Introdução
A perda gestacional (PG) é a complicação mais frequente da gravidez e ocorre em cerca de 15% das conceções clinicamente conhecidas.
A perda gestacional recorrente (PGR) é muito menos frequente. A sua prevalência varia entre 1 a 5% dos casais, consoante a definição utilizada1.
Apesar de 70% dos casais com apenas duas perdas anteriores apresentarem uma gravidez subsequente bem sucedida(sem qualquer intervenção médica), evidência recente demonstrou que os resultados do estudo etiológico são semelhantes após dois ou três abortamentos prévios, o que favorece um início mais precoce do estudo destas situações2,3,4.
A presente norma pretende aconselhar na escolha dos exames e terapêuticas mais adequadas nos casos de PGR, nem sempre havendo possibilidade nos serviços de seguir estas recomendações.
Define-se perda gestacional como aquela que ocorre após a gravidez ser reconhecida clinicamente e até às 24 semanas de gestação, excluindo a gravidez ectópica e a gravidez molar
Pode iniciar-se o estudo etiológico de PGR após duas perdas gestacionais (do mesmo casal, consecutivas ou não)
A maioria dos casais com duas perdas anteriores apresenta, sem intervenção médica, uma gravidez subsequente bem sucedida
Estudo etiológico e tratamento
1. Hábitos/estilo de vida
A primeira consulta deve incluir uma anamnese detalhada, podendo esta permitir um estudo etiológico mais dirigido.
Parece existir uma associação entre factores do estilo de vida e PGR, como o tabaco e álcool, pelo que a sua evicção deve ser aconselhada5. A exposição a tóxicos (metais pesados, pesticidas) deve ser evitada na gravidez, embora não exista evidência científica suficiente da sua relação com a PGR. Não existe evidência consistente que recomende a suplementação com multivitamínicos no contexto da PGR6,7,8. Apenas a suplementação com vitamina D deve ser considerada, como detalhado no ponto 4.5).
O stress tem sido associado à PGR, mas não está esclarecido se é fator causal ou resultante da perda9. Existem resultados divergentes quanto à associação entre exercício físico durante o 1.º trimestre e o abortamento espontâneo10.
O baixo peso materno aparenta estar associado a perdas esporádicas e não recorrentes, mas a obesidade é um forte fator de risco para PGR11.
2. Fatores genéticos
As anomalias genéticas são reconhecidas como causa de PGR, sendo a prevalência estimada entre 39-59%12,13. A trissomia 16 é a causa mais comum de abortamento e aumenta com a idade materna14.
Em 2 a 5% dos casais com PGR, pelo menos um dos progenitores tem uma anomalia genética equilibrada. Estes portadores são fenotipicamente normais mas têm aumento do risco de abortamento15.
2.1. Estudo Genético no produto de conceção
É possível determinar se uma PG se deve à presença de uma aneuploidia fetal analisando o produto de conceção. Atualmente, o array-CGH é a técnica recomendada, uma vez que não está limitada pela falha da cultura celular ou pela contaminação materna16.
Estudos recentes apoiam o estudo sistemático do produto de conceção com array-CGH a partir da segunda PG, permitindo este resultado orientar estudos adicionais. Realizando o estudo sistemático do produto de conceção, associado ao estudo etiológico das causas mais frequentes de PGR, é possível encontrar uma explicação provável ou definitiva para as perdas em 90% dos casais17.
2.2. Estudo Genético no casal
O cariótipo do casal não é recomendado por rotina e deve ser realizado de acordo com a história clínica: filho anterior com anomalia congénita, história familiar ou deteção de translocação no produto de conceção18. Pode ser considerado a partir da terceira PG, se o estudo inicial não orientar para outras etiologias e o produto de conceção não tiver aneuploidias que justifiquem a perda.
Os casais devem ser informados que, mesmo quando são identificadas alterações no cariótipo, a taxa cumulativa de gravidez é boa, apesar do maior risco de abortamento. O aconselhamento genético pode ajudar na decisão de tentar uma nova gravidez, desistir das tentativas ou optar por doação de gâmetas, teste genético pré-implantação (PGT) ou diagnóstico pré-natal (DPN).
2.3. Teste Genético Pré-implantação (PGT)
A realização de PGT para doenças monogénicas (PGT-M) ou PGT para anomalias estruturais (PGT-SR) pode ser uma alternativa ao teste invasivo pré-natal, quando os progenitores apresentam alterações que acarretam risco aumentado de transmissão destas doenças. Em casos de PGR com aneuploidias recorrentes no produto de conceção, se o restante estudo etiológico não apresentar alterações, o PGT para Aneuploidias (PGT-A) permanece uma opção. No entanto, não está provado que aumente a taxa de nados-vivos e pode levar à rejeição de embriões que dariam origem a fetos cromossomicamente normais17,19.
Deve ser efetuado o estudo do produto de conceção após o segundo abortamento, utilizando a técnica de array-CGH
O cariótipo do casal não deve ser realizado por rotina. Pode ser considerado após avaliação individualizada
Os casais devem receber aconselhamento genético se apresentarem: alterações no cariótipo; produto de concepção com translocação desequilibrada/inversão; risco aumentado de doença monogénica ou anomalias cromossómicas estruturais
Deve ser discutida a hipótese de PGT-A em casos específicos, informando que não há superioridade em relação à atitude expectante
3. Fatores anatómicos
Existe uma associação entre a presença de anomalias uterinas e a PGR. Uma vez que a sua prevalência não está bem estabelecida, variando consoante as diferentes classificações utilizadas, também as suas implicações reprodutivas não são bem conhecidas17,20. Recomenda-se a classificação da European Society of Human Reproduction and Embryology/European Society for Gynaecological Endoscopy (ESHRE/ESGE) para as anomalias uterinas congénitas.
A Ecografia 3D é o exame de primeira linha para o diagnóstico de anomalias uterinas. Se não estiver disponível, poderá ser utilizada a ecografia 2D complementada por histeroscopia, a histerossonografia e a RMN17. Em anomalias mais complexas, deve ser utilizada a RMN e a avaliação endoscópica para complementar a avaliação inicial21,22.
3.1. Anomalias uterinas congénitas
A prevalência das anomalias uterinas congénitas nas mulheres com PGR estima-se entre os 13 e os 25%23. As mais frequentes são o útero septado, bicórneo, didelfos e unicórnio2,24. Apesar destas anomalias se associarem mais frequentemente ao abortamento no 2.º trimestre, o útero septado e o bicórneo estão também associados a PGR do 1.º trimestre25.
Não existem estudos randomizados que demonstrem a eficácia da ressecção histeroscópica do septo uterino em mulheres com PGR. Estudos observacionais sugerem benefício, com uma redução da taxa de abortamento e uma meta-análise demonstrou uma diminuição da probabilidade de abortamento em mulheres tratadas por histeroscopia, sem diferença nas taxas de conceção25; não existe evidência que permita considerar a cirurgia nos outros tipos de anomalia uterina congénita26.
3.2. Anomalias uterinas adquiridas
Podem ser diagnosticadas no decurso do estudo ecográfico realizado por rotina em mulheres com PGR, mas a sua associação não é clara. O tratamento deve ser individualizado e de acordo com a sintomatologia associada20.
3.2.1. Miomas
A evidência acerca das consequências dos miomas na gravidez é muito limitada e após ajuste para potenciais fatores confundidores como a idade e a raça, não parece aumentar o risco de perda gestacional27.
Embora uma revisão sistemática não tenha demonstrado que o tratamento reduza a taxa de abortamento, alguns estudos retrospectivos sugerem que a miomectomia histeroscópica poderá reduzir as perdas gestacionais em algumas mulheres com miomas submucosos28,29. Mulheres com miomas que não distorçam a cavidade uterina conseguem uma alta taxa de nados vivos sem qualquer intervenção30.
3.2.2. Pólipos endometriais
Não existem dados que avaliem o efeito dos pólipos endometriais na PGR bem como o benefício da cirurgia nestas mulheres, pelo que a orientação clínica deve ser semelhante à da população em geral31.
3.2.3. Sinéquias uterinas
Existe evidência reduzida de maior risco de abortamento nas mulheres com sinéquias uterinas se o endométrio apresentar espessura inferior a 5 mm32, mas não há evidência científica robusta do benefício da sua remoção cirúrgica2.
3.3. Insuficiência Cervical
A insuficiência cervical é uma das principais causas de abortamento no 2.º trimestre.
A sua etiologia permanece por esclarecer e o diagnóstico é essencialmente clínico, baseado na história prévia, em clínica de insuficiência cervical ou numa avaliação ecográfica sugestiva33,34,35,36,37.
3.4. Endometrite crónica
É caraterizada por um infiltrado de plasmócitos a nível do endométrio e está associada à disbiose vaginal e endometrial, estando associadas a PGR. O tratamento com antibióticos parece aumentar a taxa de nados-vivos; no entanto, serão necessários mais estudos prospetivos e ensaios clínicos randomizados antes do seu rastreio poder ser recomendado na prática clínica2.
Devem ser excluídas as anomalias uterinas, idealmente por ecografia 3D endovaginal.
A resseção histeroscópica do septo uterino pode ser considerada; perante outras anomalias uterinas congénitas ou adquiridas, a decisão quanto à terapêutica deve ser individualizada
Em mulheres com PGR de 2.º trimestre sugestiva de insuficiência cervical, deve ser avaliado o colo uterino de forma seriada e pode ser considerada a realização de ciclorrafia
Não é recomendado o rastreio de endometrite crónica
4. Fatores endocrinológicos/metabólicos
4.1. Disfunção tiroideia
A patologia tiroideia está associada a infertilidade e a maus desfechos obstétricos38.
4.1.1. Hipotiroidismo
A associação entre hipotiroidismo e PGR está bem documentada2. O hipotiroidismo clínico deve ser tratado39,40, mas a evidência é escassa sobre a vantagem do tratamento com levotiroxina em mulheres com hipotiroidismo subclínico (HSC) (41.
4.1.2. Hipertiroidismo
O hipertiroidismo está associado a um risco aumentado de abortamento esporádico, mas não existem estudos que relatem associação à PGR42. O tratamento é universalmente recomendado39.
4.1.3. Auto-anticorpos tiroideus (AAT)
Os anticorpos anti-peroxidase (antiTPO) são os AAT mais associados à PGR e em mulheres em idade reprodutiva têm uma prevalência de 8 a 14%. Os anticorpos anti-tireoglobulina (antiTG) também são frequentes em mulheres com PGR, não sendo encontrada associação com os anticorpos anti-receptor de TSH (TRAb) (38.
O tratamento com levotiroxina não está indicado em mulheres eutiroideias com AAT, por não reduzir a taxa de abortamentos, nem aumentar a taxa de nados-vivos3,43.
4.2. Diabetes Mellitus (DM), Síndrome do ovário poliquístico (SOP) e insulinorresistência (IR)
Um controlo glicémico adequado na pré-conceção e durante o 1.º trimestre, com valores de HbA1c <6,5%, diminui os riscos de maus desfechos obstétricos, nomeadamente de PGR, nas mulheres com DM44.
A associação entre SOP e PGR não tem sido clara,parecendo dever-se à associação entre SOP e síndrome metabólico3,44,45.
A metformina é um agente hipoglicemiante que aumenta a sensibilidade à insulina e melhora os desfechos obstétricos nas mulheres com SOP e insulinorresistência, reduzindo os abortamentos esporádicos. Porém não existe evidência do seu efeito a nível da PGR46,47.
4.3. Hiperprolactinemia
A prolactina (PRL) é uma hormona essencial na produção de progesterona, mas não tem sido associada à PGR de forma consistente. Deve ser avaliada se as mulheres apresentarem sintomatologia sugestiva de hiperprolactinemia, tal como oligo/amenorreia48.
A escassez e inconsistência dos estudos leva a que a indicação para tratamento com medicação dopaminérgica não seja consensual2,49.
4.4. Defeito da fase lútea
A progesterona é uma hormona essencial à criação e manutenção da gravidez inicial. O defeito de fase lútea, descrito como uma condição de exposição insuficiente à progesterona, foi considerada uma das possíveis etiologias dos abortamentos euplóides50. Porém, a sua relevância clínica tem sido posta em causa, devido à falta de consenso na sua definição e à ausência de exames diagnósticos sensíveis e específicos2,38,49,51.
A eventual suplementação com progesterona é abordada no ponto 8).
4.5. Vitamina D
A deficiência de vitamina D (VD), que parece ter efeitos imuno-moduladores, tem sido associada a maus desfechos obstétricos52. Num estudo retrospetivo, a deficiência em VD (< 30 ng/ml) foi encontrada em 47,4% das mulheres com PGR e associada a uma maior prevalência de autoanticorpos implicados na fisiopatologia da PGR53. Dada a significativa prevalência de deficiência de VD, a sua associação a maus desfechos obstétricos e a aparente inocuidade da sua suplementação, é de considerar a sua administração profilática em mulheres com PGR, apesar da fraca evidência científica2,17.
Deve ser doseada a TSH e T4 livre; se TSH > 2.5 mUI/l, dosear os anticorpos anti-TPO; a avaliação deve ser conjunta com endocrinologia se doseamentos alterados
O hipotiroidismo clínico deve ser tratado com levotiroxina para manter a TSH entre 0.5 e 2.5 mUI/l
No HSC, se valores de TSH >4 mUI/l ou > 2.5mUI/l com anticorpos anti-TPO positivos, ponderar terapêutica com levotiroxina
Mulheres eutiroideias com anticorpos anti-tiroideus positivos não devem ser tratadas com levotiroxina
Deve ser avaliada a HbA1c em todas as mulheres com PGR para exclusão de mau controlo metabólico
Não há indicação para avaliação de défice de fase lútea nem de SOP, insulinorresistência ou prolactina, se ausência de clínica sugestiva
Não há evidência do benefício da metformina na PGR
Deve ser considerada, na pré-conceção, a ministração profilática de vitamina D às mulheres com PGR
5. Trombofilias
A trombofilia é causada por defeitos hereditários ou adquiridos, sendo definida como uma predisposição para a trombose e estando associada ao insucesso obstétrico54.
5.1. Trombofilia adquirida - Síndrome de Anticorpos Antifosfolípidos
A Síndrome de Anticorpos Antifosfolípidos (SAAF) é uma causa bem estabelecida de PGR e associa-se também a outras complicações obstétricas e a trombose vascular55), (56.
O diagnóstico implica, entre outros, a existência de perdas gestacionais (3 ou mais perdas antes das 10 semanas de gestação ou de uma ou mais mortes fetais, após a exclusão de outras causas de PGR) e a presença de anticorpos antifosfolípidos (AAF) (56. Os AAF estão presentes em 1 a 5% da população obstétrica em geral e em cerca de 15% das mulheres com PGR. Apenas devem ser pesquisados o anticoagulante lúpico, os anticorpos anticardiolipina e anti-β2-Glicoproteína1, não estando atualmente recomendada a pesquisa de outros AAF. Do mesmo modo, apenas níveis moderados ou elevados de anticorpos anticardiolipina e anti-β2-Glicoproteína 1 (> 40 MPL ou GPL) devem ser critério para a SAAF. A presença de anticoagulante lúpico, a tripla positividade para estes anticorpos, assim como um fenótipo trombótico, condicionam um mau prognóstico obstétrico55,56.
A SAAF é a causa tratável mais importante de PGR. A heparina de baixo peso molecular (HBPM) associada ao ácido acetilsalicílico (AAS) de baixa dosagem é o tratamento convencional2,20,55,57,58. O AAS deve ser iniciado no período pré-concecional. A dose e o início da administração de HBPM vão depender do fenótipo clínico: mulheres sem antecedentes de trombose, devem iniciar HBPM (dose profilática) apenas quando a viabilidade da gravidez estiver confirmada; em situações de PGR com antecedentes de trombose vascular, a HBPM deve ser começada (dose terapêutica) o mais precocemente possível. Nas mulheres previamente anticoaguladas com dicumarínicos, atendendo ao risco teratogénico, a mudança para HBPM deverá ser realizada logo que a gravidez seja identificada e antes da 6.ª semana de gestação.
Na maioria dos casos, o tratamento resulta num filho vivo nas gravidezes subsequentes; em cerca de 20 a 30%, um mau desfecho obstétrico persiste após a terapêutica convencional. Nestes casos de SAAF refratária e naqueles com perfil de alto risco (antecedentes de trombose, tripla positividade para AAF ou SAAF secundária a LES) novas estratégias têm sido preconizadas e a terapêutica com hidroxicloroquina desde a pré-concepção parece mostrar resultados promissores59,60.
5.2. Trombofilia hereditária
Embora os polimorfismos Factor V Leiden e PT G20210A sejam as trombofilias hereditárias mais prevalentes, a maioria das gestações nestas mulheres, sem qualquer tratamento, termina num filho vivo e não existe uma associação evidente com a PGR20,61. Assim, não se recomenda a sua pesquisa no contexto da PGR de primeiro trimestre, nem se preconiza terapêutica na gestação de portadoras assintomáticas2,54,57,62.
As deficiências de antitrombina, proteínas C e S são raras, não existindo evidência robusta sobre o seu impacto na PGR. A influência de fatores adicionais, genéticos ou ambientais, será provavelmente necessária para provocar complicações obstétricas2,54.
Devem ser doseados os AAF (anticorpos anticoagulante lúpico, anticardiolipina e anti-β2-Glicoproteína1). Se positivos, os testes devem ser repetidos, com intervalo mínimo de 12 semanas, para estabelecer o diagnóstico de SAAF.
Nas mulheres com diagnóstico de SAAF, está recomendado o tratamento com AAS na pré-conceção associado a HBPM durante a gestação
Não se recomenda a pesquisa de trombofilias hereditárias em mulheres com PGR, exceto se factores de risco adicionais
6. Factores imunológicos
A adequada invasão do trofoblasto e a tolerância materna ao enxerto fetal só são possíveis devido a uma adaptação imunológica complexa,de mecanismos ainda pouco conhecidos. Apesar de alguns estudos63,64 demonstrarem que a ativação do sistema imune está associada a um aumento da probabilidade de PGR, ainda não foi claramente provada a relação entre um aumento na razão Th1/Th2 e um risco aumentado de PGR64,65,66,67.
Vários estudos, incluindo uma meta-análise, apontaram para um aumento nas células Natural Killer no sangue periférico (células NKp) em pacientes com PGR; no entanto o que se passa na circulação periférica não reflete o que se passa a nível uterino68,69,70,71. Com base nas evidências atuais, a análise das células NK deve ser reservada ao contexto da investigação científica69,72,73.
O aumento da concentração de TNF-alfa tem sido associado à PGR, assim como a presença de determinados polimorfismos dessa citocina pró-inflamatória74,75. No entanto, dada a evidência limitada, a avaliação destas citocinas inflamatórias não está recomendada na prática clínica2.
Os resultados dos estudos que utilizaram tratamentos imunológicos para a PGR - corticosteróides76,77, imunoglobulina intravenosa78,79,80,81, infusão de lípidos82,83,84, bloqueadores do recetor do TNF-alfa78, fator estimulador de colónia de granulócitos (G-CSF) (85, transferência de linfócitos alogénicos86,87 e HBPM88,89,90 - são inconsistentes e documentam potenciais efeitos adversos importantes associados. Atualmente a imunoterapia está reservada para ensaios clínicos ou condições específicas, tais como doenças autoimunes pré-existentes20,76,88,91,92.
7. Factores masculinos
Até muito recentemente a PGR foi considerada um problema exclusivamente feminino. Atualmente, a presença de anticorpos anti-espermatozóides tem sido descrita em mulheres com PGR - os resultados são pouco consistentes e a sua relevância desconhecida, pelo que a sua avaliação na prática clínica não está recomendada76,93.
Há evidência duma associação entre a PGR e anomalias nos espermatozóides. Encontram-se particularmente elevadas a taxa de fragmentação de DNA e aneuploidias, o que pode ser condicionado por determinados estilos de vida, tais como a obesidade, o consumo de tabaco e o exercício físico excessivo94,95. São necessários mais estudos para esclarecer esta associação, incluindo a metodologia laboratorial adequada e o seu valor prognóstico, pelo que não está recomendada a sua avaliação na prática clínica76,96,97. Deve ser promovido um estilo de vida saudável, mas o tratamento de fatores masculinos (incluindo o uso de antioxidantes e seleção de espermatozóides) não está recomendado para uso clínico96,97.
No âmbito clínico, não se recomenda o estudo das populações linfocitárias, citocinas pró-inflamatórias ou anomalias nos espermatozóides para a investigação etiológica da PGR.
No âmbito clínico, não se recomenda imunoterapia ou uso de antioxidantes para melhorar o desfecho obstétrico dos casais com PGR.
8. Causa inexplicada
Quando a investigação etiológica é inconclusiva, a PGR é classificada como inexplicada2.
8.1. Prognóstico
A idade materna e o número de perdas anteriores são os fatores de prognóstico determinantes: o risco de PG aumenta rapidamente a partir dos 40 anos e o número de perdas anteriores influencia também de forma negativa a probabilidade de sucesso numa gravidez subsequente3. Estão publicadas ferramentas de prognóstico que fornecem uma probabilidade de nado vivo na PGR inexplicada98,99. Estas informações devem ser dadas ao casal, uma vez que podem influenciar decisões quanto a estudos etiológicos e orientação terapêutica.
8.2. Terapêutica/abordagem
8.2.1. Hábitos/estilo de vida
Ver “1) Hábitos/Estilo de vida”
8.2.2. Intervenções farmacológicas
i. Progestativos - É vasta a literatura sobre a suplementação com progesterona para prevenção do abortamento2,3,50.
Revisões sistemáticas têm vindo a demonstrar uma menor taxa de abortamento em mulheres com PGR sob tratamento com progesterona vaginal (400 mg de progesterona micronizada vaginal 2xdia, desde o momento do teste de gravidez positivo até as 12 semanas de gravidez), sem evidência de risco associado à terapêutica. Uma análise de subgrupo pelo número de abortamentos anteriores sugere uma tendência para maior benefício da progesterona com o aumento do número de perdas anteriores100,101,102.
A progesterona vaginal micronizada em mulheres com antecedentes de 1 ou mais abortamentos e com hemorragia vaginal em idades gestacionais precoces aumenta a taxa de nados-vivos, embora o mesmo não tenha sido comprovado em mulheres sem abortamentos prévios ou em mulheres com PGR sem história de hemorragia genital103.
Considerando o perfil de segurança, a terapêutica sugerida é a progesterona micronizada vaginal3,50,104,105.
ii. Outras terapêuticas - não foram encontrados benefícios significativos no tratamento das mulheres com PGR de causa inexplicada com gonadotrofina coriónica humana106, heparina e/ou AAS107,108 ou prednisolona2,3.
A suplementação com progesterona micronizada vaginal 400 mg 2xdia, a partir do momento do teste de gravidez positivo até às 12 semanas de gravidez, é recomendada nas mulheres com PGR inexplicada, particularmente se apresentarem hemorragia do 1.º trimestre.
Não são recomendadas outras terapêuticas na PGR inexplicada