Contextualização e normas de orientação
A incontinência urinária de esforço (IUE) apresenta uma elevada prevalência na população feminina, podendo atingir os 49%, dependendo da população estudada. Diferentes fatores como a idade, história obstétrica, índice de massa corporal, realização de exercício físico e raça podem afetar a proporção de doentes com este diagnóstico2. A sua prevalência tem vindo a aumentar, não só pelo envelhecimento da população, mas também pelo aumento da procura de cuidados médicos relativamente à IUE por parte das mulheres. Apesar de não ser uma patologia que ameace a vida, ela tem um importante impacto negativo na qualidade de vida, nomeadamente nas atividades diárias, função sexual e bem estar psicossocial a que se acrescentam elevados custos para as mulheres e para a sociedade.
As opções terapêuticas da IUE englobam os tratamentos conservadores, como alterações do estilo de vida e reeducação do pavimento pélvico, considerados de primeira linha, e os tratamentos cirúrgicos, com maior eficácia do que os conservadores e reservados para quando os primeiros não são suficientes ou nas situações de IUE grave.
Os slings da uretra média são procedimentos minimamente invasivos para tratamento da IUE feminina, desenvolvidos na Europa nos anos 90. Consistem em próteses sintéticas de polipropileno, colocadas sob a uretra média por via vaginal, conferindo-lhe um suporte dinâmico e impedindo a fuga urinária involuntária com o esforço. Foram aprovadas pela Food and Drug Administration (FDA) em 1996, classificadas como dispositivos de classe I e reclassificadas em Classe II (risco baixo a moderado, com necessidade de controlos especiais) em 20163. Os comunicados emitidos pela FDA acerca da segurança e eficácia do uso de próteses por via vaginal, primeiro em 2008 e depois em 2011, levaram a um escrutínio do uso de redes de prolapso de órgãos pélvicos mas também de IUE. Em 2013 a FDA fez outra revisão da literatura sobre as redes de IUE, concluindo novamente que os slings da uretra média para a IUE, tanto retropúbicos como transobturadores, apresentam segurança e eficácia demonstradas. Excluíram os slings de incisão única, para os quais esta segurança e eficácia ainda não foram adequadamente demonstradas, sendo necessários mais estudos com evidência científica3-6. O alarmismo social provocado pelos comunicados da FDA referentes aos resultados adversos das redes de prolapso, que transcenderam o âmbito científico, acabaram por ter também um impacto negativo sobre as redes de incontinência.
Segundo uma estimativa realizada pela indústria de próteses sintéticas, em 2010 tinham sido já submetidas cerca de 250.000 mulheres a cirurgias de correção de IUE com recurso a redes suburetrais, o que faz com que mais de 80% das técnicas cirúrgicas para o tratamento da IUE tenham já sido realizadas com rede por via vaginal6,7.
A correção de IUE com rede foi já avaliada em mais de 2000 publicações, tornando-a o procedimento atualmente em curso para correção de IUE mais extensivamente analisado. Estas publicações científicas estudaram todo o tipo de doentes, nomedamente com co-morbilidades como prolapso, obesidade e disfunção miccional. Os slings da uretra média demonstraram uma eficácia semelhante às técnicas cirúrgicas tradicionais para correção de IUE, mas com claras vantagens relativamente à menor invasividade, ao tempo cirúrgico, tempo de internamento, retorno à vida ativa e com taxas de complicações inferiores, nomeadamente disfunção miccional e sintomas de bexiga hiperativa. Estas vantagens tornaram os slings da uretra média o procedimento preferencial para o tratamento da IUE7-16. Alguns autores chegam mesmo a considerar o abandono das redes de incontinência em alguns países um passo retrógrado no tratamento da IUE feminina17. Independentemente da via de abordagem, retropúbica ou trasnsobturadora, os slings suburetrais mostram-se altamente eficazes no tratamento da IUE a curto e médio prazo, com uma evidência crescente de elevada eficácia também a longo prazo18-23.
Qualquer cirurgia pode causar complicações e os slings suburetrais não são exceção. Nestes, em particular, inclui-se a hemorragia, lesão vesical, intestinal, dificuldade de esvaziamento vesical, erosão e exposição de rede, disfunção sexual e dor pélvica. Estas complicações podem implicar uma nova cirurgia para a sua correção, pouco frequente 21,24,25.
Com o crescente uso dos slings suburetrais, aumentaram também os efeitos adversos associados. Por esta razão, a Comissão Europeia pediu ao Scientific Committee on Emerging and Newly Identified Health Risks (SCENIHR) para avaliar os riscos sanitários relacionados com o uso de próteses cirúrgicas. No seu documento final, emitido em 2015, estes apoiam o uso dos slings suburetrais, desde que realizados por cirurgiões experientes e devidamente qualificados, dado tratar--se de um procedimento de elevada eficácia e segurança no tratamento da IUE moderada a grave. Recomendam a seleção adequada das doentes, a limitação da quantidade de rede em todos os procedimentos, o uso de um consentimento informado específico o mais esclarecedor possível, o follow-up prolongado destas doentes, o registo das complicações em bases de dados previamente definidas e a implementação de um programa de certificação dos cirurgiões baseado nas diretrizes internacionais em cooperação com as associações cirúrgicas europeias. Recomendam ainda que as complicações decorrentes destas técnicas sejam resolvidas em centros com experiência neste campo26.
A seleção do procedimento cirúrgico deverá ser feita após discussão e decisão partilhada com a doente, acerca dos riscos, benefícios e alternativas terapêuticas. É fundamental obter o consentimento informado previamente a qualquer cirurgia27. A doente deve ser informada sobre as alternativas ao tratamento cirúrgico, incluindo as medidas conservadoras. Os potenciais benefícios e complicações com o uso de redes devem ser descriminados. Aconselha-se o fornecimento à doente de informação por escrito.
Os cirurgiões com pouca experiência na colocação e revisão dos slings suburetrais devem orientar estas mulheres para centros de referência com cirurgiões treinados. Idealmente, cada cirurgião deverá acompanhar os seus próprios resultados cirúrgicos e existe já uma base de dados nacional, o Registo Nacional de Complicações com o Uso de Redes, criado pela Sociedade Portuguesa de Ginecologia, onde deverá ser realizado esse registo em todos os hospitais, de modo a perceber a incidência do uso de redes, seus resultados e complicações ao longo do tempo.
Todos os autores reviram o manuscrito e aprovaram a versão final para publicação
Os autores declaram não existir qualquer conflito de interesse