração capitalista baseada na divisão sexual do trabalho e permitiu compreender melhor as relações de poder e de opressão que mantêm a desigualdade entre mulheres e homens, que se perpetuaram mesmo em sociedades que tentaram romper com a desigualdade de classes. Helena Hirata defende por isso que classe, raça e sexo são categorias indissociáveis, assim como trabalho profissional e trabalho doméstico (Hirata, 2018). Neste sentido, Danièle Kergoat é conhecida por ter realçado a complexidade do processo emancipatório em jogo, passando este não só por uma tomada de consciência de gênero, de classe e de raça, mas ainda por um processo de luta contra a exploração, a opressão e a dominação (Kergoat, 2010).
Um número significativo de estudos esteve particularmente atento aos efeitos diferenciados dessas dinâmicas sociais na saúde de homens e mulheres (Bercot, 2015). Diversas pesquisas, no âmbito da ergonomia e da sociologia, buscaram efetivamente romper com o modelo assexuado do trabalho, em que o masculino é apresentado como universal e as relações de gênero não são contempladas (Brito, 2005) - demonstrando a necessária indissociabilidade entre as análises das relações de trabalho e as de gênero, identificando os lugares que ocupam homens e mulheres na sociedade, e não naturalizando suas competências (Hirata & Kergoat, 2007).
4. As fases históricas do feminismo
As diversas fases do feminismo, usualmente denominadas ondas, não constituem um processo linear, mas podem ser vistas como coexistentes (Narvaz & Koller, 2006). A primeira onda faz menção à luta das mulheres pela igualdade de direitos, em especial ao movimento sufragista na França, Inglaterra, Estados Unidos e Espanha. A segunda onda (1960-1970) se deu, particularmente, nos Estados Unidos, na busca de igualdade e denúncia à opressão masculina, e na França, com o argumento sobre a necessidade de dar visibilidade à especificidade da experiência das mulheres. A terceira onda (década de 1980) transita entre duas posições: a dos estudos que priorizam as mulheres, voltados para a teoria e política-militância feminista; e a dos estudos de gênero, nos quais a dimensão relacional é um pressuposto central (Scott, 1990).
O feminismo contemporâneo abarca os diversos campos de atuação humana assumindo, neste sentido, uma dimensão plural (Negrão, 2002; Fougeyrollas-Schwebel, Lépinard & Varikas, 2005). Assim, a passagem do século 20 para o século 21 corresponde a diversas modalidades de feminismos, cuja nomenclatura varia segundo os autores e a corrente teórica, assumindo denominações como, por exemplo, pós-feminismo, feminismo jovem, feminismo de poder ou ciberfeminismo (Coleman, 2009). Ao chamar a atenção para o papel essencial da internet como espaço para as ativistas feministas, Munro (2013) questiona se estamos testemunhando a quarta onda feminista.
Em paralelo às lutas feministas, a partir dos anos 1980, os meios de comunicação e empresas absorvem o Dia Internacional das Mulheres e acabam por transforma´-lo em mais um evento de venda de produtos: dia de flores, de homenagens, de presentes, baseados no reforço da feminilidade tradicional. Há inclusive uma investida antifeminista: jornais e revistas publicam artigos questionando o feminismo e suas mais caras bandeiras, como a busca da igualdade (González, 2010).
5. Hoje
Ao se tornar referência no mundo inteiro, o 8 de março tem um importante papel na visibilização do amplo movimento de mulheres e da luta por relações sociais igualitárias, tanto no mercado de trabalho quanto na família. Uma luta fundamental, tendo em vista a persistência das diferenças salariais, da violência doméstica e do feminicídio (entre outros graves problemas), e que deve ser travada também no campo do conhecimento. Como destaca Haraway (1995, p.16), “precisamos do poder das teorias críticas modernas sobre como significados e corpos são construídos, não para negar significados e corpos, mas para viver em significados e corpos que tenham a possibilidade de um futuro”.
Com o 8 de março se afirma a autonomia e soberania das mulheres, chamando-se a atenção de que a igualdade entre os sexos é parte fundamental de todos os processos de transformação social. Portanto, o desenvolvimento da ótica de gênero nas pesquisas e intervenções inclusive naquelas que tratam especificamente do trabalho contribui para pensarmos novos modos de viver, mais solidários e equânimes.
Referências bibliográficas
Bercot, R. (2015). Gênero e mal-estar no trabalho. Revista Ciências do Trabalho, 4, 111-124. [ Links ]Blay, E. (2001). 8 de Março: Conquistas e Controvérsias. Estudos Feministas, 9(2), 601-609. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2001000200016 . [ Links ]
Brito, J. (2005). Trabalho e Saúde Coletiva: o ponto de vista da atividade e das relações de gênero. Ciência & Saúde Coletiva, 10(4), 879-890. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232005000400012 . [ Links ]
Coleman, J. (2009). An introduction to feminisms in a postfeminist age. Women's Studies Journal, 23(2), 3-13. [ Links ]
Fougeyrollas-Schwebel, D., Lépinard, E., & Varikas, E. (Dirs.) (2005). Féminisme(s) Penser la pluralité. Cahiers du Genre, 39. Paris: L'Harmattan. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2006000300018. [ Links ]
González, A. (2010). As Origens e a Comemoração do Dia Internacional da Mulheres. São Paulo: Expressão Popular, SOF Sempre Viva Organização Feminina. [ Links ]
Haraway, D. (1995). Saberes localizados: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, 5, 07- 41. [ Links ]
Hirata, H., & Kergoat, D. (2007). Novas configurações da Divisão Sexual do Trabalho. Cadernos de Pesquisa, 37(132), set./dez., 595-609. [ Links ]
Hirata, H. (2018). Gênero, patriarcado, trabalho e classe. Trabalho Necessário, 16(29),14-27. [ Links ]
Kergoat, D. (2010). Dinâmica e consubstancialidade das relações sociais. Novos estud. - CEBRAP [online]. 86, 93-103.. http://dx.doi.org/10.1590/S0101-33002010000100005.
Melo H., Considera, C., & Di Sabbato, A. (2007). Os afazeres domésticos contam. Economia e Sociedade, 16(3), 435-454. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-06182007000300006 . [ Links ]
Munro, E (2013). Feminism: A Fourth Wave?. Political Insight, 4(2), 22-25. https://doi.org/10.1111/2041-9066.12021 .
Narvaz, M., & Koller, S. (2006). Metodologias feministas e estudos de gênero: articulando pesquisa, clínica e política. Psicologia em Estudo, 11(3), 647-654. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722006000300021. [ Links ]
Negrão, T. (2002). Feminismo no plural. In M. Tiburi, M. Menezes, & E. Eggert (Dirs.). As mulheres e a filosofia (pp. 271-280). São Leopoldo: UNISINOS. [ Links ]
Scott, J (1990). Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação e Realidade, 16(2), 5-22. [ Links ]
Sorj, B. (2003). Trabalho, gênero e família: quais políticas sociais? In T. Godinho, & M.L. Silveira (Dirs.). Políticas públicas e igualdade de gênero (pp. 143-148). São Paulo: Prefeitura do Município de São Paulo. [ Links ]
Manuscrito recebido em: dezembro/2018
Aceite após peritagem: fevereiro/2019
COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO?
Oliveira, S., & Rotenberg, L. (2019). 8 de março - Dia Internacional das Mulheres. Laboreal, 15(1).