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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.10 no.4 Coimbra dez. 2016

 

ESTUDO ORIGINAL/ORIGINAL STUDY

Histeroscopia no consultório - análise de custos

Office hysteroscopy - cost analysis

Claudia Tomás*, Cristiana Gonçalves**, Patricia Di Martino***, Jorge Labandeiro****, Filipa Soeiro*****, João Mairos******

Hospital Garcia de Orta

Hospital das Forças Armadas

*Interna de Ginecologia e Obstetricia do Hospital Garcia de Orta E.P.E.

**Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetricia do Centro Hospitalar Barreiro-Montijo E.P.E

***Assistente Hospitalar de Ginecologia e Obstetricia do Hospital das Forças Armadas

****Médico Codificador do Hospital das Forças Armadas

*****Gestora Hospitalar de Unidade de Saúde Privada

******Chefe do Serviço de Ginecologia e Obstetricia do Hospital das Forças Armadas

Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence


 

ABSTRACT

Overview: The office “see and treat” hysteroscopy has become to some authors the gold standard for the diagnosis and treatment of intrauterine pathology. It is associated with lower costs and greater safety for the patient. However, this model can be limited by the patient’s discomfort or pain, due to the lack of analgesia and by the dimensions of the mass that are removed.

Study objective: To compare the costs of office hysteroscopy with ambulatory hysteroscopy within a public and a private institution.

Methods: In the public hospital calculus were carried out by using DRG (“DiagnosisRelated Group”) tables. In the private health unit, calculations were made according to the insurance company tables, assuming an average cost to the

healthcare provider. A comparison between the three surgical hysteroscopy models was performed.

Results and Conclusions: The costs associated with the procedure are different in the public hospital and private institutions. However, the model of office hysteroscopy, in both systems, has shown to be associated with significantly lower costs.

Keywords: Hysteroscopy; Costs; Office hysteroscopy; Ambulatory.


 

Introdução

A histeroscopia tornou-se o meio complementar de diagnóstico de primeira linha na investigação da patologia intra-uterina1, sendo o custo-eficiência atualmente um aspeto fundamental em qualquer sistema de saúde2. Para aliar à qualidade dos atos efetuados a rentabilidade dos mesmos, ter-se-á de ter em linha de conta o uso racional dos recursos de que esse mesmo sistema dispõe. A histeroscopia, uma técnica com alta taxa de sucesso e baixa taxa de complicações, é um bom exemplo da possível rentabilização de recursos.

Ao longo dos anos, a histeroscopia tem vindo a ser realizada em bloco operatório de ambulatório ou central, num modelo de inpatient3, ou seja, com recurso a internamento hospitalar num período inferior ou superior a 24h, respetivamente, implicando a realização de exames pré-operatórios, consulta prévia de anestesiologia e anestesia, geral ou loco-regional, durante o procedimento. No entanto, ao longo dos últimos 20 anos, os avanços tecnológicos, tais como a introdução de histeroscópios de muito pequeno diâmetro (3-5 mm) e de elétrodos de cirurgia bipolar (elétrodos Versapoint®), possibilitaram que o mesmo procedimento pudesse ser realizado no próprio consultório, num modelo office see and treat4.

A histeroscopia office (HO), ou histeroscopia de consultório pelo método - see and treat -, constitui uma abordagem mais conveniente para o médico e para a paciente, com baixo risco para esta, e com uma boa relação custo-eficácia, quando comparada com a histeroscopia realizada em bloco operatório5.

O procedimento é realizado no consultório médico, munido de equipamento adequado, por um ginecologista com experiência em histeroscopia cirúrgica e por uma enfermeira especializada que fornece, além de apoio técnico ao médico, suporte emocional à paciente durante o procedimento6. A histeroscopia, realizada sistematicamente sob vaginoscopia, sem recurso a espéculo e tenáculo, e sem anestesia geral, é comprovadamente eficaz7 na remoção de pólipos endometriais e do endocolo, de pequenos miomas selecionados, na lise de sinéquias, entre outros procedimentos. Há evidência comprovada que o procedimento realizado em modelo office poupa recursos e é preferido pelas pacientes, relativamente ao modelo inpatient 8, não só devido ao seu ambiente mais familiar5 como pelo regresso imediato às atividades da vida quotidiana.

Os principais fatores que limitam a realização de HO são a dor e desconforto sentidos pela mulher durante o procedimento11 e as dimensões da massa a remover. No que diz respeito à dor, esta pode ser contornada com o recurso à anestesia histeroscópica utilizando-se uma agulha endoscópica (Cook ® Willliams Cystoscopic Injection Needle), que se introduz na bainha de entrada dos instrumentos cirúrgicos, permitindo a injeção intrauterina localizada de anestésico, não implicando a interrupção do procedimento10. Por outro lado, o tamanho da massa também pode ser um factor determinante no sucesso da técnica, sendo os 2cm apontados por muitos autores como dimensão limite, embora esta não esteja correlacionada com a quantidade de dor durante o procedimento11.

A realização de histeroscopia cirúrgica, com recurso a internamento hospitalar, tem diminuído ao longo dos últimos 20 anos, com consequente aumento da realização de procedimentos histeroscópicos em modelo office, reduzindo assim custos aos sistemas de saúde2. Lindheim et al 12 sugerem que desde há mais de 10 anos que a realização de uma HO terá um custo pelo menos 50% inferior relativamente ao mesmo procedimento realizado em ambulatório ou equivalente.

Apesar de o modelo de histeroscopia office see and treat se ter tornado o gold standard no diagnóstico e tratamento de patologia intracavitária, mais de 50% dos ginecologistas ainda realiza histeroscopia com a doente sob anestesia geral e desses, 40% fá-lo apenas como procedimento diagnóstico13. Apenas 20% dos ginecologistas realiza histeroscopias em modelo office 2. Esta baixa percentagem pode ser justificada pela falta de treino técnico em histeroscopia cirúrgica, de equipamento adequado e dos modelos de remuneração vigentes.

Os tempos cirúrgicos são recursos preciosos que devem ser utilizados de forma prudente6. Este modelo permite libertar o bloco operatório para procedimentos e cirurgias major, diminuindo, assim, as listas de espera. Naturalmente, a todas as pacientes em que não é possível realizar a técnica em modelo office, seja por intolerância ao exame ou pelas dimensões da massa em questão, é oferecida a histeroscopia com anestesia geral.

Para um dado procedimento cirúrgico podem ser considerados custos diretos, indiretos e intangíveis (Quadro I). Consideram-se custos diretos aqueles diretamente implicados na realização da técnica; os custos indiretos estão associados à perda de produtividade do doente, ou familiar, devido à doença ou incapacidade, custo de oportunidade, bem como a custos associados à ocorrência de eventuais efeitos adversos, morbilidade ou mortalidade decorrentes da técnica realizada. Por fim, os custos intangíveis representam as mudanças na qualidade de vida do doente e as consequências da doença, em si, ou do tratamento, sendo difíceis de avaliar.

 

 

Para ser realizada corretamente, uma análise em economia da saúde teria de levar em conta todos os custos. Porém, a maioria dos estudos inclui apenas os custos diretos, dadas as dificuldades que existem na recolha dos dados para o cálculo dos custos intangíveis e indiretos.

Para além da diminuição de custos associados ao modelo de HO relativamente ao modelo inpatient, é importante também abordar a questão da Segurança do Doente. Segundo a Organização Mundial de Saúde, pacientes com eventos adversos (EA) (danos não intencionais que resultam em incapacidade ou disfunção, temporária ou permanente, como consequência dos cuidados de saúde prestados), têm permanência hospitalar mais longa e existe associação a lesão permanente ou até mesmo morte14. A incidência de EA a nível global nos países desenvolvidos varia entre 3,7 e 16,6% (com consequente impacto clínico, económico e social) sendo que 40 a 70% são considerados evitáveis e 51,4% ocorreram em doentes que receberam cuidados cirúrgicos14. Em Portugal, um estudo que engloba 3 hospitais públicos da região de Lisboa revela que a taxa de incidência de EA foi de 11% e que 49,7% dos mesmos ocorreram no quarto ou enfermaria e 23,9% ocorreram no bloco de cirurgia, portanto 73,6% dos EA estiveram associados aos procedimentos cirúrgicos com internamento, considerando toda a estrutura hospitalar15.

Importa, pois, refletir sobre a importância de retirar o doente ou diminuir o seu acesso ao circuito do internamento hospitalar, quando o mesmo procedimento puder ser realizado em modelo office.

Objetivo

Comparar os custos envolvidos numa histeroscopia com polipectomia/miomectomia em modelo OFFICE  ou de consultório (sem internamento, sem recurso a bloco operatório e sem anestesia geral - pode incluir anestesia histeroscópica em casos selecionados), em AMBULATÓRIO ou outpatient (com internamento inferior a 24 horas, recurso a bloco de ambulatório e a anestesia geral ou loco-regional) e em BLOCO CENTRAL ou inpatient (com internamento superior a 24 horas, recurso a bloco operatório central e a anestesia geral ou loco-regional). A análise de custos dos três modelos será efetuada tanto num hospital público como numa unidade de saúde privada.

Material e métodos

Será considerada para cada grupo uma doente-tipo: doente que recorre à consulta de ginecologia, portadora de ecografia ginecológica com diagnóstico de pólipo, mioma ou espessamento endometrial, sendo referenciada à Unidade de Histeroscopia do Hospital/Clínica em questão.

Tanto no sector público como no privado, em modelo office, cirurgia de ambulatório ou em bloco central, os histeroscópios utilizados são histeroscópios rígidos de 5mm com óptica de 30º (Bettocchi Karl Storz®) e de 3mm (Alphascope®), com recurso a tesouras mecânicas, elétrodos de eletrocirurgia bipolar (tipo Twizzle da Versapoint®), agulha endoscópica (Cook® Willliams Cystoscopic Injection Needle) podendo ser utilizado, também, em cirurgia de ambulatório ou no bloco central, o ressetoscópio com elétrodo de ansa diatérmica angulada de 2,5 mm (Versapoint® Resectoscopic System).

No Hospital Público os cálculos foram efetuados mediante recurso a tabelas de GDH16 e nas Unidades de Saúde Privadas os cálculos foram efetuados de acordo com as tabelas em uso pelas seguradoras que comparticipam os cuidados de saúde neste setor, assumindo-se um valor médio do preço da prestação desses cuidados de saúde.

Resultados

Grupo A - Análise em Hospital Público

O Financiamento Hospitalar, no que à prestação de cuidados de saúde diz respeito, tem por base o pagamento dos cuidados de saúde estabelecidos no Contrato-Programa17 de uma determinada instituição. Esse Contrato-Programa engloba várias linhas de actividade assistencial, nomeadamente internamento de agudos e crónicos, ambulatório médico e cirúrgico, consultas externas, atendimentos urgentes, linhas específicas de determinadas doenças, entre outras. Para cada uma dessas linhas existe uma tabela de preços, publicada em normativo legal, e no que concerne à actividade cirúrgica de internamento ou de ambulatório, esta é agrupada em GDH (Grupos de Diagnósticos Homogéneos) ao qual lhe corresponde um determinado preço. O preço dos GDH engloba todos os custos associados a um determinado episódio, isto é, os custos dos cuidados médicos, da hotelaria e dos meios complementares de diagnóstico e terapêutica.

Importa ainda referir que para o cálculo do preço de um qualquer GDH de uma determinada instituição é necessário aplicar um factor de ponderação, o índice de case-mix (ICM) dessa instituição, valor que reflecte a complexidade dos doentes que trata (a nível nacional o ICM de Cirurgia de Ambulatório varia entre 0,5851-0,7145 e ICM de Internamento 0,6427-1,4829).

Relativamente aos procedimentos em análise neste trabalho, e para efeitos de cálculo do preço foi considerada uma doente com o diagnóstico de Pólipo de Endométrio (ICD 9 - 621,0) ou Mioma Submucoso (ICD 9 - 218,0) submetida a Polipectomia/Miomectomia Histeroscópica (ICD 9 - 68,29) ou a uma Histeroscopia com biopsia (ICD 9 - 68,16), quer em regime de ambulatório quer em internamento (Quadro II).

 

 

Verifica-se que o valor do GDH em que o episódio foi agrupado é o mesmo, quer em ambulatório quer em internamento, contudo como há necessidade de fazer a ponderação pelo ICM, o valor que a instituição receberá será diferente. Consideremos uma Instituição A (ICM Cirurgia de Ambulatório 0,6533 e ICM Internamento 1,2358) e uma Instituição B (ICM Cirurgia de Ambulatório 0,5871 e ICM Internamento 0,7432) e os procedimentos realizados em ambulatório e em internamento com duração de 2 dias. O valor que cada instituição recebe é o que se apresenta no Quadro III.

 

 

Grupo B - Análise num Grupo Privado

No âmbito das Unidades de Saúde Privadas, avaliou—se a rentabilidade operacional de um procedimento de polipectomia/miomectomia efetuado por histeroscopia office no consultório de uma clínica privada e a rentabilidade operacional de um procedimento de histeroscopia diagnóstica efetuada na área de exames especiais seguida de uma polipectomia/miomectomia por histeroscopia cirúrgica no bloco de cirurgia de ambulatório de um hospital privado, do mesmo grupo de saúde.

A rentabilidade operacional de ambos os procedimentos realizados nestes dois contextos foi calculada com base na estrutura de receitas e custos e na atividade que cada uma das unidades apresentou no ano 2014.

O valor da receita média dos procedimento realizados na Clínica e na Unidade Hospitalar (rubrica a da Quadro III) reflete o payer mix de ambas as unidades, isto é, corresponde ao somatório do valor faturado às entidades financeiras responsáveis (seguradoras, subsistemas de saúde e doentes privados) pelos procedimentos em 2014, ponderado pelo número de exames realizados no mesmo ano em cada unidade.

Analogamente, consideraram-se como custos médios diretos (rubrica b do mesmo Quadro III), os diretamente imputáveis aos procedimentos em questão, nomeadamente: custo com consumíveis e fármacos (CMVMC’s), honorários médicos e restantes custos com pessoal (administrativos, auxiliares de ação médica e enfermagem) e amortizações de equipamentos associadas. Por outro lado, consideraram-se como custos médios indiretos (rubrica d) os custos suportados com a infraestrutura em cada unidade ponderados por toda a atividade realizada, nomeadamente: custo com eletricidade, água, climatização, entre outros. No ano 2014, estes custos representaram cerca de 26% dos custos diretos em ambas as unidades e, como em todos os sectores, dependem da estrutura de custos das unidades analisadas.

Não foram considerados nesta análise outros custos, como por exemplo, o custo de oportunidade que ambas as unidades suportam em períodos em que taxas de ocupação do bloco/consultório são elevadas por não serem passíveis de aferição rigorosa.

De igual forma, não foram contemplados os custos indiretos com os eventos adversos associados aos cuidados de saúde, uma vez que não estão calculados nestas unidades de saúde. À luz dos pressupostos acima descritos e de ambas as realidades, encontrámos uma margem operacional/EBIT (rubrica g) ligeiramente superior quando os procedimentos foram realizados na Clínica em consultório (modelo Office) do que quando foram realizados no Hospital em contexto de exames especiais e bloco de cirurgia de ambulatório (Quadro IV).

 

 

Discussão e conclusões

A HO em modelo see and treat tornou-se o gold standard para tratar patologia uterina intracavitária ao longo dos últimos anos e resulta, claramente demonstrado, que o faz com recursos menos dispendiosos. Não necessita recorrer à estrutura do bloco operatório nem dos seus profissionais, não implica internamento hospitalar nem de anestesia geral ou loco-regional. Os custos com profissionais envolvidos são menores pois apenas necessita da intervenção direta de um ginecologista e um enfermeiro e utiliza a estrutura de uma consulta externa e não a de um internamento, mesmo que seja em regime ambulatório. É também claro que tem não só menos custos diretos, como também menos custos indiretos e intangíveis. Os riscos associados ao internamento em quarto ou enfermaria, assim como os associados ao bloco operatório não existem no modelo office. Considera-se também importante sublinhar o contributo da HO, como técnica exterior ao circuito de internamento, para a redução das Infeções Associadas aos Cuidados de Saúde, um assunto com importância crescente na atualidade18. Este universo de custos e de riscos parece contudo não estar proporcionalmente refletido quer nas tabelas de GDH, quer na rentabilidade operacional calculada no grupo privado de Saúde que foi avaliado. No sistema público de saúde os GDH valorizam de igual forma (com exceção relativamente ao ICM) o procedimento realizado em ambulatório ou em internamento, quando demonstradamente o procedimento em ambulatório é mais barato. Esta perspetiva poderá ser encarada como um incentivo à prática de cirurgia ambulatória, tal como é sugerido pelo Contrato-Programa. Onde poderemos situar aqui o modelo de HO? Sabemos que os GDH refletem os custos através de uma perspetiva global. Mas não será possível melhorar este sistema de faturação de forma a não criar barreiras financeiras ao desenvolvimento de uma prática mais evoluída, mais segura, mais rápida e mais barata dentro das nossas unidades de saúde?

No sistema privado de saúde existe tradução dos custos associados ao modelo office e ao modelo de internamento ou de cirurgia de ambulatório, muito embora essa tradução não reflita na totalidade os custos indiretos, não aborde os custos intangíveis e não tenha meios para considerar os custos de oportunidade.

De uma forma geral, e considerando as várias áreas abordadas, parece claro que o investimento no modelo da HO é uma mais-valia para as instituições quer públicas quer privadas, mas sobretudo sublinha-se a sua importância por possibilitar uma melhor qualidade de prestação de cuidados de saúde, com menos riscos associados, maior comodidade e menos custos, que se refletirá na qualidade de vida das doentes.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence

Claudia Tomás

Hospital Garcia de Orta

E-mail: clautomas@gmail.com

 

Recebido em: 18/1/2016

Aceite para publicação: 12/5/2016