Introdução
As doenças hipertensivas da gravidez são uma das principais causas de morbimortalidade materna, perinatal e neonatal a nível mundial, sobretudo nos países em desenvolvimento. São responsáveis por 14% da mortalidade materna em todo o mundo1 e afetam entre 5,2 a 8,2% das gestações.2 Em Portugal, os dados disponíveis apontam que cerca de 6% das gravidezes são complicadas por doença hipertensiva. (3
As doenças hipertensivas da gravidez são habitualmente classificadas em 4 entidades: hipertensão crónica, hipertensão gestacional, pré-eclâmpsia/eclâmpsia e pré-eclâmpsia sobreposta a hipertensão crónica. (4
A pré-eclâmpsia e a eclâmpsia ocorrem em 4,6% e 1,6% das gravidezes, respetivamente. (5 Estas entidades clínicas associam-se a complicações graves, por vezes fatais. (6
A etiologia da pré-eclâmpsia ainda não está esclarecida, mas há cada vez mais evidência de que o quadro clínico é consequente a alterações no processo de invasão trofoblástica. Estas alterações cursam com diminuição do fluxo uteroplacentário resultando num aumento local da produção de citocinas pró-inflamatórias, fatores antiangiogénicos e outros tóxicos, que atingem a circulação materna e provocam lesão endotelial, inflamação sistémica e vasoconstrição. (7), (8 Existem várias teorias que tentam explicar as alterações placentárias iniciais, contudo, o mais provável é haver uma interação de fatores genéticos, ambientais e imunológicos que culminam numa placentação anómala. (7), (8
Concomitantemente às descobertas fisiopatológicas subjacentes, os critérios de diagnóstico de pré-eclâmpsia têm sido revistos, assim como têm surgido novos métodos de rastreio que visam a profilaxia e a deteção mais precoce, permitindo uma intervenção mais atempada e dirigida.
O Síndrome de HELLP (hemolysis, elevated liver enzymes and low platelets) é uma entidade que, como a designação indica, cursa com hemólise, elevação das enzimas hepáticas e trombocitopenia. (4 Ocorre em aproximadamente 0,5% a 0,9% de todas as grávidas e em 10 a 20% daquelas complicadas por pré-eclâmpsia grave, estando associada a maior morbimortalidade quando comparada com a população geral ou com grávidas com pré-eclâmpsia isolada. (9)-(11 Esta entidade clínica é considerada pela maioria dos autores uma forma de pré-eclâmpsia grave, no entanto, alguns estudos concluem que nem todas as grávidas com este síndrome cumprem os critérios diagnósticos de pré-eclâmpsia. (12 Relativamente à fisiopatologia, esta doença é semelhante à pré-eclâmpsia, contudo, está associada a alterações mais complexas do desenvolvimento placentário. Estas alterações acarretam uma disfunção orgânica mais acentuada, com ativação da cascata da coagulação e do complemento, resposta inflamatória mais acentuada e destruição tecidular intensa, podendo cursar, por exemplo, com necrose hepática. (13), (14
Devido ao forte impacto clínico negativo das doenças hipertensivas próprias da gravidez, nomeadamente a pré-eclâmpsia/eclâmpsia e o síndrome de HELLP, e aos recentes avanços no conhecimento da fisiopatologia subjacente a estas condições, torna-se imperativo revisitar as orientações clínicas existentes. O objetivo deste trabalho é avaliar a concordância de médicos especialistas em obstetrícia relativamente às orientações clínicas na pré-eclâmpsia/eclâmpsia e síndrome de HELLP, publicadas por instituições nacionais e organismos internacionais.
Métodos
A metodologia usada na análise comparativa das orientações clínicas incluídas foi adaptada de uma análise comparativa sobre a conduta no parto pré-termo. (15
Foi realizada a pesquisa digital e no acervo bibliográfico do Departamento de Ginecologia-Obstetrícia e Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (novembro de 2020), das orientações de atuação clínica mais recentes nas “Doenças Hipertensivas da Gravidez”, “Pré-Eclâmpsia” e “Síndrome de HELLP” (protocolos), publicadas por instituições hospitalares nacionais. Obtiveram-se protocolos de três instituições: i) Maternidade Alfredo da Costa, Lisboa, de 2011 e de 2017; ii) Hospital São João, Porto, de 2014; e iii) Hospital de Santa Maria, Lisboa, de 2016. (16)-(18 Sendo os Hospitais de São João e o de Santa Maria tendencialmente sobreponíveis quanto à estrutura e recursos, optou-se por incluir nesta análise o protocolo da Maternidade Alfredo da Costa (MAC) de 2011 para controlo.
As orientações clínicas internacionais (guidelines) foram pesquisadas nos websites oficiais das entidades de referência em obstetrícia (ACOG, FIGO, ISSHP, NICE, RCOG, SOMANZ, SOGC, WHO). Selecionaram-se guidelines publicadas após 1 de janeiro de 2018, excluindo aquelas, bem como recomendações específicas, provenientes de países em desenvolvimento. Foram incluídas quatro guidelines: i) “ACOG Practice Bulletin No. 202: Gestational Hypertension and Preeclampsia”; ii) “The International Federation of Gynecology and Obstetrics (FIGO) initiative on pre‐eclampsia: A pragmatic guide for first‐trimester screening and prevention”; iii) “The hypertensive disorders of pregnancy: ISSHP classification, diagnosis & management recommendations for international practice”; e iv) “Hypertension in pregnancy: diagnosis and management (NICE guideline 133)”. (19)- (22
Atendendo à diversidade das orientações incluídas, estabelecemos categorias de acordo com secções comuns descritas. Deste modo, foram definidas quatro categorias: i) Diagnóstico da pré-eclâmpsia; ii) Critérios de gravidade da pré-eclâmpsia; iii) Diagnóstico do síndrome de HELLP; iv) Gestão da doente com pré-eclâmpsia/eclâmpsia ou síndrome de HELLP. A última categoria foi dividida em cinco subcategorias: iv1) Critérios de internamento; iv2) Orientação terapêutica na hipertensão; iv3) Terminação da gravidez na pré-eclâmpsia; iv4) Profilaxia da eclâmpsia; iv5) Orientação no síndrome de HELLP. Os protocolos do Hospital de São João (HSJ) e Hospital de Santa Maria (HSM), assim como as guidelines da NICE e da ACOG, incluíram recomendações para as oito categorias (ver Quadro I). A guideline do ISSHP tem recomendações para sete e a da FIGO para três. Dada a sobreposição das recomendações da FIGO com as da ISSHP, estas duas guidelines foram analisadas em conjunto nestas três categorias. Foram excluídas da análise as orientações de prevenção e rastreio da pré-eclâmpsia por não estarem descritas nos protocolos incluídos, apesar de referidas nas guidelines. O protocolo do HSJ apenas refere o uso de AAS em grávidas com antecedentes HTA/pré-eclâmpsia. As recomendações para maturação pulmonar fetal também foram retiradas, pois a maioria fazia referência a uma orientação distinta.
Solicitámos a colaboração de três médicos especialistas em Ginecologia e Obstetrícia que não exerciam atividade clínica em nenhum dos centros dos protocolos incluídos e que acumulavam 11, 14 e 15 anos de experiência clínica. Todos trabalham em hospitais de apoio perinatal diferenciado, em regiões diferentes do país, e exercem atividade obstétrica de urgência. Dois dedicam-se mais à área materno-fetal e o outro mais à de Ginecologia.
As guidelines foram traduzidas e todas as orientações foram anonimizadas, uniformizadas e aleatorizadas. Retirámos de cada uma das orientações as recomendações relativas às oito categorias definidas. Se uma orientação não tivesse informação relativa a uma das categorias era excluída dessa mesma categoria. Em cada uma delas, cada orientação foi comparada individualmente com as restantes, independentemente da sua origem (nacional/internacional), designando-se estas comparações de “ensaios” (exemplo: ensaio 1: orientação 1 vs 2; ensaio 2: orientação 1 vs 3; ensaio 3: orientação 2 vs 3).
Para proceder à análise de concordância entre as orientações aplicou-se o método de Delphi modificado (Figura 1). O método consistiu na obtenção de consenso através da opinião anónima dos especialistas quanto à comparação das categorias, disponibilizada em questionários eletrónicos que se foram adaptando a sucessivas rondas. Cada ronda consistia num questionário que continha os ensaios comparativos possíveis das oito categorias. O especialista atribuía um índice de concordância a cada um dos ensaios, que variava entre “0” (discordância - diferenças com significado clínico), “0,50” (discordância parcial - diferenças com possível significado clínico) ou “1” (concordância - significado clínico semelhante). No final de cada ronda os especialistas tinham acesso a um resumo das respostas de todos, de forma que cada um fosse confrontado com a classificação dos outros. Na ronda subsequente era dada oportunidade ao especialista para repensar a resposta nas categorias discordantes. Optou-se pelo método modificado, pois existiam vários protocolos publicados relativos à Pré-eclâmpsia e ao Síndrome de HELLP.
Foi considerado consenso quando se verificava unanimidade dos especialistas na atribuição do índice de concordância, independentemente da ronda. Contudo, ficou estabelecido à priori que se realizariam no máximo três rondas de questionários. Se entre alguma ronda se obtivesse consenso para determinado ensaio, o mesmo seria excluído dos questionários subsequentes.
Deste modo, a análise prosseguiu em três momentos, entre 10 de janeiro e 10 março de 2021, a intervalos de duas a três semanas (Figura 1). Após cada ronda foi calculada a mediana, o mínimo e o máximo dos índices de concordância entre orientações, informação disponibilizada aos especialistas na ronda sequente. No final do método de Delphi obtiveram-se os resultados para cada ensaio, refletindo o índice de consenso dos especialistas ou a mediana dos índices nos casos em que não houve consenso.
Posteriormente, calculámos as medianas destes resultados para cada uma das categorias, de modo a obter valores globais de concordância para cada orientação nacional (protocolo) ou orientação internacional (guideline) em comparação com os restantes. Dado o número reduzido de orientações nacionais incluídas, não foi necessário calcular a mediana para cada protocolo comparativamente aos restantes protocolos, pelo que se usou apenas o valor do índice de consenso ou, nos casos de não consenso, da mediana dos índices atribuídos para o ensaio entre os dois protocolos para cada uma das categorias (Cp/p). Nos restantes casos, foi necessário calcular a mediana para cada orientação e para cada categoria, nomeadamente a mediana de cada guideline comparativamente às restantes guidelines (Mg/g), a mediana de cada protocolo comparativamente a todas as guidelines (Mp/g) e a mediana de cada guideline comparativamente a todos os protocolos (Mg/p). Para estas últimas três variáveis foram obtidas as medianas das medianas de cada orientação (medianas gerais) para cada categoria: a mediana de todas as guidelines quando comparadas entre si (MGg/g), a mediana de todos os protocolos quando comparados com todas as guidelines (MGp/g) e a mediana de todas as guidelines quando comparadas com todos os protocolos (MGg/p).
A percentagem de consenso entre os especialistas para cada ronda foram determinadas. Para a avaliação de fiabilidade inter-especialistas, calculámos a média e a mediana por especialista assim como a proporção de concordância geral inter-especialistas, na primeira ronda do método de Delphi. Como referido anteriormente, utilizámos a edição de 2011 do protocolo MAC como controlo. Por este protocolo ser mais antigo que os incluídos antecipa-se maior número de diferenças detetáveis pelos especialistas. Comparou-se cada uma das orientações a este protocolo sendo, desta forma, expostas eventuais variações dependentes da interpretação efetuada pelos especialistas que, por si só, poderão resultar num menor consenso. Estas variações dependentes do entendimento individual do texto, a existirem, podem refletir-se nas comparações em análise. (23 Assim, incluímos as percentagens de consenso das comparações entre este protocolo e as restantes orientações e, para a avaliação da fiabilidade, calculámos a mediana e média por especialista e a proporção de concordância geral inter-especialistas para cada comparação entre o protocolo da MAC e as outras orientações.
Resultados
Os resultados obtidos em cada categoria, para cada orientação clínica (Mg/g , Mp/g e Mg/p) e globalmente (Cp/p, MGg/g , MGp/g e MGg/p) estão descritos nos Quadros II e III.
Nas categorias “definição da pré-eclâmpsia” e “definição de síndrome de HELLP” todos os ensaios obtiveram um valor de “0,50”, pelo que as medianas foram também de “0,50”.
Quanto aos “critérios de gravidade da pré-eclâmpsia”, as guidelines foram mais discordantes entre si, com uma MGg/g de “0,25”. A guideline do ISSHP foi a mais discordante de todas as orientações, nacionais e internacionais, com Mg/p e Mg/g de “0,00”.
Quanto à “gestão da doente com pré-eclâmpsia/eclâmpsia ou síndrome de HELLP”, na subcategoria “critérios de internamento”, os protocolos foram totalmente discordantes (Cp/p de “0,00”), sendo que o protocolo do HSM foi concordante com as guidelines (Mp/g de “1,00”) e o do HSJ foi totalmente discordante (Mp/g de “0,00”). As guidelines foram mais concordantes entre si (MGg/g de “0,75”). Nas subcategorias “orientação na hipertensão”, “terminação da gravidez na pré-eclâmpsia” e “profilaxia da eclâmpsia”, todos os resultados foram parcialmente discordantes (medianas de “0,50”). Por último, na subcategoria “orientação no síndrome de HELLP”, os protocolos foram parcialmente discordantes entre si (valores de Cp/p de “0,50”) assim como as duas guidelines (NICE e ACOG) com recomendações nesta categoria (Mg/g e MGg/g de “0,50”). Contudo, nesta subcategoria, a análise dos protocolos em relação às guidelines, e vice-versa, revelou discordância total (Mp/g, MGp/g, Mg/p e MGg/p de “0,00”), o que aponta para o facto dos especialistas considerarem a existência de diferenças com significado clínico das orientações nacionais em relação às internacionais.
Os obstetras chegaram a consenso em 80% dos ensaios no final do método de Delphi (Tabela 4). O consenso foi de 100% relativamente aos “critérios de gravidade da pré-eclâmpsia” e à “orientação no síndrome de HELLP”. (Quadro IV).
Quando à fiabilidade inter-especialistas, a proporção de concordância geral entre os especialistas foi superior nas comparações da orientação da MAC de 2011 com as do HSJ, do ISSHP e da NICE (“0,750”, “0,714” e “0,667”, respetivamente) e inferior nas do HSM e da ACOG (“0,291” e “0,375”, respetivamente). Relativamente à mediana, o mesmo valor foi obtido em todos os especialistas (“0,5”) ao comparar a orientação da MAC de 2011 com as do HSJ, ISSHP e NICE e valores distintos por especialista com as do HSM (entre “0” e “0,75”) e da ACOG (entre “0,25” e “0,75”).
Discussão
Na análise comparativa efetuada através dos índices de concordância dos especialistas verificámos que na esmagadora maioria das recomendações para a grávida com pré-eclâmpsia, eclâmpsia e síndrome de HELLP existiu uma “discordância parcial, com diferenças com possível significado clínico”, tanto nas orientações nacionais como nas internacionais, entre si, como quando comparamos as nacionais com as internacionais. Esta constatação pode resultar de diferenças na interpretação dos especialistas, da complexidade dos critérios clínicos integrantes em cada categoria, mas, mais relevante, pode alertar para algumas divergências nas recomendações das diferentes orientações clínicas com potencial impacto na morbimortalidade materna, perinatal e neonatal. Algumas destas diferenças podem ainda resultar do hiato temporal da publicação da orientação clínica que, no máximo, atinge os cinco anos.
Na categoria “definição da pré-eclâmpsia”, a discordância parcial encontrada relaciona-se com atualizações à definição que foram sendo adotadas recentemente nas guidelines. Estes ajustes prendem-se com a exclusão da proteinúria como critério essencial, por si só, ao diagnóstico de pré-eclâmpsia, passando a incluir a existência de disfunção em órgãos-alvo maternos. (24
Curiosamente, relativamente aos “critérios de gravidade da pré-eclâmpsia”, a discordância é mais acentuada entre todas as guidelines. Isto ocorre sobretudo pela discordância total da guideline do ISSHP quando comparada com as restantes orientações uma vez que a ISSHP assume que a pré-eclâmpsia não deve ser classificada em ligeira ou grave pois a qualquer momento pode ocorrer uma deterioração súbita do estado materno, independentemente da gravidade. (21
A “definição do síndrome de HELLP” tem-se mantido constante. No entanto, permanece a controvérsia quanto ao assumir esta entidade clínica como uma forma de pré-eclâmpsia grave ou como uma entidade clínica isolada. (12 Na nossa análise, os critérios usados para diagnosticar o síndrome de HELLP foram considerados como de significado clínico parcialmente discordante, que resultarão da inclusão nos protocolos da classificação de Mississipi. Esta classificação gradua a gravidade do síndrome e propõe um HELLP parcial na ausência de algum dos critérios definidos. Contrariamente, os critérios incluídos nas guidelines não estabelecem distinções ou graus, o que se pode dever ao papel mais generalista destas relativamente aos protocolos. Os últimos assumem uma resposta mais localizada, desenhada à medida dos recursos existentes.
A gestão da doente é um aspeto vital na orientação das doenças hipertensivas da gravidez. Nas subcategorias avaliadas, duas destacam-se pela maior discordância entre as recomendações: “critérios de internamento” e “orientação no síndrome de HELLP”. Na primeira, o protocolo do HSJ foi totalmente discordante com o protocolo do HSM e com as orientações internacionais. Na “orientação no síndrome de HELLP” a análise demonstrou uma discordância total entre cada orientação nacional quando comparada com todas as guidelines e vice-versa. A discordância mais evidente reporta-se ao uso de corticoides no tratamento deste síndrome. O protocolo do HSJ recomenda a corticoterapia enquanto o do HSM e as guidelines desaconselham este tratamento. Estudos recentes concluíram que os corticoides parecem não reduzir a morbimortalidade materna. (9),(25),(26 As discordâncias relativas aos critérios de internamento e à orientação no síndrome de HELLP podem refletir a necessidade de revisão das orientações mais antigas pois as guidelines e o protocolo do HSM são muito mais recentes (publicados entre 2016 e 2019) do que o protocolo do HSJ (de 2014). No entanto, relativamente aos critérios de internamento, estas discrepâncias podem expor diferenças organizativas ou nos recursos disponíveis, na resposta às situações clínicas objeto de análise.
As restantes subcategorias no âmbito da gestão do doente, a “orientação terapêutica na hipertensão”, a “terminação da gravidez” e a “profilaxia da eclâmpsia” obtiveram discordância parcial em todas as comparações. Algumas das recomendações são consistentes e estão de acordo com a literatura, como por exemplo a indicação do sulfato de magnésio para profilaxia da eclâmpsia. (27 No entanto, há discordâncias que explicam as diferenças obtidas, tais como, o valor de pressão arterial para iniciar o tratamento da hipertensão28), (29, a escolha do fármaco anti-hipertensivo28)-(30, o timing da terminação da gravidez na pré-eclâmpsia pré-termo31)-(33 e o uso de sulfato de magnésio em grávidas com pré-eclâmpsia ligeira. (34
Curiosamente, alguns estudos de revisão de guidelines (incluindo as desta análise) alertaram para a existência de múltiplas inconsistências entre as recomendações, particularmente na definição de pré-eclâmpsia e da sua gravidade35, na farmacoterapia anti-hipertensiva e nos objetivos quanto aos níveis de pressão arterial a atingir na hipertensão35)-(37, no timing ideal para a terminação da gravidez35),(36 e na instituição de profilaxia da eclâmpsia com sulfato de magnésio em mulheres com pré-eclâmpsia não grave. (35),(37
O rastreio e a prevenção da pré-eclâmpsia são áreas de estudo relevantes dada a elevada morbimortalidade destas condições e a ineficácia das opções terapêuticas. A ausência desta categoria nos protocolos reflete a necessidade de revisão e atualização dos mesmos. No entanto, compreendemos a prudência na adoção de recomendações com melhor sustentação científica. As mais recentes orientações de prevenção da pré-eclâmpsia recomendam o ácido acetilsalicílico em grávidas com risco aumentado pois reduz significativamente a probabilidade de pré-eclâmpsia pré-termo. (38)-(42 Contudo, o início da toma durante a gravidez assim como a dosagem ideal deste fármaco ainda são controversos. Tradicionalmente, o rastreio é feito pela avaliação dos fatores de risco maternos, mas ultimamente têm sido avaliados inúmeros marcadores bioquímicos, ecográficos e biofísicos, assim como algoritmos com vários marcadores, tendo-se obtido resultados muito promissores. (43),(44 Dadas as controvérsias relativamente ao rastreio e prevenção da pré-eclâmpsia, a ausência da sua inclusão nos protocolos nacionais, a par da complexidade e importância deste assunto, alertamos para a importância em analisar esta categoria isoladamente, em estudo específico.
Apesar dos resultados obtidos irem ao encontro de outros estudos, assumem-se algumas limitações. As orientações incluídas podem não refletir a prática clínica mais recente devido ao hiato temporal das e entre as publicações. Outro aspeto relevante é que as orientações nacionais são protocolos publicados por instituições hospitalares e as orientações internacionais são guidelines para uso generalizado. Isto poderá interferir na adoção de algumas recomendações, podendo resultar em diferenças na interpretação da atuação clínica. Contudo, as instituições incluídas são hospitais de apoio perinatal diferenciado e, deste modo, timoneiras num sistema integrado de referenciação na região de saúde da sua área de influência. Realça-se que foram excluídas todas as recomendações referentes a países em desenvolvimento. Por último, podem ter ocorrido erros de interpretação das recomendações internacionais devido, também, a eventuais dissemelhanças nos meios existentes em Portugal.
A escolha do método de Delphi permitiu evitar reuniões presenciais dos especialistas, mantendo a interação indireta através do feedback de respostas no final de cada ronda. Contudo, este método não substitui a discussão de grupo que poderia concluir outros resultados, sobretudo nas categorias de menor consenso (“critérios de internamento” e “orientação terapêutica na hipertensão”). A seleção de especialistas e a escala de avaliação usada no questionário (índice de concordância com três pontuações) são também limitações que podem alterar os resultados. A avaliação da fiabilidade inter-especialistas efetuada expõe algumas diferenças de interpretação de cada especialista, individualmente, que poderão refletir a sua experiência pessoal ou a menor clareza de algumas recomendações, pois estas discrepâncias são mais evidentes quando comparamos a orientação da MAC com a do HSM e a da ACOG. Apesar de não ser estabelecido um número mínimo de especialistas para aplicar o método de Delphi, sabe-se que quantos mais, maior a fiabilidade dos resultados e mais ténues são estas diferenças inter-especialistas, pelo que uma análise com um painel mais alargado de especialistas poderia ter outros resultados. Apesar de não haver uma escala de avaliação modelo para os questionários no método de Delphi, sabe-se que a fiabilidade poderia aumentar se o índice de concordância tivesse mais opções. Não obstante, o próprio método de Delphi colmata algumas destas limitações pelas múltiplas rondas, aumentado a fiabilidade dos resultados, pelo que no final obtém-se uma percentagem de consenso muito superior à primeira ronda.
Em conclusão, os resultados obtidos apontam para a necessidade de rever e/ou avaliar o impacto nos desfechos materno, perinatal e neonatal da orientação no síndrome de HELLP. Sugere-se a elaboração e publicação de uma orientação nacional uniformizada e atualizada, incluindo especialistas das maternidades existentes no país, para rastreio, prevenção, diagnóstico, referenciação e gestão da grávida com pré-eclâmpsia/eclâmpsia e síndrome de HELLP.