Foi uma das últimas publicações de Antoine Laville. Uma versão escrita (Laville, 2004) apareceu depois de sua morte, que ocorreu no fim de 2002. Laville a tinha escrita, com pequenos retoques, a patir de uma comunicação oral, de mesmo título, feita em Aix-en-Provence em março de 2001, durante as jornadas temáticas consagradas à obra de Alain Wisner; é o texto dessa apresentação oral que será comentado aqui.
É, portanto, um texto “encomendado”, mas esta encomenda foi oportuna, por pelo menos três razões: o contexto sociodemográfico e a sua evolução, com uma população activa cada vez mais heterogênea; a estruturação institucional da pesquisa sobre este tema na França (em particular com a criação, dez anos antes, do Centre de Recherche sur l'Expérience, l'Age et les Populations au Travail - Creapt); e as preocupações científicas, epistemológicas e mesmo éticas que Antoine Laville há muito vinha desenvolvendo a esse respeito e que considerava importante apresentar. Vamos discutir esses três elementos aqui.
1. Uma população ativa mais heterogênea
A evolução demográfica da população economicamente ativa nas últimas décadas na França - e em muitos outros países industrializados, embora não ao mesmo tempo ou no mesmo ritmo - pode ser resumida bastante bem recorrendo-se à metáfora do "golpe de sanfona".
Nos últimos 25 anos do século XX, os baby boomers, ou seja, os muitos que nasceram entre os anos 1946-1973, contribuíram principalmente para o aumento das idades medianas. Este movimento geral de estreitamento das faixas etárias na pirâmide por idade acentuou-se, tanto pelo efeito de uma entrada mais tardia dos jovens na vida activa (havia cerca de 100.000 estudantes adicionais por ano), como da utilização ainda generalizada de múltiplas formas de saída antecipada, por aposentadoria ou préretraite1.
No início dos anos 2000, a tendência se inverteu - e o texto de Laville é contemporâneo dessa virada. Os primeiros baby boomers aproximavam-se ou atingiam a idade da aposentadoria, mas as coortes subsequentes aumentaram o peso relativo dos cinquenta e poucos anos. A préretraite foi severamente restringida e as reformas previdenciárias, iniciadas ou planejadas, atrasaram as idades legais de aposentadoria. No outro extremo da estrutura demográfica, cessou o aumento das faixas etárias no primeiro emprego: a taxa de emprego das pessoas com menos de 25 anos deixou de cair e manteve-se mais ou menos estável desde então. A faixa de idade da população trabalhadora, portanto, se alongou.
Essa disposição desigual das faixas etárias não era propriamente uma novidade na França, mas remetia a uma época sobre a qual a maioria dos responsáveis, em empresas ou administrações, pouco ou nada conhecia: os anos 1960 e 1970, quando a escolaridade ainda era em sua maioria curta e a idade legal de aposentadoria era de 65 anos.
Este movimento de diferenciação das faixas etárias - que continua desde então (Volkoff, 2012) - é obviamente acompanhado por uma maior diversidade nas áreas relacionadas à idade, que Laville enumera aqui de passagem: estado funcional, experiência, competências; poder-se-ia acrescentar: as condições de trabalho ou as mudanças vivenciadas anteriormente, as formas de transmissão do saber profissional, etc. Além disso, a diversidade também aumentou por muitas outras razões: crescimento relativo da força de trabalho feminina, uso irregular de contratos de trabalho temporário, reorganizações e reestruturações mais frequentes, novos usos de ferramentas digitais, subcontratação, mas também mobilidade geográfica e novas composições familiares mais numerosas.
Pode-se pensar que essa variedade signifique boas notícias. Tanto melhor se as mulheres e os homens que trabalham em tal setor, tal profissão, tal empresa, forem portadores e portadoras de toda uma gama de "recursos humanos" - adotando-se este termo aqui, não para fins de seleção como Laville lamenta, mas sim de cooperação e enriquecimento mútuo. Mas esse teria que ser o objetivo, ao invés dos processos de padronização que levam, nas palavras dele, “na melhor das hipóteses a reduzir essa diversidade, na pior a negá-la” ((Laville, 2004, p. 28, tradução livre). Também seria necessário que os modos de organização, nas empresas e nas administrações, se libertassem de um suposto imperativo de intensificação do trabalho, forma dominante de uma “busca exacerbada de produtividade”, como coloca Laville. A partir da década de 1990, essa corrida pela produtividade foi redobrada por um desejo de reatividade imediata, gerenciamento da produção no formato just in time e um emaranhado de restrições de tempo mais ou menos contraditórios (Askenazy et al., 2006). Em suma, exatamente o oposto desse “maior espaço de manobra” ((Laville, 2004, p. 30, tradução livre) que tornaria a diversidade interindividual tolerável, até benéfica.
2. Parcerias de pesquisa de longo prazo
Dos elementos contextuais que acabamos de relembrar brevemente, emergem duas preocupações centrais para a ergonomia. A primeira é a perspectiva de uma longa tendência de aumento das formas de diversidade da população trabalhadora, tendência amplificada por transformações no aparelho produtivo e nas políticas públicas, que demanda uma ergonomia capaz de integrar dimensões de médio e longo prazo em sua abordagem. A segunda é notar o papel estruturante da variável "idade" nesses processos: tanto como componente da variabilidade interindividual quanto intraindividual ("O envelhecimento é duradouro e mutável", disse o filósofo Georges Canguilhem - 1981, p. 13), e como vetor sobre o qual se projetam mudanças nos itinerários pessoais e mudanças no trabalho.
Por essas razões - e ainda que a criação de uma rede de pesquisa não obedeça a uma abordagem puramente racional - os fundamentos do Creapt, centro de pesquisa com foco dominante nas relações idade/trabalho, nascido em setembro de 1991, compreendeu duas grandes orientações que se mantêm desde então.
Em primeiro lugar, a necessidade de uma abordagem multinível, nomeadamente em busca de ligações particulares entre ferramentas quantitativas relacionadas com a demografia ou com a epidemiologia ocupacional (ver, por exemplo, Molinié & Volkoff, 2002; Mardon et al., 2013) e análises ergonômicas as mais próximas possível das situações de trabalho (ver, por exemplo, Gaudart, 2000; Thébault, 2014). Essa opção também ficou clara desde o início na própria composição inicial da equipe de pesquisa, com dois ergonomistas da atividade (incluindo o próprio Laville) e dois “quantitativistas” oriundos do sistema estatístico público.
Em segundo lugar, e é nisso que vamos insistir aqui, o desenvolvimento de um quadro institucional suficientemente estável graças a uma parceria plurianual reunindo empresas, agentes de políticas públicas e organismos de ensino superior ou de pesquisa; por isso a estruturação jurídico-institucional de um “Groupe d’intérêt”, que ainda hoje é a do Creapt, foi vista como promissora.
Os programas de pesquisa apoiados por estruturas deste tipo, na França, são muito diversos em termos de temáticas, disciplinas, âmbito ou tempo de existência, mas têm em grande parte algumas características em comum: um prazo de vários anos, renovável e em muitos casos renovado; deliberações conjuntas regulares (semestrais, no caso do Creapt) entre os parceiros para definição conjunta de projetos de pesquisa e acompanhamento de sua implementação; e, em geral, um funcionamento que torna cada parceiro um contributor (na participação financeira, em tempo-pesquisador, no apoio técnico, etc.) e beneficiário, uma vez que as ferramentas metodológicas e os resultados são compartilhados - além do fato de que uma parte dos estudos são realizados diretamente a pedido de cada um e em seu "terreno".
Entendemos que um funcionamento coletivo assim estabilizado é propício para lidar com várias das questões que Antoine Laville levanta em seu texto: as variações na homogeneidade ou heterogeneidade das populações no trabalho; os mecanismos de alocação diferenciada de mão de obra “por contratação ou por exclusão devido aos constrangimentos [do trabalho]”; ou ainda a necessidade de fazer um “estudo retrospectivo dos itinerários de cada um” (Laville, 2004, p. 29, tradução livre).
Outra vantagem de formar essas parcerias duradouras é fazer circular elementos mais gerais de posicionamento, dos quais os parceiros podem apoderar-se à medida que aí se revêem. No caso do Creapt, trata-se, por exemplo, de uma oportunidade para a Direction des études et statistiques du Ministère du Travail colocar a questão da variabilidade no centro de seus sistemas de pesquisa; para que a Agence nationale pour l’amélioration des conditions de travail inclua elementos demográficos no seu apoio empresarial; para as próprias empresas, para que abordem o envelhecimento no trabalho a partir de questões relacionadas à experiência, às relações saúde/trabalho de longo prazo, à transmissão dos saberes profissionais.
Retornar ao questionamento de Wisner: “a qual homem o trabalho deve ser adaptado?” Wisner et al., 1971), como fez Laville no texto aqui apresentado, foi, portanto, ainda mais pertinente, pois as possibilidades de reflexão coletiva e prolongada sobre este assunto estavam assim abertas.
3. Evitar as armadilhas da seleção
Para essas reuniões dedicadas ao trabalho de Alain Wisner, Laville escolheu, portanto, retomar um relatório que ele havia escrito trinta anos antes. Nesse relatório, Wisner desmantelou a noção de “operador médio”, estabelecendo, por um lado, que um trabalhador que apresentasse todas as características “médias” era na realidade um ser extremamente raro; por outro lado, que a abordagem que consistia em tomar esse “homem médio” (no masculino, diga-se de passagem) como referência para o design dos meios de trabalho, privou a ergonomia de grande parte de sua pertinência operacional.
Valendo-se de suas próprias pesquisas e/ou das de Catherine Teiger (ver, por exemplo, Laville, 1989; (Teiger & Villatte, 1993), Laville pôde demonstrar facilmente o interesse em trabalhar essa questão da heterogeneidade nos estudos ergonômicos. Mas o importante aqui, a nosso ver, é que ele prolonga o questionamento de Wisner ao colocar diretamente essa embaraçosa questão: ao analisar a diversidade, o ergonomista não corre o risco de alimentar as abordagens de seleção, aquelas mesmo às quais a ergonomia propõe uma alternativa (adaptação do trabalho ao ser humano, e não o contrário)?
A relevância dessa questão parece talvez óbvia para um leitor da Laboreal hoje - e sem dúvida já para os participantes das reuniões de Wisner em 2001. Mas na comunidade de ergonomistas em escala internacional, há muito se percebiam formas de negação. Permitam-me contar este episódio: no congresso da IEA (International Ergonomics Association) de 1991 em Paris, durante o período de discussão previsto para o final da sessão "Envelhecimento no trabalho", os participantes iniciaram uma discussão sobre os riscos de consequências prejudiciais e estigmatizantes dos estudos que caracterizavam o “idoso” no trabalho. O académico britânico que presidiu a sessão, visivelmente aborrecido, primeiro brincou com os “queixosos ergonomistas”, depois encerrou o debate vinte minutos mais cedo, alegando que “estas questões não tinham nada a ver com as comunicações precedentes” e que “todos precisávamos de uma pausa”…
Sem ofensa a este estimado colega, há uma questão real aí, e podemos dar respostas reais, como Laville demonstra aqui com rigor. Ao tomar os próprios processos seletivos como objeto de estudo, destacamos constrangimentos de trabalho “insuportáveis” assim que constatamos que eles não são “suportados” por um período longo por populações diversas. E deslocando a questão da heterogeneidade, afastando-se de uma análise mais ou menos naturalizada das aptidões para privilegiar a das estratégias de trabalho individuais e coletivas (grosso modo: passar de “como são?” para “como fazem eles? - e como fazem elas?”), enriquecemos consideravelmente a identificação das margens de manobra disponíveis e damos à ergonomia os meios para ampliá-las - um objetivo cada vez mais legítimo.