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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa
versão impressa ISSN 1646-5830
Acta Obstet Ginecol Port vol.11 no.4 Coimbra out. 2017
CARTA AO EDITOR/LETTER TO THE EDITOR
Carta ao Editor
Letter to the Editor
Andreia Fonseca*, Nuno Clode**
*Interna de Obstetrícia e Ginecologia do HSM/CHLN
**Director de Serviço de Obstetrícia, Clínica Universitária de Obstetrícia e Ginecologia do Centro Hospitalar de Lisboa Norte (Hospital de Santa Maria)
O estudo retrospetivo «Como são valorizados fatores de bom prognóstico de parto pélvico vaginal por médicos de Ginecologia e Obstetrícia» publicado no último número da Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa é um trabalho pertinente. Avalia como os obstetras e os ginecologistas de dois hospitais portugueses, valorizam uma série de critérios, selecionados pelos autores, que, na literatura, se encontram associados ao sucesso do parto pélvico vaginal1.
A conclusão aponta para que os dois fatores mais valorizados pelos inquiridos (treino da extração da cabeça fetal com fórceps e experiência na assistência ao parto pélvico vaginal) sejam pouco praticados em Portugal. Generalizar estes resultados parece-nos um pouco arrojado, pois os dados referem-se apenas a dois centros – que não são caracterizados – e que podem não estar em consonância com a prática clínica doutros hospitais.
Se quanto ao primeiro fator (treino da extração da cabeça fetal com fórceps), a sua resolução depende de ações de formação que entidades oficiais/certificadas desenvolvam, já quanto ao segundo (assistência ao parto pélvico vaginal) a solução afigura-se bem difícil. De acordo com o Euro-Peristat study, um estudo que envolveu 31 países e/ou regiões europeias, em 2010, a apresentação pélvica ocorreu em 4% dos partos2. A constatação de que as taxas de cesariana por apresentação pélvica nos restantes países europeus variavam entre os 69% e os 100%, mostrou uma forte discrepância na prática clínica. Em Portugal, o estudo reporta um total de 100.280 partos ocorridos nesse ano, significando que cerca de 4.000 foram de feto em apresentação pélvica. Infelizmente não existem dados oficiais do nosso país que nos permitam saber quantos destes partos foram cesarianas. Contudo, extrapolando a partir de um recente estudo retrospetivo multicêntrico português, que avaliou dados relativos aos partos de termo de feto único em apresentação pélvica que ocorreram em 7 hospitais ao longo de quase 3 anos3 e em que se constatou que 95% foram cesarianas, não nos parece que seja possível assistir com a frequência desejável a partos pélvicos vaginais.
Desde a publicação do Term Breech Trial que houve uma clara mudança na abordagem do feto pélvico de termo4. Esta alteração foi provavelmente o fator causal para a atual falta de experiência no parto pélvico vaginal. A comparação simples e imprudente dos desfechos do parto pélvico vaginal e da cesariana é favorável à realização desta última. Como apresentado numa meta-análise recente, os riscos relativos de morbilidade e mortalidade perinatais são superiores no parto vaginal, mas os riscos absolutos são, efetivamente, pequenos5. Em Portugal, os resultados são concordantes: o risco de traumatismo fetal (OR 9,9 [1,8-55,6], p 0,031) e de índice de Apgar inferior a 7 (OR 3,6 [1,9-7,0] ao 1º minuto, p <0,01, e OR 20 [2,8-144,4] ao 5º minuto,
p 0,013) são superiores para o parto vaginal, mas a sua incidência é baixa (3,1% de traumatismos fetais; 18,5% e 3,1% de índices de Apgar inferiores a 7 ao 1º e ao 5º minuto, respetivamente)3. Importa ainda não descurar os desfechos maternos e neonatais de uma gestação subsequente a uma cesariana.
O sucesso do parto vaginal depende de uma série de fatores, nomeadamente da experiência da equipa e da adequada seleção de casos com base na presença de fatores de bom prognóstico. No entanto, ainda temos muito que batalhar para evitar a extinção do skill que, perante um caso bem selecionado, permita um parto pélvico vaginal bem-sucedido.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Cruz J, Corte-Real A, Monteiro D, Costa-Santos C, Bernardes J. Como são valorizados fatores de bom prognóstico de parto pélvico vaginal por médicos de Ginecologia e Obstetrícia? Acta Obstet Ginecol Port 2017;11(3):160-166. [ Links ]
2. Macfarlane AJ, Blondel B, Mohangoo AD, Cuttini M, Nijhuis J, Novak Z, Ólafsdóttir HS, Zeitlin J, the Euro-Peristat Scientific Committee. Wide differences in mode of delivery within Europe: risk-stratified analyses of aggregated routine data from the Euro-Peristat study. BJOG 2016;123:559–568. [ Links ]
3. Fonseca A, Silva R, Rato I, Neves AR, Peixoto C, Ferraz Z, Ramalho I. Breech presentation: Vaginal versus cesarean delivery, which intervention leads to the best outcomes? Acta Med Port 2017;30(6):479-484. [ Links ]
4. Hannah ME, Hannah WJ, Hewson SA, Hodnett ED, Saigal S, Willan AR. Planned caesarean section versus planned vaginal birth for breech presentation at term: a randomised multicentre trial. Term Breech Trial Collaborative Group. Lancet 2000;356:1375–83. [ Links ]
5. Berhan Y, Haileamlak A. The risks of planned vaginal breech delivery versus planned caesarean section for term breech birth: a meta-analysis including observational studies. BJOG 2016;123: 49–57. [ Links ]