Contextualização e normas de orientação
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1) O principal problema das cirurgias de correcção de POP com tecidos nativos, é a elevada taxa de recidiva e a potencial necessidade de nova correcção cirúrgica. Nos estudos longitudinais foram encontradas taxas de reintervenção variáveis entre 8,5 -58 %1-3.
A cirurgia com redes por via vaginal para correcção do POP surgiu inicialmente pela necessidade de aumentar a durabilidade da reparação efectuada. Efectivamente demonstraram uma menor taxa de recidiva, mas um maior número de complicações (11% comparativamente com 3,7%) com aumento do número de re-intervenções, ainda que uma parte significativa possa ser considerada cirurgia minor4,5.
A disparidade de efeitos adversos publicados e a ausência desses em ensaios clínicos e estudos aleatorizados, com alguns tipos de redes e grupos de cirurgiões, sugere que as complicações não são generalizadas e poderão variar de acordo com o tipo de rede e experiência do cirurgião que procede ao implante4.
2) As redes sintéticas transvaginais oferecem resultados anatómicos superiores à cirurgia com tecido nativo para o tratamento primário de prolapso do compartimento anterior, no entanto não há evidência científica na melhoria da qualidade de vida dos pacientes4.
3) Em revisões da literatura científica baseadas em estudos internacionais, foram descritas taxas de complicações associadas à colocação de redes transvaginais sintéticas significativas, variando entre 10 a 15%. Algumas destas complicações podem ser graves e difíceis de solucionar com uma nova cirurgia, podendo comprometer a qualidade da vida da paciente permanentemente4,5 .
4) Com base nas evidências listadas acima, o tratamento de POP primário uni ou multicompartimental com utilização de redes na ausência de factores de risco específicos de recidiva, deve ser desencorajado6,7.
5) O uso de redes sintéticas colocadas por via vaginal num POP primário pode ser apropriado e útil na presença de factores de risco significativos para recidiva: alterações do colagénio, DPOC, obesidade, obstipação crónica grave, hiato genital alargado com avulsão dos músculos elevadores do ânus 1.
6) A correcção com rede do prolapso apical e /ou multicompartimental por via abdominal, tem elevadas taxas de sucesso e menor taxa de complicações relacionadas com redes 8,9.
7) Na presença do prolapso apical, a correção com rede por via abdominal/ laparoscópica, oferece elevadas taxas de sucesso e menor taxa de complicações relacionadas com a colocação da rede, no entanto pode não corrigir todos os defeitos compartimentais e posteriormente ser necessária a correcção por via vaginal com ou sem rede. Esta técnica está também associada a maior tempo cirúrgico e recuperação mais prolongada, com todos os riscos de uma cirurgia abdominal/ /laparoscópica, ausentes na cirurgia vaginal. É obrigatório fornecer à doente um aconselhamento pré-operatório adequado e completo sobre todas as opções possíveis para a correcção do seu POP específico8,9.
8) O tratamento do prolapso recorrente representa uma indicação para o uso de redes colocadas por via vaginal. Nestes casos os riscos associados à colocação da rede devem ser correctamente explicados à paciente, que deve dar o seu consentimento informado6.
9) As redes devem ser utilizadas por cirurgiões com experiência no tratamento de prolapso complexo e recidivas, que tenham adquirido formação específica para cada dispositivo utilizado, com conhecimento alargado da anatomia pélvica e que demonstrem que dominam todas as técnicas de correcção de POP, assim como o reconhecimento de complicações intraoperatórias e capacidade de resolução das mesmas6,10,11.
10) O tratamento do POP com rede por via vaginal deve ser realizado em centros em que se possa oferecer uma abordagem multidisciplinar com diferentes opções de tratamento. A decisão do tratamento deve ser partilhada com a doente depois de lhe ser bem explicado todas as opções terapêuticas e incluindo nesse esclarecimento a opção de não ser tratada. A doente aceitará os riscos e os benefícios destas abordagens em consentimento informado claro e preciso, já referido 6,11.
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11) O Scientific Committee on Emerging and Newly Identified Health Risks (SCENIHR), da União Europeia e a European Urology Association (EAU) recomendam limitar a quantidade de rede em todos os procedimentos, o uso de um consentimento informado específico o mais esclarecedor possível, oferecendo todas as técnicas possíveis para a correcção do seu POP em concreto, o follow-up prolongado destas doentes, o registo das complicações em bases de dados previamente definidas e a implementação de um programa de certificação dos cirurgiões baseado nas directrizes internacionais em cooperação com as associações cirúrgicas europeias.
Recomenda ainda que as complicações decorrentes destas técnicas sejam resolvidas em centros com experiência neste campo 10,11.
12) A maioria dos “kits” de redes para tratamento do prolapso fornece fixação apical, pelo que a presença combinada de POP do compartimento anterior e apical e posterior e apical, pode ser resolvido com o uso destes dispositivos. No entanto não há evidência científica, por falta de estudos aleatorizados, que sustentem a superioridade anatómica do tratamento do POP apical com redes, comparado com a cirurgia transvaginal sem redes.
13) As redes por via vaginal só devem ser utilizadas na correcção do compartimento posterior, em casos muito seleccionados (Ex: Prolapso Grau IV, com componente apical, recidiva de prolapso, componente de enterocelo Grau IV, em doentes com obstipação crónica considerada grave e que entendam e aceitem os riscos e benefícios da correcção do seu POP, por esta via e com estas técnicas). Para a colocação destas redes os cirurgiões devem, reforçando o já acima referido, ter experiência na colocação das mesmas, já que as complicações de colocação de redes entre a vagina e o espaço para rectal se podem revestir de grande complexidade12.
14) As redes para correcção de POP, podem ainda ser consideradas como primeira escolha, nas mulheres que tenham contraindicação à correcção do seu prolapso por via abdominal1,6,7.
15) Os clínicos que se proponham corrigir os POP por via vaginal com estas redes, devem fazê-lo dentro de estudos aleatorizados ou ensaios clínicos e submeter estas doentes a consultas de follow-up a longo prazo 6.
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16) Incentiva-se todos os cirurgiões/Instituições com experiência nestas técnicas de prolapso a certificarem--se como Centro de Referência para o tratamento das doentes 6.
A European Urogynaecology Association (EUGA) tem um programa de acreditação de Centros, na Subespecialidade de Uroginecologia, em conjunto com o European Board & College of Obstetrics and Gynaecology (EBCOG).
https://www.eugaoffice.org/accreditationprogramme
17) Recomenda-se que os Cirurgiões / Instituições, se submetam a auditorias internas, para avaliação dos resultados anuais. Recomenda-se ainda que utilizem a base de dados nacional para registo das suas complicações6.
18) Põe-se como hipótese que as redes que utilizamos, nesta era da Uroginecologia, são mais biocompatíveis, mais leves e com maior porosidade que as redes que deram as altas taxas de complicações descritas na literatura. Espera-se que estas redes, sejam mais seguras, melhorando consideravelmente o seu desempenho e segurança12-19.