Introdução
Atualmente, 1 em cada 7 casais que tenta engravidar sofre de infertilidade1.
O desejo dos casais serem pais em idade mais avançada acarreta deterioração da reserva ovocitária e aumento do tempo de exposição a tabaco, álcool e doenças sexualmente transmitidas2), (3.
A obesidade e o baixo peso (índice de massa corporal (IMC)<17kg/m2) contribuem para irregularidades nos ciclos menstruais e disfunções ovulatórias4), (5), (6.
Mulheres obesas apresentam insuficiente desenvolvimento folicular, menor número de ovócitos e menor resposta à terapêutica utilizada para tratamentos de Procriação Medicamente Assistida (PMA), reportando alguns estudos a necessidade de maior dose destes agentes para se alcançarem os mesmos resultados, em comparação com mulheres não obesas7), (8), (9), (10), (11.
Torna-se assim impreterível o aconselhamento destes casais sobre os seus estilos de vida e avaliação do estado geral de saúde do casal12), (13.
Apesar destas tentativas, há casais que não têm gravidez espontânea, sendo encaminhados para uma consulta hospitalar especializada e, se justificado, para técnicas de PMA: inseminação intrauterina (IIU) e fertilização in vitro (FIV)/injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICSI).
Com o presente estudo pretendeu-se compreender os vários percursos e desfechos dos casais que iniciam seguimento na Consulta de Apoio à Fertilidade (CAF) no Centro de Procriação Medicamente Assistida (CPMA) de um hospital público e analisar o sucesso dos diferentes tratamentos. Foi ainda objetivo estabelecer a probabilidade de sucesso de casais em seguimento no CPMA, considerando as variáveis preditoras de sucesso nos tratamentos.
Métodos
Trata-se de um estudo coorte retrospetivo, realizado no CPMA, de casais com infertilidade da área de atração do hospital. Incluíram-se os casais que iniciaram seguimento em CAF entre 1 de janeiro de 2016 e 30 de junho de 2017 com diagnóstico de infertilidade. Foram excluídos casais homossexuais, mulheres com projeto individual de parentalidade e casais com tratamentos realizados num centro público de PMA previamente à primeira CAF no nosso centro.
As variáveis selecionadas encontram-se enumeradas no Quadro I. Definiu-se um conjunto de conceitos (Quadro II), destacando-se as seguintes:
Ciclo de FIV/ICSI: considera-se ciclo realizado aquando da punção folicular; excluem-se ciclos cancelados durante a estimulação ovárica; incluem-se ciclos com zero ovócitos obtidos ou sem transferências realizadas. Transferências de embriões a fresco e transferências de embriões criopreservados após a mesma punção folicular são consideradas o mesmo ciclo;
Probabilidade de parto de nado-vivo por ciclo de tratamento (IIU ou FIV/ICSI): (Soma dos casais com parto de nado-vivo nesse ciclo)/(Número total de casais que realizaram esse mesmo ciclo);
Tempo de seguimento: os casais foram seguidos entre 0 e 55 meses, encontrando-se ainda 12,1% em seguimento no CPMA.
CAF: consulta de apoio à fertilidade; CPMA: Centro de Procriação Medicamente Assistida; FIV: fertilização in vitro; HAM: hormona antimulleriana; ICSI: injeção intracitoplasmática de espermatozoides; IIU: inseminação intrauterina; IMC: índice de massa corporal; IO:indução da ovulação; TE: transferências de embriões a fresco; TEC: transferências de embriões criopreservados.
FIV: fertilização in vitro; ICSI: injeção intracitoplasmática de espermatozoides; IIU: inseminação intrauterina; PPN: probabilidade de parto de nado-vivo.
O desenho e utilidade do estudo mereceram parecer favorável por parte da Comissão de Ética do hospital.
Realizou-se a análise estatística no software SPSS v22 (IBM Corp., Armonk, NY) e consideraram-se resultados estatisticamente significativos se p-value (p)<0,05.
Para caracterização e comparação dos grupos em estudo recorreu-se a: média ou mediana (consoante a variável quantitativa apresente ou não distribuição normal, respetivamente), teste t para amostras independentes, teste de Mann-Whitney U, teste do qui-quadrado e correlação de Pearson. Para definição dos algoritmos, realizaram-se regressões logísticas binárias (método Enter). As probabilidades cumulativas de sucesso dos tratamentos foram avaliadas pelas curvas de Kaplan-Meier e teste de Log-Rank, recorrendo-se às abordagens otimista (censuras no momento de desistência: atribuição da mesma probabilidade de sucesso aos casais que desistem e aos que se mantêm em tratamentos após tentativas falhadas) e conservadora (censuras após os três tratamentos comparticipados: atribuição de 0% de probabilidade de sucesso a um casal que não retorna aos tratamentos).
Resultados
1. Caracterização dos casais
1.1. Caracterização global
Após aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, foram considerados 397 casais (Figura 1.).
Os Quadros III e IV apresentam detalhadamente a caracterização dos casais.
A idade média feminina é 33,4 anos e a masculina 35,3 anos. O IMC médio feminino e masculino são, respetivamente, 23,5 kg/m2 e 25,7 kg/m2. 72,7% e 50,8% das mulheres e homens, respetivamente, nunca fumaram.
♀: Característica relativa ao elemento feminino; ♂: característica relativa ao elemento masculino; ○: média ± desvio padrão; ◊: mediana (amplitude interquartil). IMC: índice de massa corporal; HAM: hormona antimulleriana; N: número de casais.
♀: característica relativa ao elemento feminino; ♂: característica relativa ao elemento masculino. ACO: anticoncecional oral; AE:abortamento espontâneo; FIV: fertilização in vitro; ICSI: injeção intracitoplasmática de espermatozoides; IU: intrauterina; N: número de casais; SOP: síndrome do ovário poliquístico.
A mediana da concentração de hormona antimulleriana (HAM) é 2,2 ng/mL; 72,8% dos casais apresenta infertilidade primária. A principal causa de infertilidade é a masculina e está presente em 46,0% dos casais (como causa isolada ou como causa feminina e masculina concomitantes) (Figura 2.).
A mediana da duração da infertilidade é 24 meses. Casais com mulheres com, pelo menos, 35 anos apresentam maior duração de infertilidade (mediana de 25 meses; p=0,017) e menor concentração de HAM (p<0,001), com mediana de 1,4 ng/mL por oposição a 2,9 ng/mL referente às mulheres com menos de 35 anos.
A maioria dos homens não apresenta qualquer antecedente (76,8%) e o antecedente feminino mais frequente é o abortamento espontâneo (AE) de 1ºT (15,7%).
Dos 397 casais avaliados (Figura 3.), durante o período de seguimento (0 a 55 meses), 47,6% (179 casais) tiveram parto de nado-vivo ou gravidez evolutiva e 38,8% (154 casais) tiveram alta sem parto de nado-vivo.
Considerando os casais com critérios para tratamento e que não desistiram (N=222), 134 casais (60,3%) tiveram parto de nado-vivo ou gravidez evolutiva.
1.2. Casais com e sem parto de nado-vivo
Há diferenças significativas (p<0,05) entre os grupos de casais com e sem parto de nado-vivo (Quadros V e VI): idades feminina e masculina, concentração de HAM, número de filhos anteriores (apenas do elemento feminino do casal), hábitos tabágicos masculinos, etnia masculina, presença de malformação uterina congénita, SOP (síndrome do ovário poliquístico), AE ou varicocelo, ausência de antecedentes médicos ou cirúrgicos masculinos e as causas de infertilidade.
♀: característica relativa ao elemento feminino; ♂: característica relativa ao elemento masculino; ○: média ± desvio padrão; ◊: mediana (amplitude interquartil); ⱡ: p-value calculado por teste t para amostras independentes; ⱡ: p-value calculado por teste de mann-whitney u. IMC: índice de massa corporal; HAM: hormona antimulleriana; N: número de casais.
1.3. Tratamentos realizados no CPMA
258 casais realizaram, pelo menos, 1 tratamento (IO, IIU ou FIV/ICSI) no CPMA (Quadro VII).
Ø: sem realização de tratamento; ⁂ Percentagem calculada em relação ao número total de casais que realizou, pelo menos, 1 tratamento (N=258). FIV: fertilização in vitro; IIU: inseminação intrauterina; IO: indução da ovulação; N:número de casais; TE: transferência de embriões a fresco; TEC: transferência de embriões criopreservados.
2. Preditores de parto de nado-vivo
Construíram-se modelos de regressão logística preditores de sucesso para diferentes grupos de casais, cujos parâmetros de avaliação do seu desempenho se encontram no Quadro VIII.
AUROC: Area under the ROC curve; FIV: fertilização in vitro; ICSI: injeção intracitoplasmática de espermatozoides; IIU: inseminação intrauterina; ROC: receiver operating chacarteristic; VPN: valor preditivo negativo; VPP: valor preditivo positivo.
2.1. Modelo A (Casais em CAF)
Neste modelo (Quadro IX), dos casais com desfechos favoráveis, 86 tiveram parto de nado-vivo após tratamento, 74 gravidez espontânea e 9 gravidez noutro centro.
A probabilidade de sucesso calcula-se por: OR/(OR +1) = 1/(1 + e^(-z)), com z = 5,215 - 0,214*(idade feminina em anos) - 0,412*(concentração de HAM em ng/mL) + 0,016*(idade feminina em anos * concentração de HAM em ng/mL) - 0,913*(número filhos anteriores da mulher) + 0,940*(história AE(1)) - 0,665*(endometriose(1)) + 0,699*(homem fumador atual ou esporádico ou passado(1)) + 0,923*(socioeconómico médio-baixo(1)) + 1,421*(socioeconómico médio(2)) + 1,021*(socioeconómico médio-alto(3)) + 1,801*(socioeconómico alto(4)).
*: p-value estatisticamente significativo. AE: abortamento espontâneo; B: estimativa do parâmetro da equação; CAF: consulta de apoio à fertilidade; DP: desvio padrão; GL: graus de liberdade; HAM: hormona antimulleriana; IC: intervalo de confiança; OR: odds ratio.
Casais com filhos anteriores apenas da mulher têm maior taxa de desistência da CAF e dos tratamentos (p=0,015), apesar de não haver diferenças na idade feminina, concentração de HAM e taxas de exclusão. A presença de hábitos tabágicos masculinos relaciona-se com causa de infertilidade masculina (p=0,028).
Os casais do grupo socioeconómico alto têm mais gravidezes em centros de PMA do sistema privado (p=0,003), apesar de terem idades femininas mais elevadas (p<0,001) e concentrações de HAM mais baixas (p=0,009).
2.2. Modelo B (Casais que iniciam tratamentos no CPMA)
Dos casais contemplados (Quadro X), tiveram alta do CPMA: 86 casais por parto de nado-vivo resultante de tratamento, 37 por gravidez espontânea e 2 por gravidez noutro centro.
*: p-value estatisticamente significativo. B: estimativa do parâmetro da equação; CAF: consulta de apoio à fertilidade; DP: desvio padrão; GL: graus de liberdade; HAM: hormona antimulleriana; IC: intervalo de confiança; OR: odds ratio.
A probabilidade de sucesso dos casais orientados no CPMA (indução da ovulação (IO), IIU ou FIV/ICSI), é dada por: OR/(OR +1) = 1/(1 + e^(-z)), com z = 7,647 - 0,141*(idade feminina em anos) - 0,357*(concentração de HAM em ng/mL) + 0,014*(idade feminina em anos * concentração de HAM em ng/mL) - 0,043*(IMC feminino) - 1,213*(número filhos anteriores da mulher) + 0,811*(história AE(1)) - 0,071*(idade masculina em anos) + 0,373*(homem fumador atual ou esporádico ou passado(1)).
Casais cuja idade masculina é superior têm maiores taxas de exclusão (p<0,001), verificando-se uma correlação positiva entre a idade masculina e feminina (p<0,001), têm maiores taxas de desistência (p=0,020) e têm mais filhos apenas da mulher (p=0,015).
Casais com filhos de relacionamentos anteriores da mulher têm maior taxa de desistência (p=0,047). A presença de hábitos tabágicos masculinos relaciona-se com a causa de infertilidade masculina (p=0,042).
Exemplificando: um casal que inicie tratamentos no CPMA com mulher de 32 anos, IMC=21,0kg/m2, [HAM]=1,9 ng/mL, sem filhos anteriores nem história de AE de 1º trimestre e com homem de 36,0 anos e hábitos tabágicos passados, a probabilidade de sucesso é 54,6%. Por outro lado, um casal em que a mulher tem 39,0 anos, IMC=22,5kg/m2, [HAM]=0,7 ng/mL, sem filhos anteriores com história de 1 AE de 1º trimestre e em que o homem tem 37,0 anos sem hábitos tabágicos, a probabilidade de sucesso é 36,8%.
2.3. Modelo C (Casais com IIU)
Dos casais considerados que realizaram IIU, 12 tiveram parto de nado-vivo após IIU e 15 gravidez espontânea (Quadro XI).
*: p-value estatisticamente significativo. B: estimativa do parâmetro da equação; CAF: consulta de apoio à fertilidade; DP: desvio padrão; GL: graus de liberdade; HAM: hormona antimulleriana; IC: intervalo de confiança; OR: odds ratio.
Nestes casais, a probabilidade de sucesso é dada por: OR/(OR +1) = 1/(1 + e^(-z)), com z = 8,616 - 0,273*(idade feminina em anos) - 0,969*(concentração de HAM em ng/mL) + 0,026*(idade feminina em anos * concentração de HAM em ng/mL) - 0,373*(mulher fumadora atual ou esporádica ou passada(1)) + 2,446* (causa infertilidade hormonal(1)).
2.4. Modelo D (Casais com ciclos de FIV/ICSI)
Nos casais incluídos com outcome positivo (Quadro XII), contabilizam-se 59 casais com parto de nado vivo após ciclo de FIV/ICSI, 18 com gravidez espontânea e 2 com gravidez noutro centro.
*: p-value estatisticamente significativo. B: estimativa do parâmetro da equação; CAF: consulta de apoio à fertilidade; DP: desvio padrão; GL: graus de liberdade; HAM: hormona antimulleriana; IC: intervalo de confiança; OR: odds ratio.
Determina-se a probabilidade de sucesso de um casal que realizou FIV/ICSI por: OR/(OR +1) = 1/(1 + e^(-z)), com z = 6,089 - 0,198*(idade feminina em anos) - 1,115*(concentração de HAM em ng/mL) + 0,036*(idade feminina em anos * concentração de HAM em ng/mL) + 0,457*(mulher fumadora atual ou esporádica ou passada(1)).
3. Sucesso dos tratamentos
3.1. Indução da Ovulação
Após 12 meses de IO, a probabilidade cumulativa de parto de nado-vivo é 87,2% (Figura 4.).
Determinou-se que existe relação significativa (p<0,001) entre as mulheres com indicação para IO e o fator hormonal como causa de infertilidade.
3.2. IIU
As probabilidades cumulativas otimista e conservadora de parto de nado-vivo após a realização da 3ª IIU são, respetivamente, 47,4% e 41,8% (Figura 5A.).
Analisaram-se os intervalos entre as inseminações intrauterinas (Quadro XIII), sendo a mediana de meses decorridos até à 1ª IIU de 6 meses, aquela com maior período de tempo associado. 50% dos casais realiza a 3ª IIU até 14 meses após a 1ª CAF.
3.3. FIV/ICSI
Os tratamentos de FIV/ICSI apresentam probabilidades cumulativas de parto de nado-vivo otimista e conservadora no 3º tratamento de 60,6% e 51,1% (Figura 6A.), respetivamente.
Verificou-se que o acréscimo da probabilidade cumulativa diminui ao longo dos ciclos de FIV/ICSI, de forma independente da concentração de HAM e da idade feminina (Figura 7.)
A realização dos tratamentos de FIV/ICSI implica a inscrição em lista de espera (Quadro XIV). Dos casais que realizam 3 ciclos, 50% faz o 3º tratamento até 41 meses após a 1ª CAF.
◊: mediana (amplitude interquartil). CAF: consulta de apoio à fertilidade; FIV: fertilização in vitro; ICSI:injeção intracitoplasmática de espermatozoides; IIU: inseminação intrauterina.
Determinou-se a probabilidade de sucesso dos ciclos de FIV/ICSI nos casais com mulheres com 39 anos aquando da realização dos tratamentos (Quadro XV). Verificou-se que 59 casais foram excluídos pelo facto de a idade feminina ultrapassar o limite máximo para a realização de ciclos de FIV/ICSI, dos quais 36 não realizaram qualquer ciclo (Quadro XV).
Discussão
Sendo este estudo uma coorte retrospetiva, a obtenção de dados foi por vezes dificultada por registos clínicos incompletos.
Os casais com gravidez evolutiva após tratamento, em tratamento, lista de espera para gâmetas ou para iniciar tratamento foram sempre considerados, de forma conservadora, outcomes desfavoráveis, o que pode subvalorizar os resultados, pois poderão ter desfechos favoráveis aquando da conclusão do seu percurso no CPMA.
Mulheres mais jovens e diminuição do tempo de espera traduzem-se em mais partos de nado-vivo
Há diferenças claras da idade feminina (p<0,001) e da concentração de HAM (p<0,001) entre os grupos de casais com e sem parto de nado-vivo. A partir dos modelos, reforça-se ainda a independência destas duas variáveis, sugerindo os declínios qualitativo e quantitativo da reserva ovárica. (3
Pelo Modelo D (Casais com ciclos de FIV/ICSI), depreende-se que a probabilidade de sucesso de um casal que realiza os 3 tratamentos (mulher não fumadora com 36, 37 e 38 anos no momento de cada ciclo, [HAM]=1,2ng/mL) é 61,8%. Já no caso de um casal cuja mulher tem 39 anos (não fumadora, [HAM]=1,2ng/mL), a probabilidade de sucesso será apenas 21,6%, pois realizará apenas 1 ciclo de FIV/ICSI. Se o tempo de espera fosse de 4 meses, por exemplo, estes casais com mulheres de 39 anos poderiam realizar 3 tratamentos, associando-se a uma probabilidade cumulativa de sucesso de 51,9% (calculada a partir do Modelo D e aplicando a definição de probabilidade cumulativa de sucesso). Além disto, com menores tempos de espera, as mulheres seriam, globalmente, mais jovens aquando da realização dos tratamentos, com os melhores resultados que isso provocaria.
Dos 59 casais excluídos de FIV/ICSI, 15 teriam parto de nado-vivo ou gravidez evolutiva se realizassem mais um ciclo (Quadro XV), ou seja, 25,4% dos casais excluídos obteriam sucesso durante o período de seguimento.
Necessidade de referenciação precoce a consulta hospitalar especializada
Dos casais que iniciam seguimento em CAF, 26,2% não tem tempo para realizar os 3 ciclos de FIV/ICSI (iniciam CAF com menos de 41 meses (Quadro XIV) até a mulher completar 40 anos), concluindo-se que é necessária a referenciação mais precoce destes casais, impedindo o protelamento do diagnóstico.
Outro indicador desta necessidade é o facto de na 1ª CAF 75% dos casais terem infertilidade com duração superior ou igual a 17 meses, sendo este valor significativamente maior em casais com mulheres com 35 anos ou mais, e estes devem ser referenciados após 6 meses sem engravidar. (14
Modelos preditores de parto de nado-vivo
O outcome primário considerado é o parto de nado-vivo, uma vez que o sucesso em PMA se deve medir por esta métrica, por ser a única que soluciona o problema do casal.
Não existe, ao nosso conhecimento, um modelo que contemple paralelamente a conceção natural e o parto de nado-vivo resultante de tratamentos de PMA no próprio ou noutros centros como outcomes favoráveis (como nos modelos em estudo), aspeto importante considerando que, independentemente do percurso seguido, o objetivo final de uma consulta de apoio à fertilidade é o casal atingir o parto de nado-vivo.
Não foram avaliadas as validades interna e externa, impossibilitando a generalização dos modelos. Além disso, tratam-se de modelos pré-tratamento, não tendo aplicabilidade durante os tratamentos pois após o seu início há introdução de múltiplas variáveis aqui não consideradas. (15
Nos modelos foram incluídas variáveis não estatisticamente significativas por serem clinicamente relevantes e por serem descritas na literatura como influenciadoras do sucesso dos casais. Além da possibilidade de haver alguma incorreção na recolha e registo dos dados, considera-se que outro possível motivo para a não significância estatística seja o baixo número de casais e a grande dispersão de dados, particularmente no Modelo C. Sendo um modelo referente aos casais propostos para IIU, não há homogeneidade no que à idade feminina diz respeito, havendo mulheres incluídas dos 24 aos 41 anos a realizarem esta técnica, por ser a única comparticipada após os 40 anos. Por estas limitações, trata-se de um modelo com difícil aplicabilidade na prática clínica.
Nos Modelos A (Casais em CAF) e B (Casais que iniciam tratamentos no CPMA), casais com hábitos tabágicos masculinos apresentam maior probabilidade de sucesso. É necessário considerar-se que a presença destes hábitos é referente à CAF (pré-tratamento) e não ao momento do tratamento e que tem relação com causa de infertilidade masculina, havendo hipótese para alteração destes hábitos e, consequentemente, redução ou até eliminação da potencial fonte de infertilidade. No Modelo C (Casais com IIU), a presença atual ou passada de hábitos tabágicos femininos apresenta relação negativa com a probabilidade de sucesso, coadunável com a deterioração irreversível da reserva ovocitária (qualitativa e quantitativa) causada pelo tabaco. Contrariamente, o Modelo D não mostra esta relação negativa por erros na recolha e registo dos dados ou pelo facto de a categorização dos hábitos tabágicos em apenas 2 grupos não plasmar o real impacto do tabagismo na fertilidade feminina. (16
Nos Modelos A e B mostrou-se haver relação entre o maior número de filhos anteriores da mulher e a menor probabilidade de sucesso, um resultado lógico pressupondo que as mulheres são as principais impulsionadoras dos tratamentos, podendo nestes casos a motivação pessoal ser menor em relação às mulheres ainda sem filhos. (17), (18
Sucesso nos tratamentos no CPMA
A verdadeira probabilidade de sucesso dos tratamentos estará, provavelmente, entre os valores encontrados nas abordagens otimista (melhor cenário) e conservadora (pior cenário) da análise de Kaplan-Meier, considerando-se que nenhuma representa a realidade clínica. (19), (20
Os casais propostos para IO incluem mulheres com irregularidades menstruais, estando associados distúrbios hormonais como causa de infertilidade que são, frequentemente, corrigíveis com indutores da ovulação, justificando as elevadas probabilidades de sucesso encontradas.
A probabilidade cumulativa de sucesso com a realização da 3ª IIU é ligeiramente inferior a 50% (abordagem otimista). Este valor poderá estar sobrevalorizado por haver casais sem inseminações posteriores a tentativas falhadas. Contrariamente, são considerados os casais sem acesso a FIV/ICSI pela idade feminina de 40 ou mais anos, facto que diminui as probabilidades cumulativas de sucesso de IIU. Apesar destas limitações, as probabilidades de sucesso são muito similares às descritas na literatura, principalmente considerando que são semelhantes a inseminações com esperma de dador, associadas frequentemente a melhores condições de realização. (21
As altas probabilidades cumulativas de sucesso verificam-se também na análise por meses decorridos desde a 1ª CAF até gravidez (Figura 5.). No entanto, deve considerar-se que se tratam de casais selecionados, isto é, são os melhores casos por se tratarem daqueles que não são imediatamente propostos para FIV/ICSI (o que aconteceria se fosse detetado algum fator de pior prognóstico). Além disto, os casais que não retornam após 1 IIU sem sucesso são, de forma otimista, excluídos da análise (82,5% dos casais com 1ª IIU sem sucesso, realiza a 2ª IIU; 66,7% dos casais com 2ª IIU sem sucesso, realiza a 3ª IIU). Assim, os casais seguidos durante múltiplos meses para inseminações intrauterinas (ultrapassando os 20 meses de seguimento (Figura 5B.)) são os que não são encaminhados para FIV/ICSI nem os que desistem dos tratamentos e, por estes 2 motivos, apresentam melhor prognóstico.
A diminuição do incremento da probabilidade cumulativa de sucesso com o aumento do número de tratamentos é observada nos casais propostos para IIU e para FIV/ICSI por diversos motivos: há doenças não diagnosticadas com impacto na fertilidade, o estudo inicial não contempla todos os componentes que podem condicionar problemas de fertilidade e, no caso particular da FIV/ICSI, surge ainda o aumento não desprezável da idade feminina entre tratamentos subsequentes. De uma forma simplista, nos ciclos de FIV/ICSI casais com melhor prognóstico saem, em média, da pool mais cedo, ficando uma maior proporção de casais com pior prognóstico em cada iteração.
Relativamente aos ciclos de FIV/ICSI, há aumento da probabilidade cumulativa de parto de nado-vivo com o aumento do número de ciclos realizados, podendo-se ponderar aumentar o número de tratamentos disponibilizados no Serviço Nacional de Saúde (SNS). No entanto, considerando a atual acessibilidade à PMA em centros públicos, o aumento do número de ciclos possíveis no SNS não traria benefício significativo uma vez que as mulheres frequentemente atingem a idade limite antes do número máximo de tratamentos e pelo facto de o acréscimo na probabilidade cumulativa dos ciclos de FIV/ICSI diminuir com o aumento do número de ciclos realizados.
Conclusão
É necessária a consciencialização social e da comunidade médica a fim de se diagnosticar mais atempadamente e reduzir a incidência de infertilidade, criando condições para que os casais percebam que a evolução social e o aumento da esperança média de vida não foram acompanhados de aumento da janela de idade reprodutiva.
Tratando-se de uma patologia multifatorial, é necessária mais investigação da população portuguesa com infertilidade para melhorar as opções oferecidas a estes casais.
É também importante perceber se a aplicação de algoritmos de decisão melhora o prognóstico dos casais e o desempenho dos centros, ainda que nunca possam substituir o juízo clínico.