Introdução
O aconselhamento contracetivo para o pós-parto é uma notável medida de saúde pública, com ganhos a médio e a longo prazo. No puerpério, o retorno da fertilidade é imprevisível: as mulheres que não amamentam ou que não amamentam em exclusivo podem ter uma ovulação 4 a 6 semanas após o parto1,2. Existe evidência que 35 a 57% das mulheres retoma a sua vida sexual 6 semanas após o parto1,3. A consulta de revisão pós-parto realizada às 6 semanas, habitualmente nas Unidades de Cuidados de Saúde Primários, carece, em muitos casos, de profissionais habilitados na colocação de métodos contracetivos de longa duração, diferindo o acesso à contraceção4. Além disso, muitas mulheres não comparecem na consulta de revisão puerperal, sendo as principais razões os cuidados ao recém-nascido, limitações em termos de transportes e barreiras na comunicação1,4,5.
Assim, torna-se evidente a importância de um aconselhamento contracetivo eficaz, seguro e informado realizado no período pré-natal e reforçado no pós-parto, com o propósito de reduzir a taxa de gravidez não desejada e de otimizar o intervalo entre gestações melhorando os desfechos obstétricos de uma gravidez futura6.
Neste estudo, procurámos avaliar a atitude, a prática e as preocupações dos profissionais de saúde no aconselhamento contracetivo na gravidez e no pós-parto.
Métodos
Foi realizado um questionário composto por questões relacionadas com as atitudes, práticas e preocupações de aconselhamento contracetivo na gravidez e no pós-parto. O inquérito foi realizado e validado por um grupo de especialistas em Ginecologia e Obstetrícia com diferenciação em contraceção. As questões foram precedidas por um texto explanatório enunciando o objetivo do estudo. As duas primeiras questões procuraram caraterizar a população (idade, género e profissão). A terceira questão esteve relacionada com a abordagem contracetiva para o pós-parto durante a gravidez, considerando se é realizada sempre ou se apenas em determinadas circunstâncias. O último grupo de questões incluiu as atitudes e práticas adotadas durante o internamento no puerpério e à data alta.
Foram incluídos profissionais (médicos e enfermeiros) dos Serviços de Obstetrícia de seis centros hospitalares terciários portugueses (Centro Hospitalar Universitário de Coimbra, Centro Hospital Universitário São João, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central, Centro Hospitalar Universitário do Algarve e Hospital de Braga).
A participação no estudo foi voluntária, tendo sido limitada aos profissionais de saúde presentes nos respetivos Serviços durante os meses de abril a julho de 2019. O inquérito foi preenchido de forma anónima, após consentimento informado. Os dados recolhidos foram utilizados apenas para o presente estudo pelos investigadores principais, cumprindo-se todas as normas de ética e confidencialidade.
A análise estatística foi realizada usando o Microsoft Excel®.
Este trabalho foi realizado em colaboração com a Sociedade Portuguesa de Contraceção.
Resultados
Foram incluídos 310 profissionais (Quadro I): 175 médicos (56,5%) e 135 enfermeiros (43,5%), sendo 12,3% (n=38) do género masculino e 87,4% (n=271) do género feminino, com uma média de idades de 41,9±11,4 anos. Dos médicos, 38,4% (n=119) eram especialistas e 18,1% (n=56) internos da Especialidade de Ginecologia-Obstetrícia. (Quadro I)
Atitude e comportamento sobre aconselhamento contracetivo durante a gravidez e pós-parto
Durante a gravidez, cerca de um terço dos profissionais inquiridos (35,5%, n=110 - 36,0% dos médicos e 34,8% dos enfermeiros) informa sempre a mulher das opções contracetivas, 36,5% (n=113) informa apenas em situações especiais (39,4% dos médicos e 32,6% dos enfermeiros), 19,4% (n=60) realiza aconselhamento apenas em grupos vulneráveis (18,9% dos médicos e 20,0% dos enfermeiros) e 18,1% (n=56) se a hipótese de laqueação tubária (LT) se colocar (26,7% dos médicos e 6,7% dos enfermeiros). Não faz qualquer tipo de aconselhamento durante a gravidez 7,7% (n=24) dos profissionais (6,3% dos médicos (n=11) e 9.6% dos enfermeiros (n=13).
Na alta do puerpério, a maioria (81,6%, n=253) dos profissionais informa e orienta sobre as opções contracetivas. Deste grupo, 41,5% (n=105) prescreve contraceção progestativa oral e informa sobre o início da contraceção, 33,2% (n=84) orienta para contraceção intrauterina na consulta de revisão ou fornece e inicia contraceção (26,9%, n=68). Apenas um inquirido refere colocar dispositivos intrauterinos (DIU) durante o parto por cesariana.
Uma minoria (14,5%, n=45) dos profissionais não informa as mulheres à data da alta sobre contraceção, apontando como principais razões a ‘não adequação do momento’ (35,6%, n=16) e a ‘falta de tempo’ (31,1%, n=14). No que diz respeito a classes profissionais, 8% (n=14) dos médicos e 23% (n=31) dos enfermeiros não informa as mulheres à data da alta sobre contraceção. As razões apontadas pelos médicos são ‘não considerar que seja o momento adequado’ (4,6%, n=8) e ‘não ter tempo para o fazer’ (2,9%, n=5). Na classe de enfermagem os motivos referidos para não realização de aconselhamento à data da alta são ‘não ter tempo para o fazer’ (6,7%, n=9), ‘não considerar que seja o momento adequado’ (5,9%, n=8), ‘não ter condições para o fazer’ (3,0%, n=4) e ‘considerar ser uma tarefa dos cuidados de saúde primários’ (1,5%, n=2). Um enfermeiro referiu ainda não estar motivado para o fazer. (Quadros II e III)
Preocupações sobre aconselhamento contracetivo durante a gravidez e pós-parto
A maioria inquirida (78,4%, n=243) considera que a mulher deve ter aconselhamento contracetivo durante a gravidez, dos quais 87,2% (n=212) considera o terceiro trimestre e o final da gravidez como o momento mais adequado. Relativamente ao grupo profissional, 75,4% (n=132) dos médicos e 82,2% (n=111) dos enfermeiros considera que a mulher deve ter aconselhamento contracetivo durante a gravidez, bem como 66,3% (n=116) e 71,1% (n=96) concordam que o momento mais adequado é o início do terceiro trimestre e o final da gravidez, respetivamente.
Cerca de um quinto dos profissionais inquiridos (21,6%, n=67) considera que não deve ser realizado aconselhamento durante a gravidez (24,6% (n=43) médicos e 17,8% (n=24) enfermeiros). Os motivos mencionados para a não realização de aconselhamento durante a gravidez são: ‘a informação deve ser remetida para a consulta de revisão puerperal’ (49,3%, n=33); ‘a informação deve ser remetida para o momento da alta’ (41,8%, n=28) e ‘não ser pertinente esta informação antes do parto’ (38,8%, n=26). Neste grupo, 25,4% (n=17) dos profissionais não tenciona mudar a sua atitude, dos quais 13 são médicos e 4 são enfermeiros; 11.9% (n=8) refere que irá mudar a atitude (4 médicos e 4 enfermeiros) e 46,3% (n=31) pondera vir a modificar esta atitude (20 médicos e 11 enfermeiros). (Quadros IV e V)
Discussão
A Organização Mundial de Saúde recomenda realizar aconselhamento contracetivo antes e após o parto e considera o intervalo de tempo ótimo entre duas gestações de 18 meses1,5,7. Os principais riscos associados a intervalos mais curtos entre gestações são o baixo peso à nascença, recém-nascidos pequenos para a idade gestacional e o parto pré-termo, implicando este último o risco de morte neonatal, paralisia cerebral e sequelas neurocognitivas a longo prazo1,7. Alguns grupos mais vulneráveis, como as adolescentes e mulheres com baixo nível educacional, têm intervalos menores entre gestações, aumentando a morbimortalidade materna e infantil7,8,9. Assim, o aconselhamento contracetivo durante a gravidez e no pós-parto assume extrema importância.
Uma vez que o tempo de retorno da fertilidade é difícil de prever, podendo esta regressar 45 dias após o parto em mulheres que não amamentam, é recomendado pela OMS a oferta de contraceção nas primeiras 6 semanas após o parto10,11.
Verifica-se ainda que a atitude e comportamento dos profissionais de saúde no aconselhamento contracetivo durante a gravidez não é universal, no entanto uma grande parte dos profissionais inquiridos (78,4%) considera que o aconselhamento contracetivo deve ser realizado durante a gravidez. Efetivamente, a maioria (81,6%, n=253) dos profissionais realiza aconselhamento contracetivo à data da alta, destacando a excelência dos cuidados em saúde materna em Portugal. É também de referir que 90,9% (n=159) dos médicos afirmou informar e orientar a mulher sobre as opções contracetivas à data da alta, mas apenas 69,6% (n=94) dos enfermeiros o referiu fazer. Um estudo realizado por Dude et al. num centro terciário nos EUA mostrou uma realidade diferente da que se verificou no nosso estudo, em que na maioria dos casos houve falha no aconselhamento durante o internamento após o parto7. Também outro estudo que decorreu em Itália mostrou que apenas 15,8% das puérperas inquiridas teve aconselhamento contracetivo durante a gravidez ou no pós-parto. Importa ainda referir que 86,2% das puérperas entrevistadas apreciava ter recebido aconselhamento contracetivo12.
No nosso estudo, verificou-se que um grupo considerável de profissionais (64,5%, n=200) não realiza aconselhamento contracetivo de forma sistemática durante a gravidez, diferindo-o para a alta da maternidade ou até para a consulta de revisão puerperal. Encontrou-se ainda um grupo de inquiridos (14,5%, n=45) que também não realiza aconselhamento contracetivo na alta da maternidade, protelando esse momento para a consulta de revisão puerperal. Cerca de 40,0% das mulheres não comparece na consulta de revisão pós-parto13, ficando assim comprometido o planeamento reprodutivo das mulheres. As principais razões apontadas para a não realização deste aconselhamento, quer pelos profissionais médicos quer pelos enfermeiros, foram a ‘não adequação do momento’ (35,6%, n=16) e a ‘falta de tempo’ (31,1%, n=14).
Tendo em consideração que uma parte significativa das mulheres não comparece na consulta de revisão pós-parto13, o aconselhamento deve ser iniciado preferencialmente durante as consultas pré-natais, devendo ser continuado até ao período pós-parto. No nosso estudo, apenas 35,5% (n=110) dos profissionais realiza sempre aconselhamento durante a gravidez e 81,6% (n=253) refere fazê-lo sempre na alta da maternidade. Na avaliação das práticas de aconselhamento pela classe profissional, verifica-se que a percentagem de médicos e enfermeiros que realiza sempre aconselhamento durante a gravidez é semelhante (36,0% vs. 34,8%), no entanto, na alta da maternidade há uma maior percentagem de médicos informar e orientar a mulher sobre as opções contracetivas (90.9% vs. 69.6%).
Cerca de um quinto dos profissionais (21.6%, n=67) considera que o aconselhamento não é relevante durante a gravidez, apontando como principais motivos: ‘a informação à data da alta ser suficiente’ (41,8%, n=28) e ‘esta informação deve ser remetida para a consulta de revisão puerperal’ (49,3%, n=33). Muitas mulheres preferem ter este aconselhamento no período pré-natal, dado que no período pós-parto o foco encontra-se nos cuidados ao recém-nascido e na recuperação do parto1. Dos profissionais inquiridos que não considera que a contraceção deva ser discutida antes do parto, 25,4% (n=17, dos quais 13 médicos e 4 enfermeiros) não pondera a mudança de atitude. Isto demonstra a necessidade de promover uma formação contínua, fomentando o interesse e a necessidade de melhorar os cuidados assistenciais obstétricos. Além disso, a realização do aconselhamento contracetivo durante as visitas pré-natais pode ter um impacto positivo na relação médico-doente, na consolidação de confiança, aumentado consequentemente a satisfação e a adesão à contraceção no pós-parto.
Um aconselhamento adequado passa por garantir que a mulher compreende a eficácia, a segurança e as reações adversas dos métodos existentes; pela avaliação dos antecedentes que impliquem a sua inelegibilidade e pela discussão informada e partilhada acerca da integração de um determinado método5.
A colocação de contraceção intrauterina no pós-parto imediato, definida pela inserção nas primeiras 48 horas pós-parto, é uma medida eficaz na redução da taxa de gravidez não planeada, estando associada a menor desconforto durante a inserção e a menos efeitos adversos em comparação com a sua inserção 4-6 semanas depois do parto9. As taxas de continuação aos 6 meses são superiores, estando descrito que 74% das mulheres a quem foi colocado um dispositivo intrauterino (DIU) imediatamente após o parto ainda não tinha mudado de método um ano depois da colocação1. Apesar de estarem descritas taxas de expulsão mais elevadas do que com a inserção diferida, os benefícios podem superar os riscos, principalmente em grupos vulneráveis a quem o acesso à consulta de revisão pode ser dificultado. Um estudo recente de Pearson et al. veio confirmar que o aconselhamento no período pré-natal e reforçado na admissão antes do parto aumenta a escolha de contraceção intrauterina10. Além disso, o uso de panfletos informativos, passíveis de serem partilhados com os familiares, foram adjuvantes eficazes na escolha deste método contracetivo. O treino dos profissionais de saúde envolvidos no aconselhamento contracetivo nos cuidados de saúde materna deve ser continuamente promovido, sendo crucial a prática das técnicas de colocação de implante e de inserção contracetivos intrauterinos, nomeadamente na sua colocação per-cesariana, assim como a gestão das possíveis complicações e dos efeitos adversos9. A informação escrita através de folhetos informativos pode ser uma alternativa ou mesmo um completamento à data da alta do puerpério. Atendendo à elevada abstenção à consulta de revisão pós-parto encontrada na literatura, o aconselhamento ou mesmo a provisão de um método contracetivo reversível e de longa duração após o parto durante o internamento é uma medida no controlo do risco de gestações não planeadas7.
O aconselhamento contracetivo durante a gravidez não é universal, sendo que a maioria dos profissionais difere o aconselhamento para a alta da maternidade. No entanto, existe um grupo de mulheres que tem alta sem aconselhamento contracetivo, sendo as razões mais frequentes a ‘falta de tempo’ e a ‘não adequação do momento’, condicionando ainda uma elevada taxa de gravidez não desejada e as consequentes implicações negativas na saúde pública.
Contribuições
Desenho do estudo, colheita e análise de dados - AR, SS, MC, DD, LC, CC, JC, JS, RV, MF, TB. Interpretação dos dados, redação do artigo e revisão crítica do conteúdo intelectual - AR e SS. Ambas as autoras contribuíram de igual forma para este manuscrito e são consideradas co-primeiras autoras. TB - Orientação e revisão crítica do conteúdo intelectual.