Introdução
Nas últimas décadas, a investigação na área das ciências médicas tem vindo a expandir-se consideravelmente, visando dar resposta à crescente necessidade de melhor compreensão, orientação e tratamento das diferentes patologias. Neste sentido, o paradigma da medicina baseada na evidência torna-se cada vez mais relevante1,2.
A investigação clínica é uma componente do Internato de Formação Específica considerada essencial. Na verdade, constitui um dos requisitos obrigatórios do currículo final para obtenção do grau de especialista em Ginecologia e Obstetrícia em Portugal, de acordo com os critérios definidos pelo Colégio da Especialidade da Ordem dos Médicos3. A exigência e promoção deste requisito deriva dos múltiplos benefícios a que alguns estudos demonstram associação, nomeadamente: promover o desenvolvimento da capacidade de análise crítica de artigos científicos e tradução desses avanços científicos para a prática clínica1,2,5; fomentar a relação com os orientadores2; e influenciar as escolhas futuras na carreia profissional2,5. Além disso, parece associar-se a maior grau de satisfação dos internos com o internato médico4 e estimular o raciocínio clínico e pensamento crítico ao longo de toda a sua vida profissional1,6. No sentido de promover a investigação, as diferentes sociedades científicas portuguesas de Ginecologia e Obstetrícia desenvolvem ações promotoras da investigação, através da realização de congressos e reuniões científicas e da atribuição de bolsas e prémios de apoio à investigação.
Diversos estudos têm demonstrado que o interesse dos internos em desenvolver estudos de investigação não é consistente4,7 e varia consoante a especialidade1,8,9, objetivos profissionais, traços de personalidade e experiência prévia em investigação4,10. Em estudos realizados noutras especialidades, alguns internos consideram que a investigação clínica não deveria ser obrigatória e que preferiam usufruir desse tempo para outras atividades académicas. Um estudo canadiano reportou que cerca de 22% dos internos sentia que o seu ambiente de formação não promovia a investigação e 70% concordou que preferia realizar outra atividade académica em vez de um projeto de investigação2. Esta posição parece ser também prevalente na especialidade de Ginecologia e Obstetrícia noutros países, se considerarmos que até 80% dos internos não dá continuidade à prática de investigação após o internato de formação específica4.
Além das considerações supracitadas, surgem inúmeros outros obstáculos que dificultam o envolvimento dos internos nas atividades científicas, nomeadamente a falta de tempo para dedicação à investigação2,5,6,11,12 e falta de envolvimento por parte dos orientadores de formação2,6,11, resultando na sensação de falta de oportunidade para se envolverem nesta componente da formação. Adicionalmente, surge a questão de que o programa de apoio ao internato pode não fornecer as ferramentas mais adequadas para colmatar as necessidades dos internos para realização de trabalhos com qualidade e rigor científico, como por exemplo treino em desenhos de estudo em investigação clínica e bioestatística 2,5,6,11.
Apesar da relevância desta temática, a literatura acerca da atitude dos internos em relação à investigação clínica é escassa. Por outro lado, o conhecimento dos fatores que influenciam a postura e motivação dos internos em relação à investigação poderá ser a chave para a implementação de medidas que otimizem a produção científica durante o internato médico. Assim, o principal objetivo deste estudo foi analisar os incentivos e obstáculos à investigação clínica no internato de Ginecologia e Obstetrícia em Portugal. Adicionalmente, procurou avaliar a influência do tipo de hospital em diferentes parâmetros associados à investigação clínica.
Material e Métodos
Foi desenhado um estudo transversal, descritivo e analítico, com aplicação de um questionário anónimo, direcionado a todos os internos (do 1º ao 6º ano) de Ginecologia e Obstetrícia de todas as regiões de Portugal - Norte, Centro, Sul (Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve) e Arquipélagos dos Açores e Madeira.
O questionário, com tempo estimado de resposta de 10 minutos, estava dividido em duas secções: a primeira relativa às características demográficas pessoais e profissionais (idade, género, se teve filhos durante o internato, ano de internato, tipo e região do hospital de formação de base); e a segunda com o objetivo de explorar a experiência em investigação prévia e durante o internato, incluindo as atividades na área da investigação correntes, número de publicações e trabalhos realizados até à data, formações realizadas na área da investigação, assim como apoio e tempo disponibilizado pelo programa de internato local para a investigação. A avaliação das limitações à investigação clínica durante o internato (falta de tempo para dedicação à investigação, falta de interesse pessoal, falta de conhecimentos ou de apoio em bioestatística e desenhos de estudo, falta de apoio financeiro, falta de incentivo por parte do responsável de internato, falta de recursos logísticos ou acesso aos registos clínicos ou tempo despendido no processo de submissão à Comissão de Ética) realizou-se através da classificação segundo uma escala de Likert a cinco níveis (“discordo totalmente”; “discordo”; “nem concordo, nem discordo”; concordo”; “concordo totalmente”). A perspetiva pessoal em relação à investigação durante o internato foi avaliada da mesma forma que a questão anterior e incluiu opinião sobre: influência do ambiente do serviço na promoção da investigação clínica, obrigatoriedade da realização de investigação para o currículo final, interesse na participação em investigação após o internato, acesso adequado a formação em estatística e desenhos de estudo, influência da investigação no desenvolvimento do raciocínio crítico e atuação clínica baseada na evidência científica. As restantes questões foram formatadas em resposta múltipla, sim/não, resposta curta ou segundo escala de conformidade a 5 níveis de Likert. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética local do Hospital de Braga.
O questionário foi primariamente disponibilizado online com a colaboração da PoNTOG (The Portuguese Network of Trainees in Obstetrics and Gynaecology), que publicitou o estudo na sua página eletrónica, destinada aos internos da especialidade, e enviou o questionário para os correios eletrónicos dos internos. O questionário foi ainda distribuído, em formato de papel, aos internos que participaram no V Congresso Nacional de Obstetrícia e Medicina Materno-Fetal que decorreu nos dias 28 e 29 de novembro de 2019. O período de recrutamento total foi de quatro meses (05 de agosto a 30 de novembro de 2019).
Foram incluídas as respostas dos indivíduos que declararam ser internos da especialidade e que aceitaram participar no estudo.
Todos os dados foram colhidos, armazenados e tratados de forma anónima pelo investigador principal. Foi realizada uma análise descritiva dos dados sociodemográficos, profissionais e experiência prévia e corrente em investigação. As questões com resposta em escala de Likert a 5 níveis de conformidade (1 - discordância total, 2 - discordância, 3 -resposta neutra, 4- concordância e 5 - concordância total) foram transformadas em 3 grupos (1 - discordância, 2 - resposta neutra e 3 - concordância), onde se agruparam as respostas discordância total com discordância e a concordância total com concordância. Para a análise comparativa dos dados foi utilizado o teste qui-quadrado para as variáveis categóricas e o teste-t para as contínuas. A análise estatística foi realizada com recurso ao programa Statistical Package for the Social Science (SPSS®), versão 23.0, e foi estabelecido um nível de significância estatística para valores de p< 0,05.
Resultados
Dos 255 internos do país, 65 responderam ao questionário, perfazendo uma taxa de resposta de 25,5%. Todos os anos de internato (1º ao 6º ano) e todas as regiões do país estão representadas na amostra obtida. Cerca de metade dos internos (58,5%; n=38) frequentam o internato num hospital central e os restantes (41,5%; n=27) num hospital periférico. As características demográficas e profissionais encontram-se sumarizadas na Tabela 1.
A maioria dos internos (n=49; 75,4%) reportou que no seu serviço não existe um elemento responsável pelo apoio à investigação e 24,6% dispunham desse elemento. A maior parte referiu que o seu hospital não oferece formação em bioestatística ou desenhos de estudo (93,8%), no entanto, a quase totalidade dos inquiridos (96,9%) considerou que esta seria uma medida importante ou muito importante. Cerca de 66% referiu que não existe um centro de apoio ao interno, 16,9% tinham esse apoio e 17% desconheciam da existência ou não de um gabinete de apoio.
Atividades científicas desenvolvidas durante o internato de Ginecologia e Obstetrícia
Todos os internos referiram já ter realizado pelo menos um trabalho de investigação. A caracterização e quantificação dos trabalhos realizados durante o internato estão esquematizados na Fig. 1. O trabalho mais frequentemente realizado foi o caso clínico (90,8%), seguido do estudo de coorte/caso-controlo retrospetivo (76,9%), enquanto a meta-análise (1,5%) e o ensaio clínico (13,8%) foram os menos realizados.
Cerca de metade (47,7%; n= 31) referiu não ter publicações de trabalhos como primeiro autor, 23 (35,5%) publicaram um ou dois trabalhos e 11 (16,9%) publicaram pelo menos 3 trabalhos até à data de resposta ao questionário. Dos internos sem publicações, 76% eram dos primeiros três e 24% dos últimos três anos de internato.
Em 70% dos casos houve pelos menos um trabalho que foi iniciado mas não finalizado, e as razões para esse desfecho foram: falta de tempo para dedicação ao trabalho (76,9%), dificuldade no acesso ou recolha de dados (47,7%), falta de aprovação pela Comissão de Ética (16,9%), falta de apoio financeiro (15,3%) e dificuldade no recrutamento de participantes (12,3%). Um quinto (20%) dos internos referiu ter-se candidatado pelo menos uma vez a um fundo de apoio financeiro à investigação, mas apenas 4 (6,2%) obtiveram financiamento.
Relativamente à formação na área da investigação, a maioria (69,2%) tinha realizado cursos de bioestatística, 40% de leitura e interpretação de trabalhos científicos, 32% em escrita de artigos científicos, e 32% na área de desenhos de estudo. Cerca de 1/5 dos inquiridos fez formação em todas as áreas anteriormente descritas e a mesma proporção não tinha realizado qualquer formação até à data do estudo. Quanto à realização de reuniões científicas, 81,5% (n=53) dos inquiridos referiu que no seu hospital estas ocorriam com frequência de 1 a 2 vezes por semana, enquanto 9% referiram ter mais do que duas e outros 9% reportaram que no seu hospital não se realizavam reuniões de carácter científico semanal.
Limitações à investigação durante o internato
A falta de tempo para dedicação à investigação foi a limitação mais consistentemente reportada (97%), seguida do apoio insuficiente em bioestatística e desenhos de estudo (88%). A maioria também referiu que a falta de recursos logísticos (73,8%), a dificuldade no acesso aos registos clínicos (73,9%) e o tempo despendido no processo de submissão à Comissão de Ética (73,9%) representavam limitações à investigação clínica. Cerca de 55% discordou que a falta de interesse pessoal configurava uma limitação à investigação enquanto 16,2% concordou (Fig. 2).
De salientar que apenas um interno referiu ter um período semanal exclusivamente dedicado para investigação, uma vez que se encontrava num programa de doutoramento.
Perspetivas dos internos em relação à investigação durante o internato
A maior parte dos internos considera que a participação em investigação clínica é uma experiência positiva (80%). Contudo, 43% defendem que a investigação não deveria ser uma componente obrigatória do currículo final. Cerca de 44% referiram que pretendem envolver-se em projetos de investigação após o internato e 77% concordou com as afirmações de que a investigação contribui para o desenvolvimento do pensamento crítico e otimiza a atuação clínica baseada na evidência científica. A maioria discorda de ter tempo suficiente para dedicar-se à investigação (93,8%) e que o seu programa de internato oferece acesso adequado a formação em estatística e desenhos de estudo (92,3%) (Fig. 3).
Influência do status familiar durante o internato
Cerca de 17% (n=11) dos internos referiu ter tido filhos durante o internato e todos, à exceção de um dos internos, eram mulheres. Estes eram mais velhos (20,6 ± 2,5 vs. 31,6 ± 1,8 anos; p<0,001) e mais frequentemente dos últimos 3 anos de internato (81% vs. 19%; p=0,004). Nesta amostra, ter filhos durante o internato não se associou a menor número de publicações, realização de cursos relacionados com investigação, candidatura a fundos de apoio financeiros, nas limitações à investigação ou na perspetiva relativamente à investigação durante o internato.
Influência do hospital de formação base: Hospital Central vs. Hospital Periférico
Os internos com formação base num hospital central têm em média maior número de publicações (1,5 ± 1,9 vs. 0,7 ± 0,8, p=0,001). Nos hospitais centrais verificou-se uma maior disponibilidade de um gabinete de apoio em estatística (26,3% vs. 3,7%, p=0,034) e maior frequência semanal de reuniões científicas (1,5 ± 0,7 vs. 1,0 ± 0,6, p=0,006), sendo que em 36,8% dos hospitais centrais realizavam-se pelo menos duas reuniões científicas semanais, em comparação com 18,5% dos hospitais periféricos, com diferença estatisticamente significativa (p=0,03). A presença de um responsável pelo apoio à investigação no serviço foi também mais frequente nos hospitais centrais (34,4% vs. 11,1%, p=0,033) (Tabela 2).
Discussão
Embora o envolvimento em atividades científicas, nomeadamente participação em congressos e cursos, apresentação de trabalhos e publicação de artigos científicos, seja obrigatória para a aprovação final do Internato de Ginecologia e Obstetrícia3, a perspetiva dos internos em relação a esta componente foi pouco explorada. De facto, não foi publicado em Portugal, até ao momento, nenhum estudo que avalie esta temática, para qualquer especialidade médica. Além disso, a Ginecologia e Obstetrícia ocupa uma posição singular na área da investigação, nomeadamente pelas questões éticas inerentes ao envolvimento de grávidas nos estudos2, ou investigação na área da medicina sexual, tornando ainda mais desafiante a investigação clínica nesta especialidade.
O propósito deste estudo foi transmitir o envolvimento dos internos de Ginecologia e Obstetrícia na investigação clínica e explorar a sua perspetiva no que toca a motivações e limitações que surgem no seu quotidiano em relação à investigação. A taxa de resposta de 25,5%, apesar de não ideal e baixa, encontra-se dentro do intervalo reportado por estudos semelhantes realizados noutros países (8-47%)2,13,14. Adicionalmente, alguns desses estudos utilizaram incentivos monetários a fim de otimizar a sua taxa de resposta, estratégia não adotada no nosso estudo2. Esta baixa adesão poderá também, em parte, ser explicada pela baixa motivação dos internos em se envolverem nas atividades de investigação, embora apenas uma minoria (16,2%) tenha reportado que a falta de interesse pessoal configurava uma limitação à investigação, percentagem que foi semelhante à reportada por Aisling et al2.
Na nossa análise, uma proporção importante dos internos (43-47%) considerava que só participava na investigação clínica por esta ser um requisito obrigatório e que esta não deveria ser exigida no currículo final, achado concordante com outros estudos2,8. Esta perspetiva, poderá talvez ser explicada por algumas das limitações reportadas de forma muito consistente, particularmente o tempo disponível insuficiente para dedicação à investigação (97%) e a falta de apoio em bioestatística (88%). Em estudos realizados a nível internacional noutras especialidades médicas e/ou cirúrgicas, como ortopedia1, anestesiologia8, medicina interna15 e cirurgia geral16, a existência de um horário semanal ou um ano adicional exclusivamente dedicado à investigação, melhorou a produtividade científica. Nos estudos na área da Ginecologia e Obstetrícia, a falta de tempo também foi das limitações mais frequentemente reportadas e a promoção de um período dedicado à investigação influenciou de forma positiva a perspetiva dos internos2,5,6,13.
A maioria dos internos referiu que o seu hospital ou programa de internato não providenciava apoio na formação em bioestatística e desenhos de estudo, ferramentas indispensáveis para a produção de trabalhos científicos de qualidade. Além disso, a maioria também reportou que no seu hospital não havia um centro de bioestatística para apoiar os internos, mas que esta medida seria muito importante. Similarmente, a maioria (75,4%) referiu que no seu serviço não existia um responsável pelo apoio à investigação, percentagem superior à reportada noutros estudos (25-30%)13. Farrokhyar et al reportou que a participação em cursos de investigação demonstrou melhorar a produtividade científica nos internos de especialidades cirúrgicas17. Um estudo canadiano defendeu que a oferta dessa formação e promoção de assistência em investigação aos internos poderá ser vantajosa2. Esta poderá representar uma das vertentes a ser trabalhada, a fim de se otimizar a produção científica, mas mais estudos são necessários para evidenciar a sua importância.
A falta de recursos logísticos (87,7%), a dificuldade no acesso aos registos clínicos (73,9%) e o tempo despendido no processo de submissão à Comissão de Ética (73,9%) foram limitações reportadas com uma frequência considerável. A evidência científica acerca da influência destes fatores na investigação é muito reduzida, contudo num estudo multicêntrico realizado no Canadá, a falta de recursos logísticos e dificuldade no recrutamento de participantes foram as limitações menos frequentemente reportadas como limitações à investigação (5-10%)2.
Outra das limitações reportadas foi a falta de financiamento, e cerca de 74% dos inquiridos referiu que o seu programa de internato ou hospital não oferecia apoio financeiro para investigação. Por outro lado, apenas 20% dos internos tinha-se candidatado a um fundo de apoio à investigação. Desta constatação poderá questionar-se se os internos se sentem suficientemente qualificados ou interessados para se candidatarem a este tipo de apoios. Levine et al demonstrou que a existência de um fundo de apoio financeiro designado aos internos se associou a uma menor probabilidade do programa de internato ser considerado insuficiente em termos de atividades académicas18.
Como esperado e à semelhança de outros estudos, os internos que têm filhos durante o internato são geralmente mais velhos e dos anos mais avançados do internato2, embora não haja diferença no número de publicações como primeiro autor. Dada a baixa dimensão amostral e heterogeneidade dos grupos de comparação, não é possível analisar o efeito do status familiar na produção científica controlando para fatores confundidores preponderantes, como por exemplo o ano de internato. Contrariamente ao observado no nosso estudo, Aisling et al reportou que o status familiar influenciou a probabilidade de candidatura a um apoio financeiro para investigação e que o grupo com filhos preferiu desenvolver o seu próprio projeto do que um desenvolvido por um orientador2.
No nosso estudo, a realização do internato num hospital considerado central ou periférico, demonstrou ter influência na produtividade científica. A formação num hospital central associou-se de forma estatisticamente significativa a um maior número de publicações científicas (p= 0,006), assim como a uma disponibilidade mais frequente de gabinete de apoio em estatística (p= 0,034), de um responsável pelo apoio à investigação no serviço (p= 0,033) e maior frequência de reuniões de caráter científico (p= 0,001). Estas diferenças poderão estar relacionadas com o facto de os hospitais centrais estarem mais frequentemente associados a universidades, mas também por prestarem cuidados mais diferenciados, e dessa forma abrangerem maior número de doentes e com uma maior diversidade de patologias, enriquecendo e favorecendo assim a produção científica. Oakley et al demonstraram que os internos que provinham de hospitais de regiões urbanas reportaram atitudes mais positivas acerca da investigação, ambiente e currículo académicos13. Poucos estudos analisaram esta associação, mas poderá também representar um alvo de intervenção, no sentido de equalizar os programas de internato para todos os centros.
Os principais pontos fortes do nosso estudo são o facto de ser o primeiro estudo a nível nacional a avaliar a perspetiva dos internos em relação à investigação e de incluir uma amostra de todo o território português, representando uma potencial ferramenta para identificação de fatores que podem ser otimizados no programa de internato. As principais limitações incluem a dimensão amostral relativamente baixa, o facto de não ser possível garantir que todos os internos do país tiveram acesso ao questionário e de os dados resultarem de um questionário de auto-preenchimento e anónimo, não havendo por isso forma de confirmar a veracidade das informações.
Conclusão
Os principais incentivos reportados envolvem a tradução dos benefícios da investigação na prática clínica, ao melhorarem a prestação de cuidados ao doente e estimularem o desenvolvimento do raciocínio crítico e atuação baseada na evidência científica. A limitação à investigação clínica mais reportada foi o tempo disponível insuficiente e a grande maioria dos internos considerou que o ambiente do seu serviço não promovia a investigação clínica. Estes fatores e a falta de acesso adequado a formação em estatística e desenhos de estudo, foram os obstáculos à investigação que os internos consideraram mais relevantes. Adicionalmente, o hospital de formação de base parece ter influência na promoção da investigação clínica.
Assim, apesar da maioria dos internos considerar que a investigação clínica é uma experiência positiva, vários fatores foram identificados como obstáculos importantes à sua prática. Os achados do nosso estudo sugerem que a adoção de estratégias para promoção do envolvimento dos internos em atividades de investigação beneficiaria da inclusão de tempo exclusivo para investigação e disponibilização de apoio estatístico.
O conhecimento dos fatores que influenciam a motivação dos internos em relação à investigação pode ser útil para se implementarem medidas que permitam otimizar a experiência dos internos na investigação clínica e, consequentemente, a produção científica com qualidade.