Introdução
O objetivo da estimulação ovárica efetuada na maioria dos ciclos de Fertilização in vitro (FIV) e de microinjeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI) consiste no recrutamento de múltiplos folículos, numa tentativa de se obterem embriões de boa qualidade que possam implantar-se e originar gravidezes. A obtenção de um baixo número de folículos traduz uma baixa resposta ovárica à estimulação o que se associa a resultados subótimos. (1
Desde a primeira descrição de uma má respondedora à estimulação ovárica farmacológica, há mais de 35 anos, têm sido múltiplas as publicações sobre este tema, na tentativa de melhor caracterizar esta população, de explicar a patogénese e de definir possíveis tratamentos/alterações de protocolos que possibilitem obter melhores respostas ováricas. (1
Em 2011, foram publicados os critérios de Bologna, elaborados por um grupo de trabalho da ESHRE (European Society of Human Reproduction and Embryology), no sentido de consensualizar uma definição de má respondedora (POR, poor ovarian responder) e assim permitir conceber e comparar resultados de ensaios clínicos e estabelecer protocolos para populações mais homogéneas. Admitiam como critérios diagnósticos a existência de fatores de risco (em particular idade materna superior ou igual a 40 anos), fracas respostas a ciclos de estimulação prévios (com recolha de 3 ou menos ovócitos) e a presença de biomarcadores de má reserva ovárica (baixa AFC, antral follicule count e baixos valores de HAM, hormona antimulleriana). (1
Estas subpopulações apresentam comportamentos e respostas aos ciclos FIV/ICSI diferentes entre si, consequentemente interferindo na valorização comparativa dos resultados dos estudos. (2 Nesse sentido, o grupo POSEIDON (Patient-Oriented Strategies Encompassing IndividualizeD Oocyte Number), sugeriu uma nova classificação, com critérios quantitativos e qualitativos que estratifica mulheres com resposta ovárica reduzida previsível, com base em biomarcadores de reserva ovárica ou resposta reduzida em ciclos prévios. (3
É introduzida a diferenciação entre uma resposta ovárica subótima (com recolha de 4 a 9 ovócitos) e hiporresposta/ hiporrespondedoras (em que se pressupõe que são necessárias doses mais elevadas de gonadotrofinas ou estimulações mais prolongadas para obter mais do que 3 ovócitos). (3
A estratificação traduz-se na definição de 4 grupos:
grupo 1: idade < 35anos, AFC≥5, HAM≥1,2ng/ml e número de ovócitos colhidos em ciclo FIV/ICSI prévio <10;
grupo 2: idade ≥ 35anos, AFC≥5, HAM≥1,2ng/ml e número de ovócitos colhidos em ciclo FIV/ICSI prévio <10;
grupo 3: idade <35anos, AFC<5 e/ou HAM <1,2ng/ml;
grupo 4: idade ≥35anos, AFC<5 e/ou HAM <1,2ng/ml).
Os grupos 1 e 2 são subdivididos em dois subgrupos cada, de acordo com número de ovócitos colhidos (1a e 2a se número de ovócitos <4; 1b e 2b se número de ovócitos entre 4 e 9), traduzindo a hiporresposta nos subgrupos 1a e 2a e a resposta subótima nos subgrupos 1b e 2b. (3), (4
Com este trabalho, pretende-se caracterizar a população e subpopulações de mulheres com mau prognóstico segundo os critérios de classificação do grupo POSEIDON, submetidas a ciclo FIV/ICSI num centro público de PMA (Procriação Medicamente Assistida).
Métodos
Estudo retrospetivo efetuado com recurso a base de dados dos ciclos FIV/ICSI realizados entre Maio de 2012 e Dezembro de 2017 na Unidade de Medicina da Reprodução do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte - Hospital de Santa Maria. Foram incluídas mulheres entre os 18 e 40 anos, com registo de AFC e HAM, as quais foram distribuídas pelos quatro grupos da classificação POSEIDON acima descritos. De acordo com a mesma classificação e com o número de ovócitos colhidos em ciclo prévio, os grupos 1 e 2 foram subdivididos em dois subgrupos cada - “a” se hiporresposta e “b” se resposta subótima, como descrito acima.
Não foram considerados eventuais ciclos de FIV/ICSI do mesmo casal efetuados previamente noutra instituição ou ciclos realizados no âmbito da preservação de fertilidade. Na unidade não se efectuam ciclos para diagnóstico genético pré-implantação ou com recurso a doação de gâmetas.
Foram calculadas as taxas de resposta ovárica ótima (se número de ovócitos recolhidos superior ou igual a 10), hiporresposta e resposta subótima, de acordo com os critérios da classificação POSEIDON já descritos. Considerou-se resposta não-ótima o conjunto das hiporrespostas e respostas subótimas.
Para além das variáveis descritas, a caracterização da população incluiu a avaliação de idade, características demográficas, índice de massa corporal (IMC), hábitos tabágicos, tipo e etiologia da infertilidade e número de ovários.
Para a caracterização da resposta ao ciclo de FIV/ICSI, foram avaliados os desfechos dos ciclos de tratamento em termos de taxas de gravidez clínica e de parto por ciclo iniciado, por punção ovárica (PO) e por transferência de embriões.Foram consideradas apenas as transferências a fresco; as gravidezes e partos são referentes apenas a estas, sem taxa cumulativa de transferências de embriões congelados eventualmente realizadas a posteriori.
Foram igualmente calculadas as taxas de resposta ovárica, de gravidez clínica e de parto para a população que não cumpria os critérios de classificação referidos (não-POSEIDON, PNP). A PNP foi considerada grupo-controlo e as suas taxas foram comparadas às dos grupos 1 a 4. Para a análise estatística foi aplicado o teste de Qui quadrado e considerada significância estatística quando o valor de p foi <0,05.
Tratando-se de um estudo exclusivamente de registos de base de dados, não foi considerada necessária autorização pela Comissão de Ética, tanto mais que todos os beneficiários destas técnicas assinaram um consentimento informado que explicita autorização para a utilização de dados em anonimato para publicações.
Resultados
No período em análise, foram efetuados 1975 ciclos de FIV/ICSI, dos quais 186 foram excluídos da análise por inexistência de registo do valor de HAM e/ou AFC (Figura 1). Os 1789 ciclos foram realizados em 1192 mulheres - 308 iniciaram 2 ciclos; 220 iniciaram 3 ciclos; 20 iniciaram 4 ciclos, 1 iniciou 5 ciclos e 1 iniciou 6 ciclos.
Cerca de metade dos ciclos FIV/ICSI avaliados (49,6%, 887/1789) correspondiam a doentes com mau prognóstico de acordo com os critérios da classificação POSEIDON.
Um total de 102 ciclos foram cancelados - 78 no grupo que cumpre critérios POSEIDON (8,8% dos ciclos deste grupo) e 24 no grupo sem esses critérios (2,7% dos ciclos deste grupo). O principal motivo de cancelamento foi resposta ovárica deficiente ou ausente à estimulação farmacológica (n= 93 na população total).
Avaliando a resposta à estimulação ovárica dos casos com critérios POSEIDON em que se procedeu a PO, verificou-se uma resposta não-ótima em 85,7% (693/809). Na população que não cumpria os critérios POSEIDON, a resposta não-ótima foi de 62,4% (548/878) (Figura 1), diferença estatisticamente muito significativa (p<0,00001).
Utilizando os critérios POSEIDON como uma ferramenta preditora de resposta não-ótima à estimulação ovárica obtiveram-se os seguintes resultados:
Valor Preditivo Positivo (VPP) = resposta não-ótima na população POSEIDON / população com critérios POSEIDON = 693/809 = 0,857
Valor Preditivo Negativo (VPN) = resposta ótima na população não-POSEIDON / população sem critérios POSEIDON = 330/878 = 0,376
A distribuição pelos grupos definidos por esta classificação está apresentada no Quadro I, que resume também os resultados obtidos na população estudada. Relativamente aos dados presentes neste quadro destaca-se:
A representatividade dos grupos é muito variável, correspondendo mais de metade dos casos ao grupo 4 (55,5%, 492/887), seguida pelo grupo 3 (20,3%, 180/887).
No G1 foram incluídas 80 mulheres (6 iniciaram 2 ciclos); no G2 foram incluídas 117 mulheres (8 iniciaram 2 ciclos, 2 iniciaram 3 ciclos); no G3 foram incluídas 139 mulheres (33 iniciaram 2 ciclos, 4 iniciaram 3 ciclos); no G4 foram incluídas 346 mulheres (71 iniciaram 2 ciclos, 24 iniciaram 3 ciclos, 6 iniciaram 4 ciclos, 1 iniciou 5 ciclos e 1 iniciou 6 ciclos).
A subpopulação em que houve recolha de 10 ou mais ovócitos varia amplamente entre grupos, com frações mais baixas no grupo 4 (7,4%), seguido do grupo 3 (11,6%), com diferença estatisticamente muito significativa da PNP (grupo-controlo) (p<0,00001). Os restantes grupos apresentaram proporções mais elevadas 39,5% no grupo 1 e 24,8% no grupo 2.
A resposta não-ótima dos grupos 1 e 2 ocorreu principalmente à custa de resposta subótimas, com hiporrespostas a representarem menos de 20% dos casos. Os grupos 3 e 4 têm uma taxa de hiporresposta mais expressiva, que corresponde a mais de um terço dos casos (G3- 34,1%; G4- 49,3%) e que difere muito significativamente da taxa de hiporresposta na PNP.
O grupo 4 apresentou os piores índices de sucesso das técnicas PMA, com taxas de gravidez e de parto (por ciclo, PO e transferência) muito significativamente inferiores à PNP. Foi seguido pelo grupo 3 que apresentou taxas de gravidez e parto inferiores à PNP, mas apenas as primeiras com significado estatístico.
As taxas de gravidez e parto dos grupos 1 e 2 foram mais elevadas, sem diferença significativa em relação às taxas da PNP.
Abreviaturas/siglas: PNP - população não-POSEIDON; PO - punção ovárica; transf- transferência; NS - não significativo; * p-value < 0,05; θ p-value < 0,01; § p-value < 0,001; Ψ p-value < 0,0001; p-value < 0,00001 vs PNP.
Foram obtidos embriões congelados em 115 ciclos, a maioria com 1 ou 2 embriões congelados (74,8%, 86/115) - 21 ciclos do G1 (24,4%), 22 ciclos do G2 (17,1%), 26 ciclos do G3 (14,4%) e 46 ciclos do G4 (9,3%).
Relativamente aos ciclos sem transferências a fresco verificaram-se:
7 casos em G1; 5 por ausência de embriões transferíveis (1 caso sem colheita de ovócitos, 3 com ovócitos não fecundados e 1 sem embriões diplóides), 2 por risco de síndrome de hiperestimulação ovárica (SHO).
9 casos em G2; 8 por ausência de embriões transferíveis (1 caso sem colheita de ovócitos, 6 com ovócitos não fecundados e 1 sem embriões diplóides), 1 por suspeita de pólipo endometrial.
19 casos em G3; 18 por ausência de embriões transferíveis (2 sem colheita de ovócitos, 12 com ovócitos não fecundados, 3 sem embriões diplóides e 1 caso com zigoto não clivado), 1 por lâmina líquida na cavidade endometrial.
80 casos em G4; 74 por ausência de embriões transferíveis (14 sem colheita de ovócitos, 42 com ovócitos não fecundados e 18 casos com embriões não diplóides/atrésicos), 3 por risco de SHO, 2 por suspeita de pólipo endometrial e 1 por lâmina líquida na cavidade endometrial.
Quanto aos desfechos das gravidezes resultantes, no G1 (32, G1a =4 vs G1b = 28), 81,3% terminaram em parto (26, G1a = 3 vs G1b = 23), 6,3% em aborto espontâneo (2, do G1b) e 3,1% em gravidez extrauterina (GEU) (1, do G1b). Desconhece-se o desfecho da gravidez em 3 casos.
No G2, de um total de 50 gravidezes (G2a =7 vs G2b = 43), 80,0% terminaram em parto (40, G2a = 7 vs G2b = 33), 14,0% em aborto espontâneo (7, do G2b), 2,0% em GEU (1, do G2b), e em 2 casos não se conseguiu essa informação.
No G3, existiram 54 gravidezes, 75,9% (41) culminaram em partos, 16,7% (9) em abortos espontâneos, 3,7% (2) em GEU, e em 2 desconhece-se o desfecho.
No G4, verificaram-se 100 gravidezes, 69,0% (69) das quais terminaram em partos, 23,0% (23) em abortos espontâneos, e em 8 casos não há registo do desfecho.
Relativamente à caracterização da população, os grupos 1 e 3, cujo critério de inclusão marcante é a idade inferior a 35, a idade média foi 31,2 e 31,8 anos, respetivamente; nos grupos caracterizados por idade superior a 35, grupos 2 e 4, a idade média foi 37,1 e 37,7 anos, respetivamente (Quadro II).
Abreviaturas/siglas: afric. - africanas; americ. - americanas; cauc. - caucasianas; cig./d - cigarros por dia; G - grupo; IIQ - intervalo interquartil; IMC - índice de massa corporal; p. - países; σ - desvio-padrão
Em todos os grupos verifica-se que a maioria da população é caucasiana e de nacionalidade portuguesa, com um IMC compatível com peso normal. A grande maioria é não fumadora (Quadro II).
Transversalmente, são mulheres com infertilidade primária, com uma pequena percentagem de mulheres com antecedentes de ooforectomia (valor mais alto de 5%, no G4) (Quadro III).
Abreviaturas/siglas: AFC - contagem de folículos antrais; FF - fatores femininos; FM - fator masculino; G - grupo; HAM - hormona antimulleriana; IIQ - intervalo interquartil
O fator masculino constituiu o motivo de infertilidade mais frequentemente identificado, seguido do fator tubário em todos os grupos com exceção do grupo 3 cujo segundo motivo mais frequente foi endometriose. Os casos de infertilidade inexplicada têm expressão importante (Quadros III).
Discussão
O número de ovócitos recolhidos na PO é uma parte fulcral das técnicas de PMA, pelo que a caracterização do grupo de más respondedoras e a criação de ferramentas que permitam prever quais os casos que integrarão esse grupo com consequente adaptação de protocolos constituem fatores indispensáveis para a obtenção dos melhores resultados possíveis.
Com uma incidência estimada na literatura entre 9 e 24% 5, verificou-se que esta população é particularmente prevalente no nosso centro. É importante referir que a determinação destas prevalências tem como base estudos que aplicaram diferentes critérios na definição de más respondedoras, por vários deles serem anteriores à uniformização da definição de má respondedora pelos critérios de Bologna.
Não obstante o objetivo do trabalho ser a caracterização de uma população de mulheres que expectavelmente serão más respondedoras, através da aplicação dos critérios POSEIDON, parece-nos essencial situá-la no panorama global de mulheres vigiadas no nosso centro de PMA. É de salientar que o grupo de expectáveis más respondedoras corresponde a aproximadamente metade de todos os ciclos realizados, assim como o facto de a resposta não-ótima ser extremamente frequente neste grupo (85,7%), mas também tal tipo de resposta estar longe de ser rara na população que não seria expectavelmente má respondedora de acordo com os critérios aplicados (62,4%).
Para compreender a taxa de cancelamento de ciclos é necessário contextualizá-los nas circunstâncias em que são realizados. Por se tratar de um centro de PMA integrado no Sistema Nacional de Saúde (SNS), está obrigado a respeitar os critérios definidos neste âmbito, nomeadamente quanto ao número de ciclos e limite da idade da mulher submetida a uma técnica de PMA de 2ª linha6. Uma resposta deficitária à estimulação ovárica com gonadotrofinas, com expectável baixa taxa de sucesso leva a que por vezes se decida em conjunto com a mulher/o casal o cancelamento do ciclo, de forma a que este não corresponda a um dos 3 ciclos financiados pelo SNS. Neste sentido, compreende-se que a taxa de cancelamento seja muito superior na população “com mau prognóstico” e que esta seja essencialmente à custa de casos do grupo 3 e 4, caracterizados por baixa reserva ovárica.
Os critérios POSEIDON como um teste preditor da má resposta ovárica
O elevado VPP (85,7%) para resposta não-ótima significa que a mulher que seja identificada como tendo baixo prognóstico de acordo com os critérios POSEIDON tem efetivamente elevada probabilidade de vir a ter um número reduzido de ovócitos recolhidos.
Contrariamente, não estar incluída neste grupo não deve ser tranquilizador, uma vez que com um VPN baixo (37,6%), a não inclusão no grupo tem menor valor do que a sua inclusão.
A consideração destes valores permite ao clínico contextualizar a mulher/o casal que inicia um novo ciclo. O baixo VPN não deve ser considerado uma fraqueza da classificação, uma vez que esta foi criada com o propósito de identificar grupos mais homogéneos para ensaios clínicos e não com o objetivo de rastrear a má resposta ovárica.
Elevada representatividade de mulheres com mais de 35 anos
Os grupos 2 e 4 correspondem aos grupos de mulheres com mais de 35 anos e têm expressão importante, em particular o grupo 4. Esta elevada prevalência é explicada pelo aumento gradual da idade média no primeiro parto, tendência que se tem vindo a verificar nas últimas 5 décadas7)-(8, aliada à relação inversa entre fecundidade e idade materna9 e aos tempos de espera verificados na realização de técnicas de PMA de 2ª linha no SNS.
A análise do Quadro I permite verificar que a taxa de ótimas respondedoras é significativamente superior no grupo 1 comparativamente ao grupo 2 (p= 0,02). Embora sem significado estatístico (p= 0,10) o mesmo sucede no grupo 3 comparativamente ao grupo 4, ou seja, quando o principal fator distinguidor é a idade feminina, verificam-se taxas de resposta ótima mais altas com idade feminina mais baixa. Todos os restantes dados referidos corroboram a relação inversa entre fecundidade/fertilidade e idade materna, já referida.
Baixa reserva ovárica vs mau resultado em ciclo FIV/ICSI anterior
A análise do Quadro I, permite verificar que as taxas de resposta ótima, assim como as taxas de gravidez e de parto são globalmente melhores e mais próximas entre si no grupo 1 e 2 comparativamente aos grupos 3 e 4. Também se verifica que as taxas de gravidez e parto são semelhantes à PNP, contrastando com os grupos 3 e 4 que apresentam taxas significativamente mais baixas. Esta análise por grupos corrobora a opinião de que considerar a população má respondedora como uma população única desconsidera a importante heterogeneidade existente. Os melhores resultados nos grupos 1 e 2 permitem-nos considerar que um mau desfecho num ciclo FIV/ICSI prévio não determina tão fortemente um mau resultado num novo ciclo quanto uma má reserva ovárica. Nos grupos com maus resultados em ciclos prévios, a otimização do protocolo de estimulação ovárica (por exemplo quanto ao tipo ou à dose da gonadotrofina) poderá ultrapassar a resistência à estimulação verificada no ciclo anterior; já nos grupos 3 e 4, as modificações do protocolo de estimulação poderão ser insuficientes para compensar a ausência/carência de folículos, verificada desde o início da estimulação10.
Etiologia da infertilidade
Segundo a literatura, até cerca de 30% das avaliações dos casais inférteis não permitem concluir o motivo da infertilidade conduzindo ao diagnóstico de infertilidade inexplicada11, o que se verificou no nosso estudo com valores compreendidos entre 22% (G1) e 26% (G2)
Quando identificada a causa da infertilidade, o fator masculino foi a mais frequente, com taxas próximas dos 50% em todos os grupos, e que está de acordo com o descrito na literatura11. Relativamente a outras causas, é interessante verificar que a endometriose é prevalente nos grupos 4 e principalmente no 3. Não sendo objetivo deste trabalho a avaliação das diferentes causas de infertilidade ou a sua diferenciação entre grupos específicos, é de enfatizar que a endometriose se mostrou mais prevalente em grupos caracterizados por baixa reserva ovárica, independentemente de esta ser mais (grupo 4, idade igual ou superior a 35 anos) ou menos (grupo 3, com idade inferior a 35 anos) expectável de acordo com a idade da mulher. Com mecanismos fisiopatológicos ainda por esclarecer, estes dados parecem corroborar a noção de que a endometriose afeta negativamente a reserva ovárica e a resposta deste órgão à estimulação controlada, com consequente influência no número de ovócitos recrutados. (12 Por outro lado, ao ser um centro de referência para esta patologia, não é de estranhar que estejam incluídos casos de endometriose ovárica e/ou sintomática com eventual necessidade de terapêutica cirúrgica e, por vezes inclusivamente com necessidade de ooforectomia, refletida em proporção maior de mulheres com um ovário nestes grupos.
Em conclusão, a caracterização dos casais inférteis e o reconhecimento de características que lhes conferem mau prognóstico quanto aos resultados obtidos com técnicas de PMA de 2ª linha é essencial, inclusive para gerir as expectativas dos casais. Reveste-se de particular importância se se considerar o facto de serem procedimentos morosos e em que as esperanças depositadas são frequentemente elevadas e desajustadas. A aplicação dos critérios POSEIDON com o objetivo de prever má resposta ovárica deve ser cuidadosa - não cumprir esses critérios tem valor reduzido uma vez que não assegura boa resposta ovárica; por outro lado, a má reserva ovárica demonstrou influenciar os desfechos de forma mais significativa do que o mau desfecho num ciclo FIV/ICSI prévio. Não obstante, o reconhecimento de que cumpre estes critérios é importante quer para o casal, quer para o clínico. Aguarda-se a realização de estudos quanto ao tratamento para grupos específicos, que permitam evidenciar eventuais efeitos previamente não demonstrados (por heterogeneidade dos grupos) e que contribuam para a adoção de um tratamento mais adaptado e com consequente maior sucesso.